A não-notícia do século: Obama salvou o planeta

Obama toma sua primeira medida concreta contra o aquecimento global.  (Foto Charles Dharapak, AP)

Obama toma sua primeira medida concreta contra o aquecimento global.
(Foto Charles Dharapak, AP)

 

O que faz um político quando está cheio de problemas, premido por uma crise econômica, acusado de jogar sujo contra opositores e que acaba de ser pego com a boca na botija mandando espionar os cidadãos de seu próprio país? Muito simples: salva a humanidade e revoluciona o panorama energético do planeta. Isso se esse político cheio de problemas se chamar Barack Hussein Obama.

Em um discurso de cerca de 40 minutos ontem, estrategicamente feito a uma plateia amigável de estudantes universitários de Washington DC, o presidente dos EUA anunciou seu aguardado plano para combater a mudança climática. Para os ambientalistas e a comunidade científica, que esperam um movimento de liderança dos EUA no assunto desde o fim da década de 1990, foi uma fala histórica, recheada de referências à ciência do clima e ao papel da inovação como propulsora de novas indústrias, que geram valor e empregos enquanto cortam a poluição. Obama não tergiversou nem mesmo sobre nomes: chamou os negacionistas do clima de “sociedade da Terra plana” e as areias betuminosas do Canadá de “tar sands”, esquecendo o nome que o marketing fóssil inventou para essa fonte altamente poluente de petróleo – “oil sands”. Arrancou aplausos da moçadinha presente ao convescote, mas também da União Americana de Geofísica, da imprensa britânica, de cientistas do clima que vêm sofrendo bullying dos céticos e de jornalistas americanos como Andrew Revkin, do New York Times. (Post Scriptum: leia aqui a análise de Michael Levi, do Council on Foreign Relations, sobre o que está nas entrelinhas do plano de Obama).

O anúncio feito pelo presidente tem três eixos, mas um principal: o Executivo não vai esperar pelo Congresso e decidiu impor limites de emissão de CO2 a todas as usinas termelétricas a carvão dos Estados Unidos. São mais de 1.600 plantas, que geram hoje 40% da energia do país. Elas serão reguladas por um ato da EPA, o Ministério do Meio Ambiente americano, seguindo uma determinação da Suprema Corte de seis anos atrás. Isso mesmo: o presidente dos EUA poderia ter tomado essa decisão há seis anos, mas só Obama desperdiçou quatro em seu primeiro mandato na esperança de que o Congresso, dominado pelo lobby fóssil, aprovasse uma lei baixando esses limites.

Obama também anunciou um pacote de estímulo às energias renováveis, aquelas que a nossa presidenta aqui embaixo gosta de chamar de “fantasia”. O americano quer dobrar a capacidade instalada de eólica e solar do país, produzindo energia renovável para 6 milhões de lares até 2020 e determinando ao Departamento de Defesa – o maior consumidor de energia dos EUA – que instale 3 mil megawatts (mais ou menos uma usina de Jirau) em renováveis em suas bases. “Eu quero que a América ganhe essa corrida, mas não dá para ganhar se não entrarmos nela.” Aplausos.

O discurso foi tão bom, e Obama é um orador tão cativante, que alguns comentaristas americanos entraram na torcida e se esqueceram de algumas coisinhas básicas. Primeiro, que o presidente não estava “preocupado com seu legado” ou “com os filhos dos nossos filhos”, como ele disse estar. Estava cumprindo uma promessa de campanha que havia feito não agora, mas em 2008. Portanto, o plano infalível da Casa Branca para salvar o mundo chega com cinco anos de atraso.

Depois, tem o diabo daquela frase que os americanos adoram: too little, too late. Embora o plano de Obama de fato ponha os EUA no rumo de cumprir a “meta” anunciada em Copenhague de cortar 17% das emissões do país em relação aos níveis de 2005, tal meta é menor do que o compromisso assumido e depois desassumido pelo Tio Sam no finado Protocolo de Kyoto Parte 1. Nunca é demais lembrar que, se quisermos ter pelo menos 50% de chance de limitar o aquecimento global a 2oC neste século, precisamos chegar a 2020 emitindo 44 bilhões de toneladas de CO2 equivalente; o cumprimento à risca de todas as metas de Copenhague (não só as americanas) deixar-nos-ia 5 bilhões de toneladas acima desse limite, e no rumo de um aquecimento de 3oC. O esperado imposto sobre o carbono nos EUA, que poderia afetar toda a economia do país, passou longe desta vez.

Por último, mas não menos importante, não vi muita gente por aí comentando o óbvio: Obama só se comprometeu com tudo isso porque seu país está montado no maior jackpot de combustíveis fósseis da história da humanidade: o tight oil, que tornará os EUA o maior produtor de óleo do mundo em 2020, e o gás de folhelho (xisto), que começará a ser exportado, de tão abundante, e que nos últimos cinco anos já transformou a matriz energética americana. Mais barato e menos poluente, o shale gas já tem entrado pesadamente no lugar do carvão nas novas térmicas, e foi corresponsável pela derrubada das emissões do país em 2012. O carvão tem amigos poderosos no Congresso dos EUA, mas é um cachorro agonizante. Está tão em desuso nos EUA que vem sendo exportado a preço de banana (quer dizer, pelo menos ao preço que a banana tinha antes do Mantega) para a Europa. Obama não respondeu onde vai enfiar o petróleo, mas enfatizou mais uma vez que o shale gas é uma fonte energética “de transição”. Com tanta energia pronta para ser extraída de seu subsolo, nosso Nobel da Paz afronegão pôde chutar o saco dos carvoeiros com relativa segurança.

Mas é claro que ninguém aqui, nem eu mesmo, na minha inocência, achava que Obama pudesse sozinho resolver a crise do clima. O diabo é que, em política, o gesto vale mais que o conteúdo. E o gesto do presidente terá provavelmente um efeito redentor sobre as desacreditadas negociações internacionais do clima na ONU, que têm um acordo marcado para 2015. Os EUA foram além de não atrapalhar: estão tomando a liderança do processo agora. Pegaram o bonde andando e já invadiram a cabine do motorneiro, como todo mundo achou que eles fariam quando tivessem o ferramental tecnológico certo. Uma passagem absolutamente genial do discurso de Obama de ontem foi um tremendo ovo de serpente lançado sobre a comunidade internacional: o americano pediu “livre comércio para as tecnologias limpas”. Em português claro, te cuida, China, porque nós vamos começar a fabricar essas traquitanas aqui e inundar o mundo com elas sem barreiras tarifárias. Cada vez mais, o fórum onde as questões ambientais mais importantes do mundo serão decididas deixará de ser a convenção do clima e passará a ser a OMC. É bom que seja assim.

Um pequeno colchete

[É tentador comparar o discurso de Obama com o de Dilma Rousseff, também feito ontem – titubeante, improvisado, autoritário e, como se viu, errado – em resposta igualmente a um clamor da população e a um Congresso que se descolou da sociedade. Dilma prometeu resolver o problema dos transportes urbanos dando R$ 50 bilhões para o PR (ex-faxinado), e sua proposta sobre o dinheiro do pré-sal terminou de matar o Fundo Clima, que poderia bancar o desenvolvimento de energias renováveis no Brasil. Mais uma vez, o patropi viu uma oportunidade real de desenvolvimento industrial real passar na frente e não agarrou. Em breve seremos clientes de tecnologias energéticas norte-americanas. A menos que o tema entre na pauta da próxima manifestação.]

