Os blogues morreram? Spoiler alert: não. Longa vida aos blogues.

Esse post é parte da Blogagem Coletiva de comemoração aos 10 anos do ScienceBlogs Brasil. O tema dessa semana é Os blogs morreram? E para essa inauguração chamamos o amigo Roberto Takata para falar da morte, ou não, dos blogs.

Se você quiser participar acesse: http://bit.ly/SBBr10anos

os blogs morreram2

“O relato de minha morte foi um exagero.” Mark Twain 1897. [1]

Como já entrego no título, claro que os blogues não morreram. Basta constatarmos que você está lendo este texto em um.

Ok. Os blogues não morreram. Mas estão em risco de extinção em um futuro próximo? Aí é mais complicado de responder. Ao menos para os de ciência com autores brasileiros há alguns indícios nesse sentido. Como uma redução no padrão de atividade de uma amostra de 346 weblogs no estudo do qual tomei parte (Fig. 1). Ressalte-se, no entanto, que não é a única interpretação possível – pode ser que novos blogues (de ciências) estejam surgindo e o nosso levantamento não foi capaz de captá-los adequadamente. E pelo menos um estudo (com um número menor de “diários virtuais”) concluiu que estaria havendo um aumento.

takata1

Figura 1. Variação do número de blogues de ciências ativos com autores brasileiros. Reproduzido de: Fausto et al. 2017.

Os blogues em geral – não nos restringindo aos de ciência em pt-br – aparentemente vão bem. No Worpress.com, a principal plataforma de blogues blogues* (isto é, tirando microblogues como o twitter; fotologues como o instagram ou Pinterest; videoblogues como muitos canais do YouTube; e plataformas de blogues que são mais um tipo de mídia social como o tumblr), o número total de postagens mensais vêm mantendo a tendência de crescimento desde o seu lançamento em 2005: de pouco menos de 600.000 postagens novas (25,6 milhões de pageviews) em outubro de 2006 a mais de 77 milhões de novos posts (20,7 bilhões de pageviews) em junho de 2018 (Fig. 2) (Uma cautela deve ser tomada, no entanto, já que se trata de números divulgados pela própria plataforma sem declaração de auditoria, e não um levantamento independente.)

takata2

Figura 2. Variação do número de postagens dos blogues hospedados no WordPress.com ao longo do tempo. Fonte: WordPress.com.

Os blogues como formato de comunicação devem ainda continuar por vários anos com algum grau de influência (ainda que eventualmente setorial: para temas específicos ou para grupos específicos de pessoas). Verdade que isso é mais um desejo do que um prognóstico, especialmente para os de ciências. Se, de um lado, temos uma aparente crise na blogosfera cientófila brazuca independente (e mesmo internacional [vide nota 2]); de outro, talvez estejamos frente a um processo de institucionalização da divulgação científica através de blogues: em 2015 foi lançado o Blogs de Ciência da Unicamp e, em 2016, o portal UFRGS Ciência. De novo, mais um desejo do que um prognóstico, no entanto.

Embora atualmente na internet brasileira canais no YouTube – com centenas de milhares a milhões de views por episódio, como no caso do Manual do Mundo e do Nerdologia – e podcasts – com dezenas de milhares de ouvintes como o Dragões de Garagem ou o SciCast – tenham mais visibilidade, e várias iniciativas comecem a explorar outras mídias como o instagram, enxergo um papel importante dos blogues no ecossistema da comunicação pública de ciências online. Estes são plataformas que conseguem fazer a integração dessas outras mídias – por meio da incorporação (’embedding’) – e, melhor do que as demais, explorar a comunicação por meio do texto escrito. Por exemplo, equações são difíceis de serem exploradas em mídia de áudio, é possível de serem apresentadas em vídeo, mas explicações mais detalhadas podem ser prejudicadas pela dinâmica da narração de vídeos – no texto, as pessoas podem ir e voltar e saltar de modo mais eficiente; gráficos interativos podem ser facilmente inseridos nos blogues; e tendem a consumir menos banda (o que é um fator a se considerar quando uma fração significativa acessa via celular – se não houver um wi-fi disponível e confiável por perto, arquivos de áudio e vídeo podem esgotar rapidamente a franquia de dados). Textos também são mais maleáveis quanto à acessibilidade (ao menos de pessoas alfabetizadas) e, por enquanto, têm vantagens na indexação em mecanismos de busca, de tradução e mesmo de procura do próprio navegador. Boa parte das outras mídias têm limitações para o fornecimento de hiperlinks, especialmente para fora do site que hospeda o serviço, o que é facilmente integrado nos textos de blogues (na verdade, os links são parte do espírito blogueiro – para os leitores poderem se aprofundar, para indicar outros canais dignos de serem seguidos, para dar a fonte original…). E, possivelmente como característica principal, a produção e edição de texto também tende a ser muito fáceis e baratas do que uma boa edição de áudio e vídeo – facilitadas ainda pelo fato de a educação formal enfatizar a habilidade de escrita.

Algumas dessas vantagens poderão ser igualadas por áudios e vídeos na medida em que algoritmos se tornarem confiáveis em extrair os textos desses arquivos (permitindo, por exemplo, pular direto para trechos que falam diretamente de um termo ou assunto); outras, como links externos, dependem de alterações de políticas de serviço dos provedores (embora a tendência seja oposta, por exemplo, no facebook, que deseja manter os usuários em sua plataforma o máximo de tempo possível); mas o texto, em uma forma ou outra, tem resistido à prova do tempo.

Mesmo que os blogues blogues* não resistam às tendências atuais e futuras; os blogues nem tão blogues (como o tumblr, facebook, instagram e outros) que incorporem pelo menos alguma possibilidade de inserção de textos e explorar parte de suas vantagens devem continuar o legado. Ainda que isso seja mais desejo do que um prognóstico.

Nota:

*Blogues Blogues – blogs em formato clássico como WordPress e Blogspot

[1] A citação mais completa é:
“James Ross Clemens, a cousin of mine, was seriously ill two or three weeks ago in London, but is well now. The report of my illness grew out of his illness; the report of my death was an exaggeration.” Mark Twain, 31 de maio de 1897.
[“James Ross Clemens, um primo meu, esteve seriamente adoentado há duas ou três semanas em Londres, mas agora está bem. O relato de minha enfermidade surgiu a partir da enfermidade dele; o relato de minha morte foi um exagero.”]

[2] Como com o fechamento da versão original americana do ScienceBlogs – ATENÇÃO: o ScienceBlogs Brasil é um projeto independente e não foi afetado por essa decisão do grupo SEED.

————-

Neste instável mundo internético – do qual o cemitério de projetos da Google é um exemplo eloquente – não é qualquer empreitada que chega aos dois dígitos de translações terrestres.

Mais do que parabéns, devo dizer muito obrigado, ScienceBlogs Brasil, pelo belíssimo trabalho que tem feito nesta última década. Não apenas tem informado e conscientizado seus incontáveis leitores e fiéis fãs em relação a temas relacionados às ciências e dado visibilidade a tanto projetos e divulgadores incríveis; como inspirado um sem número de pessoas a seguirem a carreira científica e de comunicação de ciências. Um dos principais projetos de divulgação de uma das principais instituições brasileiras: o Blog de Ciências da Unicamp, é um filho espiritual direto dos SbBr.

Desejar longa vida aos SbBr é, assim, mais do que um cumprimento a todos os colaboradores – atuais e pregressos – e a comunidade de leitores que se formou em torno; é uma obrigação moral para alguém que aprecia e valoriza a cultura científica.

————-

Roberto Takata, entre outras coisas, escreve no Gene Repórter.

Conferência EURAXESS Links: “Conectando Pesquisadores Internacionais”

*Este é um post patrocinado

Discussão aberta no Rio sobre oportunidades de cooperação em pesquisa e mobilidade entre europeus e brasileiros.

