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She sells seashells on the seashore – Mary Anning, a Colecionadora de Ossos

Olá a todos, hoje 08/03/2017, se comemora o dia internacional da mulher. Uma data criada para concientizar e proporcionar uma concientização da importância do Homo sapiens do sexo feminino (sim… mulheres e homens são da mesma espécie, ao contrário do que certos pesquisadores dizem por ai…) em nossa sociedade. Nada melhor para comemorar esse dia do que relambrarmos um pouco sobre um grande paleontologa que sofreu muito por causa de sua religião, condição financeira e sexo. Estou falando de Mary Anning! O texto abaixo, escrito pelo estimado Giovanne Mendes Cidade (e uma versão deste texto já foi publicada no finado blog do Grupo Fossilis), retrata um pouco sobre a história e contribuições dessa valorosa mulher. Espero que gostem!


Uma pessoa que nasceu numa família pobre do interior, recebeu pouca educação formal e teve que trabalhar desde criança para ajudar a sustentar a família. Este certamente não é o perfil da maioria dos paleontológos, ou mesmo dos cientistas em geral que nós conhecemos. Quando se acrescenta que a pessoa em questão era uma mulher, e que viveu na Inglaterra do século XIX, tudo parece ainda mais estranho. E quando, ainda por cima, ficamos sabendo que os achados dela representam alguns dos mais importantes de todos os tempos para a Paleontologia, isso começa a parecer incrível.
E quando percebemos que, apesar de toda essa história fantástica, muitas pessoas que atuam na área podem nunca ter ouvido falar da pessoa em questão… aí, sim, tudo parece inacreditável.

Figura 1
Figura 1: Mary Anning com seu cachorro, Tray, nos afloramentos de Lyme Regis, Inglaterra (pintura de cerca de 1842)

A pessoa em questão é Mary Anning (1799-1847), considerada por alguns a “maior coletora de fósseis que o mundo já conheceu”. Nascida na pequena cidade da Lyme Regis, no litoral sul da Inglaterra, Mary Anning era filha de um carpinteiro chamado Richard, que teve dez filhos – embora apenas a própria Mary e um irmão, Joseph, sobreviveram até a idade adulta. A família era pobre, e para piorar as coisas a Inglaterra não vivia os seus melhores dias na época. No entanto, a família de Anning tinha um pouco de sorte: a cidade em que viviam, Lyme Regis, era (e ainda é) uma região rica em fósseis. Lá, a Formação Blue Lias, datada do Jurássico, aflora em costões rochosos ao redor da cidade, especialmente perto da praia, com seu sedimento formado principalmente por calcário e folhelho. No século XVIII, a região se tornou um grande destino turístico e, de quebra, os fósseis que apareciam na região começaram a ser explorados em grande escala. Essa exploração, no entanto, era feita principalmente por habitantes da própria região que coletavam os fósseis para vendê-los. A princípio, os fósseis eram vendidos apenas como curiosidades para os turistas; depois, enquanto a geologia e a paleontologia iam se consolidando como ciências, já no século XIX, eles passaram a atrair o interesse dos nobres da época que atuavam como pesquisadores.
Assim, o pai de Mary, Richard, atuou como coletor e vendedor de fósseis para aumentar a renda da família, e ensinou a prática aos filhos. É claro que, nos dias de hoje, comercializar fósseis é uma prática condenável; mas, vivendo em uma época em que a importância dos fósseis ainda não era bem conhecida – e, sobretudo, vivendo em uma época de situação econômica ruim, sendo obrigado a ver a sua família com dificuldades e tendo um dos maiores depósitos de fósseis do fundo dando sopa no seu quintal, com gente interessada em dar dinheiro por eles – quem poderia culpá-los?
No entanto, aconteceu que o pai de Mary morreu em 1800, deixando a mulher e os dois filhos; Joseph com 14 anos e Mary com 11. E é aí que a história de Mary Anning começa a ficar impressionante. Apesar da pouca idade, ela e o irmão continuaram com as atividades do pai. Só que Mary faria muita mais do que apenas coletar fósseis para vender.
Em 1811, Joseph encontrou um crânio de um tipo que eles nunca tinham visto por ali. Meses depois, Mary encontrou todo o resto do esqueleto do mesmo animal. Eles foram vendidos a colecionador por 23 libras (cerca de 88 reais, hoje). Aqueles fósseis representavam, simplesmente, um dos primeiros achados de Ictiossauros do mundo – a espécie Temnodontosaurus platyodon, descrita por Conybeare em 1822 e que continua válida até os dias de hoje. Embora esse não tenha sido exatamente o primeiro fóssil do grupo a ser encontrado, o espécime coletado por Joseph e Mary foi justamente o que primeiro chamou a atenção da comunidade científica para os Ictiossauros, que anos depois viriam a ser reconhecidos como répteis aquáticos.
Depois disso, Joseph se afastou um pouco da atividade de coletas de fósseis, e Mary Anning se tornou praticamente a única responsável pelo “negócio da família” por assim dizer. Nos anos que se seguiram, ela realizou descobertas ainda mais incríveis, entre elas: outro esqueleto do mesmo ictiossauro, Temnodontosaurus platyodon, em 1821; um esqueleto parcial de Plesiosaurus dolichodeirus (novamente descrita por Conybeare em 1824), simplesmente o primeiro plesiossauro a ser descoberto no mundo, entre 1820 e 1821; em 1828, ela encontrou o esqueleto parcial do pterossauro Dimorphodon macronyx , o primeiro pterossauro descoberto fora da Alemanha, descrito formalmente por William Buckland em 1829; e, também em 1829, ela encontrou um fóssil de peixe do gênero Squaloraja, um peixe cartilaginoso descrito por Woodward apenas em 1886 com características intermediárias entre tubarões e arraias, para ficar apenas nos achados que ganharam mais destaque.
Figura 2
Figura 2: Desenho e texto de Mary Anning contendo a descrição do fóssil do Plesiosaurus dolichodeirus (1823).