 

 

Esquimós na pindaíba

Vitus Nielsen, ex-caçador que precisou passar a viver do anzol depois que o gelo diminuiu

Vitus Nielsen, ex-caçador que precisou passar a viver do anzol depois que o gelo diminuiu

Finn Pedersen mudou-se para a Groenlândia em 1985, para dar aulas de inglês e dinamarquês numa aldeia de 150 pessoas. Aposentado há um ano e casado com uma nativa, não pensa em voltar mais para a Dinamarca. “Tenho a melhor vista do mundo aqui.”

O “aqui” ao qual ele se refere é Upernavik, uma cidade de 2.500 almas construída num rochedo e cercada de centenas de quilômetros de nada. É o penúltimo aglomerado urbano antes do polo Norte e o último que merece tal designação (para os padrões groenlandeses de aglomerado urbano, claro). Viver aqui é uma operação logística complexa: não existe água encanada, não há hotéis nem restaurantes e tudo o que se come precisa ser caçado, pescado ou importado da Europa por navios cargueiros que às vezes ficam seis meses sem atracar por causa do gelo marinho (mas cuja frequência tem aumentado na mesma proporção em que o gelo diminui). Uma vez a cidade calculou mal seu estoque de papel higiênico. Em poucas semanas, acabou o filtro de café no supermercado. Em mais algumas, as pessoas pararam de devolver os livros para a biblioteca.

Até dez anos atrás, só se chegava a Upernavik de helicóptero, um Sikorsky S-61 N de 20 lugares que serviu na guerra do Vietnã. “Era uma aeronave muito sensível, barulhenta e insegura”, resume Pedersen. Frequentemente o mau tempo – uma constante nas altas latitudes – impedia o bicho de pousar na ilha de Upernavik e forçava os passageiros a voltar à origem do voo. Hoje existe um aeroporto no alto do morro e a Air Greenland consegue fazer voos mais ou menos regulares no verão, três vezes por semana, com duas escalas e a um preço que me impede de sentar para contar. Turistas, só de vez em nunca, a bordo de navios de cruzeiro.

Esta cidade é um dos lugares do planeta mais diretamente afetados pela mudança climática. E isso não é necessariamente ruim para seus moradores: os efeitos são mistos, com ganhos de um lado compensando perdas de outro. Pedersen conta que, nos últimos dez a 15 anos, muitas famílias que viviam da caça precisaram mudar de ramo e começar a pescar. Como o gelo tem ficado muito fino e instável, não é mais possível usar trenós puxados por cachorros durante boa parte do ano para avançar pelo mar congelado e caçar focas e baleias. O resultado é que manter os cães ficou caro demais para pouco retorno com a caça. Quem era caçador deu os cachorros e virou pescador, como Vitus Nielsen, um senhor simpático a quem Pedersen me apresenta num pequeno ancoradouro da ilha. O próprio Pedersen foi obrigado a dar seus cinco cachorros. Comprou um quadriciclo, que usa para andar pela cidade.

A pesca, em compensação, vai muito bem. A estatal Royal Greenland, que é praticamente dona do PIB da Groenlândia (o país ainda vive da pesca, sobretudo de camarão), comprou recentemente uma start-up, a Upernavik Seafood, e hoje opera em duopólio com uma cooperativa de pescadores local. Há processadoras industriais de pescado em vários assentamentos inuítes nos arredores, e o peixe chega em Upernavik pronto para ser embarcado para a Dinamarca. O halibute, estrela da economia local, continua sendo capturado no fiorde. Mas agora ele não está mais sozinho: o bacalhau, que prefere águas um tiquinho menos frias a sul de Upernavik, anda aparecendo em abundância no pedaço. E um salmonete chamado pelos locais de  “ammasit”, exclusividade do sul da Groenlândia, já deu as caras por aqui. “Há dez ou 15 anos você não encontrava ammasit nestas águas”, afirma o professor.

Não foram só eles. Começaram a aparecer jubartes, provavelmente nadando para o norte atrás de suas presas, e baleias-piloto, um tipo de golfinho preto conhecido por encalhar às dezenas no Pacífico. “O pessoal ficou feliz, porque, como era um animal novo, não tinha cota de caça”, lembra Pedersen.

Num lugar isolado como Upernavik, onde uma cebola custa R$ 3 (eu paguei) e a única agricultura é praticada por alguns moradores em vasos dentro de casa, a caça é indispensável para suprir vitaminas no inverno. E os groenlandeses atiram em tudo o que cruza seu caminho, inclusive ursos polares. “A carne é muito boa”, elogia o esquimó convertido. O petisco favorito é o mattaq, um toucinho de baleia comido cru e rico em vitaminas. Porém, a dieta local está cada vez mais dependente dos navios cargueiros, por conta de um segundo fator: o governo. Vitus Nielsen reclama de que várias restrições foram baixadas à caça de belugas (fala sério, você mataria uma fofura daquelas?) e narvais, e o preço da pele de foca despencou no mercado por causa dos limites à venda depois do embargo à pele canadense. Hoje um caçador recebe 250 coroas por pele, dinheiro que não paga duas garrafas de vinho vagabundo.

Antes de lamentar a sorte dos groenlandeses, cabe considerar que, até a 2a Guerra Mundial, os habitantes do país viviam praticamente na Idade da Pedra. Nos últimos 70 anos, eles tornaram-se perfeitos ocidentais, com as ressalvas ao ambiente onde vivem. Moram em casas confortáveis, não em iglus, e andam em barcos a motor, não em caiaques. Os groenlandeses já estão se adaptando às mudanças ambientais à sua volta. A crise econômica que arrebentou a Europa teve provavelmente um impacto muito mais sério sobre os empregos locais do que o sumiço do gelo marinho. Quanto a isso, a solução pode estar ironicamente na própria mudança climática. “No ano passado tivemos 20 navios de prospecção de petróleo por aqui”, diz Finn Pedersen. “Muita gente que ficou desempregada com a crise espera poder trabalhar nas plataformas. O governo esta pagando cursos para formar mão de obra qualificada.”

 

Cobras e lagartos

paulo_vanzolini

TIVE APENAS duas conversas brevíssimas com Paulo Emílio Vanzolini, e saí de ambas amaldiçoando o velho zoólogo. A primeira foi no começo da década passada, quando tive a imperícia de perguntar a Vanzo se ele já havia batizado alguma espécie que descobrira com um nome engraçado. “Quem é sério tem perfil baixo”, disparou o cientista. A entrevista durou dois minutos e meio. A segunda vez foi há alguns meses, durante um show de sua mulher, a cantora Ana Bernardo, no Bar do Alemão, na Pompeia. Fui cumprimentá-lo. Ele me estendeu a mão e virou a cara, como se dissesse “OK, agora desinfeta daqui e deixa eu terminar meu chope”, sob olhar constrangido da mulher (Ana seria vitimada pela indiferença do marido várias vezes durante o show).

Fato é que Vanzolini nunca gostou de perder tempo com bobagens. Essa intolerância se acentuou na velhice, fase da vida em que a gente mais pode se dar o luxo da sinceridade e que o herpetólogo paulista, morto ontem aos 89 anos, soube aproveitar muito bem (para azar de quem, como eu, estava na extremidade errada de sua metralhadora). A quem lhe perguntasse sobre sua carreira de compositor, um hobby que rendeu clássicos da MPB como Volta por Cima, Praça Clóvis e Ronda, Vanzo rosnava logo que nunca foi músico, mas sim especialista “em cobras e lagartos”.