A 3a Conferência EURAXESS links – “Conectando Pesquisadores Internacionais” foi realizada no Rio de Janeiro em 11 de maio de 2016, celebrando as firmes relações científicas e ampla mobilidade dos pesquisadores entre países europeus e latino-americanos. Esta foi a primeira edição desta conferência bienal no continente americano. Organizada pela Comissão Europeia e pela EURAXESS Brasil, a conferência reuniu mais de 180 participantes, dentre eles pesquisadores, acadêmicos, representantes da indústria e órgãos públicos da Europa e do Brasil. O programa contou com palestrantes de alto nível, tais como o sr. João Cravinho, embaixador da União Europeia no Brasil, o professor Jorge Guimarães, presidente da EMBRAPII, o professor Pedricto Rocha Filho, presidente em exercício da FINEP, bem como representantes das principais agências de fomento da Comissão Europeia, Marie Sklodowska Curie Actions (MSCA) e o Conselho Europeu de Pesquisa (ERC).

A iniciativa da EURAXESS tem o objetivo de facilitar a mobilidade, aprimorar as carreiras de pesquisadores e aumentar a atratividade de oportunidades de pesquisa na Europa.

Por meio da conferência no Rio de Janeiro, os pesquisadores brasileiros aprenderam sobre as oportunidades existentes na Europa. Durante o workshop que ocorreu na parte da tarde, os pesquisadores foram treinados e receberam dicas e orientações para terem sucesso ao se candidatarem para bolsas de pesquisa na Europa, bem como outros veículos de fomento.

Com base em discussões abertas, ao invés de apresentações individuais, as sessões da conferência abordaram maneiras de aumentar o escopo da mobilidade de pesquisadores e atores da inovação entre ambas as regiões, de como promover a união os setores da pesquisa e da indústria para formar parcerias e de aprimorar métodos de networking a fim de abordar as novas oportunidades.

“A conferência atraiu um público entusiasmado e engajado, o que é muito promissor e auspicioso para que sejam alcançados resultados práticos no relacionamento entre pesquisadores brasileiros e europeus. Como resultado deste evento, queremos ver mais oportunidades, mais projetos de pesquisa e mais cooperações ocorrendo entre as duas comunidades de pesquisa”, disse Charlotte Grawitz, representante nacional da EURAXESS Links Brasil.

Pesquisadores interessados e demais participantes do universo da pesquisa no Brasil que perderam a chance de comparecer ao evento podem assinar a newsletter da EURAXESS Links Brazil escrevendo para brazil@euraxess.net.

As apresentações feitas durante o evento, incluindo a sessão de treinamento sobre como enviar uma proposta bem-sucedida para a obtenção de fomento da EU estão disponíveis aqui.

Alea jacta est*

salgando_tudo_de_ensaio.png

Por Fernando “Joey Salgado” Heering Bartoloni

O Problema de Monty Hall é um exemplo interessante de que o simples cálculo de uma probabilidade não necessariamente leva à resposta correta, sendo necessário se entender todo o desenvolvimento lógico de um dado problema.
Retomando brevemente o que já foi dito: após você ter escolhido a porta de número 2, seu orientador abre a porta de número 3 para lhe revelar uma pilha de relatórios da graduação ávidos por correção, que deverão ser passados para algum outro aluno de pós coitado (ou você achou que ele ia corrigir? rá!). Ou seja, sua porta de número 2 ou contém seu exemplar final da tese, chave para abrir os grilhões das sombras, ou uma segunda pilha de relatórios precisando de correção. Ainda, há a possibilidade de que você continue apostando na porta de número 2 ou mude para a de número 1, esperando que um golpe de sorte lhe seja benéfico. Tecnicamente, pensando em termos somente dessa segunda etapa, onde ambas as portas possuem chances iguais de terem qualquer um dos dois itens, trocar ou não trocar de porta não influência no resultado, uma vez que a chance de ser vitorioso é de 50%. 
Entretanto, a resposta correta é trocar de porta, de qualquer forma, para se aumentar as possibilidades de se ganhar o tão desejado prêmio. O motivo?
Dois cenários diferentes podem ocorrer decorrentes da primeira escolha de portas: você escolheu a porta que contém a tese (cenário A) ou a porta que contém a pilha de relatórios (cenário B). No cenário A, as duas portas que sobraram contém itens iguais. Uma vez que seu orientador precisa abrir uma delas para lhe revelar o conteúdo como sendo uma pilha de relatórios, a escolha de qual será é, em si, irrelevante. Ou seja, trocar a escolha da porta irá inevitavelmente fazer com que você passe a noite em claro. No cenário B, seu orientador possui duas portas com itens diferentes, sendo que ele deverá abrir uma delas para lhe mostrar o conteúdo. Como definido no problema (e um pouco por sadismo também) seu orientador, que sabe qual é o conteúdo de cada uma das portas, irá escolher a porta que contém a pilha de relatórios para ser aberta (aumentando a tensão final e a sudorese). Ou seja, no cenário B, a opção de trocar de porta irá lhe beneficiar e garantir seu sono. Como o cenário B possui uma probabilidade duas vezes maior (2 em 3, ou 66,666…%) de acontecer do que o cenário A (1 em 3, ou 33,333…%), trocar de porta sem pestanejar é, no fim das contas, a melhor opção para se livrar de uma tarefa hercúlea e ser admitido no Olimpo dos pós-graduados.
Fez bem quem optou trocar de porta: Davi e Hugo.
E melhor fez o Igor, que optou por fundir o cérebro do orientador.
*expressão em latim para “os dados estão lançados”.

É a porta dos (pós-graduandos) desesperados!

salgando_tudo_de_ensaio.png
Por Fernando “Joey Salgado” Heering Bartoloni

Li o tão aclamado livro de Leonard Mlodinow, The Drunkard’s Walk (Penguin Books, adaptado para o português como O Andar do Bêbado, Ed. Jorge Zahar).

Ainda não me decidi se gostei ou não gostei deste livro em que Mlodinow mostra como nossa noção de racionalidade é muito subjetiva e alheia a processos randômicos que ocorrem em nossas vidas. Apesar da leitura ser meio densa, uma vez que ele enrola demais para chegar aos finalmentes de certos pontos e devido a um preciosismo dispensável no formalismo matemático usado em alguns momentos, incontestavelmente, as histórias contadas por Mlodinow são excelentes. Tanto que teve uma que me deixou deveras pensativo.

Na verdade, é uma demonstração muito clara de que o emprego da lógica para a solução de um problema não depende somente da matemática, mas do problema como um todo. Irei apresentá-lo em uma versão modificada em relação ao livro e deixarei o “enigma” aqui pendente até semana que vem, quando irei publicar a solução do mesmo. Palpites ou resoluções completas são bem vindas nos comentários. Até por quem já leu o livro, ainda mais porque me parece que esse “estudo de caso” é bem conhecido de maneira geral. 😉
Seguinte…
Digamos que seu orientador do doutorado, que por acaso também ministra uma disciplina da graduação em que você é monitor, lhe oferece a oportunidade de escolher uma entre três portas, numeradas de 1 a 3, para “ganhar” seja lá o que for que estiver escondido atrás da mesma (a pós-graduação, afinal, é uma loteria…).
Ele então lhe diz que uma das portas esconde o exemplar final da sua tese, pronta para ser depositada e defendida no prazo, enquanto que as outras duas escondem pilhas de centenas de relatórios da turma do diurno e noturno da “Introdução à Orgânica Experimental”, que devem ser corrigidos até o dia seguinte. Você deve escolher uma entre as três portas, ao passo que, após a sua escolha, o seu orientador, que está ciente do que está por trás de cada uma delas, abre uma das duas portas que não foram escolhidas para revelar o que você “perdeu”. Digamos que você escolheu a porta de número 2. Seu orientador, então, abre a porta de número 3, somente para lhe revelar uma pilha de relatórios sem notas. Por enquanto, ufa! Logo após esse sopro de alívio momentâneo, ele lhe oferece trocar de porta ou continuar na mesma. Ou seja, uma vez que você viu que a porta de número 3 não possui sua tão sonhada tese, você deve decidir se continua apostando na porta de número 2, ou se muda de aposta para a porta de número 1. Dito se a troca será realizada ou não, seu orientador irá revelar, com um prazer sádico, diga-se de passagem, se a sua madrugada será passada na companhia prazerosa de Morfeu, ou na companhia amarga da Cafeína. 
A pergunta, finalmente, é: qual o melhor negócio? Se manter firme e forte com a porta de número 2, ou mudar de ideia e trocar a aposta para a porta de número 1?
Divirtam-se!

