O jardineiro é Jesus

bompastor.jpgEstou com a mão coçando pra começar um experimento por aqui, mas não gostaria de fazer isso sem a benção — ou ao menos a anuência — de vocês. A questão é que se trata de um tema tabu, que já me rendeu alguns detratores: arqueologia bíblica (porque “arqueologia do Levante” ou “do Oriente Próximo Antigo” é meio cifrado demais, vamos combinar).
Os problemas quanto a essa temática são dois. Primeiro, não é segredo pra ninguém que, durante minha estada no G1, eu inventei a série “Ciência da Fé”, justamente para abordar esses temas. Sucesso de pública, sim; sucesso de crítica, nem tanto.
Bastou eu botar os pés para fora do G1 para perceber amigos e colegas que, no geral, gostavam do meu trabalho, dando graças aos céus pelo enterro da série. Um ou outro leitor dos textos do G1 também sugeria às vezes que a série fosse encerrada ou que eu fosse demitido (é, o pessoal é gente fina às vezes).
Nas entrelinhas ou nem tão nas entrelinhas, tais críticos diziam que tocar nesse tipo de tema era, na melhor das hipóteses, irrelevante e, na pior, picaretagem e/ou proselitismo disfarçado. Ou, resumindo numa frase: “Mas o Reinaldo é católico! Não vale”.
Imparcialidade imaginária
É, o Reinaldo é católico. E você é agnóstico — ou umbandista, ou zen-budista. Whatever. Vamos deixar de lado o fato de que o lide de várias das minhas reportagens vai diretamente contra o que eu “deveria” aceitar como dogma por causa da minha religião — tipo “Pedro foi o primeiro papa” (não foi, dizia a matéria) e “Maria não teve mais filhos depois de Jesus” (provavelmente teve, mostrava o texto). A questão é mais profunda.
Isso porque os temas que eu gosto de abordar nesse tipo de reportagem interessam, creio eu, a todos, independente da crença ou descrença de cada um.
E interessam no sentido de “mexem com os interesses de” todo mundo. Você pode ser ateu desde o berçário, mas, desculpe, não pode se dar ao luxo de ignorar a importância das origens de Israel, ou a busca pelo chamado “Jesus histórico”, para entender o mundo que nós temos nas mãos hoje. E, para temas que mexem tanto com tantas pessoas, todo mundo traz seus próprios vieses. (Em “Deus, um delírio”, por exemplo, há uma discussão muito legal sobre o “Jesus histórico”, mas Dawkins se deixa levar pelos vieses dele ao traçar suas conclusões. Desculpe, pessoal, mas viés é que nem bunda: todo mundo tem o seu. E não consegue simplesmente deixá-lo em casa antes de ir pro trabalho.)

Híbrido

OK, esse era o primeiro problema. O segundo é ao mesmo tempo mais e menos simples. Dá mesmo para encaixar todos esses temas debaixo da rubrica “arqueologia”? Não estaria eu hijacking sequestrando este blog com algo off-topic que foge do tema dele?
Como em quase tudo na vida, depende. Por exemplo: nós temos zero evidência arqueológica, material, direta, da vida de Jesus, por exemplo. Mas, e esse é um mas importante, qualquer reconstrução do passado usa evidência textual quando disponível.
Por isso, o trabalho do historiador e do arqueólogo se complementam. Tanto os vasos quanto os textos de Homero nos ajudam a traçar um retrato melhor da Grécia pré-clássica. Nesse sentido, reconstruir as origens de Israel não é diferente de estudar a arqueologia da Idade do Ferro no Levante em geral, e as origens do cristianismo são só um caso especial da arqueologia da Antiguidade Clássica tardia.
Bom, esse é o dilema que temos na mão. Vocês acham um sacrilégio e uma picaretagem eu abordar esses temas de vez em quando? Eles interessam a vocês? Qualquer feedback ajudará um bocado.