Um amigo que estudou com uma das filhas do herpetólogo/sambista costumava contar, às risadas, que cada entrevista de Vanzo criava uma crise na família. Falava mal de todo mundo, e com gosto especial dos baianos Gilberto Gil (“insignificante”), Caetano Veloso e Maria Bethânia, sua mais famosa intérprete (“não é uma cantora, é uma declamadora”). Parecia, porém, reservar elogios à improvável Ivete Sangalo. Numa de suas últimas entrevistas longas, a Eduardo Geraque na Folha de S.Paulo, em 2008, disparou contra Marina Silva (“muito ruim”), João Paulo Capobianco (“o pior que tem”) e o então diretor do Museu de Zoologia da USP, Carlos Brandão (“é até meu sobrinho, mas é um imbecil completo”). Sobre Ronda, seu mais popular clássico, disse certa vez estar perplexo com o fato de o samba ter ficado entre os três finalistas num concurso para escolher a canção-símbolo de São Paulo. “Não entendo como uma música sobre uma prostituta que mata seu cafetão pode ser hino de São Paulo”, disparou. Não poupava nem Ernst Mayr, seu professor em Harvard e um dos biólogos mais influentes da história: costumava contar como Mayr havia vetado sua participação num congresso científico por Vanzolini ter deixado de citar os trabalhos do alemão num paper.

Filho de um professor da Escola Politécnica da USP, Paulo Emílio Vanzolini nasceu em São Paulo em 25 de abril de 1924. Aos dez anos ganhou uma bicicleta e fez sua primeira visita ao Instituto Butantã. Apaixonou-se por répteis. Quis seguir carreira em zoologia. Porém, aconselhado pelo biólogo André Dreyfuss, fundador do Instituto de Biologia da USP e amigo de seu pai, acabou se matriculando na Faculdade de Medicina da USP. “Se você quiser fazer zoologia de vertebrados, vá para a Faculdade de Medicina onde vai estudar anatomia, histologia, embriologia e fisiologia num curso básico de primeiro nível. O resto você rola com a barriga”, disse-lhe Dreyfuss, conforme o próprio Vanzolini relatou a Dráuzio Varella numa de suas entrevistas mais completas, republicada pela Folha em 2000. “Foi o que eu fiz e foi um conselho tão bom que, quando cheguei para fazer pós-graduação nos Estados Unidos, fui dispensado de vários créditos.” De fato, admitiu, empurrou o curso com a barriga. Nunca apareceu nas aulas de clínica médica nem no hospital.

Aos 24 anos, contra a vontade do pai, foi para os EUA, fazer pós-graduação em herpetologia no Museu de Zoologia de Harvard, então dirigido por Mayr, o “Darwin do Século XX”. “Fui para Harvard me achando o fino”, contou. “Tive um choque cultural tão violento ao descobrir o que era a zoologia moderna que quase desisti do projeto.”

Foi também na juventude que ele começou a compor. Nunca soube tocar nenhum instrumento e não tinha vergonha de admitir-se um desafinado total. Imaginava os sambas na cabeça e cantarolava-os a amigos músicos, como Luís Carlos Paraná. A paixão pelo boteco, da qual os sambas eram não mais do que um complemento, acabou tomando dimensões inesperadas e Vanzolini terminaria mais conhecido do público por seu hobby do que pela sua carreira real (evidência disso foi que sua morte hoje foi noticiada pelos cadernos de cultura, não de ciência). Em algumas ocasiões, unia os dois mundos, como quando recolheu a linda moda “Cuitelinho” numa expedição pelo interior paulista.

Sua maior contribuição à ciência seria dada nos anos 1960, num trabalho em colaboração com o geomorfólogo Aziz Ab’Sáber, o “Turco”, morto em 2011, e com o americano Ernest Williams. Encafifado com o processo de especiação de um lagarto do gênero Anolis, Vanzolini intuiu, com a ajuda de Ab’ Sáber, que as mudanças climáticas no Pleistoceno, que alternaram períodos de seca e de umidade na Amazônia, provocaram ora a expansão do cerrado para áreas que hoje são floresta, ora o contrário. Em ambas as situações, ilhas da vegetação retraída se mantinham no novo ambiente, deixando espécies isoladas. A barreira geográfica criada por esses refúgios, como ficaram conhecidos, facilitava a diferenciação das espécies. Isso explicaria o alto grau de endemismo, ou seja, de espécies só encontradas numa determinada região e em nenhum outro lugar, verificado hoje na Amazônia e no cerrado.

Em 1969, antes de publicar seu trabalho, o paulista recebeu da revista Science um trabalho para revisar. Era do alemão Jürgen Haffer, que estudara o processo de especiação de várias aves na Amazônia — e chegara exatamente à mesma conclusão de Vanzo e Williams. “Passaram a perna na gente”, disse Vanzolini a seu coautor americano. Haffer tinha a documentação mais completa. Mas ambos acabaram entrando em acordo (Haffer veio ao Brasil discutir os dados com Vanzolini) e publicando simultaneamente, no ano seguinte, a Teoria dos Refúgios.

Nos anos 1980, a teoria começou a cair em descrédito. Um dos tiros veio do pesquisador Paul Colinvaux, do Laboratório de Biologia Marinha dos EUA. Estudando amostras da paleoflora amazônica em sedimentos, ele e seus colegas concluíram que a Amazônia sempre esteve coberta por florestas — o avanço do cerrado na Era do Gelo não teria existido, pelo menos não na escala necessária aos refúgios. Outro ponto contrário à teoria veio do avanço da biologia molecular: as sequências genéticas de várias espécies da Amazônia faziam supor uma especiação muito anterior ao Pleistoceno. Haffer e Vanzolini nunca deixaram de defender a teoria, o primeiro admitindo, porém, que as mudanças climáticas responsáveis pela especiação podem ter ocorrido antes, no final do Terciário. Em 2008, um grupo da Unesp publicou no periódico PLoS One um estudo sobre especiação de saúvas que confirmava, em essência, a ideia dos refúgios, embora de forma um tanto diferente da teoria original.

Vanzolini andava desgostoso com o samba, devido à morte de vários de seus parceiros ao longo dos anos e às úlceras que lhe mandaram por quase dois mese à UTI em uma ocasião e lhe roubaram o prazer da cachaça. Mas também perdera nos últimos tempos colaboradores importantes na ciência, como Ab’Sáber. De certa forma, Vanzo sobreviveu também à morte de sua disciplina, a biologia evolutiva de organismos, sepultada pela biologia molecular. Era o maior representante no Brasil de uma geração de zoólogos de “unhas sujas”, como costumava dizer, de gente que andava no mato caçando, abrindo e empalhando bichos para descrevê-los (numa ocasião, quando o Greenpeace buscava uma foto de um macaco descrito por ele para uma campanha sobre a Amazônia, Vanzo apresentou imagens do bicho taxidermizado e xingou os ambientalistas quando declinaram sua oferta). Pouca gente quer seguir carreira em zoologia no país que detém a maior biodiversidade do mundo e que carece de sistematas para dar conta de conhecer essas espécies antes que o agronegócio, as hidrelétricas e a mineração levem-nas embora. A profissão de zoólogo foi, além de tudo, instrumentalizada pela indústria do EIA-Rima, frequentemente para dizer aos empreendedores o que eles querem ouvir — que não, não há espécies raras, endêmicas ou ameaçadas no caminho da estrada ou da barragem. Vanzo era símbolo de uma geração de cientistas que olhava a floresta para tentar entendê-la como fim, não como meio. Em meio à maior crise da biodiversidade desde o Pleistoceno, profissionais como ele farão falta.