Fim de jogo

salgando_tudo_de_ensaio.png
Por Fernando “Joey Salgado” Heering Bartoloni
Aproximadamente há quinhentas e quatro horas, ou vinte e um ciclos claro/escuro, no dia 27 de novembro outubro de 2010, passei por uma das experiências mais assustadoras e, ao mesmo tempo, gratificantes que um homem ou mulher podem ter: uma defesa de doutorado (o que mais poderia ser?).
Meus 23,6 MB de produção científica, intitulados “Mecanismos do Sistema Peróxi-Oxalato em Meios Aquosos e da Quimiluminescência de 1,2-Dioxetanonas”, foram avaliados por uma banca composta pelos professores Fernando Coelho (UNICAMP), José Carlos Netto-Ferreira (UFRRJ), Frank Quina (IQUSP) e Omar El Seoud (IQUSP), bem como pelo meu orientador Josef Wilhelm “Willi” Baader. Todos os professores fizeram valiosas sugestões e muitas perguntas, algumas que pude responder e outras que nem consegui compreender. De maneira geral, achei que me saí bem (quem assistiu também achou), não falei nenhuma besteira e, principalmente, não chorei quando o resultado da aprovação da banca foi divulgado. 
banca.JPG
A banca (da esquerda para direita): professores José Carlos, Fernando, Willi, Omar e Frank.
Rindo de que ou de quem? 
Devo dizer que foram quase cinco anos, ou praticamente sete anos, se contado o tempo de iniciação científica, agradabilíssimos dentro do grupo de pesquisa do Prof. Willi. Apesar de ter terminado essa fase de pré-cientista, sei que não irei me afastar do meu (agora) ex-laboratório, uma vez que pretendo manter colaborações com o mesmo durante meu pós-doutorado, de alguma forma que ainda não foi concebida. Mas inventarei algo. 
Aliás, no momento em que iniciava a preparação esse texto, recebi um e-mail de aprovação do meu pedido de bolsa de pós-doutorado para trabalhar com o Prof. Erick Bastos da UFABC, o que, de certa forma, me instigou ainda mais a escrevê-lo (e a abrir uma garrafa de cerveja também, claro). Terminei um jogo, mas começarei outro logo mais.
Espero continuar assim por tanto tempo quanto minha curiosidade científica permitir.
joey_em_acao.JPG
Essa foto vou guardar para quando me candidatar a Vereador.

Memorial à Ivar Lovaas: Como nasce – e cresce – uma ciência.

BannerDivã

Por Aninha Arantes, dO Divã de Einstein

Este post é uma tradução, autorizada pelo autor, de dois comentários à nota de falecimento do Professor Ivar Lovaas, pioneiro da Análise do Comportamento Aplicada e um dos maiores pesquisadores e difusores do Método ABA para o tratamento de pessoas com autismo e outros déficits cognitivos.

Ole Ivar Lovaas nasceu na Noruega, mas desenvolveu seus trabalhos na UCLA (University of California in Los Angeles), onde fundou um centro para tratamento de autistas: o The Lovaas Institute. Foi um dos maiores pesquisadores do autismo e responsável pelo desenvolvimento de um dos métodos mais bem sucedidos e recomendados (inclusive pela Associação Médica dos EUA) para a reinserção social e adaptação de pessoas com autismo. O texto a seguir é de autoria do Professor James T. Todd, do Departamento de Psicologia da Eastern Michigan University, e foi publicado originalmente em resposta a um comentário de uma leitora no Autism Blog, de Lisa Jo Rudy, no dia 4 de agosto deste ano – dois dias depois da morte de Lovaas. Republico aqui, traduzido, o que acho a mais concisa e objetiva explicação de como as descobertas experimentais de vários cientistas se acumulam e se completam para dar suporte a tecnologias que melhoram a vida das pessoas.

“O Behaviorismo, como uma filosofia específica da ciência, foi inicialmente desenvolvido por John B. Watson nas primeiras décadas do século XX. O principal objetivo de Watson era tratar o comportamento objetivamente, usando as técnicas da ciência natural. O comportamento dos organismos é o resultado natural de sua história genética e interacional. Uma abordagem completa do comportamento pode ser encontrada na análise completa desses fatores. Watson nunca desenvolveu completamente muitos aspectos críticos do seu Behaviorismo, apenas apontou a necessidade de uma maior sofisticação na abordagem, antes de entrar para a carreira publicitária. A devoção de Watson ao condicionamento pavloviano e a rejeição qualificada da Lei do Efeito, de Edward Thorndike (que descrevia os efeitos de recompensas e punições) deixou sua formulação sem os princípios comportamentais necessários para dar conta, minimamente, dos comportamentos mais complexos. Os equívocos sobre determinados aspectos de sua teoria metafísica, especialmente na análise do comportamento privado – como o pensamento – levaram muitas pessoas a ver o seu Behaviorismo como irremediavelmente mecanicista e superficial, apesar de haver maior profundidade do que é aparente em uma primeira leitura. Há muitos outros nomes associados ao Behaviorismo precoce, tais como Albert Weiss e Knight Dunlap, cujas idéias foram, de certa forma, mais completamente desenvolvida do que as de Watson. Faltava-lhes a verve retórica de Watson, e suas opiniões agora vêm até nós, em grande parte, como informações históricas incidentais. Ao considerar as contribuições de Watson para a Psicologia, é melhor ignorar totalmente o parágrafo obrigatório e superficial que vemos nos capítulos iniciais dos livros de introdução à Psicologia, e mesmo em Histórias da Psicologia de nível um pouco superior. Ao contrário do que essas obras podem levar a crer, suas reais contribuições ajudaram a estabelecer a Psicologia como uma disciplina acadêmica distinta da Filosofia e da Biologia, e a tornar a observação objetiva do comportamento o dado padrão em toda a Psicologia (mesmo em áreas como a psicologia cognitiva, que não estendem a objetividade para a teorização), ajudando no estabelecimento do condicionamento pavloviano como base dos tratamentos para transtornos de ansiedade.

Começando em 1920, e continuando até a sua morte em 1990, BF Skinner ampliou e elaborou as formulações de Watson, legando-nos o “Behaviorismo Radical” que nós associamos a ele até hoje. (“Radical”, aqui, significa “raiz” ou “fundamental”, e não “extremo”.) Basicamente, a abordagem de Skinner abrange todos os comportamentos, incluindo a parte dos comportamentos que é privada ao indivíduo, tais como sentir e sonhar, e trata-os como eventos reais e objetivos existentes no tempo e no espaço. (Sim, pensar, sentir e sonhar estão dentro do escopo do sistema de Skinner, não importa o que os textos introdutórios dizem). Nesse sentido, Skinner concorda com Watson: o comportamento é o que surge quando histórias genéticas e ambientais de um organismo se encontram com os eventos atuais. A Análise do Comportamento consiste em encontrar, na história do organismo, os eventos que se relacionam ordenadamente com o comportamento presente. Skinner, é claro, enfatizou a importância do “condicionamento operante”, essencialmente uma versão muito mais sofisticada da Lei do Efeito de Thorndike. Tanto o condicionamento pavloviano, quanto o condicionamento operante estavam, então, disponíveis para descrever uma quantidade surpreendente de comportamentos dos organismos, que podiam ser previstos e controlados com uma precisão tipicamente associada com as hard sciences. A enorme variabilidade nos dados dos comportamentos, previamente proveniente de estudos com labirintos e outras técnicas, foi transformada em curvas muito suaves e regulares, demonstrando a realidade das “leis do comportamento”. Hoje em dia, nós associamos o trabalho de Skinner com ratos e pombos, especialmente na área de “esquemas de reforçamento”, em que diferentes padrões de recompensas produzem importantes efeitos comportamentais. Mas, a partir desta formulação, dezenas de milhares de experiências sobre os princípios básicos do comportamento vieram à luz. A contingência de três termos de Skinner, popularmente concebida e simplificada em “antecedente-comportamento-consequência”, é uma ferramenta analítica de extraordinário poder, especialmente em sua versão mais tecnicamente sofisticada. As variáveis responsáveis por praticamente qualquer episódio especificamente definido de comportamento podem ser descobertas através da análise. Também é uma maneira altamente eficaz de estabelecer comportamentos novos: reforçe o comportamento requerido, e você tem grande probabilidade de ter mais do mesmo. (Às vezes, é mais fácil falar do que fazer!) Claro, não podemos esquecer as contribuições culturais de Skinner, implorando-nos para perceber – com livros como o tão incompreendido Beyond Freedom and Dignity (1971), e o essencial Ciência e Comportamento Humano (1953) – que muitos dos problemas que enfrentamos hoje, como sociedade, advêm do nosso próprio comportamento. Para resolver esses problemas é necessária uma ciência do comportamento efetiva. Para uma descrição mais completa do pensamento e das teorias de Skinner, eu recomendo começar pelo livro Ciência e Comportamento Humano, disponível no site da Fundação BF Skinner. E, para uma visão mais técnica, embora ainda amplamente acessível, ler os artigos da Edição Especial da American Psychologist, de novembro de 1992. A leitura do “best of” de Skinner, recolhidos no livro Cumulative Record seria um excelente passo seguinte.

