Agora com équio!
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Em defesa da arqueologia
“O passado é um outro país; eles fazem as coisas de modo diferente por lá.” A frase é do romancista britânico L.P. (Leslie Poles) Hartley (1895-1972) e, se é que ela peca em algum ponto, é por simplificar o problema. O passado são muitos países diferentes, com um espectro de variação consideravelmente mais radical do que o que existe hoje entre Nova York e um vilarejo do Irã. Este é um blog sobre arqueologia e, portanto, um blog sobre esses inúmeros outros países. Sejam bem-vindos.
Como o título do post indica, meu principal objetivo neste nosso primeiro contato é fazer uma defesa da pesquisa arqueológica. Sou o tipo do sujeito que não se sente muito a vontade com variantes da pergunta “mas pra que serve isso?”. É melhor gostar das coisas (e das pessoas, claro), por elas mesmas, sem justificativas de utilidade e praticidade. Mas devo dizer com a máxima convicção que a arqueologia não é só diversão de “grande caçadores brancos” com mentalidade do século 19. Não é “coleção de selos”, como diz uma caricatura mal-ajambrada da superioridade da física sobre as demais ciências.
Bueno, o que ela é, então? Acho que é sempre produtivo colocar as coisas em termos evolutivos (ok, fellas, eu já tenho um blog de biologia evolutiva; podem imaginar o tamanho do meu vício). A arqueologia é a ciência da história da adaptação das sociedades humanas. E é especialmente adequada para entender as dimensões da adaptação dos grupos humanos ao ambiente e entre si porque depende apenas secundariamente da evidência escrita, que é essencial para a pesquisa histórica.
Um viés a menos
Isso é importante porque, para colocar a coisa em termos simples, artefatos, construções e restos mortais de pessoas e animais não têm interesses ideológicos e, portanto, não tentam te embromar quando vocês os desenterra. É claro que isso não exime os arqueólogos de enfrentar outros vieses e outras distorções — a começar pelos próprios pressupostos teóricos que eles estão usando para escavar e interpretar o que escavam –, mas ao menos força qualquer interpretação a levar em conta a realidade física encontrada em cada sítio.
E, claro, a arqueologia é a única ferramenta para entender culturas desaparecidas que nunca deixaram uma linha escrita. Por coincidência ou não, essas culturas — essencialmente todas as que habitaram a Terra antes do ano 4000 a.C., e muitas das que vieram depois — são cruciais para entender as mudanças mais fundamentais das sociedades humanas, aquelas que deixaram as cicatrizes mais fundas no presente. A origem da agricultura e da criação de animais; a gênese das cidades; o uso dos metais; as primeiras classes sociais; o nascimento das línguas ancestrais das que falamos hoje — são todos eventos ou processos que só podem ser investigados com a ajuda da arqueologia.
Grande coisa, dirá você — essas coisas já ficaram milhares de anos para atrás. Peço licença para discordar. A mão da história jaz sobre todos nós com peso avassalador, e foram esses eventos aparentemente insignificantes do passado remoto que influenciaram (fico tentado a dizer “determinaram”, mas nada no passado é tão simples) cada detalhe do mundo moderno. Mais importante ainda, e voltando ao tema da adaptação, podemos pensar em cada sociedade do passado como um experimento natural que carrega lições valiosas.
Manual de sobrevivência
Para dar alguns exemplos rápidos: quais sociedades sobrevivem e quais perecem em momentos de mudança climática extrema? O que acontece com civilizações que detonam seu próprio ecossistema? Como os impérios nascem e morrem? Por que alguns povos caminharam na direção da complexidade política e outros permaneceram como bandos de caçadores-coletores? O que tudo isso significa para o nosso futuro como espécie (eu apostaria que muito)?
Acho que não é exagero dizer que estamos passando por uma época em que essas perguntas, e possíveis respostas científicas a elas, estão florescendo como nunca. O mais legal é que, para enfrentar esse desafio, os arqueólogos são forçados a trabalharem da maneira mais transdisciplinar possível. Bons dados e boas ideias surgem das encruzilhadas da linguística com a biologia evolutiva, da modelagem matemática com a geofísica, da sociologia com a antropologia biológica. É preciso ser eclético sem ser superficial, enxergar os padrões mas evitar que elas sejam inventados pela sua própria imaginação hiperativa.
Em resumo, é, sim, uma aventura. No melhor sentido da palavra. Vocês me acompanham?
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Uma nota rápida sobre o nome e o visual do blog, antes de nos despedirmos. Eu sei, estou careca de saber, que o bom e velho Henry “Indiana” Jones Jr. não é exatamente o sujeito adequado para refletir como é a arqueologia na vida real. PelamordeDeus, o cara é praticamente um ladrão de tumbas. Contexto arqueológico? Não trabalhamos. (Também nem dava. Toda vez que o principal artefato era tocado, o sítio inteiro desabava…)
E, no entanto, pataquadas à parte, Indy e companhia bela conseguiram inculcar em jovens mentes impressionáveis (tipo a minha aos nove anos de idade) o essencial: o passado pode ser uma aventura. E o passado importa. Portanto, é uma honra colocar a surrada fedora na cabeça, nem que seja metaforicamente. Vamos em frente.