Discussão - 21 comentários

  1. Rafael Machado disse:

    Muita gente acha que essa àrea ´intoável, tem a ver com intímo das pessoas e tudo mais, mas fofocar da vida do vizinho...ahhh isso não é problema.
    Caro Reinaldo, por mim, que tenho um maior interesse por esse assunto, sinceramente, acho que você pode sim tratá-lo, vá em frente, há sempre pessoas que olharão torto, mas há pessoas, que como eu, olharão e lerão com curiosidade e fascínio.
    "Em "Deus, um delírio", por exemplo, há uma discussão muito legal sobre o "Jesus histórico", mas Dawkins se deixa levar pelos vieses dele ao traçar suas conclusões."
    Fiquei curioso em relação a isso que você escreveu, será que tem como escrever um post detalhando e explorando melhor?
    Grande abraço!

  2. Karl disse:

    Eu acho legal. Aliás, o que quer dizer o "Chapéu, Chicote" do título? Uma referência a Indiana e sua arqueologia bíblica ou não?
    Pô, Reinaldo, não sou purista babaca. Você escreve bem mas "Não estaria eu hijacking este blog com algo off-topic?" doeu!! E se prepare que eu vou meter o bedelho sim, valeu.

  3. Tatiana disse:

    Manda ver, Reinaldo!
    Razões? Bem, acho que deve seguir adiante pq:
    1- este tema te interessa e este é teu blog;
    2- vc escreve bem pacas e sempre procura fundamentar as idéias que expõe;
    3- vc já tá escolado pras críticas (nem sempre muito construtivas) que virão;
    4- aqui não tem esse negócio de perder emprego;
    5- "porque os temas que eu gosto de abordar nesse tipo de reportagem interessam, creio eu, a todos, independente da crença ou descrença de cada um."
    Abraços curiosos!

  4. Sodré disse:

    Olá Reinaldo.. cheguei aqui por acaso.. o acaso existe??
    Eu acho interessante e importante tu comentar esse tema.. pelo teu viés cientifico que acho que é muito bem embasado.
    E não fica com receio de criticas não.. quem tem receio de estudar, comentar, avaliar, qualquer coisa, qualquer assunto.. não merece participar da comunidade, seja ela cientifica ou de relacionamentos.
    Vou passar mais vezes por aqui para ver como anda o tema.
    Forte abraço do extremo oeste do sul.

  5. Mori disse:

    Picaretagem com certeza não será, e é sempre um prazer ler seus textos, Reinaldo! Espero que gerem também um bom debate, adoraria ler as reações também...
    Os leitores ansiosos somos nozes!

  6. Atila disse:

    Rapaz, isso é seu blog, escreva sobre o que quiser 🙂 Confiamos na sua competência pra tratar até.. até... ah, o que der na telha!

  7. João Carlos disse:

    Por falar em "whatever", os umbandistas são cristãos. Jesus é considerado um "Filho de Oxalá", particularmente iluminado.
    No que depender de mim, o assunto é mais do que bem vindo. Inclusive e principalmente para colocar em uma perspectiva histórica correta diversas coisas que tem sido (mal)tratadas por devotos delirantes e ateus que confundem anti-clericalismo com anti-religiosidade e... whatever...

  8. Lux disse:

    Se interessam esses temas?! E MUITO!

  9. Thayana disse:

    Vá em frente...
    esse tema é sempre interessante!

  10. J. Sarney disse:

    Estás autorizado, comece o quanto antes.

  11. Dånut disse:

    Pode escrever sobre isso sim!
    Acho que o tema interessa a bastante gente que lê isso aqui.

  12. L. Felipe B. disse:

    Mas toca ficha! conhecimento nunca é demais, fora que os textos do Visoes da Vida sobre este tema eram pérolas criativas!

  13. Pessoal, fiquei muito feliz com as reações positivas 😉
    Mestre Karl, joguei fora os anglicismos mais feiosos a seu pedido 😉 E sim, o nome do blog é referência ao Indy, claro! Meu ídalo!
    Rafael, vou tentar fazer um post sobre a discussão do Dawkins no livro, mas, resumindo bem: ele acerta ao dizer que Jesus provavelmente não se proclamou divino ainda em vida e erra, creio eu, ao comprar a ideia de que a moralidade bíblica e dos primeiros cristãos era voltada apenas para o "in-group", ou seja, "amai-vos uns aos outros" era só pra quem já era discípulo. Acho que ele acaba gostando dessa ideia justamente pela vontade dele de demonstrar que não há elo necessário entre religião e moralidade (no que ele está certo). Enfim, forçou a barra, hehehe...
    João, eu sabia que os umbandistas eram cristãos, a referência foi a "católico", não a cristão no sentido lato. Mas brigadão pela força.
    Abraços a todos!

