A ciência ocupa 23,6 MB

- Sim, estou em vias de terminar meu doutorado. E passei praticamente do meio do mês de julho ao meio do mês de agosto inteiro terminando a redação da tese.[1]
- Devo defender a tese no
fim de setembromeio de outubro desse ano. E sim, haverá uma festa. Uma grande festa. - O esquema é o seguinte: resolvi escrever a tese em um arquivo único, para não ter que ficar juntando capítulos e recolocando citações cruzadas depois, nos 48 do segundo tempo. Então, dentro de cada dia trabalhando na tese, à medida que ia acrescentando conteúdo eu salvava uma nova versão com a data daquele dia, e.g., tese_salgado_20100814.doc.
- Dentro de um mesmo dia de trabalho, cheguei a salvar várias “versões” diferentes da tese, nomeando-as de a a z, e.g., tese_salgado_20100822c.doc; tese_salgado_20100822d.doc; tese_salgado_20100822e.doc e por aí vai…
- O gráfico que apresento acima, então, mostra o quanto o tamanho do arquivo tese_salgado.doc, representado pelas bolinhas vazias (o), cresceu durante os dias em que
fiquei terminando a tesea tese terminou comigo. - Que fique claro: eu não escrevi a tese em menos de trinta dias. Isso é humanamente pouco provável[2]. Mas de fato possuía vários relatórios, artigos e resumos escritos, além de praticamente todas as tabelas, figuras e esquemas prontos. Foi só um ctrl+C e ctrl+V (do meu próprio material, lógico) do dia 24 de julho ao dia 23 de agosto de 2010, acertando o encadeamento de ideias dos resultados que obtive durante quatro anos e meio de
dedicação integral à academiapenhora da minha alma. - Possuo quatro back-ups físicos e um on-line contendo todas essas versões de arquivos .doc em dias diferentes. E, logicamente, esses back-ups todos estão em locais diferentes. Viu, caro provedor de hospedagem?
Do modelo à realidade?

Primeiro vieram os astrônomos, observando os movimentos dos corpos celestes e coletando dados. Em segundo lugar vieram os matemáticos, inventado a notação matemática para descrever os movimentos e ajustar os dados. Em terceiro vieram os técnicos, fazendo modelos mecânicos para simular aquelas construções matemáticas. Em quarto vieram gerações de estudantes, que aprenderam sua astronomia a partir dessas máquinas. Em quinto vieram cientistas, cuja imaginação estava tão ofuscada por gerações de tal aprendizado que de fato acreditam que era daquele modo que os céus se comportavam. Em sexto vieram as autoridades, que defendiam o dogma estabelecido. E assim a raça humana foi induzida a aceitar o Sistema Ptolomaico por cerca de um milênio.


Auld lang syne*… (3)

Canção do exílio | |
Minha terra tem palmeiras Onde canta o sabiá, As aves que aqui gorjeiam Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossas vidas, mais amores. Em cismar sozinho à noite, |
Minha terra tem primores Que tais não encontro eu cá; Em cismar – sozinho, à noite – Mais prazer encontro eu lá, Minha terra tem palmeiras Onde canta o sabiá. Não permita deus que eu morra |
(Gonçalves Dias in Primeiros Cantos) | |
Disclaimer: Sei que o ideal seria
se pudesse oferecere referências melhores – se não de material de
primeira mão, ao menos de artigos acadêmicos que analisaram tais
documentos ou, no máximo, de livros-textos da área -, mas acabei usando
como atalho, para esta série sobre os países participantes da Copa 2010,
referências terciárias – e que nem dizem respeito diretamente à questão
etimológica. Em muitos casos, a Wikipedia (anglófona, claro) foi
utilizada como material para consulta incial (procurei verificar por
fontes independentes mais confiáveis). Então fiquem ainda mais atentos
para o fato de que as informações podem não ser suficientemente acuradas
(eufemismo para incorreção).
República da Coreia (kor. 대한민국 大韓民國 Daehan-minguk) ou Coreia do Sul. Naturalmente, partilha boa parte de sua história com a Coreia do Norte, da qual se separou em consequência dos primórdios da Guerra Fria entre a URSS – com os soviéticos influenciando a porção norte e os EUA, a porção sul. Situação definida até hoje após o armistício que suspendeu a Guerra da Coreia. kor. 한 Han “coreano” deve estar ligada à raiz coreana com significado de “grande, líder” (talvez ligado ao mongol khan). Após a queda dos gojoseon, os coreanos organizaram-se em uma confederação denominada 삼한 samhan (“três han”). Apesar da dinastia chinesa Han ter se aventurado em território coreano, não deve ser a origem da denominação sul-coreana do país e do povo. [1]
Estados Unidos da América (ing. United States of America). Os nativos americanos chegaram ao território dos atuais EUA provavelmente da Ásia – em uma ou mais ondas – através do estreito de Behring (descoberto à época do último glacial). A data é disputada entre 12.000 e 40.000 anos a.C. ou até mais. Em 1513, o espanhol Ponce de León aportou na região da Flórida. Franceses também estabeleceram colônias. Os ingleses fixaram-se na Virgínia em 1607. Em 1776, as treze colônias inglesas declararam independência. Política expansionista levou à compra da Louisiana da França, ao extermínio de nações indígenas a Oeste e à Guerra Mexicano-Americana, com anexação de vasto território do Texas à Califórnia. O Alaska foi comprado dos russos. O Havaí foi incorporado depois que residentes americanos e europeus derrubaram a monarquia local no fim do séc. 19. Os estadunidenses são também conhecidos por americanos e eles frequentemente denominam seu país como America. América foi a denominação dada a todo o continente do Novo Mundo pelo cartógrafo germânico Martin Waldseemüller em 1507, em homenagem ao cartógrafo e explorador florentino Américo Vespúcio – o primeiro a perceber que o que hoje conhecemos como América do Sul não fazia parte da Ásia como se pensava até então. [2, p. 24-5.]
Inglaterra (ing. England). País membro do Reino Unido (ao lado da Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales). Restos de hominídeos datam de 700.000 a.C., e desde o fim do último glacial tem sido ocupado por populações humanas. Diversas tribos celtas habitaram a ilha, ocupada pelo Império Romano no ano 43 d.C e permacendo até 410. Em 1066, Guilherme, o Conquistador, liderou a conquista normanda – o que determinou a influência da língua francesa na língua inglesa, de origem germânica. Várias dinastias se sucederam no trono: Valois, Plantagenetas, Tudor… Um breve período republicano liderado por Cromwell se sucedeu entre a deposição de Carlos I em 1653 e a restauração da monarquia em 1660 com a ascenção de Carlos II. Em 1707, com o Ato da União, formalizou o tratado com a Escócia, criando o Reino Unido. Desde então, a Inglaterra é governada por monarquia parlamentarista do Reino Unido. Ing. England vem do ing. méd. Englonde, Yngelonde < ing. ant. Englaland “terra dos anglos” (em oposição aos saxões), Os anglos eram uma tribo germânica da região de Angeln da península da baía de Kiel no Mar Báltico (área atualmente em território alemão) < Angel, Angul, literalmente ângulo, pelo formato. [3]
Estados Unidos Mexicanos (esp. Estados Unidos Mexicanos) ou México. A região é habitada desde pelo menos 21.000 a.C. Diversas civilizações floresceram antes da chegada dos espanhois: olmecas, maias e, principalmente, astecas. No séc. 16, Cortés destruiu o império asteca, estabelecendo o domínio espanhol. Em 1813, foi declarada a independência, reconhecida pela coroa espanhola em 1821. Diversas formas de governo foram estabelecidas, inicialmente Império e posteriormente República. Uma vasta área do Texas à Califórnia foi perdida com o resultado da Guerra Mexicano-Americana. O nome do país é uma referência à sua principal cidade e capital Cidade do México. A origem do nome da cidade é debatida. Alguns autores atribuem ao nahuatl Mextli, nome de uma divindade, significando Mēxihco “morada de Mextli”. Outros, que viria de mētztli (“lua”) e xictli (“umbigo, centro”), isto é, “centro da Lua” ou “centro do lago Lua”. [4]
República do Chile (esp. República de Chile). As planícies chilenas são ocupadas desde pelo menos o fim do último glacial. Eventualmente o povo Mapuche desenvolveu-se, resistindo às investidas incas. Em 1520, o navegador português Fernão de Magalhães atravessou o estreito de Magalhães. A conquista espanhola foi completada por Pedro de Valdivia, sendo anexado ao Vice-Reino do Peru. Em 1818, conquistou a independência. A origem do nome do país tem múltiplas versões. Em uma delas, teria sido derivado do nome inca para o vale do Aconcágua: Chili, por sua vez, originado do nome de um cacique: Tili. Uma das mais correntes é a de que provém do mapuche: chilli (“onde a terra termina”). [5, p. 44]
República Eslovaca (eslovaco: Slovenská Republika) ou Eslováquia. Artefatos arqueológicos de cerca de 270.000 a.C. atestam a antiguidade da ocupação da área. Celtas, romanos, tribos germânicas já controlaram a região. Povos eslavos chegaram ao local no século 5 d.C. O Império Morávio formou-se e desintegro-se no séc. 9. O território foi incorporado pelo Reino da Hungria. Após a Primeira Guerra, com a região da Morávia e da Boêmia, surgiu a Tchecoeslováquia. Em 1993, a união se dissolveu, havendo a separação entre a República Tcheca e a República Eslovaca. O nome se refere ao povo eslovaco < eslovaco Slovák e tem a mesma origem do nome dos eslovenos.
