Carnaval Macabro
Preparado para curtir o carnaval? Beber bastante, soltar as frangas, viver como se o mundo fosse acabar? Parabéns! Isso significa que você está vivendo o pré-apocalipse do jeito certo! Mas se você não gostar muito de carnaval e das coisas que todo mundo faz nessa época: dane-se! Você sabe que o mundo não passa desse ano mesmo!
Guerra, Fome, Peste… Escolha o seu cavaleiro do apocalipse. Se é para ser antinatural e apelativo, escolho então algo entre a Peste e a Morte. Escolho Zumbis! Vamos divagar como essas criaturas hipotéticas podem existir, e se existirem, se nós realmente estaríamos perdidos. Além de como a Biologia Sintética pode dar um empurrãozinho nisso tudo, é claro.
Jumbie, Nzambi, Zonbi… Zumbi!
Apesar das referências folclóricas europeias envolvendo indivíduos que insistem em não admitir que estão mortos (como espíritos amaldiçoados e vampiros), as grandes influências na noção popular do Zumbi de hoje são mais africanas (e de outras culturas derivadas do continente mãe). Em especial no Haiti, onde o Vodu (Voodoo) é ainda culturalmente marcante. Até existem “feiticeiros” que trazem os “mortos à vida”.
Existem vários tipos de Zumbi, que podem ser classificados à partir da maneira como eles se tornam “mortos-vivos”. Acho que é possível separar o joio do trigo em duas classificações iniciais: “punição divina”, e “coquetel de substâncias” (drogas) ou “doença bizarra”. Como vamos falar de algo mais científico prefiro não comentar como um deus raivoso (ou simplesmente sacana) pode criar coisas meio-mortas .
Dorgas Zumbi
Os Zumbis existem de verdade, sem brincadeira. Pelo menos aqueles criados com um coquetel de substâncias. Há anos no Haiti existe o “processo de zumbificação”, em que “feiticeiros” (chamados de bokor) preparam um poderoso (e controverso) coquetel de substâncias que, segundo os praticantes do ritual, podem trazer pessoas aparentemente mortas à vida, mas sem vontade própria, sem personalidade. No caso, o indivíduo não é realmente um “morto”-vivo: fica mais para um “dopadão”-vivo.
Essa história é fascinante demais para algum cientista – e portanto nerd – não se importar. Por isso, lá nos idos dos anos 80, um canadense chamado Wade Davis viajou até o Caribe para escrever – talvez um dos primeiros estudos sobre Zumbis – o que se tornou um marco da “etnofarmacologia” (estudos de potenciais agentes farmacológicos através de referências etnográficas – resumindo: é quando um cientista “vai lá” ver se realmente faz sentido as mandigas xamânicas que a sua vó usa para curar seus “resfriados”): o best seller “The Serpent and the Rainbow” (“A Serpente e o Arco-íris” – tem um filme de terror mesmo nome baseado no livro). Nele, além das narrativas de viagem pelo Haiti, Davis documentou através de dois “informantes” duas receitas do “veneno Zumbi”, além de narrar seus efeitos nos “rituais” que presenciou. Como eu não quero ninguém criando Zumbis por aí e botando a culpa em mim, só vou mostrar os ingredientes que o Dr. Davis encontrou (como consegui-los e preparar o negócio é segredo!). Dê uma olhada aqui.
Dessa lista, os ingredientes mais interessantes são os peixes. Deles é possível obter duas neurotoxinas poderosas, componentes chave da zumbificação, induzindo catalepsia ou paralisia motora: a saxitoxina e a tetroxina (TTX). Outros sintomas dessas substâncias incluem:
- Entorpecimento (“paralisia”) da face e de outras áreas
- Paralisia motora das extremidades
- Descoordenação
- Fala “arrastada”
- Pupilas dilatadas
Tudo isso com o indivíduo ainda consciente e com seus reflexos inalterados. Até nos piores filmes trash sobre zumbis essas características estão presentes na pantomima do ator.
Davis afirmou em sua tese de PhD que o uso do coquetel de neurotoxinas do “Zombie Poison” pode causar danos no sistema nervoso, em especial devido à TTX. Alucinógenos , bem como os danos das neurotoxinas poderiam adicionar aquele conhecido comportamento demente dos zumbis aos sintomas ditos anteriormente.