  14. Como assim "o trabalho do historiador e do arqueólogo se complementam"?
    Arqueólogo é um historiador.
    []s,
    Roberto Takata

  15. Dado que o Science Blogs vive permeado de anúncios de Logosofia (risos), acho que um pouco de conhecimento sério sobre arqueologia bíblica não faria mal a ninguém...

  16. Ulisses Adirt disse:

    Esse tipo de trabalho interessa sim, mesmo para mim que sou ateu. E, Reinaldo, é claro que não acho picaretagem (muito menos sacrilégio). Dá para encaixar direitinho no tema do blog e, mesmo se não desse, se o texto for bom, vale a pena.
    Mas, atenção: aqui vc tem mais chance de levar bordoadas, então se prepare. Só para citar um exemplo, participei da “Blogagem Coletiva sobre ‘Luz’”, que vocês organizaram, com um texto sobre como os medievais enxergavam Deus (http://incautosdoontem.opsblog.org/2009/05/15/a-luz-divina/). Alguns dias depois, recebi um e-mail dizendo que eu não deveria vir com “meu papo de crente” em uma blogagem coletiva sobre Ciência. Caí de dar risada e só respondi dizendo q o infeliz não havia entendido o meu texto direito. É assim mesmo, saiu na chuva...

  17. Aline disse:

    Assim como uma pessoa que já comentou, caí aqui por acidente. Gostei bastante do blog e sou a favor da discussão 😉
    Abraços

  18. Betina disse:

    Sim, sim, bom assunto, e dados vindos de fonte séria (como sabemos q o digníssimo autor é), ainda mais num tema quente como este, são sempre benvindos.

  19. Georg Tuppy disse:

    Aprecio seus textos lúcidos e informativos e apóio aqueles sobre as origens da religião cristã. Vá em frente, não dê muita bola para comentários negativos. Prabéns por seu trabalho!!! Georg

  20. Eli Vieira disse:

    O tal "Jesus histórico" (que tem pouco ou quase nada a ver com o que está na Bíblia) pode sim ser objeto de investigação científica.
    Só não entendo por que ignorar outras figuras como Apolônio de Tiana, ou mesmo a evolução da informação cultural por trás de outros mitos como Dionísio.
    Seria porque nenhum pesquisador foi doutrinado na infância com a ideia de que Apolônio ou Dionísio são uma espécie de servidor pra fazer download das ordens/pensamentos/preceitos da suposta mente fantasmagórica que supostamente criou o Universo?
    Viés é igual "bunda"? Talvez. Mas uma definição boa de ciência é justamente buscar parar de sentar nossas "bundas" em cima de nossas mãos apáticas, e buscar nos livrar da âncora de nossas "bundas" para nossos olhos verem mais longe que os olhos do passado.
    Um pesquisador sem perspectiva antropológica suficiente para ver que Jesus é um mito como Apolônio e Dionísio e Krishna e Shitala-Mata está tratando o espírito científico como um pequeno demônio a ser confinado numa daquelas gaiolinhas que são usadas para transportar gatos.
    Assim, tal pesquisador evita examinar seus próprios preconceitos e trata a atividade científica apenas onde não é conveniente e não fere seus sentimentos religiosos incutidos na infância.
    É algo bem parecido com o que fazia Paul Broca ao pesquisar cérebros de forma enviesada para concluir que os brancos tinham mais massa cerebral que as outras "raças". Viva o Jesus Histórico, só 'por acaso' ele vem à pauta para nos dar esperança de confirmar nossos preconceitos mais ingênuos.

  21. Caro Eli,
    Obrigado pelo comentário, mas você já está vindo com a resposta pronta. Ou seja: viés. A comparação com Dionísio e Apolônio de Tiana se esfacela assim que a gente chega aos detalhes, que é o que realmente importa aqui.
    As pesquisas mais sérias sobre o Jesus histórico estão longe, mas muito longe mesmo, de "confirmar os meus preconceitos mais ingênuos". Vamos ter ocasião de discutir isso com mais calma conforme eu for postando a respeito. Antes disso, seria aconselhável não achar que eu, ou você, ou qualquer um, já temos respostas prontas. Abraço!

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