Quanto à Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behavior Analysis, ou a conhecida sigla ABA), Lovaas não a inventou. Pode-se argumentar que Skinner a inventou, ao menos conceitualmente, em seu romance de 1948, Walden Two. A contribuição especial de Lovaas foi mostrar que é possível, com a aplicação integral e intensiva de princípios da teoria da aprendizagem, tratar efetivamente, e de forma eficaz, o autismo como um todo, em um número considerável de indivíduos, ou ao menos levar melhorias substanciais para aqueles que não alcançam totalmente os benefícios do tratamento. Por “eficaz” e “substanciais” entende-se que cerca de metade das crianças submetidas às intervenções ABA obtêm desempenho dentro dos limites “normais” em certos testes padrão. Em termos práticos, isso significa que essas crianças são capazes de frequentar a escola sem apoio especial. Antes que Lovaas fizesse isso, já havia provas científicas suficientes que mostravam que a ABA podia ser utilizada efetivamente para aspectos específicos de autismo.

A ABA ainda era bastante jovem quando Lovaas usou o método pela primeira vez para tentar criar um tratamento global para o autismo, na década de 1960. Mas, antes de Lovaas, começando na década de 1950, o trabalho reconhecido como ABA foi aplicado a todos os tipos de problemas de comportamento, tipicamente em pessoas com deficiência de desenvolvimento e esquizofrenia e geralmente em laboratórios e instituições. Grandes programas dedicados à Análise Comportamental Aplicada, como o Departamento de Desenvolvimento Humano e Vida Familiar (Department of Human Development and Family Life, HDFL) da Universidade do Kansas, foram estabelecidos na década de 1960. O HDFL é hoje o Departamento de Ciências do Comportamento Aplicadas. O Journal of Applied Behavior Analysis foi fundado em 1968, quase 20 anos antes de Lovaas publicar seu artigo seminal, em 1987, “Tratamento comportamental e funcionamento educacional e intelectual normal em jovens crianças autistas” (Behavioral Treatment and Normal Educational and Intellectual Functioning in Young Autistic Children), no Journal of Consulting and Clinical Psychology. Assim, ao contrário de praticamente todos os “tratamentos” para o autismo de que temos ouvido falar, ABA não é um novo “método” esperando alguém para fazer um estudo e descobrir se ele funciona em tudo. Intervenções ABA para problemas específicos de comportamento foram baseadas diretamente em princípios descobertos e comprovados em laboratórios comportamentais. Intervenções ABA abrangentes são construídas à partir de tratamentos mais direcionados, que já demonstraram eficácia. ABA não está esperando para entrar em todas as revistas científicas, ela vem de todas as revistas científicas. A pergunta típica não é o quanto a intervenção irá funcionar – esta é a parte fácil – mas se esta pode ser efetivamente aplicada no mundo real, com todas as complicações que o mundo real traz.

Mas, antes de Lovaas, não havia sido estabelecida ainda a possibilidade de efetivamente tratar o autismo como um todo através da criação de um programa abrangente de intervenções ABA. Agora, o termo ABA é muitas vezes incompreendido como significando apenas o que Lovaas fez – sua “terapia de tentativa discreta”, por exemplo – mas “ABA” realmente significa muito mais. O que é ABA? Citando livremente algo que eu escrevi para uma outra finalidade, podemos definir como ABA:

O uso sistemático de princípios de aprendizagem cientificamente estabelecidos, técnicas de condicionamento comportamental e modificações ambientais relacionadas para criar terapias baseadas em evidências, comprovadamente eficazes e humanas, com o objetivo principal de estabelecer e reforçar habilidades de vida independente, socialmente funcionais e importantes.

Na prática, uma análise comportamental aplicada utiliza técnicas baseadas na teoria da aprendizagem para modelar comportamentos novos e importantes em indivíduos com determinados excessos ou déficits comportamentais. Intervenções realizadas por analistas do comportamento geralmente incluem os seguintes componentes:

• Uma análise baseada em dados funcionais das condições responsáveis pelo comportamento problema.

• Objetivos e metas de tratamento específicos e verificáveis.

• Um plano bem definido usando os princípios da teoria de reforço para atender as metas e objetivos.

• Uma coleta de dados contínua para mostrar que a intervenção foi realmente a responsável pelos ganhos do tratamento.

• Um plano para garantir a generalização e a manutenção dos ganhos do tratamento.

• Medidas para garantir a validade social dos objetivos e metas do tratamento, e para assegurar que todos os envolvidos possam contribuir de forma substancial e construtiva para a melhoria de suas habilidades ao máximo de sua capacidade.

Eliminar a automutilação e ensinar habilidades acadêmicas para crianças com autismo, restabelecer habilidades de vida independente em pessoas com lesões cerebrais, treinar hábitos de higiene adequados em crianças com enurese, melhorar o atendimento médico a pessoas doentes, estabelecer hábitos de estudo eficazes em crianças em situação de risco, reduzir os hábitos repetitivos como a mania de roer unhas e a tricotilomania e reforçar o comportamento social adequado em pessoas com déficits de habilidades sociais são ilustrativos, mas não esgotam a gama de problemas de comportamento endereçados aos analistas do comportamento aplicados. Há, é claro, e sopa de letrinhas das coisas que realmente são – fundamentalmente – ABA, ou derivadas dela: Treino por Tentativas Discretas (Discrete Trial Training, TDT), Treino de Resposta Pivotal (Pivotal Response Training, PRT), Intervenção Comportamental Precoce Intensiva (Early Intensive Behavioral Intervention, EIBI), Modelo Denver, Apoio Comportamental Positivo (Positive Behavior Support, PBS) e muitos outros. Tem incomodado, ultimamente, os constantes esforços por parte dos promotores de algumas dessas coisas em tentar passá-las como não sendo ABA, ou como não sendo em grande parte baseadas em ABA, mas como algo completamente diferente. Olhe sob o capô: se é de alguma forma eficaz com autismo, você irá encontrar algum tipo de gestão de contingências em funcionamento.

Nomes associados aos esforços iniciais em construir a ABA incluem Paul Fuller, Nathan Azrin, Teodoro Ayllon, Donald Baer, Sidney Bijou, Todd Risley, Jack Michael, Montrose Wolf, Charles Ferster, Kurt Salzinger, Israel Goldiamond, e muitos outros. Aqueles que conhecem um pouco da história recordarão o primeiro esforço sistemático para aplicar ABA ao autismo por Mont Wolf, Todd Risley e Hayden Mees: “Aplicação de princípios do condicionamento operante à problemas comportamentais de uma criança autista” (Application of Operant Conditioning Principles to the Behaviour Problems of an Autistic Child) publicado em março de 1964 no Behaviour Research and Therapy. Eu acho que um bom lugar para encontrar uma visão abrangente da moderna ABA é no excelente livro de Cooper, Heward e Heron, Análise Aplicada do Comportamento (Applied Behavior Analysis). Alguns elementos da ABA também estão contidos na referida edição da American Psychologist, de novembro 1992. No entanto a ABA é um campo enorme, com uma história que remonta, se incluirmos a pesquisa básica, a bem mais de 100 anos. Assim, é impossível para um único livro para captar tudo.