O Escândalo Científico
OK, vocês acharam que os cientistas iriam acreditar nessa história de Zumbis sem ser detalhadamente bem contada!? Sim: o senhor Davis causou um reboliço. Por cinco motivos principais:
“Indiana Jones”
Foi assim que muitos antropólogos criticaram o texto do primeiro livro de Davis, que mistura relatório científico, narrativa de viagem e história de aventura. Uma senhora pseudociência. Claramente atingido pelas críticas, Davis escreveu outro livro (“Passage of Darkness”). Mais acadêmico, agradando grande parte dos críticos: “[O livro] Tece as conclusões de vários diferentes campos acadêmicos em um argumento provocativo…”, segundo um review da obra, que apesar dos pesares, também foi chamada de “sensacionalista”.
Caricatura
Muitos antropólogos acusaram Davis de caricaturar o Vodu como um sistema cultural fechado desde o século 18, desconectado de todas as formas de mudança social de política do Haiti.
TTX
O grande trunfo da ideia era tentar relacionar o comportamento zumbi com um efeito de uma neurotoxina, só que isso não deu muito certo. Um estudo feito por dois eminentes toxicologistas japoneses testou oito amostras do veneno zumbi que Davis coletou e encontrou a presença de TTX em apenas uma das amostras, e mesmo assim, o meio alcalino em que essa substância se encontrava a deixava farmacologicamente inativa. Isso sem falar que Davis foi acusado de forjar os resultados da presença de TTX em sua tese de PhD, apresentando os resultados antes de serem confirmados.
Questão Cultural
Alguns críticos disseram que o coquetel de substâncias era um grande efeito placebo associado a alucinógenos: só funcionava porque as pessoas realmente temiam ser transformadas em zumbi e realmente acreditavam na existência de mortos-vivos. Davis dizia que o efeito cultural tinha enorme influência no funcionamento do “zombie poison”, para ser realmente algo “zumbificante”. Críticos rebateram o argumento dizendo que não fazia nenhum sentido uma substância como a TTX – que em certas concentrações pode matar – “não fazer efeito” por uma questão cultural.
Prova
Algo que irritou profundamente os críticos foi a posição de Davis em rebater as críticas à falta de provas envolvendo a TDT. Segundo ele, assim como ele não provou nada, os críticos não provaram o contrário para refutar suas teorias. Péssimo argumento.
Assim fica difícil confirmar os efeitos relatados por Davis em sua pesquisa. Alguns dizem que grande parte da resistência acadêmica ao seu trabalho provinha da quebra de protocolos científicos referente ao estilo de relato científico de Davis, outros ainda afirmam que se a mesma pesquisa tivesse sido realizada dez anos depois, a comunidade científica da etnofarmacologia (campo interdisciplinar que une áreas quase incompatíveis, nova na época) seria mais flexível e se comportaria diferente em relação à pesquisa e como foi feita. Mesmo assim, é um jeito possível – falta provar! – de criar zumbis de verdade, mesmo que temporariamente (isso se houver sobrevivência!). Só que isso ainda está longe de criar um apocalipse.
Doenças Bizarras Hipotéticas
Um apocalipse zumbi só pode acontecer com uma doença fulminantemente transmissível e que dê características de um zumbi ao infectado. De todos os filmes, séries, livros e jogos sobre zumbis, a teoria mais interessante que explica sua existência é aquela envolvendo o vírus da raiva: essa doença é perfeita como vetor zumbificante! Partindo do pressuposto que um zumbi é um ser humano doente, agressivo e psicótico o suficiente (perdendo até mesmo sua “personalidade”) para continuar seu comportamento agressivo mesmo quando severamente sequelado; a raiva se encaixaria muito bem em muitas dessas características. Isso sem falar no quesito biológico: ela age no sistema nervoso e se transmite pela saliva! Logo, mordida = infecção, igual a todo bom zumbi que se vê por aí na cultura pop.
O que falta então para termos uma epidemia de raiva que gere zumbis!? Três coisas: letalidade, efeitos no sistema nervoso e principalmente: a transmissibilidade do vírus.
Sendo menos letal, ou seja, demorando mais para matar o indivíduo (ou quem sabe, nem chegando a o matar), poderíamos ter zumbis que vivessem o suficiente para causarem estrago por aí. Também, se o efeito causado no sistema nervoso central se espalhasse para regiões específicas do cérebro, seria possível causar os comportamentos dementes e animalescos dos zumbis. Mas o grande fator pandêmico de tudo seria a transmissão da doença. Ultimamente, tornar super transmissível uma doença em laboratório é o grande “tiro pela culatra” do momento nos esforços em tentar fazer o oposto: combater doenças. Isso é um grande problema de…
Biossegurança
Um recente trabalho submetido para publicação na Science causou grande alarde mostrando como fazer o vírus da gripe aviária (H5N1) se tornar extremamente contagioso com apenas cinco mutações “fáceis” no código genético do vírus. A pesquisa foi prontamente passada para a supervisão da americana NSABB (National Science Advisory Board for Biosecurity), e ainda há o debate entre os benefícios e malefícios da publicação de tal conteúdo, que poderia ser utilizado para construir uma arma biológica.