 
Nos invertebrados, suas contribuições também foram importantes. Nas suas investigações sobre os fósseis dos moluscos belemnitas (que, junto com os amonitas, eram os fósseis mais abundantes da região, e portanto os mais vendidos), Mary descobriu que alguns espécimes ainda preservavam suas bolsas de tinta, mesmo depois de milhões de anos de fossilização. A tinta até chegou a ser usada por Mary e outros como material para fazer desenhos dos fósseis no papel, mas a observação de Mary de que as bolsas dos belemnitas eram muito parecidas com a de moluscos viventes – especialmente as sépias – indicavam que os cefalópodes daquela época, como os de hoje, se utilizavam de ejeções de tinta para se defender. Foi ela também quem primeiro desconfiou que aquelas bolas que de vez em quando apareciam nos afloramentos – e que as pessoas chamavam de “pedras de bezoar” – poderiam ser, na verdade, fezes fossilizadas. Em 1829, William Buckland, baseando-se entre outros fatos nas observações de Mary, batizou essas bolas de “coprólitos”.
Figura 3
Figura 3: Um desenho e um texto feito por Mary Anning sobre um fóssil de Plesiossauro.

 
O exemplo acima mostra como Mary Anning realmente fez muito mais do que coletar fósseis para vender. É claro que ela os continuava comercializando, porque, como vocês já devem percebido, apesar de todo o esfoço que ela fazia, dadas as suas condições de vida, seria muito, mas muito difícil, que ela tivesse um projeto aprovado pelo CNPq para ganhar uma bolsa. Muito menos se ela o escrevesse com a tinta fossilizada dos belemnitas.
Mesmo assim, o fato é que ela desenvolveu um real interesse pelos fósseis que coletava, e mesmo sem nenhum tipo de educação formal em anatomia, taxonomia ou qualquer outra disciplina coisa, ela se esforçou para ler toda a literatura científica que pôde, até adquirir um saber em anatomia e em geologia que apenas os gentleman riquíssimos de sua época poderiam ter; além disso, ela se especializou não só em coletar os fósseis, mas em prepará-los; realizava dissecações de animais viventes, principalmente peixes, para comparar seu esqueleto com os fósseis, e era capaz de desenhar ilustrações dos fósseis que coletava. Em suma, Mary Anning fazia tudo o que um bom paleontólogo faz hoje. Com a única diferença de que ela era uma mulher pobre e sem formação universitária vivendo numa sociedade machista e aristocrática – além de pertencer a uma minoria religiosa que era perseguida pela Igreja Anglicana, os Congregacionalistas.
Isto demonstra uma das lições que a história de Mary Anning pode nos ensinar: sobre como pode ser importante o trabalho de pessoas não-acadêmicas, inclusive nos dias de hoje, no esforço de pesquisa e divulgação científicas.
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Figura 4: Uma foto de uma praia de Lyme Regis nos dias atuais, mostrando uma impressão de um fóssil de Amonita em primeiro plano.

E se isso não bastasse, ainda é bom lembrar as condições do local em que Mary Anning coletava seus fósseis. As coletas nos costões rochosos de Lyme Regis eram mais produtivas durante o inverno, quando deslizamentos de terra expunham os fósseis – que tinham que ser coletados rapidamente, antes que as ondas do mar os levassem. As rochas ficavam em contato direto com o oceano, e uma onda mais forte poderia facilmente arrastar qualquer um que estivesse se esgueirando pelos penhascos. E de fato, o cachorro de Mary, Troy – que sempre a acompanhava nas suas coletas – infelizmente encontrou este triste destino, e sua dona quase o acompanhou na ocasião. Isso certamente é uma lição, algo a se pensar para caras como eu, cuja maior dificuldade que já encontrei no campo foi sentir um pouco de calor e perceber que as nossas latas de Coca-Cola já tinham acabado.
Apesar de todos os seus grandes achados e de sua história incrível, o fato é que hoje em dia até um paleontólogo fictício como aquele cara do Friends é mais conhecido do público, e provavelmente entre profissionais da área, do que Mary Anning. Isso se deve, em grande parte, ao fato de Mary nunca ter publicado nenhuma de suas descobertas (a única peça que pode ser considerada como uma publicação científica de Mary Anning é uma carta que ela escreveu à revista científica Magazine of Natural History questionando se um fóssil de tubarão do gênero Hybodus, recentemente descrito naquela revista, representaria efetivamente um gênero novo – veja detalhes em Emling, 2009) e, claro, de ter vendido quase todas elas aos pesquisadores. Porque, apesar de todo o interesse e dedicação mostrados por ela, os fósseis sempre lhe foram, sobretudo, aquilo que garantia o seu sustento. Porém, é importante notar que a maioria dos pesquisadores que publicaram pesquisas sobre fósseis encontrados por ela não teve sequer a decência de citar o seu nome em seus trabalhos. Durante a vida, Mary chegou a vender fósseis, se corresponder e trocar ideias e informações com vários cientistas importantes de sua época, entre eles Richard Owen, Louis Agassiz, Henry de la Beche (cujo desenho Duria Antiquor, considerado o primeiro trabalho de paleoarte da história, foi feito baseado nos fósseis encontrados por Anning), Charles Lyell e Adam Sedgwick – os dois últimos, professores de Charles Darwin.
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Figura 5: Na Inglaterra, as famosas “Blue Plaques” são usadas para homenagear lugares em que pessoas ilustres nasceram, residiram ou morreram. Esta placa está no local em que Mary Annig nasceu, em Lyme Regis, e que hoje está convertido em um museu.