Brasil, potência antártica em 2018?

Módulo Criosfera-1, instalado por cientistas brasileiros no interior do continente: só o começo? (UFRGS)

Módulo Criosfera-1, instalado por cientistas brasileiros no interior do continente: só o começo? (UFRGS)

TRINTA ANOS DEPOIS da viagem inaugural do Barão de Teffé, o Brasil começa a falar sério sobre a Antártida. Pela primeira vez, um plano de ação para a pesquisa científica no continente é elaborado por cientistas e recebe a bênção da burocracia estatal. Ele está desde quarta-feira em consulta pública no site do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que o encomendara a um grupo de líderes da pesquisa polar como revisão do Proantar, o Programa Antártico Brasileiro. O plano traça um conjunto de objetivos a serem atingidos nos próximos dez anos em cinco áreas do conhecimento, aponta novos campos de investigação para os quais o Brasil deveria olhar e traz uma visão ambiciosa: tornar o Proantar um programa de excelência internacional até 2018, garantindo ao Brasil o reconhecimento como “um dos líderes nas investigações sobre o papel dos processos polares no hemisfério Sul”.

A relevância de um programa antártico robusto para o Brasil deveria dispensar comentários. Como gosta de dizer o glaciologista Jefferson Simões, da UFRGS, relator do plano de ação, a Antártida controla 50% do clima do país. Tem papel direto, para falar a língua que nossos governantes entendem, no PIB do agronegócio. É chave para a compreensão do efeito das mudanças climáticas no resto do planeta e na América do Sul em particular. Nações emergentes, como a Coreia do Sul e a China, têm também usado seus programas antárticos ao mesmo tempo como indutores e “showcases” de seu desenvolvimento tecnológico. O Brasil, para variar, está atrasado em se lançar candidato a potência científica polar (como em tudo o mais que se refere ao papel estratégico da ciência nas decisões de governo), mas antes tarde do que nunca.

A revisão da parte científica do Proantar havia sido pedida já em 2011 pelo secretário de Políticas de Pesquisa do MCTI, Carlos Nobre, mas o processo foi atropelado, ironicamente, pela tragédia do incêndio na Estação Antártica Comandante Ferraz, em fevereiro de 2012, que matou duas pessoas.

O novo plano incorpora basicamente toda a ciência feita hoje sob o guarda-chuva dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia que investigam a Antártida, um liderado por Simões no Rio Grande do Sul e outro por Yocie Valentim no Rio de Janeiro. Porém, traz uma clivagem fundamental em relação à tônica do Proantar: os projetos de balcão desaparecem. Toda a pesquisa passa a ser organizada em torno de cinco eixos ou programas:

1 – Interações gelo-atmosfera: o papel da criosfera no sistema terrestre e o registro de mudanças ambientais (um jeito elegante de dizer “glaciologia);

2 – Efeitos das Mudanças Climáticas na Biocomplexidade dos Ecossistemas Antárticos e suas Conexões com a América do Sul (um jeito elegante de dizer “biologia”);

3 – Mudanças e Vulnerabilidade Climática no Oceano Austral (um jeito elegante de dizer “oceanografia física”);

4 – O papel da Antártica na evolução e ruptura do Gondwana e na evolução do Atlântico Sul (um jeito elegante de dizer “geologia”);

5 – Dinâmica da alta atmosfera na Antártica, interações com o geoespaço e conexões com a América do Sul (um jeito elegante de dizer “meteorologia”).

Pesquisa induzida por eixos não é exatamente novidade no Proantar: aconteceu em 2002, quando o dinheiro do CNPq desapareceu e o programa foi salvo pelo Ministério do Meio Ambiente, que formou duas redes temáticas; e durante o Ano Polar Internacional, em 2007/2009, no qual 11 linhas de pesquisa foram contempladas com verba. Se o novo plano colar e decolar (e é um grande “se”), essa democracia excessiva que pulverizava verbas escassas em projetos muitas vezes inúteis (ou de qualidade questionável) vai acabar. Demorô.

O plano de ação aponta, ainda, novas áreas de investigação, como lagos subglaciais (tema quentíssimo que o Brasil não tem sequer ferramentas para investigar), micróbios patogênicos (o papel de aves migratórias e pinguins na gestação, por exemplo, de cepas novas de gripe) e psicologia de grupos humanos sob pressão extrema estão entre as indicações. Conexões com o Ártico e formação de professores em ciências antárticas completam a lista de desejos.

A visão delineada no plano, porém, precisa de dois recheios importantes. Primeiro, de “benchmark”: como saberemos se chegamos a potência antártica em 2018? Como medir essa excelência? Depois, falta aquilo que os diplomatas chamam de “meios de implementação”: bufunfa. Quanto será necessário? Em quanto tempo? De onde o dinheiro virá? Essa informação precisa surgir no fim da consulta pública, sob pena de o plano não ser nem ao menos apreciado no Palácio do Planalto.

Por fim, é preciso lembrar que o Proantar não é feito só por cientistas. Metade do programa, e a metade onde está o dinheiro grosso, é de logística, a cargo da Marinha. E a Marinha do Brasil tem um problema fundamental com a Antártida, que é a falta de quadros específicos para o Proantar. Meios operativos são muitas vezes subutilizados por conta da falta de experiência dos militares, que fazem rodízio a cada três anos na região. Operações polares dependem de conhecimento acumulado, algo que não existe na estrutura logística brasileira. Um comandante que não quer arriscar navegar num campo de gelo fino mesmo sabendo que seu navio foi projetado para isso pode pôr uma pesquisa a perder. A Marinha sempre se achou dona do programa, não sem razão: são os militares que garantem o funcionamento das coisas mesmo em tempo de vacas magras para a ciência. A tomada das rédeas pelo MCTI, que ora se ensaia, pode criar conflitos sérios com a Defesa, mas esta é uma briga que precisa acontecer há muito tempo para que as coisas possam avançar num patamar diferente.

Outra oportunidade está nas operações aéreas. Hoje o Brasil usa dois aviões Hércules C-130 para levar passageiros e carga até a ilha Rei George, onde o Chile tem uma base aérea. Se quisesse, a FAB poderia treinar seus pilotos com os chilenos e os argentinos para pousar no gelo, o que daria ao Brasil mobilidade para operar no interior do continente (os cientistas que fazem isso hoje contratam empresas de transporte polar). Isso nunca foi feito, entre outras razões porque a frota é limitada e não pode ficar dedicada ao polo Sul. Mas essa situação pode mudar: os Hércules estão se aposentando, e o avião que os substituirá, o KC-390, está sendo feito pela Embraer. “É nosso sonho”, diz Simões sobre a nova aeronave e a perspectiva de seu uso na Antártida (que de resto seria um belo marketing para a empresa). Só falta combinar com a Defesa.