Com um índice de letalidade quase chegando aos 60% – controvérsias à parte, segundo outros dados, esse número poderia ser bem menor devido à um grande número de pessoas infectadas mas que não mostraram sintomas -, uma epidemia de H5N1 seria devastadora. Imagine então se fosse possível fazer o mesmo com o nosso vírus hipotético da raiva: estaríamos perdidos. Se duvida, veja o resultado de alguns modelos matemáticos simplificados envolvendo um apocalipse zumbi no Meio de Cultura.
Some a tudo isso a grande facilidade que a Biologia Sintética traz à engenharia genética. Com a padronização de partes biológicas, métodos rápidos de síntese de DNA e o crescente desenvolvimento de técnicas de biologia molecular, é extremamente mais fácil para um bioterrorista iniciar desde um hipotético apocalipse zumbi até a uma super gripe aviária em sua própria “garagem”! O que devemos dar importância na verdade é na regularização dessas atividades, que apesar de revolucionárias, também podem ser usadas para o mal como todo grande avanço da ciência. Segundo uma recente publicação em um dos blogs da Nature, até mesmo nos EUA as políticas envolvendo biologia sintética estão devagar demais para serem implementadas. Imagine no Brasil, que nem conhece direito Synbio, e que ainda luta para conter epidemias menos letais, como a dengue.
Se 2012 é realmente o último dos anos como os Maias dizem, é melhor não acelerar o processo nesse carnaval. É a época perfeita não só para iniciar um apocalipse zumbi, mas também ideal para qualquer doença “menos pior” (ou nem tanto). Também, dado o conjunto de particularidades que devem acontecer simultaneamente para existir uma doença zumbificante, é melhor se preocupar em não se tornar um morto-vivo, mas em um “morto-morto” mesmo! Ou pelo menos em não ficar tão estúpido quanto um zumbi.
Referências
Papers
Albuquerque, UP. et al. (2011). Natural Products from Ethnodirected Studies: Revising the Ethnobiology of the Zombie Poison Evidence-Based Complementary and Alternative Medicine, 2012 : 10.1155/2012/202508
Inglis D (2010).The Zombie from Myth to Reality: Wade Davis, Academic Scandal and the Limits of the Real scripted, 7 (2) : 10.2966/scrip.070210.351
Sites
Nature News Blog: “Report finds US slow to implement synthetic biology policies”
NewScientist: “Five easy mutations to make bird flu a lethal pandemic”
Info: “Cientista cria vírus H5N1 mutante, super contagioso”
Esse foi um post da blogagem coletiva “2012: o último carnaval?” promovida pelo ScienceBlogs Brasil, com a colaboração especial do desenhista Pedro Pantai, que elaborou a primeira imagem desse post. Clique nela para acessar o blog de tirinhas do artista.
As 50 empresas mais quentes de bioenergia
Acabou de sair um ranking de empresas que reconhece a inovação e os avanços em bioenergia. Entre as 50, 37 são dos EUA, 15 são ativas no desenvolvimento do etanol celulósico, 5 desenvolvem algas para soluções energéticas e 16 produzem novos biocombustíveis avançados como o biobutanol, biodiesel, gasolina e combustíveis de jato renováveis.