A perda de Lovaas, em si, é uma ocasião de grande tristeza para os seus amigos e colegas. Mas suas contribuições vivem em suas obras e nas obras de seus alunos. Aqueles dentre nós que vieram depois aspiram imitar seu modelo e, assim, talvez, contribuir com uma fração do que ele fez para ajudar pessoas com autismo a conseguir muito mais independência e dignidade do que era possível antes do trabalho de Lovaas mostrar como poderia ser feito.”

Síntese de proteínas: um épico no nível celular*

salgando_tudo_de_ensaio.png
Por Fernando “Joey Salgado” Heering Bartoloni
Todo fenômeno científico pode ser entendido com base em um modelo simplificado, principalmente quando o “mecanismo” associado a esse evento não pode ser visto a olho nu (já não falei disso? Que falta de imaginação…).
Isso é tão verdade hoje quanto será daqui há muitos anos e como era em 1971, quando o pessoal do Departamento de Química da Universidade de Standford resolveu tomar um ácido e encenar o processo de tradução do RNAm para a síntese de uma proteína. Desde a formação do ribossomo, à entrada da fita de RNAmensageiro, ao papel do RNAtransportador e à liberação do novo polipeptídeo formado, entre outros processos, tudo é representado de forma artística. Atribuir isso à cultura hippie da época, traçando um paralelo com o Festival de Woodstock, é inevitável, ainda mais com uma banda fazendo um som totalmente improvisado à la Grateful Dead como trilha sonora da sessão de expressão corporal. O épico mesmo começa aos 3 min 10 s, logo após uma introdução esclarecedora de Paul Berg, laureado com o Nobel de Química em 1980 pela sua contribuição dada para o esclarecimento de processos químicos envolvendo ácido nucléicos. O próprio Berg reconhece a limitação do seu modelo estático desenhado no quadro-negro antes de dar espaço aos hippies da liberdade de acesso ao conhecimento. Em todos os sentidos.
Precisão da informação científica passada junto com poesia. Sensacional.
Each tRNA approached the site
Bearing it’s amino acid load
Whose sequence was determined by
The mRNA messaging-unit “magic code”

Ou ainda:

Long time did biocomplex churn
The protein grew by tibs & tomes
Aminoacids linked in turn
By the catalytic ribosome

Muito mais interessante do que uma animação sem música e sem graça, não é?


*Tradução livre do título original do vídeo “Protein synthesis: an epic on the cellular level”.
Via Prof. Erick Bastos, por e-mail.

A ciência ocupa 23,6 MB

salgando_tudo_de_ensaio.png

Por Joey Salgado

O que o gráfico logo abaixo representa? A dependência da concentração de produtos com o tempo em uma reação química autocatalítica? O crescimento de um organismo vivo, com fases de aumento populacional exponencial e estacionárias? Um modelo de crescimento de tumores cancerosos? A dependência da condutância em função do potencial de uma membrana? Não, nenhuma dessas alternativas é a correta.
thesis_timeline.png
O gráfico acima, na verdade, é uma linha do tempo do tamanho da minha tese. É a minha thesis timeline, e mostra a dependência do tamanho do arquivo .doc (LateX nem que me paguem!) em função do número de dias confeccionando-a. Alguns esclarecimentos se fazem necessários:
  1. Sim, estou em vias de terminar meu doutorado. E passei praticamente do meio do mês de julho ao meio do mês de agosto inteiro terminando a redação da tese.[1]
  2. Devo defender a tese no fim de setembro meio de outubro desse ano. E sim, haverá uma festa. Uma grande festa.
  3. O esquema é o seguinte: resolvi escrever a tese em um arquivo único, para não ter que ficar juntando capítulos e recolocando citações cruzadas depois, nos 48 do segundo tempo. Então, dentro de cada dia trabalhando na tese, à medida que ia acrescentando conteúdo eu salvava uma nova versão com a data daquele dia, e.g., tese_salgado_20100814.doc.
  4. Dentro de um mesmo dia de trabalho, cheguei a salvar várias “versões” diferentes da tese, nomeando-as de a a z, e.g., tese_salgado_20100822c.doc; tese_salgado_20100822d.doctese_salgado_20100822e.doc e por aí vai…
  5. O gráfico que apresento acima, então, mostra o quanto o tamanho do arquivo tese_salgado.doc, representado pelas bolinhas vazias (o), cresceu durante os dias em que fiquei terminando a tese a tese terminou comigo.
  6. Que fique claro: eu não escrevi a tese em menos de trinta dias. Isso é humanamente pouco provável[2]. Mas de fato possuía vários relatórios, artigos e resumos escritos, além de praticamente todas as tabelas, figuras e esquemas prontos. Foi só um ctrl+C e ctrl+V (do meu próprio material, lógico) do dia 24 de julho ao dia 23 de agosto de 2010, acertando o encadeamento de ideias dos resultados que obtive durante quatro anos e meio de dedicação integral à academia penhora da minha alma.
  7. Possuo quatro back-ups físicos e um on-line contendo todas essas versões de arquivos .doc em dias diferentes. E, logicamente, esses back-ups todos estão em locais diferentes. Viu, caro provedor de hospedagem?
Ou seja, como produto final, possuo 23,6 MB de um arquivo .doc contendo todo o conhecimento científico inédito que produzi durante esses anos de doutorado. E o gráfico do tamanho do arquivo versus tempo assemelha-se a uma curva logística sigmoidal. Inclusive, ajustando-se os pontos por uma função sigmoidal de Boltzmann[3] obtive a curva tracejada do gráfico com r2 = 0,991.[4] Não é bonitinho?
E em que o fato da minha thesis timeline ter sido ajustada por uma função sigmoidal implica?  Significa, por acaso, que minha inspiração teve uma fase lag para depois crescer exponencialmente, aquietando-se ao final do processo de redação da tese? Logicamente, não. É somente uma mera coincidência, que pode ser explicada racionalmente. Durante os primeiros quatro dias, fiquei trabalhando principalmente com o editor de texto. A partir do quinto dia, comecei a inserir alguns gráficos e figuras na parte de resultados, sendo que o programa que uso para gerar os mesmos deixa-os muito pesados. Daí o abrupto crescimento do tamanho do arquivo. Então, próximo do décimo sétimo ou oitavo dias, terminei a parte de resultados, i.e., parei de entuchar a tese com gráficos pesados, e concentrei-me na discussão dos mesmos. Como a parte de discussão envolve mais texto, incluindo-se um ou outro gráfico ou figura pontuais, o crescimento do arquivo teve uma taxa reduzida.
Moral da história: muito cuidado com a conclusão que será adotada sobre (e na) tese e, principalmente, com o modelo que será utilizado para tal.
Ah, ainda não entreguei a tese para marcar a data da defesa. Falta somente uma “última olhada” do meu orientador. Será que outubro de 2011 é uma data mais provável? Aff…
Notas:
[1] Ou você acha que comecei publicando dois textos aqui (1 e 2) e sumi porque sou um grande vagabundo? ¬¬’
[2] Não digo impossível, porque se há até uma probabilidade não nula de que um carro ou uma pessoa atravessem uma parede deixando-a incólume e sem sofrerem danos… Uma tese “surgir” do nada em poucos dias também é plausível… ¬¬’
[3] y = ((A1 + A2)/(1 + exp(x – x0/dx)) + A2
[4] Para quem não está acostumado a ajustar dados experimentais por funções matemáticas não-lineares, o parâmetro r2 é uma espécie de “medida de qualidade do ajuste”, e quanto mais perto de 1 o mesmo for, melhor foi o ajuste. Ou seja, r2 = 0,991 é um #EPICWIN acadêmico.

