Fim da megafauna: sai um mistério, entra outro

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ResearchBlogging.orgO sumiço de dezenas de gêneros de grandes mamíferos americanos (e de TODOS os bichos com mais de uma tonelada) do nosso continente provavelmente é o maior dos mistérios do fim do Pleistoceno, a Era do Gelo. Uma pesquisa recente parecia ter dado um jeito no mistério — mas só parecia. O estudo deixa em aberto tantas perguntas quanto as que responde, ou até mais.
Que fezes, diria você. E, sim, fezes aqui é a palavra apropriada, porque a equipe capitaneada por Jacquelyn L. Gill, da Universidade de Wisconsin em Madison, conseguiu refinar a linha do tempo da megafauna da América do Norte — formada por mamutes, mastodontes, preguiças gigantes e outros bichões — usando um fungo especializado em crescer no cocô de grandes herbívoros.
Trata-se do Sporormiella, cuja presença e abundância tem uma excelente correlação com a presença de megafauna. Estudando sedimentos anteriormente, os cientistas já tinham se dado conta de que os esporos do fungo estavam por toda parte na América do Norte da Era do Gelo, tomam chá de sumiço com a chegada do Holoceno (a nossa era geológica, já tristemente quase sem megafauna nas Américas) e retornam quando os europeus reintroduzem grandes rebanhos de herbívoros avantajados, na era colonial.
Árvores e meteoritos
Ora, esporos do fungo, junto com pólen, carvão e outros indicadores ambientais, tendem a ficar depositados no leito de lagos de maneira regular, formando um registro temporal bem sequenciado do ambiente circundante. Gill e companhia usaram dados do lago Appleman, em Indiana (EUA), e de vários outros sítios dos EUA, para mostrar duas coisas.
O declínio populacional da bicharada graúda começou cedo, há pouco menos de 15 mil anos, e não há 13 mil, como se achava; e uma transformação ambiental intrigante — o surgimento de grandes matas que misturavam árvores de regiões temperadas e boreais no lugar de uma espécie de estepe — veio depois, e não antes, do começo do fim da megafauna.
De cara, isso desmonta três ideias: a de que a mudança na vegetação teria deixado os bichos sem comida, levando-os a sumir; a de que um suposto meteorito teria caído há 13 mil anos e alterado o ambiente, desencadeando a extinção; e a de que os caçadores de grandes mamíferos da cultura Clovis, que também aparecem nessa época, teriam rapidamente exterminado os monstrengos na base da lança.
OK, mas o que acabou com a megafauna, então? Realmente há a coincidência de uma fase quente com o início do declínio abrupto de população, mas fica difícil imaginar que a mudança climática levasse ao extermínio sem alterar o habitat. Uma possibilidade é a chegada mais antiga de humanos caçadores — de fato, eles aparecem em Monte Verde, no Chile, antes da cultura Clovis, o que significa que estavam na América do Norte muito antes ainda. Mas há pouquíssimos indícios deles, sugerindo uma população pequena e pouco especializada em caça. Será que poderiam mesmo ter feito tanto estrago e não deixar rastros?
A única conclusão firme é a de que a extinção da megafauna foi bem mais gradual do que se imaginava. Sinceramente, esse negócio está começando a ficar irritante.
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Gill, J., Williams, J., Jackson, S., Lininger, K., & Robinson, G. (2009). Pleistocene Megafaunal Collapse, Novel Plant Communities, and Enhanced Fire Regimes in North America Science, 326 (5956), 1100-1103 DOI: 10.1126/science.1179504
Johnson, C. (2009). Megafaunal Decline and Fall Science, 326 (5956), 1072-1073 DOI: 10.1126/science.1182770
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Discussão - 6 comentários

  1. Igor Z disse:

    Essa ilustração é do Carl Buell?

  2. No idea, mestre Igor. Hang on.
    *minutos depois*
    Barry Roal Carlsen é o nome da fera.

  3. Joâo Carlos disse:

    Atualmente, existe um praga de fungos dizimando os anfíbios, principalmente na América Central. Já levantaram a possibilidade de algum tipo de praga "especializada"?

  4. Atila disse:

    Tamanho não me parece algo tão fácil de ser uma especialidade. Alguma idéia de se a coisa foi distribuída ou gradual em relação à latitude?

  5. Clarissa disse:

    Poxa, fui a feira do livro da USP hoje e perguntei em várias bancas e não consegui achar o seu livro para comprar. 🙁

  6. Oi gente!
    Sim, já levantaram a hipótese de epidemias, mas nada foi substanciado até hoje.
    Atila, a coisa se deu em todas as latitudes das Américas, do Chile ao Alasca, no fim do Pleistoceno, aparentemente no "mesmo" ritmo.
    Clarissa, se quiser eu te mando autografado pelo correio e vc me reembolsa 😉

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