Veja a reportagem completa:
The 50 Hottest Companies in Bioenergy for 2010-11 are:
Last year’s rank (2009-10)
1. Amyris 3
2. Solazyme 1
3. POET 2
4. LS9 8
5. Gevo 13
6. DuPont Danisco 7
7. Novozymes 11
8. Coskata 6
9. Codexis 35
10. Sapphire Energy 5
11. Virent 21
12. Mascoma 10
13. Ceres 28
14. Cobalt Technologies 30
15. Honeywell’s UOP 12
16. Enerkem 25
17. BP Biofuels 4
18. Genencor 26
19. Petrobras 18
20. Abengoa Energy 15
21. Qteros 22
22. Joule Unlimited 32
23. Shell 27
24. Bluefire Renewables 19
25. Rentech 38
26. Algenol 24
27. ZeaChem 20
28. PetroAlgae 16
29. Neste 29
30. Synthetic Genomics 17
31. LanzaTech 41
32. Iogen 23
33. OriginOil 42
34. RangeFuels 14
35. ExxonMobil 29
36. Cargill NR
37. SG Biofuels 49
38. Butamax 38
39. Terrabon 47
40. Cosan NR
41. Verenium 9
42. Waste Management 42
43. IneosBio 36
44. Dynamic Fuels NR
45. Fulcrum Bioenergy 48
46. KL Energy 34
47. KiOR NR
48. Chevron NR
49. Monsanto NR
50. Inbicon 50
Palestra de pesquisadora do MIT sobre biologia sintética
Nesta segunda-feira, às 10:00 no anfiteatro 2 do ICBII (no centro didático anexo) teremos o grande prazer de receber a pesquisadora do MIT Meagan Lizarazo, que falará sobre Biologia Sintética, iGEM, Registro de Partes Padrão e outras coisas interessantes.
Não percam!
Reunião no dia 10/03, dispositivos sintéticos: osciladores e dinâmica
Olá pessoal, está confirmada para o dia 10/03, logo após o carnaval, a nossa terceira reunião do Synbio Science Club. As reuniões voltarão a ser na sala 101 aqui no ICBII na USP.
- 10/03/2011, 3 pm, Oscillators & Dynamics
A Synthetic Oscillatory Network of Transcriptional Regulators. Elowitz MB, Leibler S. Nature. 403:335-8. (2000).
A fast, robust and tunable synthetic gene oscillator. Stricker J, Cookson S, Bennett MR, Mather WH, Tsimring LS, Hasty J. Nature. 456:516-19 (2008).
Nos vemos lá!
Clube de Biologia Sintética da Universidade de São Paulo!
Agora é oficial! Foi aprovado pelo conselho do Departamento de Microbiologia da Universidade de São Paulo o nosso Clube Científico de Biologia Sintética. A partir de agora, poderemos divulgar, reservar uma sala para as reuniões e receber nossos colegas da Poli e outros Institutos para discutirmos synbio!
SynbioBrasil Science Club: Participe!
Dispositivos sintéticos: interruptores de expressão gênica
Só agora tive tempo para fazer um post sobre a nossa segunda reunião do Clube Científico de Biologia Sintética da USP que, com certeza, vai render alguns posts. Conversamos sobre uma das primeiras construções genéticas de biologia sintética visando a robustez no controle de expressão: a construção de um interruptor genético (toggle switch, flip flop,..). Robusto porque é capaz de funcionar corretamente a partir do modelo apesar de várias incertezas do sistema.
Mas para entender o dispositivo, vou comentar alguns conceitos básicos de biologia molecular: (i) promotores são regiões do DNA que antecedem os genes e são reconhecidas pela RNA polimerase e um fator sigma associado para facilitar a transcrição do gene, (ii) transcrição é processo de criação de um RNA complementar a sequência de DNA que posteriormente pode ser traduzido por um ribossomo a uma proteína, finalmente, (iii) um repressor é uma proteína de ligação de DNA que regula a expressão de genes, através da ligação a um operador, e bloqueia a ligação da RNA polimerase no promotor, impedindo a transcrição de genes.
Utilizando esses conceitos básicos de biologia molecular, Gardner e colaboradores (2000) construíram um interruptor para regular a transcrição de genes em E. coli. Chama-se um interruptor porque possuiu dois pontos de equilíbrio (acesso ou apagado, direita ou esquerda, expressão de X ou expressão de Y). Vou dar o exemplo de apenas uma das construções, em que o repressor 2 (repressor LacI) reprime o promotor 2 (Ptrc-2), e o repressor (repressor Tet) reprime o promotor 1 (PltetO-1). A substância IPTG (Indutor 2) inibe o repressor 2 e aTC (Indutor 1) inibe o repressor 1 (ver Figura abaixo).
Dessa maneira, basicamente, temos dois pontos de equilíbrio: (i) com a presença de aTC, o repressor 2 é transcrito e ocorre a repressão do promotor 2, não havendo assim a transcrição do gene repórter (no caso uma proteína luminescente GFP); (ii) e na presença de IPTG em que ocorre a transcrição do promotor 2, e conseqüente transcrição de GFP e do repressor 1.
