O Amigo de Wigner
Falemos um pouco mais dos problemas de quando e onde se dá a separação entre o mundo clássico e o quântico. Vou usar um pouco de termos técnicos e expressões matemáticas que não devem comprometer o entendimento geral. Espero não cometer erros muito graves, mas correção de qualquer erro é bem-vinda.
Se você está lendo esse artigo pelo feed, as equações podem não aparecer corretamente. Acesse a página que tudo fica normal.
Pense no seguinte experimento:
Suponha que temos uma partícula quântica num estado ψ. O equipamento de medição pode assumir dois auto-estados φ1 e φ2. Podemos escrever o estado da partícula em função dos auto-estados do equipamento de medição como:
onde:
são as projeções do estado ψ nos auto-estados φ1 e φ2 respectivamente. Vamos considerar que a detecção de qualquer um dos dois auto-estados é igualmente provável, portanto:
Então:
Suponhamos agora que quando o estado φ1 é medido, o equipamento pisca uma lâmpada. Isso não acontece quando o estado φ2 é medido. Chamaremos de ρ1 o estado da lâmpada acesa e ρ2 o estado da lâmpada apagada. Considerando a lâmpada como parte do sistema, o estado total ψ’ do sistema pode ser escrito como:
Se o equipamento está numa sala fechada, temos um caso análogo ao do Gato de Schrödinger. Sem, claro, o risco de ter seu laboratório invadido por defensores dos direitos dos animais. O estado de índice 1 é equivalente ao “Núcleo Decaído + Gato Morto” e o estado de índice 2 é equivalente ao “Núcleo Não-decaído + Gato Vivo”. Diferentemente da experiência com o felino, você QUER saber se a lâmpada acende ou não, e basta esperar um pouco para verificar em qual estado o sistema será medido.
Primeiramente, você entra na sala e põe o equipamento para funcionar. No entanto, você recebe um chamado da natureza e precisa se ausentar. Você não quer perder nem um instante do experimento e pede para um amigo acompanhar o funcionamento do equipamento.
Depois de enviar aquele FAX, você volta à sala e pergunta a seu amigo se a lâmpada se acendeu.
Antes que ele responda, você pensa no seguinte. Será que seu amigo faz parte do equipamento de medição? Se sim, poderíamos escrever o estado total como:
Onde “s” significa que seu amigo pode responder sim e “n” significa que ele pode responder não.
Suponhamos que a resposta de seu amigo seja afirmativa. Neste instante, o estado ψ” colapsou para o estado da resposta afirmativa, que significa que a lâmpada se acendeu e que o equipamento mediu o estado φ1 da partícula. Não parece um pouco estranho que o estado mental do seu amigo estivesse numa superposição de “sim” e “não” antes que você perguntasse? Ele já deveria ter decidido se a lâmpada acendeu, ou não, bem antes de você perguntar. Você conclui que o estado ψ” não é, portanto, apropriado para a descrição do sistema.
E se substituíssemos seu amigo por um sistema composto por um único átomo que absorvesse a luz emitida pela lâmpada? A descrição correta do sistema total seria equivalente ao estado ψ” e ninguém acharia estranho que átomo estivesse numa superposição de estados.
O problema acima foi proposto, com algumas diferenças, por Eugene Wigner, na década de 60, e recebe o nome de O Amigo de Wigner. Wigner conclui, para evitar a conclusão da superposição dos estado mentais, que o primeiro observador consciente, no caso seu amigo, que entrasse em contato com o sistema deveria causar o colapso do estado.
Errr… bizarro?
Colocar o observador consciente num lugar especial no universo não parece um pouco estranho? Bom, inicialmente não. Essa é uma interpretação para o “colapso da função de onda” tão válida quando qualquer outra.
O problema vem das conseqüências adversas de aceitarmos tal interpretação. O “mundo macroscópico” não exibe superposição de estados. Será que, antes do surgimento no primeiro ser consciente, todo o Universo estava em um estado superposto? Gente MUCHOLOKA não só afirma que sim, como também afirma ser isso uma prova da existência de uma consciência superior, a.k.a. um deus, que fez “colapsar a função de onda do universo”.
Ora, primeiramente, o Amigo de Wigner não é prova de coisa alguma. É um interpretação para o colapso da função de onda, e como já disse, válida como qualquer outra. Escolha a interpretação que te satisfaz e seja feliz. Elevar isso à condição de prova da existência de deus é, no mínimo, apressado. Será que as pessoas que aceitam essa prova, num eventual abandono da Mecânica Quântica em favor de uma teoria que não precisa do colapso da função de onda, abandonariam a idéia de deus?
Outros MUCHOLOKOS afirmam: Ora, se é o observador consciente que causa o colapso da função de onda, é o observador consciente que escolhe o resultado do colapso pela sua vontade. Então se você ficar preso num maldito engarrafamento é por que você assim escolheu. Qualquer coisa é possível, basta querer.
Isso não é de forma nenhuma uma conclusão do Amigo de Wigner. Mesmo que seja o Amigo que colapse o estado do sistema, ele só pode ser colapsado para os estados possíveis, no caso φ1 e φ2. Nenhum observador, por mais consciente que seja, será capaz de obter um estado que não seja um desses. Aliás, não é possível que o observador sequer escolha O resultado entre os possíveis. Não parece um “Segredo” tão poderoso olhando desse ângulo, não é?
Discussão - 4 comentários
Hein?
Eu vinha entendendo até chegar nas impressoras...
Acho que o ditame de "quem acha que sabe de Mecânica Quântica é porque entendeu errado" se aplica a mim.
Qual o problema com as impressoras? Bom, deixa pra lá. Retirei a parte das impressoras. Estava bem confuso mesmo. eheh. Sem ela o post fica melhor.
E desbravou a Fisica Quantica, admira-me ainda nao ter ganho um Nobel, pelo modo como desconstroi e simplifica....
Eu quero ver a parte das impressoras!!! \o/