 
Todos estes nomes são hoje conhecidos como precursores da geologia e da paleontologia; e todos contaram para isso com os achados de Mary Anning, que por sua vez caiu no esquecimento. E isso é algo que, infelizmente, acontece até hoje; vários fósseis, como se sabe, são encontrados por trabalhadores ou pessoas que estão passando à toa por um determinado lugar, e o pesquisador, depois de pesquisar e publicar seus resultados, se recusa até a citar o nome de quem encontrou o fóssil! Muitos de nós pensamos “Mas o que é que um pedreiro ganha se eu agradecer a ele por ter achado um crânio completo enquanto trabalhava numa obra? Não vai adiantar nada ele colocar isso no Currículo Lattes dele!”.  É evidente que o encontrar do fóssil é uma etapa que faz parte de todo um processo que vai até a publicação. Mas é uma etapa sem a qual, simplesmente, o resto da pesquisa nunca existiria!
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Figura 6: “Google Doodle” celebrando o 215º aniversário de Mary Anning, em 2014.

 
Outra reflexão que a história de Mary Anning provocou em mim, particularmente, diz respeito ao o que ser um pesquisador realmente significa. Um cientista é, acima de tudo, alguém que trabalha com um método, com a razão, para obter as respostas às perguntas que faz a si mesmo; mas nada disso faz sentido se não há uma emoção envolvida nisso. O cientista deve gostar do que faz, deve ver sentido naquilo que investiga, deve ter uma convicção de que o ele faz é importante. E, na minha opinião, são essas os motivos que devem mover o cientista a fazer o que faz, muito mais do que atingir um número de publicações ou arranjar empregos e financiamentos. É claro que ninguém pode condenar aqueles que colocam isso como prioridade – como ninguém pode condenar Mary Anning por ter vendido fósseis em sua época – mas eu acredito que, mais importante que preencher nossos currículos e nossas vaidades, o cientista deve trabalhar tendo em mente que o que ele faz é importante, faz sentido para o mundo, e que ele é uma pessoa em que todos depositam a esperança de que seu trabalho fará o ser humano entender melhor o mundo. Os títulos acadêmicos, por exemplo, não são uma coisa para se ficar exibindo para as nossas tias mas, ao invés disso, são apenas etapas na formação de um profissional. O maior objetivo de um cientista em formação, e de um cientista formado também, não deveria ser colecionar títulos ou publicações, mas aprendizado e experiência, coisas que dependem muito mais da própria dedicação individual do que de qualquer outra – como provou Mary Anning, há mais de duzentos anos atrás.
E hoje, especificamente em um 8 de março, a história e a trajetória de Mary Anning se tornam ainda mais significativos pelo Dia da Mulher. Hoje, muito diferentemente da época de Mary Anning, as mulheres possuem bastante espaço na comunidade científica, com várias mulheres se destacando como cientistas em várias áreas, incluindo a nossa Paleontologia. No entanto, ainda há muito que pode ser feito, e a história de Mary Anning nos alerta sobre como o conhecimento que a ciência pode proporcionar à humanidade fica prejudicado quando uma mulher é discriminada simplesmente por ser mulher, ou quando qualquer pessoa é discriminada seja por motivo de gênero, etnia, cor da pele, nacionalidade, ideologias, opiniões ou religião. Por isso, neste dia 8 de março, que Mary Anning seja um exemplo de gana de conhecimento, sim, mas também de que o sexo ou gênero de um cientista simplesmente não têm nada – absolutamente nada – a dizer no que diz respeito à sua capacidade como cientistas.
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Figura 7: Reconstituição do desenho Duria Antiquor (1830), de Henry de la Beche, baseado grandemente em fósseis coletados por Mary Anning.

 
Referência bibliográfica:
Emling, Shelley (2009), The Fossil Hunter: Dinosaurs, Evolution, and the Woman whose Discoveries Changed the World, Palgrove Macmillan, ISBN 978-0-230-61156-6
Para saber mais:
http://www.ucmp.berkeley.edu/history/anning.html
https://www.sdsc.edu/ScienceWomen/anning.html
http://www.macroevolution.net/mary-anning.html
Um vídeo contando a história de Mary Anning:
Referências das Figuras:
[1],[3]: http://www.bbc.co.uk/schools/primaryhistory/famouspeople/mary_anning/
[2] https://en.wikipedia.org/wiki/Plesiosaurus
[4]: http://www.dorsetlife.co.uk/2012/05/from-ancient-to-modern-lyme-regis-fossil-festival/
[5], [6]: http://heavy.com/news/2014/05/mary-anning-215-birthday-google-doodle/
[7]: https://en.wikipedia.org/wiki/Duria_Antiquior


16735619_1201225939972881_1202071666_oGiovanne Mendes Cidade, Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Mestre e atualmente Doutorando em Biologia Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto. Estuda principalmente crocodilianos fósseis, com ênfase em sistemática, taxonomia, biogeografia e anatomia de crocodilianos do Cenozoico, em especial do grupo dos Alligatoroidea. Também tem interesses diletantes em história da Paleontologia e em filosofia da Ciência como um todo, e da Biologia em particular, além de Evolução. 

Tetrapodophis amplectus e a história sem fim da “cobra” de quatro patas: uma perspectiva interna.

Em 2015, um fóssil proveniente do Brasil veio à tona com uma publicação feita por Martill e colaboradores. A repercussão dessa publicação foi imensa por vários motivos, como por exemplo, o fato de se tratar de um espécime muito bem preservado de uma suposta cobra de quatro patas. No entanto, nem tudo foram flores, críticas acerca da procedência duvidosa do material e até mesmo da sua designação como uma serpente foram levantadas. Para sabermos um pouco mais sobre o assunto e a importância das discussões levantadas convidamos o Doutorando Tiago Rodrigues Simões, especialista no estudo da origem e evolução de Squamata (lagartos e cobras), para escrever o esclarecedor texto abaixo.