Dessa maneira, existem dois estágios: aceso (transcrição de GFP) e apagado (sem transcrição de GFP). Este sistema é robusto porque funciona de acordo com o modelo proposto:
Onde u é a concentração do repressor 1, v é a concentração do repressor 2, α1 é a taxa efetiva de transcrição do repressor 1, α2 é a taxa efetiva de transcrição do repressor 2, β é taxa de cooperatividade da repressão do promotor 2 e γ é taxa cooperatividade de repressão do promotor 1. A ação deste modelo corresponde a seguinte estrutura gráfica:
Este gráfico representa os dois pontos de equilíbrio do sistema, o estado 1 e o estado 2 (aceso e apagado, na presença de um dos indutores) e um outro ponto instável de equílibrio que mostra os dois repressores se regulando mutuamente. Seria mais fácil de entender se houvesse, de uma lado uma proteína luminescente verde e do outro lado do dispositivo uma proteína luminescente amarela. Os estados de equilibro 1 e 2 representam verde ou amarelo, enquanto o ponto instável de equilíbrio representa a ausência de cor.
Este tipo de dispositivo pode ser utilizado na biotecnologia para regular vias metabólicas inteiras, ligando e desligando vias de acordo com um sinal externo; ou na medicina para acionar a resposta a um remédio por exemplo. Funcionam de uma maneira mais eficiente do que o controle via promotores específicos. No próximo post, vou comentar a utilização desse dispositivo para desenvolver uma bactéria que conta!
Construction of a genetic toggle switch in Escherichia coli. Gardner TS, Cantor CR and Collins JJ. Nature 403: 339-342 (2000).
Do-it-yourself biologists (DIYbio) e a ciência cidadã
Neste momento, em algum lugar dos Estados Unidos, da Inglaterra ou até da Índia, algum biólogo sintético amador está realizando um experimento na sua cozinha ou garagem. Nos últimos dois anos, entusiastas da biologia molecular têm se juntado para montar organizações de biologia sintética amadora, como o DIYbio (do-it-yourself biology), em que os membros se reúnem em pubs e barbecues para discutir os últimos experimentos realizados nas suas próprias garagens. Há quase seis meses tenho participado das discussões desse grupo, que apresentam conteúdo refinado e objetivo sobre o desenvolvimento de microscópios de 10 dólares, espectrofotômetros, centrífugas de furadeiras ou liquidificadores, construções de diferentes kits com E. coli modificada, chegando até a sequenciadores de DNA caseiros.
Inspirados pelos grandes avanços realizados em garagens pelos fundadores de atuais gigantes da informática, os também chamados biohackers pretendem revolucionar a ciência através de experimentos e idéias não-convencionais aplicados a biologia sintética.
Este movimento também se caracteriza pela chamada ciência cidadã (minha tradução de citizen science), em que os cidadãos ativamente participam no papel de desenvolver a ciência e as novas tecnologias. Além disso, a ciência cidadã estimula o apoio da população à ciência, o desenvolvimento do pensamento científico nas pessoas, além de introduzir novas idéias de diferentes disciplinas ao assunto. Utilizando a Internet como plataforma, um simples projeto de ciências pode envolver dezenas, centenas e milhares de pessoas de diversas formações no mundo dispostas a criar algo novo e interessante.
Porém, junto com o crescimento da ciência cidadã, tem também aumentado a preocupação do governo americano e do FBI a respeito do que os biohackers estão fazendo. Por incrível que pareça, agentes do FBI têm comparecido a reuniões do DIYbio para entender o que as pessoas estão fazendo e qual a possibilidade de utilização das ferramentas para o bioterrorismo. A comunidade DIYbio teme que o foco constante em possíveis atividades terroristas desvie a atenção dos tópicos importantes relacionados com biossegurança: como o descarte de bactérias geneticamente modificadas, normatização/legalização de laboratórios caseiros e equipamentos de segurança mais acessíveis e baratos.
Muitas vezes o que tem acontecido é que não existe nenhum tipo de norma ou lei que fale a respeito de laboratórios caseiros para a utilização de bactérias geneticamente modificadas.
Eu acho incrível o que está acontecendo neste momento. Não só está ocorrendo uma explosão de conhecimento e técnicas no mundo científico, mas também a população está cada vez mais interessada em fazer parte dessas descobertas e fazer da ciência um exercício cotidiano.
Ledford, H. (2010). Garage biotech: Life hackers Nature, 467 (7316), 650-652 DOI: 10.1038/467650a
Editorial, Nature (2010). Garage biology Nature, 467 (7316), 634-634 DOI: 10.1038/467634a