Do modelo à realidade?

salgando_tudo_de_ensaio.png
Por Joey Salgado
Em 1900, um pescador procurando esponjas na pequena ilha de Anticitera, nas Cíclades (agora você sabe onde fica exatamente, né? ¬¬’) encontrou restos naufragados de um navio grego que continha, entre estátuas, vasilhas, jarros de vinho e moedas, um amontoado corroído de peças de metal. Esse aglomerado de peças, com quase dois mil anos de idade, era composto por um intricado arranjo de rodas dentadas sem utilidade aparente. Foi então que Derek de Sola Price, entre os anos 50 e 70, submetendo o conjunto a análises por raios-X, pôde reconstruir o complexo mecanismo composto por trinta e duas rodas dentadas (tem quem fale que sejam até trinta e sete, outros, até setenta e duas rodas dentadas). Price concluiu que tal mecanismo, nada mais nada menos, deveria ser utilizado para calcular as posições do Sol e da Lua contra o pano de fundo das estrelas, ou até mesmo o movimento do que seriam alguns planetas.

mecanismo_de_anticitera.png

Radiografias do mecanismo (fonte), um esquema mostrando o arranjo das engrenages (fonte) e uma réplica (fonte). 
O Mecanismo de Anticitera é o mais antigo exemplar que se tem notícia da aplicação de engrenagens diferenciais, o que o torna um achado arqueológico fora de série.[1] A precisão na fabricação do mesmo indica que na Grécia haviam profissionais especializados na construção de máquinas com engrenagens e em fresagem, capazes de exportar do “papel” uma série de observações astronômicas para compor um computador analógico de alta precisão (para a época, logicamente). Não mais era necessário se voltar os olhos para cima para se entender  o movimento do Sol, Lua e alguns planetas. Com o girar de uma manivela, podia-se ver o passado e o futuro dos céus em suas mãos. 
Se não mais era necessário se observar os céus para entendê-lo, quais seriam as consequências disso? Segundo Christopher Zeeman em seu artigo “Gears from the Greeks” (Proc. Roy. Inst. Gt. Brit. 1986, 56, 139), como citado por Ian Stewart em “Será que Deus joga dados?” (Jorge Zahar Editor Ltda., 1991, p. 34):[2]
Primeiro vieram os astrônomos, observando os movimentos dos corpos celestes e coletando dados. Em segundo lugar vieram os matemáticos, inventado a notação matemática para descrever os movimentos e ajustar os dados. Em terceiro vieram os técnicos, fazendo modelos mecânicos para simular aquelas construções matemáticas. Em quarto vieram gerações de estudantes, que aprenderam sua astronomia a partir dessas máquinas. Em quinto vieram cientistas, cuja imaginação estava tão ofuscada por gerações de tal aprendizado que de fato acreditam que era daquele modo que os céus se comportavam. Em sexto vieram as autoridades, que defendiam o dogma estabelecido. E assim a raça humana foi induzida a aceitar o Sistema Ptolomaico por cerca de um milênio.
De fato, Kepler (1571-1630) se mostrou reticente a abandonar o Sistema Ptolomaico. A ideia de que o Universo podia ser entendido segundo a ação de mecanismos invisíveis e da geometria clássica era muito sedutora. O mesmo propôs, por exemplo, um modelo que relacionava as órbitas planetárias com a forma dos poliedros regulares. Por sorte, Kepler não foi cabeçudo ao ponto de negar a ciência “simplesmente” porque seu modelo não se ajustava às observações experimentais e, pouco depois, viria a abandonar sua teoria.

modelo_de_kepler.jpg

Modelo de Kepler relacionando a distância entre as órbitas planetárias com os cinco sólidos platônicos, os poliedros regulares (fonte).
Não posso deixar de aplicar a especulação de Zeeman, feita originalmente para a classe intelectual grega, aos dias atuais. O que mudou nesse sentido? O que acontece quando mostramos (desculpem-me, mas irei puxar a sardinha para o meu lado agora) a representação de uma molécula de etanol na forma da sua estrutura de Lewis para um aluno de colégio/graduação? Ele vê uma série de letras H, C e O ligadas por tracinhos, ou um arranjo esquemático da distribuição não-espacial dos átomos de hidrogênio em torno dos átomos de carbono e de oxigênio, seguindo a regra do octeto? E, de fato, de quem é o problema se o aluno acredita piamente que aquilo são apenas tracinhos e letras? Do educador ou do aluno? Na minha opinião, há a necessidade de que os dois lados se esforcem para contornar esse problema. Um precisa manter o compromisso de deixar claro que certas coisas (em ciência, de forma geral) são apenas representações simplificadas da realidade, ao mesmo tempo que passa essa informação de forma estimulante e não meramente em um “nesse slide 347 vemos a estrutura de Lewis para o blá-blá-blá…”. Enquanto isso, o outro precisa se acostumar a abstrair certos conceitos e fatos pouco intuitivos, desapegando-se do “vejo, logo, existe” (isso, ou também deveria se crer que o Sérgio Chapelin está em um cenário de madeira e aço escovado com telas translúcidas).[3]
Creio que a melhor forma de se mostrar que um modelo é apenas um modelo é deixando claro as suas limitações. Se o modelo de Lewis de uma molécula dá a falsa impressão da mesma ser plana, um modelo tridimensional mostra mais adequadamente seus ângulos e distâncias de ligação. Para deixá-lo ainda mais completo, basta se incluir os movimentos vibracionais da molécula em uma animação. Logicamente, o refinamento dos modelos existentes para representar moléculas, ou qualquer outra coisa que não possamos ver apropriadamente a olho nu, foi aumentando com o passar do tempo. O modelo de estruturas de Lewis é algo muito simples para se representar uma molécula, mas conceitualmente importante dentro da história da química. Cientistas que aprenderam a desenhar estruturas químicas com ele perceberam suas limitações. Mais observações experimentais vieram. Teorias para a formação de ligações químicas mais adequadas surgiram. E modelos mais próximos da “realidade” foram implementados para representar a estrutura de moléculas. Hoje, podemos até simular a complexa dinâmica molecular de proteínas

etanol_lewis_bolas_e_linhas.png

Estruturas de Lewis e tridimensional (fonte) representando a molécula de etanol.
A mesma coisa ocorreu com a observação dos céus. Se em um dado momento o Mecanismo de Anticitera era o melhor modelo astronômico que podia ser comprado com escravos (ok, essa piada foi péssima…), hoje o mesmo não passa de peça de museu. Mas apesar de sua acurácia científica ser refutável, sua relevância histórica não o é. De certa forma, o ensino da maioria das ciências que necessitam de representações simplificadas é prejudicada quando somente é apresentado o modelo e não o contexto histórico em que este está inserido. Se tal contexto histórico fosse mais bem explorado por educadores de ciências em geral, garanto que a maioria dos alunos entenderia melhor porque supostamente juntamos as letras com palitinhos, giramos manivelas e ponteirinhos, entre outras coisas…
Cada vez mais os modelos se aproximam da realidade, à medida que a ciência avança. Afinal de contas, saber como uma proteína se comporta no vácuo é algo que não adianta muito, não é mesmo? Queremos vê-la se remexendo junto com outras moléculas de proteína, interagindo com o solvente, na presença de certos metabólitos e enquanto a temperatura aumenta. Ver o movimento do Sol e da Lua? Ótimo, interessante, mas quero ver as órbitas elípticas de todos os planetas do sistema solar, acopladas aos seus movimentos precessionais, juntamente com o movimentos de seus satélites naturais e enquanto todos revolucionam em volta do Sol. Complicado? Sim, muito. Ainda mais que seja lá qual for o resultado que a simulação por esse ou aquele modelo irá cuspir, o mesmo deve concordar com as observações experimentais, caso existam. E tudo para se aproximar da realidade, mas nunca substituí-la.
Alguns modelos, infelizmente, são mais intragáveis que outros. Falar de movimento dos planetas é relativamente fácil (ah, falou…¬¬), basta pegar um telescópio e olhar para cima, confirmando-se essa ou aquela teoria. Agora, quer algo pior do que um orbital atômico? Como raios demonstrar que um elétron possui uma probabilidade de 90% de estar contido dentro de uma determinada região no espaço e que não sabemos sua velocidade e posição simultaneamente? Com bolinhas? Sim, com bolinhas. Ou com um gráfico representando a dispersão dessa probabilidade, à medida que a distância com o núcleo aumenta. Mas para o orbital 1s “redondinho” é fácil. E para o 2dz2, que parece uma estação espacial saída direto de Star Trek? E como falar que no orbital 2dz2 o elétron saltita de uma região colorida para outra sem passar pelos espaços vazios, somente por que uma conta, uma resolução de uma fórmula matemática, sugere isso? Tenso, não é? Mas é isso mesmo que ocorre, por mais contra-intuitivo que pareça.