Obs: Agradeço ao colega João Francisco Botelho pela sugestão do tema, que me motivou a convidar o Tiago para redigir tal texto.

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 (TEXTO POR TIAGO SIMÕES)   

Tetrapodophis amplectus e a história sem fim da “cobra” de quatro patas: uma perspectiva interna

Fósseis espetaculares costumam chamar a atenção da comunidade científica e da mídia ao redor do mundo. Em parte pelo fascínio que a paleontologia como um todo (especialmente através dos dinossauros) causa em muitos, em parte pelas novas perspectivas que certos fósseis fornecem acerca da evolução dos seres vivos. Dentro desse último aspecto encontra-se um réptil fóssil denominado Tetrapodophis amplectus (Figura 1), da Formação Crato da Bacia do Araripe, que viveu a cerca de 115 milhões de anos atrás. A espécie, originalmente publicada como uma cobra de quatro patas (Martill, Tischlinger & Longrich, 2015) criou grande comoção na comunidade científica internacional no ano de 2015. Contudo, logo após a sua publicação, o estudo foi alvo de uma série de controversas envolvendo tanto a procedência do material, quanto a ciência por trás da descoberta. No relato abaixo, eu forneço um relato e as minhas perspectivas sobre o assunto do ponto de vista de um brasileiro, especialista em lagartos fósseis e diretamente envolvido na nova pesquisa sobre a Tetrapodophis.

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Figura 1: Espécime (holótipo) de Tetrapodophis amplectus. Créditos: Michael W. Caldwell

Problemas na caracterização anatômica e classificação

A posição ocupada pela Tetrapodophis na evolução do grupo que compreende as cobras e lagartos (Squamata, ou escamados) é sem dúvida o aspecto mais problemático na interpretação científica do fóssil. No último encontro da Society of Vertebrate Paleontology (SVP) em Salt Lake City, nos EUA, um time de colaboradores liderados por Michael Caldwell (University of Alberta, Canadá), e que também inclui Robert Reisz (University of Toronto, Canadá), Randall Nydam (Midwestern University, EUA), Alessandro Palci (Flinders University, Austrália), além de mim (afiliação abaixo), apresentou uma série de dados novos sobre a Tetrapodophis. Em resumo, aspectos da morfologia dentária (Figura 2), craniana e das vértebras indicam que o indivíduo se parece mais com um grupo extinto de lagartos aquáticos denominados dolicossaurídeos (proximamente relacionados aos mosassauros) do que com qualquer cobra vivente ou fóssil conhecida. Um dos aspectos mais relevantes dos novos dados obtidos é que a informação anatômica presente na descrição original do espécime ou está errada, ou é impossível de ser visualizada. Além disso, partes do material preservam impressões da morfologia do crânio (Figura 3) que foram simplesmente ignoradas no estudo original. É de se espantar que tal informação não tenha sido incluída no estudo original, já que tais impressões em baixo relevo do crânio fornecem informações valiosas sobre alguns ossos que são importantes para a classificação dessa espécie dentre os escamados (Squamata).

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Figura 2: Imagem dos dentes presentes no holótipo de Tetrapodophis amplectus . a) material original; b) representação esquemática, enumerando os dentes. Créditos: Michael W. Caldwell

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Figura 3: Imagens do crânio de Tetrapodophis amplectus . Principais ossos preservados, bem como as impressões de ossos completa ou parcialmente destruidos. Créditos: Michael W. Caldwell

O leitor pode se perguntar como que erros em tamanho volume podem ter sido cometidos em um estudo publicado num periódico de tamanho escalão como a Science? Pois bem, você não é o único. Diversos outros especialistas em escamados presentes na reunião anual da SVP ficaram igualmente espantados sobre a falta de cuidado na correta interpretação anatômica da Tetrapodophis. Alguns já desconfiavam de diversos erros ao comparar as fotos publicadas com a descrição escrita do material no artigo original, mas somente agora com os novos dados fornecidos pelo nosso time de colaboradores puderam confirmar tais suspeitas (veja relato do Dr. Jason Head, Cambridge University: http://news.nationalgeographic.com/2016/11/snakes-tetrapodophis-fossils-ethics-science/).

Uma outra pergunta que aqueles que não são especialistas em cobras e lagartos podem fazer (e extremamente relevante nessa discussão) é: como um animal alongado e de patas curtas não é uma cobra? O que ocorre é que diversas linhagens de lagartos adquiriram um corpo alongado seguido de redução dos membros durante a sua história evolutiva, incluindo as cobras, dolicossaurídeos, anfisbênias, dibamídeos, pigopodídeos, diversas grupos de anguídeos, scincídeos, entre outros. Dessa forma, a redução de membros e presença de um corpo alongado estão longe de ser um aspecto exclusivamente observado nas cobras. Para se reconhecer uma cobra como tal, deve-se analisar a morfologia das vértebras e, em especial, do crânio. Sendo assim, a combinação de dados que foram mal-interpretados ou ignorados certamente influenciou os resultados apresentados por Martill e co-autores, inclusive a análise filogenética realizada pelos mesmos.

Problemas na interpretação do hábito de vida

A interpretação inicial do fóssil como um animal fossorial foi um dos pontos que mais me chamou a atenção na descrição por parte de Martill e colaboradores. O indivíduo possui os ossos do pulso e do tornozelo pouco ou não ossificados. Apesar de essa característica poder ser indicativa de um estágio juvenil em répteis, especialmente no estágio embrionário ou recém-nascido, nenhum outro aspecto da morfologia do animal indica um estágio de desenvolvimento tão jovem. Uma outra hipótese, no entanto, explica de forma mais parcimoniosa esse baixo grau de ossificação: um hábito de vida aquático, conforme observado em inúmeras linhagens de répteis que adquiriram um hábito aquático em sua história evolutiva (ex: mosassauros, plesiossauros, talatossauros, entre outros). Além disso, a baixa ossificação dos ossos do pulso e tornozelo tornariam as patas da Tetrapodophis pouco úteis para atividades como escavar ou escalar. Outros argumentos também foram utilizados em um estudo mais recente para demonstrar empiricamente que a Tetrapodophis não possui o leque de adaptações que normalmente se observa em lagartos ou cobras fossoriais (Lee et al., 2016).

Problemas legais e éticos

O outro aspecto controverso sobre a Tetrapodophis, e que concerne de forma mais direta a paleontologia brasileira, é como esse material foi parar em uma coleção particular na Alemanha. A legislação brasileira proíbe, desde 1942, a venda de fósseis ou a sua retirada do país sem permissão legal. No entanto, toneladas de fósseis deixam o Brasil ilegalmente para serem vendidos no exterior, especialmente aqueles da bacia do Araripe (região de procedência da Tetrapodophis)—para mais detalhes sobre a legislação brasileira sobre os fósseis e o problema do contrabando de fósseis, veja Simões and Caldwell (2015). Os autores do trabalho relataram não saber sobre a exata época em que o fóssil saiu do Brasil (http://www.sciencemag.org/news/2015/07/four-legged-snake-fossil-stuns-scientists-and-ignites-controversy). Na realidade, depoimentos por parte do autor principal (Martill) sobre a saída do material do Brasil demonstram o quão preocupado com as normas éticas e legais o autor parecia estar no momento de sua publicação “pessoalmente, eu não dou a mínima para como e quando o fóssil saiu do Brasil” [tradução livre] (veja o relato de Martill no link anterior). Contudo, o fato do fóssil pertencer a uma coleção particular e devido ao longo histórico de tráfico de fósseis da região do Araripe criam uma situação muito suspeita acerca da procedência do material e as circunstâncias da sua saída do país. Isso levou a abertura de um processo criminal para se investigar a saída desse fóssil do Brasil (http://www.nature.com/news/four-legged-snake-fossil-sparks-legal-investigation-1.18116).

Um dos grandes problemas envolvendo coleções particulares e venda de fósseis é a perda de conhecimento sobre a biodiversidade pretérita devido a exemplares que terminam em gavetas de indivíduos particulares, ao invés de serem estudados por especialistas em museus e universidades. No caso da Tetrapodophis, o exemplar havia sido depositado em um museu na região de Solnhofen à época da publicação. Contudo, o material pertence a um colecionador particular e o dono detém os direitos de retirar o espécime do museu quando bem entender. Em algum momento entre o fim de 2015 e início de 2016, soubemos da notícia que o dono do material havia retirado o espécime do museu em Solnhofen e que, portanto, o holótipo e único espécime conhecido de Tetrapodophis não estava mais disponível para estudo. As observações do espécime feitas por Martill e co-autores, seguidas das realizadas por Caldwell e Reisz em uma visita ao museu logo após a publicação da espécie, poderão permanecer como as únicas existentes acerca desse material, talvez por muitos anos a frente. Nesse contexto, e ao meu entendimento, fica clara a resposta a pergunta: quem ganha com materiais científicos depositados em coleções particulares? Certamente, não é a ciência.

Referências para os artigos citados acima:

Lee MSY, Palci A, Jones MEH, Caldwell MW, Holmes JD, Reisz RR. 2016. Aquatic adaptations in the four limbs of the snake-like reptile Tetrapodophis from the Lower Cretaceous of Brazil. Cretaceous Research 66: 194-199.

Martill DM, Tischlinger H, Longrich NR. 2015. A four-legged snake from the Early Cretaceous of Gondwana. Science 349: 416-419.

Simões TR, Caldwell MW. 2015. Fósseis e legislação: breve comparação entre Brasil e Canadá. Ciência e Cultura 67: 50-53.

Dados sobre o autor:

12645264_10207058817362317_831737693683863186_nTiago Rodrigues Simões possui graduação e mestrado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e atualmente está concluindo o doutorado na University of Alberta (Edmonton, Canandá). A sua pesquisa consiste no estudo da origem e evolução de Squamata (lagartos e cobras), utilizando dados de espécies fósseis e viventes (https://www.researchgate.net/profile/Tiago_Simes2).

Explicando as similaridades entre os seres vivos: da observação até as hipóteses!

Desde muito cedo em suas vidas os seres vivos instintivamente buscam abstrair padrões daquilo que seus sentidos captam do mundo ao seu redor. Uma planária é capaz de perceber por meio de seus ocelos ambientes mais claros e escuros, optando por aquele que lhes é mais favorável. Abelhas e Aves são capazes de detectar odores, formatos e cores das flores que os cercam separando-as nas que devem e não devem ser visitadas durante sua colheita/alimentação. Mamíferos herbívoros conseguem detectar por meio de odores, morfologia e padrões de cores espécimes vegetais que não devem ser utilizados para alimentação. Mamíferos carnívoros rapidamente aprendem a identificar as características que caracterizam certos animais como presas, inclusive sendo capazes de distinguir feições que tornam determinado indivíduo uma presa em potencial, como ferimentos e patologias. Nossos ancestrais, e incluindo a nós mesmos, utilizamos das feições contidas pelos objetos que nos cercam para identificar e agrupar em categorias funcionais. Por mais óbvio que isso possa parecer, um objeto é um objeto pelas características próprias que eles possuem principalmente aquelas tidas como exclusivas (Armstrong, 1997), e nos valemos disso para categorizá-los e atribuir algum significado/valor.

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O ilustre paleontologo e anatomista Georges Cuvier.

