Produção de biodiesel por bactérias

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Imagine uma plantação enorme de soja no interior do Mato Grosso e uma instalação para a extração do óleo de soja, que é composto por vários ácidos graxos. Agora imagine no interior de São Paulo, uma grande usina de etanol cercada por dezenas de quilômetros por cana-de-açúcar. Imagine o etanol e óleo de soja sendo transportados até uma usina de biodiesel para, utilizando um catalisador (normalmente hidróxido de sódio), serem esterificados em um éster (biodiesel) e em glicerina. Muito trabalho e muito recurso para produzir um biocombustível não acham?

Recentemente, um trabalho muito interessante foi publicado pelo Jbei Instute demonstrando a possibilidade de se utilizar uma bactéria para produzir biodiesel em apenas uma etapa, e ainda por cima, utilizando resíduos agroindustriais, como por exemplo, o bagaço de cana-de-açúcar. Essa bactéria modificada geneticamente é capaz de produzir ácidos graxos e etanol e enzimaticamente realizar a esterificação desses produtos em biodiesel. Bacana não é? Os detalhes da pesquisa serão descritos a seguir.

Ácidos graxos têm sido utilizados há séculos para a produção de combustíveis e produtos químicos, incluindo o biodiesel, surfactantes, solventes e lubrificantes. Porém a demanda crescente e a produção limitada de óleos vegetais têm causado questionamentos sobre o aumento dos preços dos alimentos, sobre a prática de utilização dos solos e os aspectos socioambientais relacionados com a sua produção. Uma alternativa é a produção desses derivados de ácidos graxos via conversão biológica utilizando microrganismos como levedura e bactérias. Dentro desses produtos, os etil-ésteres de ácidos graxos (o famoso biodiesel) têm despertado muito interesse. Só para ilustrar, a demanda mundial de diesel vem crescendo três vezes mais que a de gasolina.

Ácidos graxos são produzidos naturalmente por microrganismos, eles compõem, entre outras coisas, a membrana celular. Porém, Jay Keasling e seu grupo construíram uma E. coli geneticamente modificada capaz de produzir ácidos graxos livres (através da expressão de uma tioesterase citoplasmática e da deleção de genes responsáveis pela degradação de ácidos graxos) e etanol (expressando os genes de Zymomonas mobilis). Além disso, foi clonada uma enzima (Acr1) capaz de realizar a transesterificação em bioedisel, sendo que que a glicerina produzida é reabsorvida pela bactéria para a produção de mais biodiesel.

O tamanho e a saturação do ácido graxo influenciam diretamente nas propriedades químicas do biodiesel, como temperatura de fusão. Alguns trabalhos têm demonstrado que,
através da expressão de tioesterases de plantas, é possível produzir ácidos graxos sob medida para diferentes aplicações. Essa ferramenta genética possibilita a produção de biodiesel com composições definidas, dessa maneira, com performance e características desenvolvidas sob medida.

Por fim, essas bactérias foram modificadas para utilizar matérias-primas de baixo custo, como a hemicelulose presente no bagaço de cana-de-açúcar. É uma pesquisa pioneira que mostra bem o tipo de engenharia sistêmica de metabolismo microbiano que vem sido feita. Através de várias modificações genéticas foi possível aumentar a produção de 40 mg/l para quase 700 mg/l de biodiesel. Resultado este ainda baixo para se cogitar uma aplicação a curto-prazo, mas, sem sombra de dúvida, as perspectivas são muito animadoras.

Steen EJ, Kang Y, Bokinsky G, Hu Z, Schirmer A, McClure A, Del Cardayre SB, & Keasling JD (2010). Microbial production of fatty-acid-derived fuels and chemicals from plant biomass. Nature, 463 (7280), 559-62 PMID: 20111002