orbital_1s.png

Representações do orbital 1s (fonte e fonte).

orbital_2dz2.png

Representação do orbital 2dz2 (fonte).
A verdade é que modelos para coisas micro são muito mais complicados de se assimilar do que para coisas macro, ou em média escala, pelo menos. Principalmente porque nunca poderemos ver por conta própria, sem o auxílio de um aparato que converte sinais eletrônicos em imagens, a forma de uma molécula, de um orbital, de um átomo, a orientação do spin de um núcleo e por aí vai, para confirmar nossa observação indireta. Afinal, o que é um quadro retratando o rosto de uma pessoa se não um modelo para um rosto? O mesmo é somente uma representação geométrica de algo que foi intensamente observado, mensurado e modelado pelo artista. Porque, então, que aceitamos tão naturalmente esse modelos? Simplesmente porque podemos olhar no espelho e confirmar o que nos desenharam. E naturalmente, algumas pinturas de rostos são muito melhores que outras, simplesmente porque representam melhor essa observação experimental.
É duro o trabalho daqueles que tem que encontrar uma representação fictícia para um fenômeno real, que de outra forma não pode ser “contemplado”. E para o sucesso dessas representações, faz-se necessário que as pessoas que as usam entendam e deixem claro sua verdadeira utilidade, para que aqueles que recebam tal informação não corrompam seu significado. Para que abaixo de concepções artísticas como essa:
concepção.png
Não se encontre comentários como esse (fonte):
comentários.png
Combinado?
(Pô, é tão difícil assim ler a legenda das “fotos”…)
NOTAS:
[1] O grande Kentaro Mori já havia escrito um texto excelente (muito melhor que este…) relatando a descoberta e o provável funcionamento do Mecanismo de Anticitera.
[2] E também comentado brevemente pelo Mori, no 22° parágrafo.
[3] Não, essa piada não é minha. Mas também não lembro quem é o autor.

É possível o estudo científico do pensamento e da criatividade? – Parte II

BannerDivã

Por Ana Arantes, dO Divã de Einstein

Bem… Continuemos o assunto do post anterior…

3. O pensamento e o “ver encoberto”

     A questão do pensamento é um tema complexo na obra skinneriana, podendo ser considerado como um comportamento precorrente para resposta consumatória no processo de resolução de problemas. Comportamentos precorrentes podem ser descritos como aqueles que “não recebem conseqüências reforçadoras imediatas, mas são indispensáveis para a emissão de uma resposta subseqüente que tem conseqüência reforçadora (Lopes & Abib, 2002). Partindo desse ponto de vista, pensar pode ser: intencionar, atentar, perceber, memorizar, criar e qualquer outro comportamento (ou processo comportamental) que seja capaz de tornar possível a solução de um problema. Portanto, o pensamento na obra de Skinner é um conceito que deve ser analisado em termos de seus mais variados usos (Lopes & Abib, 2002). Nesse sentido, boa parte do que é descrito como pensamento na resolução de problemas refere-se a comportamento perceptivo encoberto, ou o que se chama de “ver na ausência da coisa vista”.    Skinner analisa o ver a partir da história de vida (ambiental) e das contingências presentes, ou seja, analisa esse comportamento da mesma forma que faria com qualquer outro: “a expressão ‘ver algo’ refere-se a uma grande amplitude de comportamentos, gerados por uma grande amplitude de contingências tendo em comum um estímulo em particular” (Skinner, 1989). O comportamento perceptual encoberto analisa-se, ainda, da mesma forma como se faria com o comportamento público, pois “tanto quanto sabemos, nada jamais é aprendido de forma encoberta que não tenha sido aprendido abertamente. O ver encoberto pode, por isso, ser ensinado como o ver abertamente” (Skinner, 1968).

     Parece ter importância, nesse ponto, esclarecer o motivo de os comportamentos regredirem a um nível privado, já que a sua emissão original acontece no nível público. Existem algumas explicações para esse fenômeno: quando o controle de estímulos é fraco ou envolve punição, quando um comportamento é reforçado automaticamente, quando se trata de um precorrente etc. Esse último caso pode explicar por que o ver privado pode ocorrer caso o comportamento subseqüente seja reforçado, “assim, podemos ver Veneza com a finalidade de ensinar um amigo a encontrar o caminho que o levará a determinada parte da cidade…” (Skinner, 1974). Skinner afirma que “o comportamento se torna encoberto quando, em primeiro lugar, sua força cai abaixo do nível necessário para uma emissão aberta, tal emissão pode ser fraca por que as variáveis de controle são deficientes (…) ou podem ser fortes, como se vê pelo fato de que, sob outras circunstâncias ele pode surgir em nível aberto. A resposta encoberta é simplesmente a mais fácil, ou por alguma razão, a mais própria no momento” (Skinner, 1957).

     Uma vez que o comportamento regride a um nível encoberto, ele torna-se diretamente inacessível para outras pessoas, o que na maior parte das vezes é a razão pela qual o nomeamos de “pensar”. Entre as vantagens do comportamento de “ver privado” está o fato de que esse comportamento não exigiria um comportamento precorrente que gerasse um estímulo externo e também porque o ver privado estaria isento de qualquer punição se o mesmo tornar-se público. Há também o caso em que o comportamento de ver encoberto produz estímulos discriminativos que podem ser úteis para o comportamento subseqüente (público ou privado), o que nos leva à conclusão de sua importância para o comportamento de resolução de problemas.

      Por exemplo, uma pessoa pode descrever a forma com que chegou a solução de determinado problema descrevendo a produção de estímulos discriminativos visuais. Dado o problema: “pense em um cubo, com todas as superfícies pintadas de vermelho, divida o cubo em 27 cubos iguais fazendo cortes, dois cortes verticais e dois conjuntos de cortes horizontais. Quantos cubos terão três faces pintadas de vermelho, quantos terão duas, quantos terão uma e quantos não terão nenhuma?” (Skinner, 1953). O sujeito que o resolveu pode relatar que “viu o cubo, pintou-o de vermelho…” e assim por diante até chegar à resposta final. Para tal, a capacidade de emitir a resposta visual encoberta foi necessária. Nesse caso, o ver, em si, não seria reforçado, mas sim a solução do problema, que acaba por reforçar toda a cadeia de comportamento que tornou a solução possível, inclusive o comportamento de “ver na ausência da coisa vista”.

     Resumindo, o que se identifica como “pensamento” no comportamento de ver privado é sempre um comportamento do organismo como um todo (e não apenas do cérebro), e o fato de ser emitido na ausência da coisa vista significa apenas que, uma vez aprendido de forma aberta, pode ser emitido de forma encoberta, sem o suporte dos estímulos que estavam presentes durante o processo de aquisição da resposta (Tourinho & cols., 2000).

4. Comportamento criativo

        A discussão skinneriana sobre o surgimento de comportamentos novos, chamados “originais” ou “criativos” é um dos pontos de sua obra onde mais claramente pode-se observar a idéia de interação entre as contingências de seleção ambientais (ontogenéticas) e a seleção filogenética (ou contingências de sobrevivência). “O conceito de seleção é mais uma vez a chave. As mutações, na teoria genética e evolutiva, são casuais e as topografias respostas selecionadas pelo reforço são, se não aleatórias, pelo menos não necessariamente relacionadas com as contingências em que serão selecionadas. E o pensamento criador preocupa-se grandemente com a produção de ‘mutações’. Escritores, artistas, compositores, matemáticos, cientistas e inventores estão familiarizados com formas explícitas de tornar mais provável a ocorrência de comportamento original” (Skinner, 1974).

      Segundo Skinner, comportamentos nunca antes emitidos e que não estavam presentes anteriormente no repertório de um indivíduo podem ser explicados como função de variações aleatórias na emissão de resposta, que são então selecionadas por contingências de reforço. Esse mecanismo segue a mesma lógica do mecanismo de variação e seleção postulado pela Teoria Evolucionista. Para ele, “o termo chave no titulo de Darwin é ‘a Origem’. A novidade pode ser explicada sem apelar-se a um desígnio inicial se mudanças aleatórias nas estruturas forem selecionadas por suas conseqüências. Estas são as contingências de sobrevivências que criaram novas formas” (Skinner, 1971a). Da mesa forma, “não é algum propósito inicial, alguma intenção ou ato de vontade que responde por novo comportamento; são as contingências de reforçamento” (Skinner, 1971a).