#400ppmday

A curva de Keeling, batendo nos 400 ppm (Scripps/UCSD)

A curva de Keeling, batendo nos 400 ppm (Scripps/UCSD)

O AQUECIMENTO GLOBAL, esse fenômeno que só existe na cabeça de fanáticos de esquerda como eu e a Angela Merkel, continua a brindar-nos com novas bizarrices para assistir em tempo real. Nos últimos dez anos, nós já vimos o esfacelamento das plataformas de gelo Larsen-B e Wilkins, o encolhimento do mar congelado no Ártico, o degelo superficial de toda a Groenlândia, a temporada de furacões de 2005, duas secas recorde na Amazônia e a volta do Renan Calheiros várias epidemias de dengue. A nova tragédia nos chega com antecipação: em algum momento do mês que vem, poderemos ver a concentração de gás carbônico na atmosfera bater as 400 partes por milhão (ppm) pela primeira vez em pelo menos 850 mil anos. Para comemorar esse dia especial, proponho uma grande celebração na sede da Convenção do Clima da ONU: o 400 ppm Day. Com webcast para a Casa Branca, o Itamaraty e a sede do PC Chinês.

Saberemos que o CO2 chegou lá quase em tempo real, graças à internet e aos esforços incansáveis de Charles David Keeling, um cientista da Universidade da Califórnia em San Diego, EUA, que dedicou sua vida a medir as concentrações do gás num observatório construído no alto do vulcão Mauna Loa, no Havaí. Keeling começou a fazer suas medições em 1958, em dois momentos: na primavera e no outono do hemisfério Norte. A plotagem dos dados produziu um dos gráficos mais famosos da ciência, a curva de Keeling, reproduzida acima. Ela dá a medida da aceleração sem precedentes na história humana das concentrações de gases-estufa produzidas pela queima de combustíveis fósseis e pelo desmatamento nas últimas décadas. Quando Keeling montou seu observatório, o CO2 estava em 318 ppm. Durante toda a era pré-industrial, até onde os registros confiáveis de química atmosférica vão (ou seja, 850 mil anos atrás), ela jamais ultrapassou 280 ppm. Quando eu comecei a cobrir esse assunto, em 2000, ela estava em 360 ppm. Pouco mais de uma década depois, baterá os 400. O Instituto de Oceanografia Scripps, ao qual pertence o observatório de Mauna Loa, inaugurou até um serviço de atualização da curva em tempo real. Com a morte de Keeling, em 2005, o bastão passou para seu filho, Ralph.

A marca, porém, será temporária: a concentração de CO2 chega ao pico sempre na primavera setentrional por causa da decomposição das folhas que caem no hemisfério Norte (onde está a maior parte das terras emersas) no outono e no inverno, e cai à medida que novas folhas sequestram carbono na atmosfera. Isso dá à curva seu padrão característico em serrote, mas basta olhar para ela para perceber qual é a tendência.

E a tendência, como diria Marco Aurélio Garcia, é top-top. Vamos cair um pouquinho na nossa primavera, para ultrapassar a barreira dos 400 ppm para valer no ano seguinte. E 400 ppm, só para registrar, era o limite inferior de estabilização do CO2 na atmosfera para que o mundo tivesse uma chance de 50% de manter o aquecimento global em “apenas” 2 graus Celsius em relação à era pré-industrial neste século. Como nossos diplomatas resolveram deixar esse assunto para 2020, a chance de estabilizarmos o carbono no limite de 450 ppm (ponto médio entre 400 e 500) é, para dizer de um jeito educado, muito pequena.

O legal do 400 ppm Day é que, para comemorá-lo, você não precisará sair da rotina nem fazer esses sacrifícios bobinhos que o Grinpís e os pandas exigem de você uma vez por ano. As sugestões deste blog para marcar a data:

– Tome um banho bem demorado logo de manhã (se o chuveiro for a gás, tanto melhort) e deixe as luzes acesas.

– Saia com seu carro. Se for flex, abasteça com gasolina. Ah, esqueci: você faz isso (quem é que guenta pagar esse álcool, né?).

– Coma um bifão no almoço e agradeça a São Aldo e a Santa Kátia de Palmas pelo novo Código Florestal, que nos deu comida barata e, er…, sustentável.

Como você viu, são coisas que a gente faz todos os dias que garantem o sucesso do 400 ppm Day. Eu, por boa medida, vou aproveitar e abrir um belo Pinot Noir da Borgonha: a cepa tem tido quebras de safra com o aumento da temperatura, mas justamente por isso o vinho tem ficado cada vez melhor.

O desmatamento subiu e ninguém viu

QUINTA-FEIRA SANTA, véspera de feriado. Ministra do Meio Ambiente na Indonésia. Presidente do Ibama convoca entrevista coletiva para dar os dados do desmatamento na Amazônia. Entre agosto de 2012 e fevereiro de 2013, o ronco da motosserra disparou: 26,6% de crescimento em relação ao mesmo período do ano anterior. Dois jornais noticiaram, discretamente. Ficou nisso.

O Ministério do Meio Ambiente escolheu o dia, a hora e o porta-voz a dedo para abafar a disparada, num momento em que o desempenho ambiental (logo ele) aparece como uma das razões da popularidade descaralhante-que-nem-o-cogumelo-gigante de Dilma Rousseff, a presidenta-TPM. Soltou um press release dando um belo spin na má notícia, desmentido já previamente pelo contraspin do Greenpeace. Aparentemente o ministério comemora que a devastação tenha caído entre agosto e fevereiro, mas deixa eu contar um segredo: cai todo ano entre esses meses, porque chove na Amazônia. Se o índice acumulado subiu quase 27% no final do ano é porque a coisa pode ficar bem feia de maio em diante, quando começa a estação seca e o pau canta (ou melhor, chora) na floresta. Por menos do que isso Marina Silva baixou a lista dos municípios campeões de desmatamento, que deu no que deu nos anos seguintes.

É direito do ministério apresentar sua versão dourada dos fatos. Afinal, qualquer cidadão com acesso à internet pode ir até a página do Inpe na internet checar a real dos dados do Deter. Ou pelo menos podia.

Desde a disparada de 220% em agosto os dados do sistema não são postados na internet com a frequência prometida. Depois que o site O Eco flagrou o pulo da devastação, o Inpe prometeu que colocaria os dados do Deter no ar de 15 em 15 dias. Mas nem mesmo a frequência mensal foi mantida, já que o sistema ficou meses sem atualização. Em 2008, quando o desmatamento disparou (também no segundo semestre) e o governo de Mato Grosso jurava que não, o Inpe moveu céus e terra para provar que seus dados estavam certos. “A transparência dos dados do Deter é uma conquista da sociedade brasileira”, repetia na época o diretor do instituto, Gilberto Câmara. É preciso que a sociedade cobre o Inpe pela manutenção dessa conquista.

O governo tenta reagir ao crescimento do desmate como sabe: na porrada. A esperança é que o dado do Prodes, o sistema que dá a taxa oficial, fique estável ou mesmo caia em 2012/2013, mas, assim como a política econômica lulodilmista, o efeito da pancada tem uma eficiência cada vez mais baixa com taxas mais baixas de desmate. E a flexibilização da legislação ambiental, no governo Dilma, juntamente com o avanço do PAC sobre a Amazônia, não ajudam muito na contenção.

Na pista com Marina

MARINA caminha depressa, quase correndo. Veste uma camisa laranja e traz uma bolsinha de nylon a tiracolo, dessas que a gente ganha de brinde em eventos. É domingo, ameaça chover e a Estrada Parque do Lago Norte, nome oficial da “Principal”, está vazia. De bicicleta, faço pouco esforço para acompanhá-la, mas estaria em maus lençóis se estivesse a pé. Um vigor notável para a figura franzina e adoentada que eu já vi andar apoiada numa bengala, anos atrás, quando se batia contra desmatadores, hidrelétricas e outros paladinos do desenvolvimento do Brasil.

