Cidades perdidas do Xingu

xingu.jpgUma edição recente da revista “Scientific American” traz a descrição mais didática e saborosa feita até agora sobre os achados do arqueólogo Michael J. Heckenberger, da Universidade da Flórida, no Xingu. Já faz algumas décadas que os pesquisadores estão mostrando uma complexidade social e econômica insuspeita na Amazônia antes de Cabral, mas o trabalho de Heckenberger tem um sabor todo próprio porque ele mostra como essa complexidade pôde gerar uma população densa e, ao mesmo tempo, não produzir uma civilização urbana propriamente dita.
Em vez de metrópoles como a Tenochtitlán dos astecas ou a Cuzco inca, a civilização do Xingu produziu o que mais parece uma rede altamente interligada de condominíos fechados, daqueles que usam a expressão “lotes com muito verde” na propaganda.
Heckenberger e companhia descobriram que as antigas vilas do Xingu se organizavam de maneira hierárquica, com grandes centros populacionais e ceremoniais que podiam abrigar uns 2.000 habitantes, sendo dez vezes maiores do que as atuais aldeias indígenas da área, complementados por vilas menores, tudo isso conectado por uma rede de estradas cuja largura ia de dez a 40 metros.

Muralhas de madeira

Esses centros eram cercados por altas paliçadas e fossos defensivos com perímetro de alguns quilômetros. Os fossos podiam ter cerca de 2 metros de profundidade e dez metros de largura. Imagens de satélite indicam que muitas das áreas hoje cobertas por floresta na região são, na verdade, mata secundária, com composição de espécies modificada pelo uso humano intensivo. Por meio de um sistema de rotação de culturas, os xinguanos pré-século XVI parecem ter obtido boas colheitas de mandioca, pequi e sapê para a construção de malocas.
Os rios da região também parecem ter sido modificados pela ação humana, com coisas como a criação de diques para a pesca em grande escala. Ao todo, a região pode ter abrigado até 50 mil pessoas em seu auge pré-cabralino, calcula Heckenberger. É um tipo alternativo de desenvolvimento urbano, que pode ter ido para o espaço com a diminuição da população ligado às doenças trazidas pelos europeus.
Outro detalhe genial das pesquisas é a proximidade dos arqueólogos com a população da tribo cuicuro, moradora da região, cujos membros chegaram a assinar as pesquisas em revistas científicas de renome e contribuíram com o que sabiam sobre a história oral de seus ancestrais para a interpretação dos achados arqueológicos.
————-
Conheça Além de Darwin, meu primeiro livro de divulgação científica
Siga-me no Twitter
Para saber quem sou: meu Currículo Lattes

Poluição inca

ResearchBlogging.orgcoroa.jpgDepois que os espanhóis chegaram, Huancavelica, na região central do Peru, ganhou o apelido de mina de la muerte. Mas bem que ela merecia ter o mesmo nome nas muitas línguas indígenas faladas nos Andes antes do Descobrimento. O motivo? Huancavelica, como mostra um estudo recente na revista científica “PNAS”, foi uma fonte considerável de poluição por mercúrio ao longo de milênios de pré-história andina.
Os dados foram levantados pela equipe cujo líder é Colin Cooke, da Universidade de Alberta, no Canadá. Que Huancavelica tinha ajudado a poluir os Andes a partir do domínio espanhol todo mundo já sabia, principalmente porque o mercúrio era o principal meio para se minerar prata durante a era colonial — o metal líquido era amalgado ao minério de prata. Não se imaginava, contudo, que as civilizações pré-colombianas da região também tivessem produzido tanta poluição.
Está tudo nos lagos
Foi o que Cooke e companhiam descobriram ao examinar sedimentos depositados no fundo de lagos da região. As camadas desses sedimentos formam um registro bastante completo do que andava acontecendo na superfície vizinha, e elas podem ser datadas por meio de isótopos radioativos, entre eles o famigerado carbono-14.
O que essas fatias de sedimentos lacustres revelam é, primeiro, um longo período de acúmulo lento, contínuo e estável de mercúrio no fundo dos lagos. A partir de 1400 a.C., a proporção de mercúrio começa a crescer, até atingir dez vezes o nível original do elemento em torno de 600 a.C. Após quase 2.000 anos de oscilações nesse patamar, com retornos ao padrão original e algumas fases de aumento da proporção de mercúrio, a coisa dispara novamente por volta do ano 1400 da nossa era, com registros de níveis do metal entre 55 e 30 vezes o esperado pela deposição natural de minérios.
Não parece muito difícil entender o porquê desses aumentos de poluição. Os dois grandes picos poluidores, de 600 a.C. e 1400-1500 d.C., batem com o apogeu dos impérios Chavín e Inca, respectivamente — dois dos principais Estados pré-históricos a dominar vastas áreas dos Andes.
Simplesmente um luxo
Ambos os impérios tinham em comum o gosto por adornar seus artefatos de ouro (como a coroa Chavín vista acima) com o vermelhão, corante vermelho (duh!) que é a forma pulverizada do cinabre, ou sulfeto de mercúrio (HgS). O vermelhão também era empregado como pintura corporal nos Andes pré-históricos.
Ou seja: ao contrário do que se viu na era colonial, as antigas civilizações andinas tinham como principal motor de sua atividade mineradora e poluidora a obtenção de bens de prestígio, ou seja, de ferramentas de ostentação social para a nobreza. Taí mais uma prova de que os seres humanos do século XXI não inventaram o conceito de fazer coisas estúpidas com o ambiente só para aparecer.
———————-
Cooke, C., Balcom, P., Biester, H., & Wolfe, A. (2009). Over three millennia of mercury pollution in the Peruvian Andes Proceedings of the National Academy of Sciences, 106 (22), 8830-8834 DOI: 10.1073/pnas.0900517106

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM