Peru para o povo

ResearchBlogging.orgPromessa é dívida. Segue abaixo a reportagem sobre a domesticação dos perus na América do Norte pré-colombiana, originalmente publicada na “Folha” de hoje. E com um enigma adicional que não coube no texto impresso.
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Os indígenas da América do Norte antes de Colombo não celebravam o Natal, obviamente, mas criar perus parece ter sido tão importante para eles que o bicho foi domesticado na região duas vezes, de forma separada, indica um novo estudo.
Mais ou menos na mesma época, há cerca de 2.200 anos, tanto os moradores do vale de Tehuacán (no sul do México) quanto as tribos do sudoeste dos Estados Unidos passaram a criar a ave, revela um artigo publicado na revista científica americana “PNAS”.
Análises de DNA mostraram que os perus domésticos dos EUA eram geneticamente distintos dos mexicanos, derrubando a ideia de que os indígenas americanos teriam importado seu plantel da espécie junto com o resto do pacote agropecuário do México (que incluía milho, abóbora e feijão, entre outras culturas).
Dongya Yang, especialista em DNA antigo da Universidade Simon Fraser, no Canadá, contou à Folha que a pesquisa surgiu quando ele se deu conta de que colegas de outra instituição, a Universidade do Estado de Washington (EUA), também andavam bisbilhotando o passado dos perus domésticos.
“Nós estávamos estudando ossos de peru, enquanto eles trabalhavam com coprólitos [fezes fossilizadas]. Então, nada mais natural do que juntarmos esforços”, explica.
Os restos foram obtidos em locais relativamente altos, frios e secos de cinco Estados americanos (Utah, Colorado, Arizona, Novo México e Texas), o que facilitou a preservação do DNA dos animais, afirma Yang.
Abundância fecal
O grupo usou indicadores arqueológicos para confirmar que os perus eram mesmo domesticados, como a presença de cercados ou de grandes quantidades de esterco ou cascas de ovo.
Uma vez obtido o material genético, ele foi comparado com o de perus criados comercialmente hoje nos EUA e o de espécimes de museu dos perus selvagens do sul do México (esses bichos estão extintos hoje, ao contrário dos perus selvagens americanos).
Yang e companhia descobriram que os perus domésticos do sudoeste dos EUA podiam ser classificados em dois grandes subgrupos genéticos –nenhum dos quais batia com o DNA dos mexicanos.
Por enquanto, contudo, ainda não dá para saber de qual região americana os animais domésticos vieram, afirma o pesquisador.
O certo, de qualquer modo, é que os perus comercializados todo santo Natal mundo afora descendem da raça mexicana, que foi levada para a Europa pelos espanhóis no século 16.
Apesar da dúvida, a pesquisa também sugere a presença de técnicas relativamente sofisticadas de criação de animais. Parece que, após o estabelecimento inicial do plantel, os indígenas do sudoeste dos EUA capturaram formas selvagens da vizinhança.
“Pode ter sido um jeito de criar híbridos mais produtivos, mas isso ainda é especulação”, diz Yang.
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Agora, o enigma: existe um caminhão de subespécies norte-americanas do peru selvagem, cuja diversidade genética já foi estudada. Acontece que, embora o sudoeste dos EUA pareça ser um segundo centro de domesticação do bicho, “empatando” com o sul do México, o DNA da maior parte (cerca de 85%) dos bichos encontrados em sítios arqueológicos de lá NÃO BATE com o da subespécie selvagem da região.
Grosso modo, as explicações possíveis são duas. Ou os bichos domesticados no sudoeste americano representam uma fatia da diversidade genética selvagem que não está mais presente na população não-doméstica, ou eles originalmente foram parar no cativeiro EM OUTRA REGIÃO. A semelhança genética maior, nesse caso, é com a subespécie do leste dos EUA (que vive na Flórida, por exemplo). Só que, pelo que se sabe, os índios desse pedaço dos Estados Unidos NÃO domesticaram os perus vizinhos.
Yang me disse que só mais dados vão poder desembaraçar o mistério dos perus “fantasmas”, o qual, por enquanto, soa um bocado bizarro.
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Speller, C., Kemp, B., Wyatt, S., Monroe, C., Lipe, W., Arndt, U., & Yang, D. (2010). Ancient mitochondrial DNA analysis reveals complexity of indigenous North American turkey domestication Proceedings of the National Academy of Sciences DOI: 10.1073/pnas.0909724107
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O ameríndio tá de olho no peru