Japão (jap. 日本国, にっぽん ou にほん Nihon-koku ou Nippon-koku). O arquipélago é habitado desde pelo menos 30.000 a.C. Diversos reinos dividiram o território, unificado durante o período Nara no séc. 8. O poder alternou-se entre o imperador, os senhores feudais e o chefe do exército (xogum). Em 1867, a restauração Meiji, trouxe novamente o poder para a mão do imperador. Política expansionista levou a conquistar territórios na China, parte da ilha Sacalina do Império Russo, a Coreia e Taiwan. Na Segunda Guerra expandiu seu império por vasta área do Pacífico. Mas foi derrotada pelos aliados e teve seu território bombardeado por dois artefatos atômicos. Uma monarquia parlamentarista constitucional foi imposta pelos EUA. O caracter 日 ni “sol” e 本 hon “origem, verdade, livro”. O nome Japão vem do nome chinês dado ao país, registrado por Marco Polo como Cipangu ou Zipangu, e através do malaio Jepang, registrado por comerciantes portugueses no séc. 16. (Alguns autores, no entanto, consideram que os próprios japoneses teriam dado nome ao país. No séc. 7, descontentes com a denominação 倭 Wa dada pelos chineses, teriam criado onome Jih-pen. [6, p. 15])
República Portuguesa ou Portugal. A região é habitada desde talvez uns 1,2 milhão de anos atrás, com a chegada dos primeiros hominídeos à Europa. Substituindo os neandertais (ou talvez se misturando com eles), os homens modernos ocuparam a região. Diversas tribos germânicas entre visigodos, ostrogodos, suevos e outros após a queda do Império Romano formaram
vários reinos cristãos independentes. Após a Reconquista, expulsando os mouros da península ibérica, o rei Alfonso 3o, de Leão, condeceu o condado de Portucales ao então duque galego Vímara Peres. Em 1095, declarou independência do Reino de Leão. Entre 1580 e 1640, constituiu com o Reino da Espanha a União Ibérica, sob uma única coroa. Entre 1808 e 1821, fugindo de Napoleão, a coroa portuguesa estabeleceu-se no Rio de Janeiro no vice-reino do Brasil. A partir de 1910 estabeleceu-se o republicanismo como forma de governo. Portugal vem de Portucales (através da forma Portugale), do latim Portus Cale, nome romano para a região do rio Douro. A denominação Cale é debatida. Alguns apontam para o grego καλλις kallis (“belo”) – os gregos estabeleceram colônias na região. Outro que viria do celta – antigos habitantes locais – cale ou cala, que significaria “porto” (e Portugal teria origem em um pleonasmo). [7, p. 55 e 215.]
Referências
[1] Lee,K.-B. & Yi, K.-B. 1984. A new history of Korea. Harvard University Press. 474 pp.
[2] Channing, E. 2008. A short history of the United States. BiblioBazzar. 452 pp.
[3] Websters New World College Dictionary. 3rd ed.
[4] Palacios, E.J. 1922. De dónde viene el nombre de México, México- Tenochtitlan-Aztlán?
[5] Encina, F.A., and Leopoldo Castedo (1961). Resumen de la Historia de Chile. vol. 1. 4a. ed. Zig Zag.
[6] Cannon, G.H. & Warren, N.W. 1996. The Japanese contributions to the English language […] Harrassowitz Verlag. 257 pp.
[7] Charnock, R.S.1859. Local etymology […] Houlston & Wright. 325 pp.
*Título de poema escocês de Robert Burns de 1788. Esc. Auld lang syne
= ing. old long since = port. há muito muito tempo.
Auld lang syne*… (2)

Trem das Onze | |
Não posso ficar] [nem mais um minuto com você Sinto muito amor, mas não pode ser Moro em Jaçanã, Se eu perder esse trem Que sai agora as onze horas Só amanhã de manhã. |
Além disso mulher |
Letra e música: Adoniran Barbosa. |
Disclaimer: Sei que o ideal seria
se pudesse oferecere referências melhores – se não de material de
primeira mão, ao menos de artigos acadêmicos que analisaram tais
documentos ou, no máximo, de livros-textos da área -, mas acabei usando
como atalho, para esta série sobre os países participantes da Copa 2010,
referências terciárias – e que nem dizem respeito diretamente à questão
etimológica. Em muitos casos, a Wikipedia (anglófona, claro) foi
utilizada como material para consulta incial (procurei verificar por
fontes independentes mais confiáveis). Então fiquem ainda mais atentos
para o fato de que as informações podem não ser suficientemente acuradas
(eufemismo para incorreção).
Mas não tá cedo ainda?
Comunidade da Austrália (ing. Commonwealth of Australia). Os primeiros habitantes da região devem ter chegado entre 42.000 e 48.000 anos atrás – talvez por porções descobertas de terras durante o último glacial, quando o nível do mar era bem mais baixo do que atualmente. Os primeiros europeus avistaram e aportaram na ilha em 1606. Em 1770, James Cook mapeou parte da costa australiana e a reclamou para o Império Britânico. Em 1942, mas com efeito retroativo a 1939, a Austrália desvinculou-se constitucionalmente do Reino Unido. O nome vem do latim australis (“do sul” < auster “vento sul”; curiosamente, a base é a raiz proto-IE *aus- “brilhar a aurora”, que se conecta com a noção de “oriente”, como no ing. east) e a designação Australia foi oficialmente adotada pelo Almirantado Britânico em 1824. Os holandeses, naturalmente, tinham outro nome para a ilha-continente: Nova Holanda. [1]
República da Sérvia (sérvio Република Србија, Republika Srbija). Outro país surgido da fragmentação da Iugoslávia. Por volta do séc. 14, houve um Império Sérvio, mas conquistado pelos otomanos e depois pelos austro-húngaros. Após a Primeira Guerra, reuniu-se às demais nações eslavas austrais formando os estados iugoslavos. Com as várias guerras sangrentas de separação após o colapso da URSS, a união dissolveu-se. O próximo da província separatista é Kosovo, de maioria muçulmana albanesa. “Sérvio” > sérvio Срби, Sbri provavelmente se liga à base proto-IE *ser- “vigiar, proteger”. Acredita-se que as primeiras menções nos registros ocidentais aos sérvios seja de Plínio, o Velho, e de Ptolomeu, referindo-se aos Serboi, tribo sármata do cáucaso (embora outras interpretações seja que Serboi sejam os sorábios da Lusácia germânica ou aos sirácios do Mar Negro – a possibilidade de “sérvio” não ser um nome de origem eslava leva à especulação de que os sérvios – e os croatas – não sejam de origem eslava [2, pp: 56-7]).
Nova Zelândia (ing. New Zealand, maori Aotearoa). Os primeiros habitantes devem ter sido polinésios, por volta de 1250 a.C. O primeiro europeu a chegar às ilhas foi o explorador holandês, Abel Tasman, em 1642, que as batizou de Staten Landt (“terras dos Estados Gerais (Holandeses)”). Mas o massacre impostos pelos maoris à tripulação fez com que nenhum europeu aportasse por lá até 1769, quando James Cook alcançou as ilhas em sua expedição. Vários tratados foram estabelecidos com os maoris, até que, em 1840, o Império Britânico clamou para si a autoridade sobre as terras. Em 1947, foi considerado um país independente dentro da Comunidade Britânica. O nome Nova Zeelandia foi dado por cartógrafos holandeses, em referência à província nederlandesa da Zelândia (ned. Zeeland “terras do mar”, por se tratar de um conjunto de ilhas e penínsulas). Aotearoa (“terra das longas nuvens brancas”) era o nome dado pelos maoris para a ilha Norte, atualmente se refere a todo o país. [3]
República Italiana (it. Repubblica italiana) ou Itália. A região é habitada desde pelo menos o Paleolítico. Uma longa história dos etruscos e do Império Romano de desenvolveu – estendendo-se por quase toda a Europa e adjacências. Fragmentando-se em vários estados, o país foi unificado somente no início do séc. 19. Não se conhece a etimologia do nome, mas se especula que esteja ligado ao osco Víteliú (“terra dos bezerros”, compare com a palavra “vitela”), essa interpretação é reforçada por ser o touro símbolo das tribos do sul da região. [4, p. 208]
Reino da Dinamarca (din. Kongeriget Danmark). Indícios de ocupação humana na área correspondente à Dinamarca europeia continental datam de 130.000 a 110.000 mil anos atrás. Durante os séc. 8 a 11, os exploradores e guerreiros vikings estenderam os domínios dinamarqueses até a América. Durante a Idade Média e a Era Moderna, Dinamarca, Noruega e Suécia estiveram unidos em várias ocasiões sob um único governo, na União Kalmar. Eventualmente a união se desfez. A origem e significado de Danmark é bastante debatida. Uma versão bastante comum é que dan significa “terras planas” (ligado ao al. Tenne “eira” e ing. den “caverna, covil”) e mark “floresta ou fronteira” (ligado ao ing. marsh “marca”), alguns ligam ao nome do primeiro rei Dan. [5, p. 152]
República de Côte d’Ivoire (fr. République de Côte d’Ivoire) ou Costa do Marfim. A região é habitada desde pelo menos o começo do Neolítico. Diversos reinos, incluindo muçulmanos, floresceram na área antes do domínio europeu, que chegaram em 1483. Em 1843, a França assumiu o controle na forma de protetorado. Em 1960, o país conseguiria sua independência.Como o nome sugere, um importante produto explorado durante a era colonial foi o marfim. Atualmente o comércio é ilegal, mas a população local de elefantes encontra-se seriamente ameaçada – talvez com pouco mais de 500 indivíduos somente. [6, pp: 177-80.] Ing. “Ivory” e fr. “ivoire” do lat. eboreus “de marfim” < ebur, ebor “marfim” < egíp. ‘b, ‘bw âbu “elefante, marfim”. “Marfim” < ár. عظم الفيل aẓm al-fīl, “osso de elefante” (de عظم aẓm, “osso”e فيل fīl, “elefante”). [7, p. 168.]
Confederação Suíça (al. Schweizerische Eidgenossenschaft, fr. Confédération Suisse, it. Confederazione Svizzera, romanche Confederaziun Svizra, lat.Confœderatio Helvetica). Habitantes humanos – neandertais – estão presentes na região desde cerca de 150.000 anos a.C. O território já esteve sob domínio dos francos, do Sacro Império Romano e de diversas casas reais como a dos Savoia e dos Habsburgo. Durante a Idade Média, vários cantões uniram-se em uma confederação. Nessa época várias vitorias em batalhas deram origem à fama do exército suíço – a Guarda Suíça. Em 1648, com o Tratado de Westfália, foi reconhecida a independência da Confederação Suíça em relação ao Sacro Império Romano e a condição de neutralidade nas guerras travadas entre os estados e nações europeias – neutralidade mantidade até os dias de hoje. Em 1798, a Suíça foi conquistada pelo exército napoleônico. Com a guerra entre a França e outras potências europeias: Rússia e Áustria, a Confederação readquiriu autonomia. Mas foi no Congresso de Viena de 1815 que a independência foi reconhecida e a neutralidade reenfatizada. “Suíça” vem do alemânico Schwiizer, referindo-se aos habitantes do cantão Schwyz, possivelmente relacionado ao Ant. Alto-Alemão suedan “queimar”. “Helvécia” e o lat. helvetica referem-se aos helvécios, tribo celta que, durante o Império Romano, ocupava o platô suíço, talvez ligado à raiz elw “muitos, ricos, numerosos”.
República de Honduras (esp. República de Honduras). Vários povos habitavam a região antes da chegada de Colombo às Américas. O principal foram os maias. Colombo aportou na costa hondurenha em 1502. Em 1821, obteve independência da Espanha em conjunto com outras regiões da América Central. Entre 1822 e 1838, integrou a República Federal da América Central. A origem do nome é alvo de disputadas. Em esp. honduras significa “profundezas”, e uma frase é atribuída a Colombo “Gracias a Dios que hemos salido de esas Honduras” [“Graças a deus saímos dessas profundezas”], mas não há registro de primeira mão. Uma explicação alternativa é que se ligaria ao leonense asturiano fondura “ancoradouro”. [8, p. 14.] Há um Rio Hondo (“rio fundo”) em Belize, não sei se teria alguma ligação com o nome. Até 1973, Belize era conhecida como Honduras Britânica, em oposição à Honduras Espanhola, que de
u origem à Honduras atual: que abarca a região oeste, que era conhecida como Higueiras até 1580, sendo Honduras reservada à região leste.
Referências
[1] Adamant Media. 2001. Early voyages to Terra Australis, now called Australia […] Adegi Graphics. 343 pp.
[2] Fine, J.V.A. 1991. Early medieval Balkans […] University of Michigan Press. 336 pp.
[3] Barber, L. 1989. New Zealand: a short history. California University. 252 pp.
[4] Herring, E. & Lomas, K. 2000. The emergence of states identities in Italy in the first millennium BC. University of London. 225 pp.
[5] Skovgaard-Petersen, K. 2002. Historiography at the court of Christian IV (1588-1648): […] Museum Tusculanum Press. 454 pp.
[6] Blanc, J.J. 2007. African elephant status report 2007 […] IUCN. 275 pp.
[7] Bassetto, B.F. 2001. Elementos de filologia românica. EdUSP. 380 pp.
[8] Tábora, J.M. 2002. Folklore y Turismo. Ed. Guaymuras. 143 pp.
*Título de poema escocês de Robert Burns de 1788. Esc. Auld lang syne = ing. old long since = port. há muito muito tempo.
Auld lang syne*…

Valsa da Despedida | |
Adeus amor Estando em luta A noite brilha em teu olhar |
Então na terra A luz que brilha em teus olhar No céu na terra
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Letra: João de Barro; Adaptação de composição de: Robert Burns |
Disclaimer: Sei que o ideal seria se pudesse oferecere referências melhores – se não de material de primeira mão, ao menos de artigos acadêmicos que analisaram tais documentos ou, no máximo, de livros-textos da área -, mas acabei usando como atalho, para esta série sobre os países participantes da Copa 2010, referências terciárias – e que nem dizem respeito diretamente à questão etimológica. Em muitos casos, a Wikipedia (anglófona, claro) foi utilizada como material para consulta incial (procurei verificar por fontes independentes mais confiáveis). Então fiquem ainda mais atentos para o fato de que as informações podem não ser suficientemente acuradas (eufemismo para incorreção).
Já vai, já?
República dos Camarões (ing. Republic of Cameroon ou fr. République du Cameroun). Há uma longa história de ocupação do território. Mas o nome se deve ao explorador e navegador português que, em 1472, alcançou a foz do que é hoje denominado Rio Wouri em Douala – notando a abundância de crustáceos como lagostins e camarões, batizou o curso d’água de Rio Camarões ou Rio dos Camarões. Ao controle português, sucederam-os holandeses e alemães. Após a Primeira Guerra, franceses e britânicos partilharam o território: com o Camarão Francês à leste (ocupando 80% do território) e o Camarão Inglês à oeste – coletivamente as colônias seram chamadas de “The Cameroons“. Após a Segunda Guerra, Ahmadou Ahidjo proclamou a independência do lado francês – a 1o de janeiro de 1960. Em 1972, as colônias finalmente se reunificaram sob a República de Camarões. [1, p. 13]
República Democrática Popular da Coreia ( 조선민주주의인민공화국, 朝鮮民主主義人民共和國 Chosŏn Minjujuŭi Inmin Konghwaguk) ou Coreia do Norte. A península da Coreia é ocupada desde pelo menos o paleolítico superior. Até 1905, com a Guerra Russo-Japonesa, toda a península era governada pelo Império Coreano. O Japão anexou a Coreia, perdendo-a após a Segunda Guerra. O território foi dividido em uma área sob o comando soviético e uma sob o comando americano – divididos pelo paralelo 38. Em 1950, iniciou-se uma guerra entre as Coreias, com a Coreia do Norte, comunista, buscando a unificação – a tentativa foi frustrada pela intervenção americana em favor da porção sul. Em 1953 foi declarado um armistício que dura até hoje – formalmente a guerra nunca foi encerrada. O nome Coreia provém da dinastia Goryeo ou Koryŏ, que governou a península de 918 a 1392. Chosŏn vem do Reino de Gojoseon, que teria sido fundado em 2333 a.C. e da Dinastia Joseon (1392-1897) – a primeira referência escrita é nos documentos chineses, que denomina a região de Chaoxian (Chosŏn é a pronúncia coreana): de chao “manhã, aurora” e xian “fresco, calmo”, pela posição a leste do país em relação à China (na direção da manhã). [2, pp: 16-7]
República da África do Sul (ing. Republic of South Africa, afrik. Republiek van Suid-Afrika, ndeb. iRiphabliki yeSewula Afrika, xhosa iRiphabliki yaseMzantsi Afrika, zulu iRiphabliki yaseNingizimu Afrika, n. sotho Rephaboliki ya Afrika-Borwa, sotho Rephaboliki ya Afrika Borwa, tswana Rephaboliki ya Aforika Borwa, swati iRiphabhulikhi yeNingizimu Afrika, venda Riphabuḽiki ya Afurika Tshipembe, tsonga Riphabliki ra Afrika Dzonga). Humanos modernos habitam a região desde pelo menos 100 mil anos atrás. Em 1487, Bartolomeu Dias dobrou o Cabo das Tormentas, rebatizado posteriormente de Cabo da Boa Esperança. A região dá nome à Cidade do Cabo. Foi ocupada pela Companhia Holandesa das Índias Orientais. No século 19, ocorre a Guerra dos Boeres, em que os colonos descendentes de holandeses, alemães e franceses, enfrentaram o poder britânico por minas de diamante. Em 1910, foi declarada a independência do Império Britânico, efetivada em 1931. De 1948 a 1994 vigorou a política do apartheid (do afrik. “separação”), política oficial de segregação racial. Em 1994, Nelson Mandela foi eleito presidente. E desde então a África do Sul foi readmitida na comunidade internacional – suspensa em diversos órgãos e competições internacionais pela política racista. A etimologia do termo “África” é controversa. Afri (plural de Afer) é a denominação dos romanos para diversos povos ao sul do Mediterrâneo; o historiador Flavius Josefo associava a denominação ao neto de Abraão, Efer, cujos descendentes teriam colonizado a Líbia; Leo Africano considerava que seria ligado ao grego Αφρική Aphrike (a “não” e phrike “frio, horror” – portanto “sem frio”) e várias mais foram propostas. South vem o ing.ant. suð (“do sul”), provavelmente com base no proto-germânico *sunthaz, de onde viriam o al. Süd, Süden, o fr. sud, o esp. sur, sud e o port. sul – por empréstimo das línguas germânicas. [3, 4]
República Francesa (fr. République française) ou França. Francia era a denominação da região norte da Europa dominada pelos francos. O nome do povo pode ter se originado do proto-germânico frankon “um tipo de lança ou machado de atirar” ou do termo germânico para “livre” (em oposição aos eslavos, povos escravizados na Europa Central). A área do território atual da França correspondia mais ou menos à região romanda da Gália, povoada pelos celtas gauleses (sim, quem lê “Asterix e os Gauleses” saberá), chamada pelos romanos de Gallus – daí, certamente, o galo ser símbolo nacional da França. [5, p. 42]
República Helênica (gr. Ελληνική Δημοκρατία Ellīnikī́ Dīmokratía) ou Grécia. Do lat. Græci (“helenos”), gr. Grakoi. Segundo Aristóteles Graikhos provinha de Graii, como se denominavam os dóricos de Épiro. Ελλάς Hellas, como os gregos chamam a seu país, deriva da tribo que habitava a região da Tessália, os Helli ou Selli [6, pp: 39-40]. Os turcos denominam a Grécia de Yunanistan (“terra dos jônios”), enquanto árabes e hindus se referem a Yunan. [5, p. 57]
República Federal da Nigéria (ing.Federal Republic of Nigeria). A região é ocupada desde pelo menos 10.000 a.C. Diversos reinos se sucederam como o de Calabar, os estados de Igbo, o reino de Nri, o Império Songhai… Nos fins do séc. 19 e início do séc. 20, o Império Britânico invadiu a região, criando a Colônia e Protetorado da Nigéria. Em 1960, a Nigéria declarou independência. O nome provém do Rio Níger (que também dá o nome ao país vizinho mais ao norte, Níger). Especula-se que o nome do rio provenha do tuaregue ngher, abreviação de egereou n-igereouen de (egereou “rio grande, mar” e n-igereouen plural de egereou) e não do latim niger “negro” (suas águas não são escuras e, apesar dos povos nas proximidades serem de pele negra, nenhum outro rio da África Negra recebeu denominação similar – mas poderia ser o caso disso ter ocorrido por ser dos primeiros locais fora do norte da África explorada pelos navegadores europeus). [7]
República da Eslovênia (esloveno Republika Slovenija). É um dos países resultantes da desintegração da Iugoslávia. Apesar de sua história recente como unidade política autônoma, a identidade de uma nação eslovena existe de longa data – desde pelo menos o séc. 16. A região é ocupada desde cerca 250 mil anos atrás, pelos neandertais. Os eslavos devem ter chegado por volta do séc. 6. Slověně “tribo eslava oriental” vem possivelmente do eslavo sláva “glória, fama” ou de slovo “ouvir” (nesse último caso, slověně significaria originalmente “povo que fala (a mesma língua)”. Há outras especulações sobre a origem do termo eslavo, como que seria afim à raiz proto-I.E. *(s)lawos “povo, pessoas”. [8, p. 310-1]
República Argelina Democrática e Popular (ár. الجمهورية الجزائرية الديمقراطية الشعبية Al-Yumhūriyya al-Yazāiiriyya ad-Dīmuqrāţiyya ash-Sha`biyya; tamazight Tigduda tamegdayt taɣerfant tažžayrit; fr. République Algérienne Démocratique et Populaire) ou Argélia. Na Antiguidade, os povos númidas desenvolveram um importante reino. Os habitantes locais acabaram por originar os bérberes atuais. O comando passou das mãos dos conquistadores espanhóis para o do Império Otomano e depois para o jugo francês. A independência foi conquistada em 1962. O nome do país deriva do nome de sua principal cidade e capital: Argel (fr. Alger, ár. الجزائر al-Jezair “as ilhas”, possível contração de جزائر بني مازغان jazā’ir banī mazghanā “as ilhas de Mazghanna” como denominados por geógrafos medievais árabes – referência às ilhas próximas às costas, onde devem ter sido instalados os primeiros portos). [9, p. 54]
Referências
[1] Collins, H.T.M et al. 1993. Destination: Cameroon. Diane Publishing. 58 pp.
[2] Seth, M.J. 2006. A concise history of Korea. Rowman & Littlefield. 257 pp.
[3] Beck, R.B. 2000. The history of South Africa. Greenwood Publishing. 248 pp.
[4] Ross, R. 2008. A concise history of South Africa. Cambridge University Press. 251 pp.
[5] Taylor, I. 2005. Words and places […] Read Books. 392 pp.
[6] Mure, W. 1854. A critical history of the language and literature of ancient Greece. vol. 1. Longman.517 pp.
[7] Niger. Online Etymology Dictionary.
[8] Quiles, C. 2007. A grammar for modern Indo-European […] Indo-European Association. 389 pp.
[9] Ring, T.; Salkin. R.M. & La Boda, S. 1996. International Dictionary of Historic Places: Middle East and Africa. vol. 4. Taylor & Francis. 900 pp.
*Título de poema escocês de Robert Burns de 1788. Esc. Auld lang syne = ing. old long since = port. há muito muito tempo.
É possível o estudo científico do pensamento e da criatividade? – Parte II
Bem… Continuemos o assunto do post anterior…
3. O pensamento e o “ver encoberto”
A questão do pensamento é um tema complexo na obra skinneriana, podendo ser considerado como um comportamento precorrente para resposta consumatória no processo de resolução de problemas. Comportamentos precorrentes podem ser descritos como aqueles que “não recebem conseqüências reforçadoras imediatas, mas são indispensáveis para a emissão de uma resposta subseqüente que tem conseqüência reforçadora (Lopes & Abib, 2002). Partindo desse ponto de vista, pensar pode ser: intencionar, atentar, perceber, memorizar, criar e qualquer outro comportamento (ou processo comportamental) que seja capaz de tornar possível a solução de um problema. Portanto, o pensamento na obra de Skinner é um conceito que deve ser analisado em termos de seus mais variados usos (Lopes & Abib, 2002). Nesse sentido, boa parte do que é descrito como pensamento na resolução de problemas refere-se a comportamento perceptivo encoberto, ou o que se chama de “ver na ausência da coisa vista”. Skinner analisa o ver a partir da história de vida (ambiental) e das contingências presentes, ou seja, analisa esse comportamento da mesma forma que faria com qualquer outro: “a expressão ‘ver algo’ refere-se a uma grande amplitude de comportamentos, gerados por uma grande amplitude de contingências tendo em comum um estímulo em particular” (Skinner, 1989). O comportamento perceptual encoberto analisa-se, ainda, da mesma forma como se faria com o comportamento público, pois “tanto quanto sabemos, nada jamais é aprendido de forma encoberta que não tenha sido aprendido abertamente. O ver encoberto pode, por isso, ser ensinado como o ver abertamente” (Skinner, 1968).
Parece ter importância, nesse ponto, esclarecer o motivo de os comportamentos regredirem a um nível privado, já que a sua emissão original acontece no nível público. Existem algumas explicações para esse fenômeno: quando o controle de estímulos é fraco ou envolve punição, quando um comportamento é reforçado automaticamente, quando se trata de um precorrente etc. Esse último caso pode explicar por que o ver privado pode ocorrer caso o comportamento subseqüente seja reforçado, “assim, podemos ver Veneza com a finalidade de ensinar um amigo a encontrar o caminho que o levará a determinada parte da cidade…” (Skinner, 1974). Skinner afirma que “o comportamento se torna encoberto quando, em primeiro lugar, sua força cai abaixo do nível necessário para uma emissão aberta, tal emissão pode ser fraca por que as variáveis de controle são deficientes (…) ou podem ser fortes, como se vê pelo fato de que, sob outras circunstâncias ele pode surgir em nível aberto. A resposta encoberta é simplesmente a mais fácil, ou por alguma razão, a mais própria no momento” (Skinner, 1957).
Uma vez que o comportamento regride a um nível encoberto, ele torna-se diretamente inacessível para outras pessoas, o que na maior parte das vezes é a razão pela qual o nomeamos de “pensar”. Entre as vantagens do comportamento de “ver privado” está o fato de que esse comportamento não exigiria um comportamento precorrente que gerasse um estímulo externo e também porque o ver privado estaria isento de qualquer punição se o mesmo tornar-se público. Há também o caso em que o comportamento de ver encoberto produz estímulos discriminativos que podem ser úteis para o comportamento subseqüente (público ou privado), o que nos leva à conclusão de sua importância para o comportamento de resolução de problemas.
Por exemplo, uma pessoa pode descrever a forma com que chegou a solução de determinado problema descrevendo a produção de estímulos discriminativos visuais. Dado o problema: “pense em um cubo, com todas as superfícies pintadas de vermelho, divida o cubo em 27 cubos iguais fazendo cortes, dois cortes verticais e dois conjuntos de cortes horizontais. Quantos cubos terão três faces pintadas de vermelho, quantos terão duas, quantos terão uma e quantos não terão nenhuma?” (Skinner, 1953). O sujeito que o resolveu pode relatar que “viu o cubo, pintou-o de vermelho…” e assim por diante até chegar à resposta final. Para tal, a capacidade de emitir a resposta visual encoberta foi necessária. Nesse caso, o ver, em si, não seria reforçado, mas sim a solução do problema, que acaba por reforçar toda a cadeia de comportamento que tornou a solução possível, inclusive o comportamento de “ver na ausência da coisa vista”.
Resumindo, o que se identifica como “pensamento” no comportamento de ver privado é sempre um comportamento do organismo como um todo (e não apenas do cérebro), e o fato de ser emitido na ausência da coisa vista significa apenas que, uma vez aprendido de forma aberta, pode ser emitido de forma encoberta, sem o suporte dos estímulos que estavam presentes durante o processo de aquisição da resposta (Tourinho & cols., 2000).
A discussão skinneriana sobre o surgimento de comportamentos novos, chamados “originais” ou “criativos” é um dos pontos de sua obra onde mais claramente pode-se observar a idéia de interação entre as contingências de seleção ambientais (ontogenéticas) e a seleção filogenética (ou contingências de sobrevivência). “O conceito de seleção é mais uma vez a chave. As mutações, na teoria genética e evolutiva, são casuais e as topografias respostas selecionadas pelo reforço são, se não aleatórias, pelo menos não necessariamente relacionadas com as contingências em que serão selecionadas. E o pensamento criador preocupa-se grandemente com a produção de ‘mutações’. Escritores, artistas, compositores, matemáticos, cientistas e inventores estão familiarizados com formas explícitas de tornar mais provável a ocorrência de comportamento original” (Skinner, 1974).
Segundo Skinner, comportamentos nunca antes emitidos e que não estavam presentes anteriormente no repertório de um indivíduo podem ser explicados como função de variações aleatórias na emissão de resposta, que são então selecionadas por contingências de reforço. Esse mecanismo segue a mesma lógica do mecanismo de variação e seleção postulado pela Teoria Evolucionista. Para ele, “o termo chave no titulo de Darwin é ‘a Origem’. A novidade pode ser explicada sem apelar-se a um desígnio inicial se mudanças aleatórias nas estruturas forem selecionadas por suas conseqüências. Estas são as contingências de sobrevivências que criaram novas formas” (Skinner, 1971a). Da mesa forma, “não é algum propósito inicial, alguma intenção ou ato de vontade que responde por novo comportamento; são as contingências de reforçamento” (Skinner, 1971a).
A questão da criatividade, para Skinner, é tomada sob o mesmo prisma da questão do pensamento – no sentido de que pode (e deve) ser explicada através de seus determinantes da história de contingências e da história genética do organismo. Novamente pode-se verificar a crítica ao mentalismo e à noção de causalidade interna: “uma ‘mente criativa’ não explica nada. É apenas um apelo ao miraculoso. A mente é considerada como fazendo aquilo que o corpo não é capaz. (…) novidade e originalidade podem ocorrer em um sistema determinístico” (Skinner, 1970).
Assim, ao analisar as contingências das quais a criatividade é função pode-se chegar a uma explicação causal e, por fim, manipulando-se tais contingências deve-se ser capaz de aumentar a probabilidade de que tais comportamentos criativos ocorram. A “mente criativa” é evo
cada porque algumas vezes não é possível ter acesso a todas as contingências, principalmente às contingências de sobrevivência que dizem respeito à história filogenética. “Contingências de reforçamento que modelam o comportamento ontogênico podem ser arranjadas e estudas no laboratório. Mas a maioria das contingências de sobrevivência responsáveis pelo comportamento filogenético observado nesse campo é meramente inferida” (Skinner, 1978).
Provavelmente a mais importante implicação da causalidade ambiental para a determinação da originalidade e criatividade está na proposta skinneriana de uma tecnologia de ensino capaz de produzir comportamentos novos nos campos artísticos e científicos. Desse modo, “o papel do acaso pode ser assumido e ampliado pela planificação deliberada. (…) Novas formas de comportamentos podem ser geradas por contingências ambientais, que dificilmente surgiriam por acidente. Por definição, não se pode ensinar comportamento original, pois não seria original se ensinado, mas podemos ensinar ao estudante a arranjar ambientes que maximizem a probabilidade de que ocorram respostas originais” (Skinner, 1978).
Tal formulação acabou por gerar resistência, pois retira do sujeito o caráter iniciador, ou, nas palavras do próprio Skinner: “uma formulação do pensamento criativo dentro do esquema de referência de uma ciência natural pode ser ofensivo àqueles que fundamentam sua concepção do indivíduo no controle do mundo ao seu redor, mas a formulação pode ter vantagens compensadoras. Na medida em que a originalidade se identifica com a espontaneidade ou com a ausência de regras no comportamento, parece ser uma tarefa inglória ensinar um homem a ser original ou a influenciar seu processo de pensar de qualquer maneira importante. A presente análise levaria a um aperfeiçoamento nos procedimentos educacionais” (Skinner, 1953). A mesma crítica foi formulada também no que diz respeito à formulação comportamental do pensamento, como já visto.
O modelo proposto para o ensino e a geração de comportamento criativo é o da produção de variação. Com o aumento (através do reforçamento) da emissão de comportamentos diferentes, seria possível selecionar daquelas respostas que poderiam ter valor tanto para a cultura quanto para o indivíduo. Uma das maneiras de gerar tal variabilidade seria, então, incrementar o número de “mutações” nas respostas (uma analogia às mutações que geram variabilidade, posterior seleção pelo ambiente e, por fim, a evolução da espécie). Ao analisar o comportamento do artista, Skinner coloca que “nós devemos procurar por mutações. (…) podemos gerar mutações mudando as condições de trabalho do artista, fazendo-o trabalhar quando está cansado, com frio, desencorajado ou bêbado. O artista pode gerar outros tipos de mutação fazendo deliberadamente aquilo que lhe foi dito para não fazer; ele pode violar os modelos, as convenções e os tabus, como um matemático que renega axiomas evidentes ou como o compositor que usa harmonias proibidas” (Skinner, 1970).
Dessa maneira, a ação iniciadora é, de certa forma, externa ao sujeito, ela “vem de sua história passada, verbal ou outra qualquer (…), causas genéticas e ambientais que postas juntas têm um efeito em comum” (Skinner, 1970a), ou seja, geram novas respostas. Por outras palavras o controle de estímulos ambientais é responsável por gerar respostas de qualquer tipo, até mesmo as originais e criativas.
Em “Beyond Freedom and Dignity”, Skinner afirmou que o mentalismo não somente interfere na busca de explicações científicas do comportamento, como também não é prático, no sentido de que nos impede de solucionar problemas sociais como a guerra, o crime e a pobreza. A idéia de que uma pessoa possa ser responsável por uma ação, no sentido de causar essa ação, é baseada na noção de livre arbítrio. Porém na possibilidade de uma ciência do comportamento está implícito que o comportamento, como qualquer objeto de estudo científico, é ordenado, pode ser explicado, previsto e controlado, desde que se tenham os dados e os meios necessário. Ou seja, não é livre, mas determinado.
Em certo sentido, a questão da crítica ao mentalismo se liga ao estudo e análise do pensamento e da criatividade por que a grande razão para se supor que as pessoas “têm uma mente” é que todos sabem que têm pensamentos, que pensam, e que produzem pensamentos originais e criativos. Pensamentos, sentimentos, sensações e sonhos são eventos privados, naturais e freqüentemente observáveis por aqueles que os experimentam. Há dois pontos importantes com relação à distinção entre público e privado: o primeiro é que para o behaviorismo radical, a distinção tem pouco significado (pois ambos são eventos naturais) e o segundo é que a única diferença entre tais eventos é o número de pessoas que podem relatá-lo, ou seja, a distinção tem relação com o acesso ao evento e não com sua natureza. Ao aceitar essa afirmação, Skinner admite a subjetividade como objeto de estudo da ciência, como natural e compartilhando todas as propriedades dos demais comportamentos; suas origens encontram-se na história do indivíduo e na filogênese de sua espécie.
Ao afirmar, ainda, que os comportamentos de pensar e criar podem ser explicados, previstos e controlados e, acima disso, ensinados e aprendidos, Skinner confirma a influência do pragmatismo em sua ciência. Segundo Baum (1994), “a noção fundamental do pragmatismo é de que a força da investigação científica reside não tanto na descoberta da verdade sobre a maneira como o universo objetivo funciona, mas no que ela nos permite fazer”. Disso se segue que a ênfase skinneriana no desenvolvimento comportamental é parte integrante de seu projeto de ciência e como tal derivação natural deste projeto.
Por fim, cabe ressaltar que a análise dos comportamentos operantes identificados como pensar e criar tem uma extensão e uma complexidade muito maior do que as apresentadas aqui, sendo este estudo apenas uma tentativa de reconstruir, através de alguns momentos da obra de Skinner, algumas noções consideradas relevantes para o entendimento do tema.
Referências:
Baum, W. (1994). Compreender o behaviorismo. Porto Alegre: Artmed.
Lopes, C. E. & Abib, J. A. D. (2002). Teoria da percepção no Behaviorismo Radical. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 18, 2. 129-137.
Skinner, B. F. (1953). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1963). Contingences of reinforcement: A theoretical analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1968). The technology of teaching. New York: Appleton-Century- Crofts.
Skinner, B. F. (1970). Creating the creative artist. Em B. F. Skinner (Org.). Cumulative records: A selection of papers – Third edition (1972). New Yark: Appleton- Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1971a). A lecture on “Having” a poem. Em B. F. Skinner (Org.). Cumulative records: A selection of papers – Third edition (1972) . New Yark: Appleton- Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1971b). Beyond freedom and dignity. New York: Alfred A. Knopf.
Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Applenton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1978). The shaping of phylogenic behavior. Em B. F. Skinner. Reflections on behaviorism and society. Englewood Cliffs: Prentice Hall.
Skinner, B. F. (1986). Upon Further Reflection. Englewood Cliffs: Prentice Hal
l.
Skinner, B. F. (1989). Questões recentes na análise comportamental. Campinas: Papirus.
Tourinho, E. Z.; Teixeira, E. R. e Maciel, J. M. (2000). Fronteiras entre análise do comportamento e fisiologia: Skinner e a temática dos eventos privados. Psicologia: Reflexão e Crítica. 13, 3. 425-434.
É possível o estudo científico do pensamento e da criatividade? – Parte I
“We can built a world in wich men and women will be better poets, better artists, better composers, better novelists, better scholars, better scientists – in a word, better people. We can, in short, have a better world”
B. F. Skinner, 1971
A Lecture on “Having” a Poem
Tô meio nervosa com essa minha estréia aqui no Tubo de Ensaios e no ScienceBlogsBr…
Pensei em bilhões e bilhões de assuntos para escrever, mas o povo aqui costuma ser sério, compenetrado, científico… e eu não escrevo assim nO Divã de Einstein – ele é sério e científico, mas não e lá muito compenetrado. Então, depois de muito trabalho, escrevi um ensaio sobre um tema que me interessa muito e sob uma perspectiva que eu conheço quase-muito-bem, que é a Análise do Comportamento.
A idéia é discutir, do ponto de vista de B.F. Skinner, como a Ciência do Comportamento lida com os temas do pensamento e da criatividade e quais as implicações desses pressupostos para a construção de tecnologias para a compreensão, a pesquisa e o ensino da criatividade.
Ao se discutir as noções de pensamento e criatividade em Skinner devemos principalmente levar em conta que esses conceitos, retirados do vocabulário mentalista, serão analisados por ele em termos operacionais. Isto implica em, primeiramente, qualificar o significado de tais termos no uso tanto por leigos como por estudiosos e, posteriormente, descrever em que situações palavras como “pensamento” e “criatividade” são empregadas. A estratégia empregada, então, é a de desconstrução dos significados de pensar em diversos tipos de comportamentos diferentes, analisando-os em termos das variáveis das quais são funções. Nesse processo, Skinner elimina os conceitos cognitivistas e mentalistas (processos mediacionais) através da descrição e da explicação do pensar enquanto comportamento.
Partindo do conceito de mente, o autor faz reflexões críticas acerca dos problemas do dualismo, da introspecção e do pensar como armazenamento de informações. Sua crítica parte do reconhecimento de que os processos ditos mentais pressupõem variáveis não manipuláveis e, portanto, são apenas descritivos, não preenchendo os quesitos formadores de seu conceito de ciência, que são a manipulação, o controle e a previsão dos comportamentos. Outra crítica as psicologias cognitivistas e mentalistas é feita no que diz respeito ao método de investigação usado para se observar os fenômenos mentais, a introspecção, que Skinner renega enquanto método científico legítimo.
Durante sua obra, Skinner desenvolve duas linhas principais de investigação para analisar o pensamento e o comportamento criativo. A primeira delas parte do ponto de vista evolutivo, tentando compreender as mudanças ambientais que levaram ao desenvolvimento desses comportamentos e a sua importância para a adaptação do homem ao ambiente em que está inserido. A segunda linha de raciocínio é empregada na estratégia de cobrir a explicação funcional dos comportamentos identificados como pensamento, analisando-os sob o referencial de seus estímulos controladores, das variáveis das quais são função.
Divido aqui o texto em duas partes, iniciando com as críticas do autor ao modelo mentalista de estudo do pensamento e com a proposição do modelo comportamental para o estudo do tema. No posts seguintes, tratarei das implicações do modelo proposto por Skinner e do desenvolvimento da Ciência do Comportamento de Pensar.
1. Críticas ao modelo mentalista
A crítica de Skinner as linhas psicológicas mentalistas começa com a crítica à sua implicação mais clara: o dualismo. Ele parte pressuposto epistemológico de que a ciência do comportamento, se devidamente incluída no campo das ciências, não pode lidar com um objeto insubstancial, tal como a mente cartesiana. Um dos problemas apontados por Skinner seria o de não poder manipular as variáveis de modo a produzir uma tecnologia útil, pois “se pudermos observar cuidadosamente o comportamento humano, de um ponto de vista objetivo e chegar a compreendê-lo pelo que é, poderemos ser capazes de adotar um curso mais sensato de ação” (Skinner, 1953).
Não se trata de uma questão de facilidade, a complexidade dos processos ditos mentais não se reduz quando o objeto é o comportamento e não a mente. “O comportamento é uma matéria difícil, não porque seja inacessível, mas porque é extremamente complexo. O comportamento (…) é mutável, fluido e evanescente, e por esta razão faz grandes exigências técnicas à engenhosidade e energia do cientista” (Skinner, 1953). A noção de mente é problemática para uma ciência do comportamento porque a mente não é parte da natureza, não tem nenhuma propriedade de um objeto natural. É impossível observar os processos mentais interiores; a introspecção não pode ser levada a sério enquanto método científico pela razão última de que não temos órgãos sensoriais capazes de perceber os processos internos. “Nós temos mais informações sobre nós mesmo do que sobre outras pessoas, mas é apenas o mesmo tipo de informação – sobre estímulos, respostas e conseqüências, alguns destes internos e, neste sentido, privados. Nós não temos enervações sensoriais vindas das partes do cérebro que se engajam em ‘processos cognitivos'” (Skinner, 1986).
Mesmo que abandonemos a noção de mente e a substituíssemos pela idéia de cérebro (solução muito adotada para se eliminar o mentalismo), voltaríamos ao mesmo ponto. O que pode ser observado pelos modernos aparelhos de imagem cerebral (PETscan e tomógrafos) são áreas cerebrais em funcionamento, mas o próprio funcionamento, os processos realizados pelo cérebro não são observáveis. “Vemos os materiais que processamos e o produto, mas não a produção” (Skinner, 1989).
Esse argumento não implica na negação das neurociências e de sua utilidade para a explicação completa do comportamento humano complexo, mas apenas na distinção clara dos limites da ciência do comportamento. “Os analistas do comportamento deixam o que está dentro da caixa preta para aqueles que dispõem dos instrumentos e métodos necessários ao seu estudo apropriado. Existem duas falhas inevitáveis em qualquer ponto de vista comportamental: uma entre ação estimuladora do ambiente e a resposta do organismo, e a outra entre as conseqüências e a mudança resultante no comportamento. Ao fazê-lo [o estudo], completa a descrição; não fornece uma explicação diferente. O comportamento humano inevitavelmente será explicado, e só poderá ser explicado através da ação conjunta da etologia, da ciência do cérebro e da análise do comportamento” (Skinner, 1989).
A objeção behaviorista ao mentalismo, expressa principalmente na rejeição do dualismo, se manifesta na incapacidade que este demonstra de obter uma resposta a pergunta sobre como uma substância imaterial (não natural) pode afetar uma substância material (coisa natural). Chega-se, portanto, a inferência de que as causas ditas mentais do comportamento são causas fictícias.
A objeção central de Skinner ao mentalismo é, no entanto, a de que este não consegue explicar aquilo a que se propõe. Parte dessa insuficiência se deve ao método introspectivo, como dito anteriormente e parte a circularidade das explicações propostas. As explicações mentalista inferem uma entidade fictícia a partir do comportamento observável então afirmam que a entidade inferida é a causa do comportamento. Em razão das ficções mentais parecerem explicações, elas tendem a impedir a investigação das origens ambientais do comportamento, que levariam a uma explicação científica satisfatória. “Como a análise experimental do comportamento tem mostrado, o comportamento é modelado e mantido por suas conseqüências, mas apenas pelas conseqüências que permanecem no passado. Nós fazemos o que fazemos por causa do que aconteceu, e não do que acontecerá. Infelizmente o que aconteceu deixa poucos traços observáveis, e a razão pela qual fazemos o que fazemos, bem como o quão dispostos estamos a fazer algo, estão, conseqüentemente, muito além do alcance da introspecção” (Skinner, 1989).
Uma dessas ficções explicativas mais combatidas por Skinner é a da idéia cognitivista do pensar como armazenamento de informações. Segundo essa visão, para responder novamente a um determinado estímulo, deveria haver
uma memória, ou uma espécie de cópia, armazenada em algum lugar da mente ou do cérebro, que quando acessada tornaria possível a repetição de um comportamento. Segundo Skinner, se usarmos a contingência de três termos como modelo explicativo para entendermos qualquer emissão de comportamento, não há necessidade de apelarmos a explicações mediacionais internas como a do armazenamento de informações. As explicações das relações entre o organismo e o ambiente são, portanto, suficientes para a total compreensão funcional. Para ele: “a objeção dos estados interiores não é a de que eles não existem, mas a de que não são relevantes para uma análise funcional” (Skinner, 1953).
O que se coloca para Skinner é a questão da modificação produzida no organismo quando da emissão de um comportamento. Do mesmo modo que a teoria da seleção de Darwin, a causalidade de Skinner exclui qualquer suposição de que o comportamento possa ocorrer a partir de um projeto futuro. São as conseqüências ocorridas no passado que determinam a probabilidade de ocorrência do comportamento em uma situação futura. Não por que essas conseqüências são armazenadas ou memorizadas para serem recuperadas e orientarem uma ação futura, mas por que as ocorrências passadas modificam o organismo, i. e, alteram sua forma de se relacionar com o ambiente. Com esta noção de causalidade, Skinner combate a noção de um agente iniciador (das concepções mentalistas) e suprime a necessidade de procurar instâncias armazenadoras de informação ou memória. Nesse sentido, “as contingências que afetam um organismo não são armazenadas por ele. Elas nunca estão dentro dele; elas simplesmente o modificam. Daí resulta que o organismo se comporta de maneiras especiais sob tipos especiais de controle por estímulos. Os estímulos futuros serão eficazes se se assemelharem aos que foram parte de contingências anteriores; um estímulo acidental pode nos fazer lembrar uma pessoa, um lugar ou um acontecimento se tal estímulo tiver alguma semelhança com essa pessoa, lugar ou acontecimento. Ser lembrado significa ser tornado capaz de responder” (Skinner, 1974).
No entender de Skinner, o que comumente é identificado como o processo cognitivo superior do pensamento pode ser descrito como uma série de comportamentos ou processos comportamentais que não são públicos, mas cujos produtos finais, ou os estímulos controladores, podem ser observados ou inferidos de eventos observáveis. “Não se trata de nenhum processo misterioso responsável pelo comportamento, mas do próprio comportamento em toda a complexidade de suas relações de controle, relativas tanto ao homem que se comporta como ao meio em que ele vive” (Skinner, 1957).
No intuito de explicar as variáveis que controlam diversos tipos de comportamento diferentes que podem ser chamados de pensamentos, Skinner faz uma espécie de catalogação desses possíveis comportamentos (ou processos comportamentais), analisando funcionalmente cada um deles e especulando sobre sua importância adaptativa e seu possível caminho evolutivo. É importante notar que com isso ele pretende identificar o termo “pensar” com comportamento operante, ou seja, sujeita-lo apenas as leis que regem o comportamento operante, sem que para explica-lo seja necessário recorrer a nenhum tipo de processo mediacional ou cognitivo.
Vale ainda ressaltar que para cumprir seu projeto de explicar os comportamentos de pensar como tal, o primeiro passo foi substituir o substantivo “pensamento” pelo verbo “pensar”, eliminando assim a idéia do pensamento como uma coisa a ser descrita e levantando a questão do pensar enquanto uma ação direta no mundo, um comportamento que opera modificações no ambiente que o produziu, ou seja, um operante. Com isso, ele elimina ainda o peso mentalista do termo pensamento enquanto construto teórico cognitivista que nomeia um processo mental. Assim, “pensar significa muitas vezes o mesmo que comportamento. Dizemos, nesse sentido, que se pensa matematicamente, musicalmente, politicamente, verbalmente ou não verbalmente e assim por diante. Em um sentido ligeiramente diverso, significa comportar-se em relação a estímulos. (…) Pensar também é identificado com certos processos comportamentais, como aprender, discriminar, generalizar e abstrair. Esses processos não são comportamento, mas sim modificações no comportamento. Não há ação, nem mental, nem qualquer outra” (Skinner, 1968).
Uma das situações mais comuns em que se emprega o termo “pensar” é a situação de se resolver problemas. Ter um problema é estar diante de uma situação em que uma resposta apresenta certa probabilidade de ser emitida, mas por falta de uma estimulação discriminativa adequada isso não ocorre. Portanto, o processo de resolução de problema pode ser considerado como constituído, basicamente, por respostas manipulativas e discriminativas: diante de um problema manipulamos variáveis a fim de produzir estímulos discriminativos que permitam a emissão da resposta discriminativa consumatória (Lopes & Abib, 2002). Ou seja, para Skinner o problema é uma questão para a qual não há resposta até o momento e sua solução é o comportamento responsável pela mudança da situação. O comportamento de pensar enquanto “resolver um problema” seria um encadeamento de comportamentos que, para o indivíduo que “pensa”, ocorreria para mudar a si mesmo ou a situação até que ocorra uma resposta (solução do problema). “Resolver um problema é um evento comportamental” (Skinner, 1963).
Skinner cita várias formas segundo as quais nos comportamos no sentido de gerar comportamentos que levariam à solução de uma determinada situação. Para cada uma dessas formas de comportamento usa-se comumente a expressão “pensar”: (1) quando se faz algo que torna possível outro comportamento; (2) quando nenhum estímulo efetivo está disponível e as pessoas expõem algum; (3) quando não se pode descobrir um estímulo, às vezes deixa-se um outro acessível de reserva até que a resposta ocorra; (4) quando junta-se várias coisas diferentes para possibilitar uma resposta única; (5) faz-se o inverso quando separa-se coisas de modo que se possa lidar mais facilmente com elas em outra ocasião; (6) marca-se coisas de modo que se possa nota-las mais facilmente em outra ocasião; (7) compara-se coisas, colocando-as “lado a lado” de modo que se possa ver mais facilmente se elas combinam entre si; (8) especula-se sobre as coisas, no sentido de que se olha para elas de diferentes ângulos e (9) depois de “pensar” por algum tempo chega-se a uma decisão (a própria palavra deriva da expressão “por fim a alguma coisa”) (Skinner, 1989).
Referências:
Baum, W. (1994). Compreender o behaviorismo. Porto Alegre: Artmed.
Lopes, C. E. & Abib, J. A. D. (2002). Teoria da percepção no Behaviorismo Radical. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 18, 2. 129-137.
Skinner, B. F. (1953). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1963). Contingences of reinforcement: A theoretical analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1968). The technology of teaching. New York: Appleton-Century- Crofts.
Skinner, B. F. (1970). Creating the creative artist. Em B. F. Skinner (Org.). Cumulative records: A selection of papers – Third edition (1972). New Yark: Appleton- Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1971a). A lecture on “Having” a poem. Em B. F. Skinner (Org.). Cumulative records: A selection of papers – Third edition (1972) . New Yark: Appleton- Centur
y-Crofts.
Skinner, B. F. (1971b). Beyond freedom and dignity. New York: Alfred A. Knopf.
Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Applenton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1978). The shaping of phylogenic behavior. Em B. F. Skinner. Reflections on behaviorism and society. Englewood Cliffs: Prentice Hall.
Skinner, B. F. (1986). Upon Further Reflection. Englewood Cliffs: Prentice Hall.
Skinner, B. F. (1989). Questões recentes na análise comportamental. Campinas: Papirus.
Tourinho, E. Z.; Teixeira, E. R. e Maciel, J. M. (2000). Fronteiras entre análise do comportamento e fisiologia: Skinner e a temática dos eventos privados. Psicologia: Reflexão e Crítica. 13, 3. 425-434.
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Assim (não) é, (nem) se lhe parece…
mudança, aſsi he tambem nas lingoagêns.“
(Dvarte Nvnez de Lião, 1606)
Preconceito é um pré-conceito?
Philip Durkin, etimólogo-chefe da Oxford English Dictionary, define assim “falácia etimológica”:
“[…] is the idea that knowing about a word’s origin, and particularly its original meaning, gives us the key to understanding its present-day use.” [“[…] é a ideia de que conhecer a origem das palavras, e particularmente seu significado original, dá a nós a chave para entender seu uso atual.”], e segue: “Very frequently, this is combined with an assertion about how a word ought to be used today: certain uses are privileged as ‘etymological’ and hence ‘valid’, while others are regarded as ‘unetymological’ and hence ‘invalid’ (or at least ‘less valid’).” [“Muito frequentemente, isso é combinado com uma afirmação sobre como uma palavra deve ser usada hoje em dia: certos usos são privilegiados como ‘etimológicos’ e, portanto, ‘válidos’, enquanto outros são considerados como ‘não-etimológicos’ e, portanto, ‘inválidos’ (ou ao menos, ‘menos válidos’).“] [1, p. 27.]
Um exemplo de falácia etimológica é a própria falácia etimológica. Se fizermos a etimologia da palavra ‘etimologia’, verificamos que ela vêm do grego ετυμολογία ‘etumología‘, de έτυμοs ‘étumos‘ (‘verdade, verdadeiro’) e λόγοs ‘lógos’ (‘palavra, discurso’), para os gregos antigos era mesmo o ‘estudo dos significados e formas verdadeiros das palavras’. Mas hoje entende-se a etimologia somente como o ‘estudo da origem e evolução das palavras’.
Outro exemplo muito frequente é a palavra ‘preconceito’. No meio da discussão sobre, digamos, preconceito racial, alguém saca: “Mas preconceito é *pré*-conceito, eu tenho é *pós*-conceito”. Em sua origem preconceito vem mesmo de ‘pre’+’conceito’, um conceito formulado anteriormente. Mas repare que, de um lado isso não pode ser levado muito a sério: não costuma ser viável se ter um conceito formulado a respeito de algo do qual jamais se ouviu falar antes. De outro, o significado em ciências sociais é diferente, não depende de uma preconcepção, trata-se tão somente de uma ‘visão, geralmente negativa, injustificada a respeito de um indivíduo por pertencer a um determinado grupo social’ [2], não depende de haver ou não um contato prévio na formulação dessa opinião.
Ou podemos pensar na palavra ‘prejuízo’. Seu sentido mais comum no português contemporâneo é de dano, perda. Ninguém dirá que ‘arcar com o prejuízo’ signifique pagar por ter sido preconceituoso. Salvo em inglês, em que ‘prejudice‘ tem o mesmo sentido de ‘preconceito‘.
A lista é extensa, quase inesgotável. ‘Formidável’ vem do latim formidabilis ‘terrível’ (> formidare ‘temer’ > formido ‘terror, fantasma’) e, em geral, é algo positivamente admirável (ainda que haja uma acepção que conserva o sentido original). Mesmo ‘terrível’, com frequência é usado em um sentido positivo: “Ele é terrível com a bola” pode muito bem significar que o jogador é muito habilidoso e não um perna-de-pau. Ou ‘sinistro’ que também tem sido usado em um sentido positivo. Esses exemplos nos mostram não apenas que as palavras mudam de sentido – sem que a derivação do sentido original signifique que os novos sentidos sejam errados -, mas que é um fenômeno que não está restrito a um passado remoto. Podemos organizar esses exemplos em grau de modificação de sentido – adquirindo um sentido de certo modo oposto ao original – do já consolidado ao ainda em processo incipiente: formidável, assombroso, espantoso, terrível, sinistro. (Aparentemente há uma necessidade vocabular de expressar a admiração em nível hiperbólico – algo que de tão bom chega a assustar – e à medida em que a expressão anterior se consolida no novo uso, perde essa vivacidade, então uma nova expressão ainda com significado de ‘algo que mete medo’ é cooptada. Edmund Burke, por certo, acharia isso sublime [3, 4].)
As palavras também podem derivar de sentido para o lado negativo. ‘Ordinário’, inicialmente, é simplesmente ‘algo comum, dentro da ordem natural das coisas’, ‘medíocre’, também originalmente, é apenas ‘algo mediano’ – mas a carga negativa atualmente é a mais comum: “Seu ordinário” é uma ofensa e “desempenho medíocre” é uma avaliação ruim.
Ou quando alguém diz: “fui de carro até o trabalho”, ninguém imagina que a pessoa foi de carruagem. “Carro” vem do lat. carrus ‘veículo romano, ou celta, de duas rodas, puxado a cavalo, usado em batalhas’ (que por sua vez deve ter vindo do celta ou do gaulês ‘karros‘ < proto I.E. *kers- “correr”). O sentido de veículo de rodas a tração animal ainda é mantido em certos usos: como “carro de boi”, e o sentido mais geral de veículo sobre rodas é empregado, por exemplo, em empresas de ônibus, que referem aos veículos como carros. Naturalmente, não faz sentido afirmar que carro não possa ser usado como sinônimo de automóvel de passageiro.
“Simpósio” vem do grego συμπόσιον,ou sumpósion,ou (“banquete, festim” < συμπίνω sumpínō “beber junto” < συμ sum “junto” e πίνω “beber”). Mas um simpósio técnico não precisa ser um festim (ainda que, em geral, haja uma confraternização em um bar, isso não faz parte do programa) – um simpósio de combate e prevenção do alcoolismo não é um oxímoro.
“Escravo” vem do lat. sclavus, slavus (do gr. biz. ‘sklábos‘, ‘sklabénós‘ < eslov. ‘Slověninŭ‘ < ‘Slověnci‘ “povo famoso” < proto-I.E. *kleu- ‘ouvir’) referências aos Sclāvus
‘eslavos’ (principais povos escravizados na Europa Central durante a
Idade Média por germânicos e bizantinos). Ninguém vai imaginar que não se possa aplicar o termo para se referir aos cativos de origem africana nas Américas.