Assim como nas cotidianas comparações entre as características dos objetos que nos cercam também são largamente utilizadas na ciência, com uso extensivo na paleontologia. Embora, hoje em dia, tais comparações na ciência pareçam triviais e automáticas, no passado elas não eram. Georges Cuvier (1769 – 1832; sim o mesmo que abordamos a algumas postagens atrás, aqui), considerado o Pai da Paleontologia, foi um dos responsáveis por estabelecer como um método cientifico o ato de se comparar características expressas por objetos diferentes, ato este conhecido como anatomia comparada e morfologia funcional (ato de atribuir funções associadas a determinados tipos de morfologia, um grande passo para os estudos paleoecológicos). Com tal metodologia em mãos ele foi capaz de comparar fósseis com esqueletos de animais viventes e devido às similaridades morfológicas ele foi capaz de realocar os fósseis (que antes eram classificados por Lineu junto às rochas), na taxonomia Lineana entre os grupos viventes.
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Richard Owen ao lado de um Moa, ave extinta da Nova Zelândia.

No entanto, foi um contemporâneo de Cuvier que buscou propor termos para tais características observadas pelo método comparativo. Este foi Richard Owen (1804 –1892), um prodigioso e produtivo pesquisador, famosos por ser um dos diretores do Museu de História Natural de Londres e cunhar o termo Dinosauria (veja Padian, 1997 e suas referências para um melhor entendimento da biografia de Owen). Owen, em 1843, publicou o trabalho intitulado “Lectures on the Comparative Anatomy and Physiology of the invertebrate animals” (tradução: Ensaios sobre anatomia comparada e fisiologia dos animais invertebrados), como o próprio nome diz, neste trabalho volumoso ele discorre sobre a anatomia comparada e fisiologia de uma vasta variedade de invertebrados. No entanto, o diferencial deste trabalho é a utilização de um termo, HOMOLOGO, empregado quando comparações entre características tidas como iguais eram feitas ou discutidas. Embora o termo homologo não seja novo e já tenha sido utilizado em outras áreas, como na matemática, e até mesmo na biologia pelo Francês Auguste de Saint-Hilaire, Owen foi o responsável por formalizar uma definição para tal termo dentro do estudo da anatomia comparada. Diante disto, no glossário de seu trabalho de invertebrados, Owen define tal termo da seguinte forma: “HOMOLOGUE. (Gr. homos; logos, speech.) The same organ in different animals under every variety of form and function.” (Owen, 1843: 379; tradução: Homologo (Gr. homos; logos, speech.) o mesmo órgão em diferentes animais sob qualquer variedade de forma e função). Dando continuidade à designação de termos no estudo da anatomia comparada Owen, em 1847, no trabalho intitulado “Report on the Archetype and Homologies of the Vertebrate Skeleton” (tradução: Reporte sobre o Arquétipo e Homologias do esqueleto dos Vertebrados) cunhou outro termo chamado Homologia, segundo ele tal termo pode ser dividido em três, cada um com uma aplicação própria, eles são: 1) Homologia especial é a correspondência de um órgão, ou parte de um órgão, cuja explicação indica a existência de um tipo comum entre os possuidores daquele órgão (e.g., quando correlacionamos os úmeros dos vertebrados e sugerimos que tal estrutura possui uma origem em comum); 2) Homologia geral um órgão, parte dele ou séries de partes de um organismo que possam ser relacionadas com um tipo fundamental/geral reconhecendo que determinado grupo de organismos formam um grupo natural (e.g., quando relacionamos alguma parte de nosso corpo diretamente a uma parte pertencente ao arquétipo de nosso grupo); e, 3) Homologia seriada sucessão de órgãos ou partes similares entre si que se sucedem longitudinalmente ao longo do corpo, sendo possível haver especializações regionais entre essa parte repetida, no entanto sem perder suas feições primordiais (e.g., as vértebras dos animais vertebrados que apresentam modificações especificas para cada parte do corpo, mas continuam tendo as feições necessárias para considerarmos como vértebras).
3-Organos-homologos
Exemplos de homologos, ou homologias como alguns virão a chamar, entre os ossos dos membros anteriores de um (da esquerda para direita): humano, gato, baleia e morcego.

Interessante notar que, além da proposição de novos termos, neste trabalho sobre o esqueleto dos vertebrados, Owen ressuscitou e defendeu a Teoria do Arquétipo como explicação causal para as similaridades observadas entre os organismos. Tal teoria propõe que todas as morfologias observadas nos organismos derivam de um arquétipo, que para Owen esse arquétipo não era uma entidade existente e sim um modelo ideal de onde todas as outras morfologias derivaram. Como resultado desta idéia Owen esboçou como ele imaginava que seria o Arquétipo dos vertebrados, sendo um animal fusiforme similar a um peixe composto por uma série de vértebras, ressuscitando a idéia de que o crânio era derivado das vértebras anteriores. Fica evidente a idéia de uma força superior que modelaria os vertebrados conhecidos baseado nesse modelo proposto.
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O arquétipo dos vertebrados segundo Owen.

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Thomas Huxley (a esquerda) e seu estimado orientando Ray Lankester (a direita). Ambos grandes defensores das ditas teorias evolutivas de Darwin.
Em 1870, Ray Lankester, um jovem aluno de 23 anos, cujo orientador era ninguém menos que Thomas Henry Huxley (renomado pesquisador que hoje é famoso por ter defendido Darwin e suas idéias), publicou um trabalho revisando os termos propostos por Owen e recomendando a utilização de alguns novos, mais adaptados a teoria da descendência com modificação (hoje conhecida como evolução). Neste trabalho Lankester propõem que como o termo Homologia de Owen esta intrinsecamente associada à Teoria dos Arquétipos, visão esta que foi derrubada pela descendência com modificação e seleção natural, este deveria ser substituído por dois novos termos: homogenia e homoplasia. Ambos os termos se aplicariam como explicações causais das similaridades compartilhadas entre os organismos, no entanto, as homogenias seriam aplicadas para quando essa similaridade é explicada pela ancestralidade em comum e a homoplasia se aplicaria a todos os outros casos que não a ancestralidade em comum. No entanto, Lankester vislumbrou o termo homologo como sendo aplicado as estruturas que já haviam sido explicadas pelas homologias, justamente o oposto do que Owen havia proposto.
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George Jackson Mivart, grande defensor de Richard Owen e protagonizou trabalhos que antagonizavam as idéias de Darwin, como seu trabalho “Genesis of Species”.