Faz oito dias que ela deu a largada para outro tipo de marcha olímpica: no sábado anterior, depois de dois anos de costura, lançara a Rede Sustentabilidade, partido que espera tornar oficial para disputar as eleições presidenciais de 2014. Sai de casa com bolos de fichas de assinaturas de apoio. Não sobra nenhum.

Tem sido divertido observar os palpites dos analistas políticos de Brasília em relação à Rede. Sem saber como abordar uma estratégia política que pode dar 100% errado, mas que tem o mérito inegável de pensar fora da caixa (ou DO caixa), os comentaristas têm apostado em que Marina “terá dificuldades” (oh!), “maiores que as do PSD, já que é uma ameaça virtual a Dilma em 2014” (uh!). Houve quem ironizasse a autodefinição da Rede como um partido “nem de direita, nem de esquerda”, comparando-a inevitavelmente à declaração de Golberto Kassab quando do lançamento do PSD (a esse propósito, vale a pena ler a coluna de Eugênio Bucci na última edição da Época). O coronel do PSB, Roberto Amaral, logo quem, chamou o partido de “fundamentalista” e “autoritário”. Outros saúdam o partido por ser diferente, mas criticam-no justamente por ser tão diferente. Outros, ainda, dizem que tudo isso de construir uma proposta política de baixo para cima é “teatro” ou “cortina de fumaça”.

É, pode ser. Ou poderia ser caso Marina e seus seguidores tivessem algum poder em risco ou se outro capital ela possuísse além de quase 20 milhões de votos. A Rede pode arriscar qualquer formato porque não tem nada, absolutamente nada a perder. Lembra, neste sentido, uma outra agremiação “grassroots” fundada por operários e intelectuais nos anos 1980 e cuja história nós já conhecemos. Seria interessante ver o que diziam os analistas políticos na época sobre as perspectivas de poder daquele partido.

“Quando eu dizia que era um partido para defender o meio ambiente as pessoas aderiam na hora”, conta Marina, sobre a panfletagem que fizera na véspera na Feira do Guará, uma espécie de Mercado Municipal de Brasília. Compara a reação do público à notória falta de interesse da mídia pela temática ambiental (veja bem, é ela quem está dizendo). No ato, um pequeno constrangimento: o ex-amigo Jorge Viana, com quem Marina rompeu publicamente em 2011, na época da votação do Código Florestal no Senado, estava lá comendo pastel e recusou-se a assinar pela criação da Rede.

Emplacar o meio ambiente como agenda unificadora da sociedade é o segundo desafio da Rede. Quando ministra, Marina tentou disseminar essa “transversalidade” da questão no governo, mas foi transversalizada no meio do caminho por Dilma Rousseff e os governadores da Amazônia e eventualmente forçada a fazer uma inflexão civilizatória para fora do gabinete. O diabo é que não existe um filho da mãe neste país, nem o parlamentar tocantinense mais amigo da motosserra, que seja declaradamente contra o tal “meio ambiente”. Muitas empresas entendem que o “meio ambiente”, ou melhor, a “sustentabilidade”, é parte importante do seu negócio. No mínimo, ajuda a poupar recursos (e dinheiro) e fazer uma boa figura com o consumidor. O biscoito esfarela na hora de colocar parâmetros na “sustentabilidade”, palavra que Hobsbawm sabiamente apontou como “convenientemente sem sentido”.

Nem a Rede sabe ainda que parâmetros são esses. Aparantemente eles começam nas regras de financiamento: não se aceitará doação de empresas de “cigarro, bebida, armas e agrotóxicos”. O corte, como bem apontaram meu ex-colega Fernando Rodrigues e meu correligionário Hélio Schwartsman, não faz o menor sentido. Cigarro e bebida eu consigo entender. Mas armas e agrotóxicos? No limite, a indústria bélica colabora com a sustentabilidade devido ao alto conteúdo tecnológico de seus produtos, gerando emprego de qualidade e reduzindo a pressão sobre os recursos naturais (é esse o tipo de desenvolvimento ao qual Marina aspira). Os satélites que a então ministra usou com sucesso para fiscalizar o desmatamento na Amazônia em tempo real são subprodutos de um complexo industrial-militar. Raciocínio análogo vale para os agrotóxicos: eu também preferiria passar sem eles, mas é preciso antes combinar com os insetos. Do contrário, estamos condenando a agricultura a baixa produtividade e extensa ocupação de terras. Fora, claro, que empreiteiras e bancos estão fora da peneira. O capitalismo é cruel. O ideal seria aceitar doações apenas de pessoas físicas, mas a Rede não iria muito longe desse jeito.

O terceiro desafio da Rede é de origem metafísica. Marina é uma religiosa cercada de ateus. Não esconde que é contra o aborto, o que lhe rendeu uma extensa parcela dos votos evangélicos em 2010. Nunca perguntei a ela o que acha do casamento gay, mas desconfio que seja contra. A Rede está condenada a tergiversar sobre os dois temas durante a campanha. Mas quem não o fez? Nem Barack Obama firmou posição sobre o casamento gay (o aborto já é legal em vários Estados dos EUA) no primeiro mandato — deixou para sair do armário depois de reeleito.

O primeiro e maior problema do novo partido, claro, é virar partido. Aqui fica claríssimo que 2014 já começou. Os dois maiores ameaçados pela Rede, PT e o condomínio PDSB-DEM (com Marina puxando votos dos insatisfeitos com lulismo à esquerda e Eduardo Campos puxando os à direita, não sobra muita coisa para Aécio Neves), articulam na Câmara uma mudança nas regras de criação de partidos políticos. Marina não seria beneficiada pela regra que permite a um parlamentar em exercício do mandato mudar de partido, da qual gozou o PSD. Aposto e ganho como o PSD apoiará amplamente a mudança na lei.

“O Supremo deve ter algo a dizer sobre isso”, pondera Marina, enquanto dispara pela Principal.

A espiral da morte, agora em 3D

 

Gelo marinho de primeiro ano derrete no verão entre Svalbard e a Groenlândia em 2011

Gelo marinho de primeiro ano derrete no verão entre Svalbard e a Groenlândia em 2011

ACABA DE SER PUBLICADO on-line o artigo científico mais importante do ano sobre mudança climática. Um grupo de cientistas europeus e americanos conseguiu estimar diretamente a redução do volume do gelo marinho no oceano Ártico usando dados de satélite. Para variar, o quadro mostrado pelas medições é mais feio do que o pintado pelos modelos computacionais: o gelo do polo Norte, além de cada vez mais curto em área, está também mais fino.

O estudo, aceito para publicação no periódico Geophysical Research Letters, mostra que entre 2003 e 2012 o volume do gelo marinho caiu 36% no outono (época do ano em que ele atinge sua extensão mínima), de 11,9 milhõers para 7,6 milhões de quilômetros cúbicos,  e 9% no inverno (estação em que atinge a extensão máxima), de 16,3 milhões para 14,8 milhões de quilômetros cúbicos, e sugere que esse afinamento pode estar por trás da redução recorde na extensão mínima do mar congelado no Ártico observada no ano passado. O declínio observado no outono é 60% maior do que o previsto pelo principal modelo usado para estimar o volume do gelo no Ártico, mas cerca de 25% menos do que o modelo calculara para o inverno.