Se as origens não necessariamente têm a ver com os significados atuais das palavras, para que serve a etimologia afinal de contas? E o que legitima ou não o uso com este ou aquele significado? Abordarei isso em oportunidades futuras.
Mas se alguém então lhe disser que não é preconceituosa em relação a um grupo de pessoas porque ela tem um pós-conceito, diga-lhe: assim não é, nem se lhe parece.
Referências:
[1] Philip Durkin. The Oxford Guide to Etymology, 2009. Nova Iorque: Oxford University Press. 347 pp.
[2] Tommy Boone. Dealing with prejudice.
[3] Edmund Burke. A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful.
[4] Andrea Peixoto. Sublime.
Uma luz dentro de células
Por Joey Salgado
A Fernanda Poletto, do excelente Bala Mágica, publicou recentemente um texto falando sobre Armas Mágicas (quanta mágica por aqui…), o qual recomendo fortemente a leitura. O conceito de Armas Mágicas se resume a uma metodologia capaz de promover a internalização de fármacos em tumores, através da utilização de peptídeos chamados de iRGD. Os iRGD “guiam” o fármaco até o tumor e “abrem a porta” para que o mesmo entre na célula tumoral, aumentando assim a especificidade de sua ação.
Achei sensacional a utilização desses peptídeos iRGD para o carregamento do fármaco e, por conta disso, recordei-me de um trabalho relativamente recente (2006 tá novo ainda?), onde uma certa sequência de peptídeos mostrou-se fundamental para a proposta de uma nova técnica. Em 2006 (quatro anos… tá novo, foi a menos de uma Copa do Mundo atrás…), Jones e colaboradores, da Universidade de Standford (sempre eles…) demonstraram a possibilidade de se utilizar oligopeptídeos contendo oito resíduos de arginina como cross-coupling peptides (ou CCP) de moléculas conjugadas com luciferina (lembra dela?). O princípio da técnica é demonstrado na figura abaixo.[1]
Vamos por partes. Oligopeptídeos de arginina, principalmente esses contendo oito unidades desse aminoácido, são chamados de cross-coupling peptides justamente por possuírem a capacidade de permearem através da membrana lipofílica de células, chegando ao citoplasma da mesma. A subunidade em verde da molécula na figura acima diz respeito à sequência de CPPs. Pelo fato de permearem por membranas lipofílicas, ao mesmo tempo que são solúveis em meio aquoso, CPPs podem ser conectados a outros peptídeos, fármacos ou agentes marcadores, formando os chamados “conjugados”, que podem ser carregados para dentro de uma célula. Já na época do trabalho, o mesmo grupo de pesquisas havia apresentado a utilização de CPPs conjugados com ciclosporina A, um imunossupressor, para “entrega” de drogas em tecidos vivos.[2] O problema, de certa forma, é que a velocidade com que a entrega do fármaco era realizada, ou de qualquer outra molécula conjugada ao CPP, era desconhecida até então. Sabia-se que o CPP realizava a entrega, visto que os efeitos do fármaco eram observados, mas não se tinha ideia de quanto tempo era necessário para o mesmo permear para dentro da célula e/ou para liberar o fármaco.
No sentido de se desenvolver uma técnica que permitisse avaliar a eficiência e a velocidade da “entrega” de um determinado conjugado com CPP, em tempo-real e in vivo, chegou-se a conjugados de CPP com luciferina, como já demonstrado na figura acima. A luciferina (destacada em azul) está conectada ao CPP (em verde) através de uma molécula-ponte (em vermelho). Tal molécula-ponte está conectada ao CPP por uma ligação disulfeto S-S (em vermelho e verde), que quando na presença de glutationa intracelular (GSH) é rapidamente clivada, liberando a molécula de luciferina. Utilizando-se tal conjugado em células de organismos transfectados com o gene luc de vaga-lumes, responsável pela expressão da enzima luciferase, o par luciferina/luciferase emite luz, que pode ser registrada em tempo-real por uma câmera.
Dessa forma, mostrou-se ser possível averiguar a eficiência e a velocidade de permeação de CPPs de arginina, utilizando-se esse conjugado com luciferina como modelo para entrega intracelular de drogas. Apesar do sucesso obtido pelos autores, parte da complicação em se utilizar tal técnica reside na síntese do conjugado, que não é trivial, e no fato de que devem ser utilizados organismos geneticamente modificados para avaliação do modelo. Contudo, a técnica equivalente, que utiliza CPPs conjugados com moléculas fluorescentes, apesar de possibilitar que se faça a avaliação da liberação de drogas in vitro, não é funcional para sistemas in vivo e não permite o acompanhamento da mesma em tempo-real. Outra opção, o uso de CPPs conjugados com moléculas contendo radioisótopos, possibilita a observação in vivo, mas não tem resolução suficiente para determinar se o conjugado marcado se encontra dentro ou fora da célula e não permite saber se a molécula marcada que simula o fármaco ainda está ligada ao CPP (o radioisótopo emite radiação independente se foi liberado dentro do meio celular ou não).
Este é um exemplo de um belo trabalho, na minha opinião, que apresenta uma técnica fenomenal, capaz de modelar em tempo-real a entrada em células de drogas conjugadas a CPPs, e que ao mesmo tempo permite as observações da liberação intracelular da mesma e da interação com um receptor enzimático.
Que beleza esses peptídeos, né não?!
Referências e notas:
[1] Jones, L. R.; GOun, E. A.; Shinde, R.; Rothbard, J. B.; Contag, C. H.; Wender, P. A.; “Releasable Luciferin-Transporter Conjugates: Tools for the Real-Time Analysis of Cellular Uptake and Release” J. Am. Chem. Soc. 2006, 128, 6526. DOI: 10.1021/ja0586283.
[2] Rothbard, J. B.; Garlington, S.; Lin, Q.; Kirschberg, T.; Kreider, E.; McGrane, P. L.; Wender, P. A.; Khavari, P. A.; “Conjugation of arginine oligomers to cyclosporin A facilitates topical delivery and inhibition of inflamation” Nat. Med. 2000, 6, 1253. DOI: 10.1038/81359.
Todos os nomes*…
Poema para Luís de Camões | |
Meu amigo, meu espanto, meu convívio, Quem pudera dizer-te estas grandezas, Que eu não falo do mar, e o céu é nada Se nos olhos me cabe. A terra basta onde o caminho pára, Na figura do corpo está a escala do mundo. Olho cansado as mãos, o meu trabalho, E sei, se tanto um homem sabe, As veredas mais fundas da palavra E do espaço maior que, por trás dela, São as terras da alma. E também sei da luz e da memória, Das correntes do sangue o desafio Por cima da fronteira e da diferença. E a ardência das pedras, a dura combustão Dos corpos percutidos como sílex, E as grutas do pavor, onde as sombras |
De peixes irreais entram as portas Da última razão, que se esconde Sob a névoa confusa do discurso. E depois o silêncio, e a gravidade Das estátuas jazentes, repousando, Não mortas, não geladas, devolvidas À vida inesperada, descoberta, E depois, verticais, as labaredas Ateadas nas frontes como espadas, E os corpos levantados, as mãos presas, E o instante dos olhos que se fundem Na lágrima comum. Assim o caos Devagar se ordenou entre as estrelas. Eram estas as grandezas que dizia |
(José Saramago in ‘Provavelmente Alegria‘) |
E qual designa a perda maior?
José de Sousa Saramago (Azinhaga, Portugal, 16/nov/1922 – Lanzarote, Canárias, 18/jun/2010) escritor português, Nobel de Literatura de 1998 e Prêmio Camões de 1995.
José, do lat. Ioseph < gr. Ιωσηφ ‘Ioseph‘ < heb. יוֹסֵף ‘Yosef’ (“ele acrescentará”). É um nome bíblico por excelência, embora o escritor tenha sido ateu, fiel ao seu materialismo comunista. Esp. José, fr. Joseph, ing. Joseph.
Sousa < Souza. Originalmente topônimos de várias localidades da Península Ibérica. Correspondente ao esp. Sosa. Algumas fontes especulam que teria origem no port. ant. sausa (“pântano salgado”) do lat. salsa, us “salgada,o”.
Saramago (ár. سارماق ‘sarmaq‘ – mas essa denominação em árabe é aplicada para outras plantas, em especial da família das Amaranthaceae [1,2]), rábano-silvestre, nabiço ou cabresto (Raphanus raphanistrum L.), espécie selvagem da qual procedem os rábanos cultivados. Esp. rabanillo, fr. ravenelle, ing. wild radish. Planta amarga a que os interioranos de Portugal se voltavam em tempos de safras magras. O pai de José Saramago chamava-se José de Sousa e – por motivos um tanto discutidos – acrescentou a alcunha de Saramago (algumas fontes dizem que se tratava de um epíteto insultoso; outras, que foi uma autodenominação voluntária). [3]
Em “Pequenas Memórias”, o nobelista descreve o registro de seu nome:
“Que esse Saramago não era um apelido do lado paterno, mas sim a alcunha por que a família era conhecida na aldeia. Que indo o meu pai a declarar no Registo Civil da Golegã o nascimento do seu segundo filho, sucedeu que o funcionário (chamado ele Silvino) estava bêbado (por despeito, disso o acusaria sempre meu pai) e que, sob os efeitos do álcool e sem que ninguém se tivesse apercebido da onomástica fraude, decidiu por conta e risco acrescentar Saramago ao lacônico José de Sousa que o meu pai pretendia que eu fosse.” [Nota: em Portugal, “apelido” tem o significado de “sobrenome”; no Brasil, é o mesmo que “alcunha”.]
E ele acrescentou o sal na amargura da vida.
Referências
[1] R.A. Blackelock. 1950. The Rustam Herbarium, ‘Iraq. Part IV.
[2] J. Aquilina. 1973. Maltese Plant Names.
[3] José Saramago. Autobiography.
*Todos os nomes, nome do romance de José Saramago de 1997.