Porém, embora a idéia de Lankester com seus novos termos fosse amenizar futuras confusões entre os termos e as teorias que estes termos representavam, suas propostas foram mal recebidas. No mesmo ano de sua publicação, 1870, um dos seguidores das idéias Owen, Mivart publicou um trabalho contrargumentando Lankester e propondo novas combinações com os termos antigos e novos usados na época. No fim, Mivart criou ainda mais confusão com suas proposições. Para piorar, pesquisadores posteriores resolveram começar a utilizar o termo homoplasia em seu sentido original, mas decidiram não utilizar o termo homogenia e manter o termo homologia. Apesar disso, a homologia nesse novo contexto não possuiria o mesmo significado original, proposto por Owen, e sim o significado de homogenia proposto por Lankester (Hass & Simpson, 1946).
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Colin Patterson, grande paleontólogo Britânico que trouxe grandes contribuições teóricas para o estabelecimento daquilo que hoje conhecemos como Cladística.

Decorrente dessa história o significado de homologia se tornou um mistério que muitos tentaram resolver propondo conceitos diferentes para cada novo uso ou teoria proposta. Patterson, em 1981, fez uma revisão dos vários conceitos propostos para o termo homologia e, além disso, nessa época podemos verificar que os termos “homologo” e “homologia” começaram a ser tratados como sinônimos uns dos outros, tradição essa que permanece até hoje entre a maioria dos pesquisadores. Em sua revisão, Patterson defende que o melhor conceito de homologia/homologo seria equivalente ao de sinapomorfia (termo utilizado na sistemática filogenética para representar caracteres compartilhados por grupos monofiléticos), ou seja, uma visão “atualizada” da homogenia de Lankester. Essa vem sendo o conceito mais ensinado utilizado e aceito pelos biólogos atualmente.
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Representação esquemática de alguns termos utilizados na Cladística, sendo que para muitos homologia seria um equivalente de sinapomorfia (circulos cinza).

Com base nessa breve contextualização histórica, podemos concluir que uma das principais fundamentações para qualquer cientista é um conhecimento dos termos e seus significados. Apesar de alguns filósofos defenderem que os termos em si não são importantes, e sim a importância reside no significado que damos aos termos (i.e., semântica). Desta forma, entender a origem e aplicação dos diferentes termos permitem que se estabeleça um consenso de qual seriam os mais apropriados para o contexto da época. Finalizo por hoje ressaltando a importância de se compreender o contexto histórico em que tais termos estão envolvidos, pois parte de seus significados derivaram do conhecimento prévio da época. Sendo assim, leiam sempre que possível o trabalho original em que o termo foi proposto e busquem acompanhar e compreender o que aconteceu com ele ao longo dos anos, pois como vimos no termo homologia, muita confusão foi criada.
 
Gostaria como sempre de agradecer a Kamila L. N. Bandeira pela revisão do texto. Tal postagem foi inspirada nas discussões dos termos aqui apresentados feita por Fitzhugh (2006), no entanto, guardarei para uma próxima postagem as propostas feitas por ele e as implicações decorrentes disso e dos critérios filosóficos defendidos por ele. Além disso, aprofundarei nas demais visões vigentes acerca desta temática! Espero que gostem.
 
REFERÊNCIAS:
 ARMSTRONG, D. M. 1997. A World of States of Affairs. New York: Cambridge University Press, 300 p.
 FITZHUGH, K. 2006. The abduction of phylogenetic hypotheses. Zootaxa, 1145: 1-110.
HAAS, O. & SIMPSON, G.G. 1946. Analysis of some phylogenetic terms, with attempts at redefinition. Proceedings of the American Philosophical Society, 90: 319–349.
LANKESTER, E. R. 1870. On the use of the term homology in modern zoology, and the distinction between homogenetic and homoplastic agreements. Annals and Magazine of Natural History, 6: 35-43.
 MIVART, S. G. 1870. On the use of the term “homology”. The annals and Magazine of Natural history, 32 (4): 113-121.
 OWEN, R. 1843. Lectures on the Comparative Anatomy and Physiology of the Invertebrate Animals, Delivered at the Royal College of Surgeons, in 1843. London: Longman, Brown, Green, and Longmans.
OWEN, R. 1847. Report on the archetype and homologies of the vertebrate skeleton. Report of the Meeting of the British Association for the Advancement of Science, 16: 169-340.
PADIAN, K. 1997. The Rehabilitation of Sir Richard Owen. BioScience, 47(7): 446-453.
PATTERSON, C. 1982. Morphological characters and homology. In: Joysey, K.A. & Friday, A.E. (Eds.), Problems of Phylogenetic Reconstruction. Academic Press, New York, New York, pp. 21–74.