A extensão do gelo no polo Norte é monitorada praticamente em tempo real com a ajuda de satélites. Todo ano os cientistas que estudam o tema começam a ficar nervosos a partir de agosto para saber se o degelo máximo será ou não maior que o de 2007. Desde aquele ano, quando a área sofreu uma redução brutal em relação à média histórica, eles previam que o Ártico havia entrado numa “espiral da morte”, na qual o degelo quebraria recorde após recorde até o oceano glacial estar completamente oceano e nada glacial nos verões, o que deve acontecer antes do fim deste século. A falta de gelo significa mais calor absorvido pela Terra, o que significa ainda menos gelo, e assim por diante. O recorde de 2007 foi quase quebrado em 2011 e quebrado de longe em 2012.

O diabo é que a área de gelo marinho conta só metade da história. Como estamos falando de um objeto tridimensional, a estimativa do volume total de gelo é um dado tão importante quanto ou mais importante que sua extensão. Não refresca em nada o gelo se recuperar no inverno se ele for fino e derreter todo no verão seguinte. O que importa para a saúde do polo é o gelo permanente, aquele que se acumula durante vários anos e atinge espessuras de 6 metros ou mais. E esse está cada vez mais raro.

Quão raro, porém, é uma medição tinhosa. Satélites que estão voando a centenas de quilômetros da superfície têm dificuldade em diferenciar a camada de neve superficial do gelo duro debaixo dela e outras sutilezas, como a porção, às vezes de alguns centímetros apenas, de gelo da banquisa que fica acima da superfície do mar (o chamado “freeboard”). Para piorar, o primeiro satélite especializado em medir gelo, o americano ICESat, morreu em 2008 e precisou ser trocado por uma série de campanhas aéreas da Nasa, incapazes de cobrir a mesma área monitorada pela espaçonave. Nos últimos anos, os cientistas precisaram lançar mão de medições pontuais feitas in situ e com o auxílio de aviões, extrapolar esses dados para todos os 7 milhões de quilômetros quadrados do oceano Ártico e mandar um computador calcular o volume. O período de coleta do ICESat foi curto demais para validar o principal modelo de volume de gelo usado hoje, o Piomas, da Universidade de Washington.

Entram em cena outro satélite glaciológico, o europeu CryoSat-2, e uma série de algoritmos sofiscicados desenvolvidos pelo grupo de Katharine Giles, do University College London. O grupo coletou dados do CryoSat em 2010/2011 e em 2011/2012 e a série de dados do ICESat de 2003 a 2008 e bolou uma série de jeitos espertos de interpretá-los que meu conhecimento de matemática e a paciência do leitor me impedem de explicar aqui. Para calibrar os dados, Giles e colegas valeram-se de missões aéreas europeias e americanas, além de dados coletados de baixo para cima por submarinos nucleares que atravessam o polo Norte. Isso possibilitou, nas palavras dos cientistas, “estender o registro do IceSat” até 2012, o que forneceu a primeira observação das mudanças de volume da banquisa ao longo de uma década.

“Os dados revelam que o gelo marinho espesso desapareceu de uma região ao norte da Groenlândia, do Arquipélago Canadense e do nordeste de Svalbard”, disse Gilles em comunicado à imprensa.

A boa notícia nesse front foi dada longe do polo, em Washington, na noite de anteontem: em seu primeiro discurso ao Congresso como presidente reeleito, Barack Obama deu um ultimato aos parlamentares e disse que, se eles não fizerem alguma coisa a respeito da mudança climática via um projeto de lei, o Executivo o fará via regulações da EPA (Agência de Proteção Ambiental). Obama também prometeu usar dinheiro do petróleo para montar um fundo que financie tecnologias energéticas limpas. Se você acha que já ouviu falar nisso, é porque ouviu mesmo: o Brasil tem um fundo desses criado desde 2009, o Fundo Clima, que nosso Congresso matou no debate tosco dos royalties diante dos olhos impassíveis do Palácio do Planalto.

Tá quente aí? Vai piorar

ALÔ MOÇADINHA cética do clima! Alô Joões, Reynaldos, Felipes. Alô galera que acha que ser “de direita” e ser “polêmico” é dizer que a mudança climática é uma conspiração comunista para devolver o mundo à Idade da Pedra. Alô Rogérios, Aldos, Dilmas, Danielas. Alô ao pessoal que acha que física é uma questão de ideologia. Espero que estejam curtindo bem o verão e faço votos para que seus aparelhos de ar condicionado nunca lhes faltem.

Vou dizer: aqui em Brasília está quente. Quente e seco. Quem conhece Brasília sabe que esses dois adjetivos geralmente não se aplicam ao período compreendido entre o Natal e o Carnaval, quando todo mundo vira sapo e o mofo se espalha pelas casas. Li hoje em algum jornal que as temperaturas no país neste verão estão 2 graus Celsius acima da média e que a precipitação no Sudeste é a menor desde 1934. À noite as temperaturas batem fácil os 30 graus. Desde setembro eu aboli o banho quente, e não foi por convicção ambiental. Ruim para humanos, excelente para pernilongos, que ganharam uma estação extra para se reproduzir e estão literalmente tirando o sono dos brasilienses. Pesquisa da Fiocruz divulgada hoje pelo Estadão mostra que cada grau de calor a mais no verão significa 45% mais casos de dengue entre março e maio. All things being equal, este semestre promete.

Pode ser coincidência? Pode. Pode ser variação natural do sistema? Também. Mas que tal uma hipótese alternativa? Por exemplo, a de que existe um excesso de energia sem dissipação adequada na atmosfera terrestre e que esse excesso de energia precisa, obrigatoriamente, buscar o que fazer aqui — e o que ele acha para fazer é levar a meteorologia a extremos? E que entre esses extremos estão aumentos de temperatura e mudança no regime de chuvas? E que, obviamente, como a quantidade de radiação sem dissipação adequada não está diminuindo na Terra, os eventos extremos tendem a aumentar e o que é exceção hoje tende a virar regra?

“Ah, lá vem você com essa balela de aquecimento global de novo”, dirão alguns dos 12 leitores deste blog. OK, não precisa acreditar só em mim: hoje o Fórum Econômico Mundial, aquele notório convescote de anticapitalistas furibundos que se reúnem todo ano em Davos para fumar maconha, ouvir Manu Chao e planejar a derrubada do Sistema, lançou seu relatório Riscos Globais 2013 (aqui, em inglês). O documento diz que, enquanto governos e iniciativa privada dão atenção total dada ao gerenciamento da crise econômica, uma outra crise, o estresse do sistema ambiental — o climático em particular — está se acumulando e pode ter passado do ponto de não retorno. O Fórum chama a mudança climática de um dos principais “fatores X” de disco global, ou seja, perigos que dão o troco em você se não forem evitados. Alerta semelhante faz o economista americano Joseph Stiglitz hoje no Guardian.

A presidenta Dilma, o ministro Edison Lobão e o restante da eletrocracia brasileira fariam bem em ler o relatório dos radicais de Davos e tirar dele algumas lições: afinal, estamos, se o tempo não virar, às portas de um racionamento de energia elétrica causado, vejam só, por problemas climáticos — a baixa dos reservatórios decorrente da seca. Hoje O Globo publica em sua manchete que os próprios representantes das indústrias eletrointensivas propuseram um racionamento voluntário agora, para poupar energia para depois.