      A questão da criatividade, para Skinner, é tomada sob o mesmo prisma da questão do pensamento – no sentido de que pode (e deve) ser explicada através de seus determinantes da história de contingências e da história genética do organismo. Novamente pode-se verificar a crítica ao mentalismo e à noção de causalidade interna: “uma ‘mente criativa’ não explica nada. É apenas um apelo ao miraculoso. A mente é considerada como fazendo aquilo que o corpo não é capaz. (…) novidade e originalidade podem ocorrer em um sistema determinístico” (Skinner, 1970).

     Assim, ao analisar as contingências das quais a criatividade é função pode-se chegar a uma explicação causal e, por fim, manipulando-se tais contingências deve-se ser capaz de aumentar a probabilidade de que tais comportamentos criativos ocorram. A “mente criativa” é evo
cada porque algumas vezes não é possível ter acesso a todas as contingências, principalmente às contingências de sobrevivência que dizem respeito à história filogenética. “Contingências de reforçamento que modelam o comportamento ontogênico podem ser arranjadas e estudas no laboratório. Mas a maioria das contingências de sobrevivência responsáveis pelo comportamento filogenético observado nesse campo é meramente inferida” (Skinner, 1978).

      Provavelmente a mais importante implicação da causalidade ambiental para a determinação da originalidade e criatividade está na proposta skinneriana de uma tecnologia de ensino capaz de produzir comportamentos novos nos campos artísticos e científicos. Desse modo, “o papel do acaso pode ser assumido e ampliado pela planificação deliberada. (…) Novas formas de comportamentos podem ser geradas por contingências ambientais, que dificilmente surgiriam por acidente. Por definição, não se pode ensinar comportamento original, pois não seria original se ensinado, mas podemos ensinar ao estudante a arranjar ambientes que maximizem a probabilidade de que ocorram respostas originais” (Skinner, 1978).

      Tal formulação acabou por gerar resistência, pois retira do sujeito o caráter iniciador, ou, nas palavras do próprio Skinner: “uma formulação do pensamento criativo dentro do esquema de referência de uma ciência natural pode ser ofensivo àqueles que fundamentam sua concepção do indivíduo no controle do mundo ao seu redor, mas a formulação pode ter vantagens compensadoras. Na medida em que a originalidade se identifica com a espontaneidade ou com a ausência de regras no comportamento, parece ser uma tarefa inglória ensinar um homem a ser original ou a influenciar seu processo de pensar de qualquer maneira importante. A presente análise levaria a um aperfeiçoamento nos procedimentos educacionais” (Skinner, 1953). A mesma crítica foi formulada também no que diz respeito à formulação comportamental do pensamento, como já visto.

     O modelo proposto para o ensino e a geração de comportamento criativo é o da produção de variação. Com o aumento (através do reforçamento) da emissão de comportamentos diferentes, seria possível selecionar daquelas respostas que poderiam ter valor tanto para a cultura quanto para o indivíduo. Uma das maneiras de gerar tal variabilidade seria, então, incrementar o número de “mutações” nas respostas (uma analogia às mutações que geram variabilidade, posterior seleção pelo ambiente e, por fim, a evolução da espécie). Ao analisar o comportamento do artista, Skinner coloca que “nós devemos procurar por mutações. (…)   podemos gerar mutações mudando as condições de trabalho do artista, fazendo-o trabalhar quando está cansado, com frio, desencorajado ou bêbado. O artista pode gerar outros tipos de mutação fazendo deliberadamente aquilo que lhe foi dito para não fazer; ele pode violar os modelos, as convenções e os tabus, como um matemático que renega axiomas evidentes ou como o compositor que usa harmonias proibidas” (Skinner, 1970).

      Dessa maneira, a ação iniciadora é, de certa forma, externa ao sujeito, ela “vem de sua história passada, verbal ou outra qualquer (…), causas genéticas e ambientais que postas juntas têm um efeito em comum” (Skinner, 1970a), ou seja, geram novas respostas. Por outras palavras o controle de estímulos ambientais é responsável por gerar respostas de qualquer tipo, até mesmo as originais e criativas.

Conclusão

      Em “Beyond Freedom and Dignity”, Skinner afirmou que o mentalismo não somente interfere na busca de explicações científicas do comportamento, como também não é prático, no sentido de que nos impede de solucionar problemas sociais como a guerra, o crime e a pobreza. A idéia de que uma pessoa possa ser responsável por uma ação, no sentido de causar essa ação, é baseada na noção de livre arbítrio. Porém na possibilidade de uma ciência do comportamento está implícito que o comportamento, como qualquer objeto de estudo científico, é ordenado, pode ser explicado, previsto e controlado, desde que se tenham os dados e os meios necessário. Ou seja, não é livre, mas determinado.

       Em certo sentido, a questão da crítica ao mentalismo se liga ao estudo e análise do pensamento e da criatividade por que a grande razão para se supor que as pessoas “têm uma mente” é que todos sabem que têm pensamentos, que pensam, e que produzem pensamentos originais e criativos. Pensamentos, sentimentos, sensações e sonhos são eventos privados, naturais e freqüentemente observáveis por aqueles que os experimentam. Há dois pontos importantes com relação à distinção entre público e privado: o primeiro é que para o behaviorismo radical, a distinção tem pouco significado (pois ambos são eventos naturais) e o segundo é que a única diferença entre tais eventos é o número de pessoas que podem relatá-lo, ou seja, a distinção tem relação com o acesso ao evento e não com sua natureza. Ao aceitar essa afirmação, Skinner admite a subjetividade como objeto de estudo da ciência, como natural e compartilhando todas as propriedades dos demais comportamentos; suas origens encontram-se na história do indivíduo e na filogênese de sua espécie.

       Ao afirmar, ainda, que os comportamentos de pensar e criar podem ser explicados, previstos e controlados e, acima disso, ensinados e aprendidos, Skinner confirma a influência do pragmatismo em sua ciência. Segundo Baum (1994), “a noção fundamental do pragmatismo é de que a força da investigação científica reside não tanto na descoberta da verdade sobre a maneira como o universo objetivo funciona, mas no que ela nos permite fazer”. Disso se segue que a ênfase skinneriana no desenvolvimento comportamental é parte integrante de seu projeto de ciência e como tal derivação natural deste projeto.

       Por fim, cabe ressaltar que a análise dos comportamentos operantes identificados como pensar e criar tem uma extensão e uma complexidade muito maior do que as apresentadas aqui, sendo este estudo apenas uma tentativa de reconstruir, através de alguns momentos da obra de Skinner, algumas noções consideradas relevantes para o entendimento do tema.

Referências:

Baum, W. (1994). Compreender o behaviorismo. Porto Alegre: Artmed.

Lopes, C. E. & Abib, J. A. D. (2002). Teoria da percepção no Behaviorismo Radical. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 18, 2. 129-137.

Skinner, B. F. (1953). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.

Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1963). Contingences of reinforcement: A theoretical analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1968). The technology of teaching. New York: Appleton-Century- Crofts.

Skinner, B. F. (1970). Creating the creative artist. Em B. F. Skinner (Org.). Cumulative records: A selection of papers – Third edition (1972). New Yark: Appleton- Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1971a). A lecture on “Having” a poem. Em B. F. Skinner (Org.). Cumulative records: A selection of papers – Third edition (1972) . New Yark: Appleton- Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1971b). Beyond freedom and dignity. New York: Alfred A. Knopf.

Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Applenton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1978). The shaping of phylogenic behavior. Em B. F. Skinner. Reflections on behaviorism and society. Englewood Cliffs: Prentice Hall.

Skinner, B. F. (1986). Upon Further Reflection. Englewood Cliffs: Prentice Hal
l.

Skinner, B. F. (1989). Questões recentes na análise comportamental. Campinas: Papirus.

Tourinho, E. Z.; Teixeira, E. R. e Maciel, J. M. (2000). Fronteiras entre análise do comportamento e fisiologia: Skinner e a temática dos eventos privados. Psicologia: Reflexão e Crítica. 13, 3. 425-434.