Ciência precisa de fé?

Um artigo do G1 me chamou a atenção hoje: ‘Ciência é uma questão de fé’, defende pesquisador.

Partindo de diversas afirmações banais (”Quando físicos sondam um nível mais profundo da estrutura subatômica ou astrônomos ampliam o alcance de seus instrumentos, eles esperam encontrar uma nova e coesa ordem matemática.”) e até pelo já batido princípio antrópico, o autor passa pelos seguintes trechos, que achei especialmente falsos:

É óbvio, portanto, que religião e ciência fundamentam-se na fé, a saber, na crença da existência de algo externo ao Universo, como um Deus ou um conjunto de leis inexplicados, talvez até uma enorme formação de Universos invisíveis também. Por esse motivo, tanto a religião monoteísta quanto a ciência ortodoxa não são capazes de apresentar uma explicação completa da existência física.

Não, não é nada óbvio. Há uma diferença FUNDAMENTAL entre a fé em um deus que regula e intervem no mundo e a “fé” de um cientista na imutabilidade e universalidade das leis físicas: NENHUM cientista espera que as leis físicas sejam conscientes de si, dotadas de vontade, e de qualquer forma estejam preocupadas com o destino dos seres humanos! A “fé” de um cientista nas leis físicas é no máximo uma hipótese de trabalho devida à observação de um universo homogênio e isotrópico.

Esse fracasso compartilhado não é novidade, já que, antes de mais nada, a própria idéia de lei da física é teológica, fato que faz muitos cientistas torcerem o nariz. Isaac Newton teve primeiramente a idéia de leis absolutas, universais, perfeitas e imutáveis a partir da doutrina cristã de que Deus criou o mundo e o organizou de forma racional. Os cristãos imaginam Deus como o sustentáculo da ordem natural de além do universo, enquanto os físicos pensam em suas leis como ocupantes de um reino abstrato transcendente de relações matemáticas perfeitas. 

Que Isaac Newton tenha considerado suas leis um reflexo da perfeição do deus cristão não é novidade. Entretanto, se alguém ainda considera que as leis físicas possam ser consideradas como criadas por algum deus, gostaria de saber dessa pessoa qual divindade bizarra pensou que seria uma boa idéia a incerteza e a superposição de estados quânticos.

E apresente-me o Físico que acha que as leis ocupam “um reino abstrato transcendente de relações matemáticas perfeitas”. Talvez esse físico não conheça as inúmeras vezes em que deve-se realizar aproximações nos modelos, usar métodos de regularização e renormalização, etc. O autor parece considerar como exemplo de ciência um Positivismo bizarro que duvido que alguém ainda defenda atualmente. 

E assim como os cristãos afirmam que a existência do mundo depende totalmente de Deus, embora o oposto não seja verdade, da mesma forma os físicos crêem em semelhante assimetria: o Universo é regido por leis eternas (ou meta-leis), mas as leis são completamente resistentes e não afetadas pelo que acontece no Universo.

Novamente: a universalidade e imutabilidade das leis físicas é apenas um hipótese de trabalho sustentada pela evidência empírica, não há nada que impede que as leis físicas mudem no tempo, mas ainda não há nenhum evidência inequívoca disto. Isso nem de longe se assemelha à fé em um deus.

Não posso me estender muito nisso. Para terminar: Eu preciso ter FÉ na Teoria Eletromagnética e na Física de Semicondutores (e em sua universalidade e imutabilidade) para que meu telefone celular funcione?

Então como alguém pode igualar a fé numa divindade com a “fé” nas leis físicas? Desde quando um cristão, por exemplo, considera a existência de Deus como algo passível de verificação, modificação e aprimoramento? 

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