Pergunta: quantos estudos refinados existem sobre a vulnerabilidade do sistema hidrelétrico brasileiro às mudanças climáticas? Se há algum, está sendo mantido bem guardado pela Empresa de Pesquisa Energética. Tão bem guardado a ponto de não influir na construção dos planos decenais de energia. Porque a solução aventada pela eletrocracia, segundo o que lemos na imprensa, é aumentar ainda mais a nossa vulnerabilidade, com a volta dos grandes reservatórios (num argumento perfeitamente circular, ainda vão botar a culpa nos ambientalistas, que pressionam pelas usinas a fio d’água). E aumentar também as nossas emissões, com um novo surto de construção de termelétricas. Será que o país não analisa suas vulnerabilidades climáticas por incompetência? Por falta de cientistas? Por descrença em que o clima esteja mudando? Ou porque teme que uma análise do gênero estrague os planos de Ernesto Geisel Dilma Rousseff de barrar até a última queda d’água da Amazônia antes de pensar em outras formas de energia?

Há vozes sensatas no setor. O ex-diretor de óleo e gás da Petrobras Ildo Sauer, por exemplo, tem um paper recente mostrando a viabilidade de garantir a segurança do sistema energético integrando hidrelétricas e usinas eólicas. Gente como Sauer, Afonso Henriques Moreira Santos e até um radical de boa cabeça, Célio Bermann, porém, foram alijadas do planejamento energético, cada vez mais centralizado na figura da competentíssima técnica Dilma Vana Rousseff.

Como eu moro em Brasília e sou cliente da CEB, estou bem habituado a não ter energia em casa. Mas outras pessoas Brasil afora podem ter uma menor tolerância a apagões, e o PT poderá pagar nas urnas o preço de ter confiado demais em São Pedro.

 

Vazamento de relatório do IPCC confirma fraude do aquecimento global. Só que não

EXISTEM DUAS CERTEZAS INESCAPÁVEIS sobre a mudança climática: uma é que as decisões políticas sempre estarão em descompasso com a gravidade do problema apontada pela ciência. A outra é que os relatórios periódicos do IPCC, que apontam o estado do conhecimento científico sobre o assunto, serão vazados antes de sua publicação.

O AR5, Quinto Relatório de Avaliação do painel do clima da ONU, que só será lançado em setembro de 2013, teve seu rascunho foi vazado na íntegra hoje por um cético do clima americano chamado Alec Rawls. Aparentemente, segundo conta o jornalista americano Andrew Revkin no blog Dot Earth, Rawls entrou de penetra no time de 800 revisores (“expert reviewers”) que o IPCC recruta para bater o olho no trabalho dos cientistas e procurar bobagens. A seleção não é lá muito rigorosa: para ser um revisor especialista, basta escrever para o painel e providenciar uma *autodeclaração* de que você é especialista(vou deixar você ler de novo). Conhecendo a Suíça, sede do IPCC, um país onde o transporte público não tem catracas porque afinal ninguém espera que alguém vá dar calote no bilhete, fica difícil entender como é os céticos não pensaram nisso antes.

Rawls disse que vazou o documento (disponível aqui), no site www.stopgreensuicide.com, porque o trabalho do IPCC é pago com dinheiro público e o público tem o direito de saber. E é preciso que o público saiba antes, porque, raciocina, as verdades inconvenientes da ciência que minam o a hipótese do aquecimento global são eliminadas pelo processo político na edição do sumário executivo do IPCC, para dar a impressão de que existe uma crise climática descontrolada e manter o público com medo.

E qual é o segredo que o IPCC esconde? Segundo o vazador confesso, uma frase no sumário executivo que supostamente põe por água abaixo a hipótese do aquecimento global antropogênico:

Many empirical relationships have been reported between GCR or cosmogenic isotope archives and some aspects of the climate system (e.g., Bond et al., 2001; Dengel et al., 2009; Ram and Stolz, 1999). The forcing from changes in total solar irradiance alone does not seem to account for these observations, implying the existence of an amplifying mechanism such as the hypothesized GCR-cloud link. We focus here on observed relationships between GCR and aerosol and cloud properties.

Traduzindo, aparentemente o IPCC está reconhecendo que uma relação entre raios cósmicos (GCR) e nuvens amplificaria a irradiação solar, cuja variação observada não explicaria sozinha a fatia natural do aquecimmento observado. Ou seja, há um fator natural de aquecimento que não estava bem contabilizado – ergo, o aquecimento global é natural e não antropogênico.

Há dois problemas com a teoria de Ralws. O primeiro é ela é mentira: como declarou o climatologista Steve Sherwood em reportagem no Guardian sobre o caso, o IPCC faz essa admissão só para dizer na sequência o que qualquer cientista sério sabe: mesmo que o elo entre nuvens e raios cósmicos seja verdade, as forçantes climáticas naturais ainda assim são uma fatia pequena do aquecimento observado. Pior ainda para os céticos, o AR5 declara que há 99% de certeza de que o desequilíbrio entre o calor absorvido e irradiado pelo planeta (ou seja, o efeito estufa) é causado por atividades humanas.

O segundo problema é que a teoria conspiratória de que o sumário executivo do IPCC é distorcido PELOS POLÍTICOS para assustar o povão ofende a inteligência de qualquer pessoa que já votou na vida. Está na cara que Rawls nunca foi a uma reunião de fechamento de um sumário do IPCC; bem, eu já. De fato os governos se metem na edição do sumário. Só que pada deixá-lo mais SUAVE, não mais alarmista. Não se esqueça de que o IPCC é um órgão da ONU, onde Arábia Saudita, Qatar, Venezuela, Canadá e EUA, os tradicionais empatas do clima, têm voz e vez.

O próprio IPCC soltou hoje uma nota oficial sobre o episódio, na qual se recusa a comentar conteúedo e mantém que o segredo decorre do fato de o AR5 ser uma obra ainda em progresso.

Fato é que o IPCC,como bem apontou Revkin, parece não estar adaptado aos tempos de Wikileaks, mesmo depois do Climagate e dos sucessivos vazamentos do Terceiro Relatório de Avaliação (para o próprio Revkin, em 2000, antes da COP de Haia) e do Quarto (para um monte de gente, em 2007). Alegando sofrer bullying dos céticos, o painel insiste em barroquices como segredo e contratos de confidencialidade com autores e revisores, apostando, com um grau de malícia verdadeiramente suíço, que é possível guardar segredo entre 2.000 pessoas e que um papel assinado é a garantia disso (eles não conhecem o Zé Serra).

A antropóloga dinamarquesa Myanna Lahsen, uma das maiores autoridades do mundo em céticos do clima, disse que a infiltração de um negacionista no IPCC emula a mesma estratégia que os cientistas usaram em 1998 para desacreditar a chamada Petição do Oregon, um abaixo-assinado de céticos contra a ciência do clima. “Personagens de Star Wars foram acrescentados à lista de supostos ‘cientistas legítimos’ que assinaram a petição”, contou a pesquisadora radicada no Brasil, que escreveu um artigo científico comentando o episódio.

Revkin sugere que o IPCC mude urgentemente seu processo de revisãopara uma fórmula parecida com a adorada pela revista PLoS. Não sei direito como é o processo da PLoS, mas acho que, uma vez que o IPCC não faz pesquisa, só revisa literatura, não faria mal se eles adotassem uma estratégia parecida com a dos físicos e matemáticos, que postam pré-publicações em sites como o Arxiv à espera de comentários. Não sei quão prático isso seria, dado o volume de informações, mas talvez ajudasse a tirar essa aura de segredo de polichinelo que cerca os relatórios do painel.

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