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Um rápido teaser, e uma excelente desculpa para estampar aqui no blog a belíssima fotografia de Eric Kaldahl, da Fundação Ameríndia (EUA). A bacia de cerâmica abaixo mostra como os perus eram parte importante das culturas nativas do sudoeste americano, como os célebres Anasazi, por volta do ano 1000 da Era Cristã. Um novo estudo na revista científica “PNAS” indica que as suculentas aves foram domesticadas de forma separada no sudoeste dos EUA e no México, respectivamente, usando dados de DNA para substanciar a hipótese. Mais detalhes na “Folha de S.Paulo” de amanhã, onde escrevo sobre a pesquisa. Stay tuned!
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Cachorro-quente das cavernas?

ResearchBlogging.orgperritofeo.jpgLeio no jornalão americano “New York Times” uma proposta mirabolante para explicar a domesticação dos cães: fazer cachorro-quente. Literalmente. Peter Savolainen e seus colegas do Real Instituto de Tecnologia de Estocolmo, na Suécia, afirmam que os primeiros totós a serem criados por humanos serviram de comida, e só depois passaram a ser tratados como companheiros de caça, guardas e animais de trabalho.
É claro que a hipótese tem apelo popular, em parte por ser nojenta, em parte por ser um tanto cômica. Mas, quando olhamos os dados científicos publicados por Savolainen e companhia, é difícil evitar a impressão de que eles estão forçando um pouco a barra. Tanto que a ideia do filé de buldogue nem entra no resumo do artigo, recém-publicado na revista especializada “Molecular Biology and Evolution”.
O que Savolainen e companhia realmente fizeram foi analisar o DNA mitocondrial (aquele presente nas mitocôndrias, as usinas de energia das células) de cerca de 1.500 cães, em busca de padrões geográficos e de uma data estimada de domesticação. Segundo eles, a diversidade genética indica uma origem única, no sul da China, há uns 12 mil anos, quando a agricultura e a vida sedentária estava emergindo na região.
Beleza. Nada contra. O problema é fazer o pulo-do-gato (só pra combinar com quem quer sacanear a cachorrada) da origem no sul da China para o uso culinário dos cães. É fato que levar cachorros para a panela é comum nessa parte do mundo; também é fato que, em alguns sítios arqueológicos de lá, foram encontrados ossos de cachorro com marcas de corte. Daí a estabelecer que a motivação da domesticação foi devorar os bichos é ir um tanto longe demais.
Primeiro, “esse documento não prova nada”, como diz o Báteman: marcas de corte podem só significar sepultamento secundário, em que o corpo é descarnado antes do enterro. É preciso usar critérios mais detalhados pra provar o consumo culinário da carne. Também é preciso saber o quão comuns são esses sítios de churrasco de cachorro, e que idade eles têm. Finalmente, algum chinês pré-histórico pode muito bem ter comido seus cãezinhos no desespero, e não como algo rotineiro — em situação de guerra, nem os alemães desprezavam um salsichão canino, diz a lenda.
O que a gente sabe de outras culturas sobre o consumo de carne de cão — caso dos polinésios ou dos astecas, que curtiam fatiar o xoloitzcuintle, raça careca que você vê na foto acima — é que em geral ele é motivado ou favorecido pela relativa falta de outras fontes de proteína animal. Surgiram raças já dedicadas ao abate — motivo pelo qual o xoloitzcuintle foi selecionado para ser careca. Pode até ser que esses critérios sejam satisfeitos pelos mais antigos cães chineses, mas, por enquanto, a ideia parece especulol puro.
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Pang, J., Kluetsch, C., Zou, X., Zhang, A., Luo, L., Angleby, H., Ardalan, A., Ekstrom, C., Skollermo, A., Lundeberg, J., Matsumura, S., Leitner, T., Zhang, Y., & Savolainen, P. (2009). mtDNA Data Indicates a Single Origin for Dogs South of Yangtze River, less than 16,300 Years Ago, from Numerous Wolves Molecular Biology and Evolution DOI: 10.1093/molbev/msp195

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