Análise quantitativa dos fósseis de Dinossauros do Brasil e da Argentina

Esta contribuição foi feita pelo aluno de graduação da Universidade Federal de Uberlândia chamado Rodolfo Otávio dos Santos. Atualmente ele se encontra no 5º periodo do curso de Ciências Biológicas e está estagiando no Laboratório de Paleontologia da UFU (https://www.facebook.com/PaleoUFU). Devido ao seu interesse na área e de auxiliar na divulgação sobre tais assuntos ele seguirá contribuindo com mais postagens sobre os mais variados tópicos (obs: aguardem temas nerds hehe).
Então vamos ao texto!
Entre 225 e 65 milhões de anos, durante a Era Mesozóica, o planeta Terra foi dominado pelos Dinossauros, principalmente pelas linhagens não-avianas. Na região onde hoje é a América do Sul, mais especificamente Brasil e Argentina, numerosas espécies desses animais prosperaram e deixaram muitas evidências deste passado remoto, sob a forma de fósseis. Considerando-se a geografia atual, o Brasil possui uma área de aproximadamente 8,5 milhões de km², enquanto nossos vizinhos têm apenas cerca de 2,8 milhões de km². Numa análise superficial, levando em conta apenas a área total, espera-se que o país com maior território possua uma quantidade superior de espécies preservadas na forma de fósseis. Porém, até o ano de 2010, mais de 110 fósseis de diferentes espécies de dinossauros foram encontrados em terras argentinas, enquanto no território brasileiro, até o mesmo periodo, pouco mais de 20. Este cenário se mantém até os dias atuais em termos de proporção. Este texto busca explicar as razões para tamanha diferença na quantidade de espécies de dinossauros entre os dois países tendo como base as discussões iniciadas por Anelli (2010).
 
Os fósseis de dinossauros são conhecidos pelo homem há milênios: Na China, dois mil anos atrás, em rochas jurássicas, esqueletos fossilizados eram encontrados e atribuídos a dragões. Apenas no séc. XIX o ser humano passou a compreender melhor a origem e preservação dos fósseis, graças a avanços científicos importantes da Biologia e da Geologia. No Brasil, durante os períodos colonial e Imperial, e o início da República, vários relatos atribuem fósseis de vertebrados a dinossauros. Porém, sabe-se que a maioria dessas atribuições na verdade não correspondiam a dinossauros, e sim a outros grupos próximos (Crocodilomorfos, por exemplo). Além disso, muitos materiais foram enviados para fora do país, e acabaram se perdendo, não havendo como confirmar sua afinidade para com os dinossauros. O primeiro paleontólogo a realizar trabalhos mais consistentes no Brasil foi o dinamarquês Peter Wilhelm Lund, que chegou ao país em 1825 e por vinte anos procurou por fósseis no estado de Minas Gerais, sendo então considerado o pai da paleontologia brasileira.
 
Lund, porém, estava interessado em prospectar e estudar vestígios de seres humanos pré-históricos, tendo explorando rochas do período Pleistocênico, muito mais recentes do que aquelas onde se espera encontrar os dinossauros não avianos, há muito já extintos. Foi o gaúcho Llewellyn Ivor Price, durante a década de 30 do século XX que iniciou os estudos de dinossauros de forma mais profunda no Brasil. Price realizou escavações no triângulo mineiro, na região de Peirópolis, e no Rio Grande do Sul, coletando fósseis de crocodilos e dinossauros. No ano de 1970 foi descrito o primeiro dinossauro brasileiro, o Staurikosaurus pricei Colbert, 1970, a partir de fósseis coletados por Price, cujo nome o homenageava. Vale ressaltar que embora esta seja a primeira espécie descrita para o Brasil, seu material encontra-se depositado em coleções estrangeiras. Enquanto isso, na Argentina, os irmãos Florentino e Carlos Ameghino, pioneiros da paleontologia no país, realizaram escavações em rochas da Era Mesozóica, encontrando e descrevendo o primeiro fóssil de dinossauro argentino, o Argyrosaurus superbus Lydekker, 1893, no ano de 1893, 77 anos antes do Staurikosaurus pricei. Na década de 70, quando o Brasil possuía apenas um dinossauro descrito, já eram conhecidas 23 espécies argentinas.
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A esquerda Peter Wilhelm Lund e a direita Llewellyn Ivor Price, grandes paleontologos do cenário brasileiro.
Nos anos 2000, a Paleontologia ganhou destaque na mídia, graças a filmes como “Jurassic Park”, o que influenciou positivamente a quantidade de pesq uisas sobre dinossauros no Brasil. Porém, ainda assim, a proporção de fósseis encontrados na Argentina continuou sendo maior em relação à brasileira. Portanto, há outros fatores, além do tempo de pesquisa, que explicam a diferença dos números.
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A grande e comovente cena final do Jurassic Park (1993) que motivou uma nova geração de paleontólogos (fonte: http://vignette4.wikia.nocookie.net/jurassicpark/images/a/ae/T-rex-jurassic-park-1-.jpg/revision/latest?cb=20120816155226)
 
Os fósseis são encontrados majoritariamente em rochas sedimentares. Comparado à Argentina, o Brasil possui uma área aproximadamente quatro vezes maior onde existem afloramentos de rochas sedimentares da Era Mesozóica. Na mais antiga das subdivisões da Era Mesozóica, o Período Triássico, fósseis de dinossauros são raros, não apenas na América do Sul, e sim em todo mundo. Isso ocorre porque apesar das principais linhagens de dinossauros já terem aparecido neste momento, elas ainda não haviam se diversificado, o que só ocorreu de forma expressiva no período seguinte, o Jurássico. São conhecidos doze fósseis argentinos desse período, e no Brasil, seis. Levando em consideração essa baixa diversificação dos dinossauros triássicos, conclui-se que a pequena diferença nos números de fósseis entre os dois países não é suficiente para explicar a enorme variação dos números totais. Essa variação provavelmente está condicionada a quantidade de rochas aflorantes de tal idade e com registros de dinossauros, sendo no Brasil estas predominantemente limitadas ao sul do pais enquanto que na Argentina há uma maior diversidade de formações geológicas para este periodo.
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Espécime de Sacisaurus “aguardando sua descoberta”. O gênero Sacisaurus é um dos grupos de dinossauros que habitaram o sul do Brasil durante o periodo Triássico. (fonte: http://sites.ffclrp.usp.br/paleo/galeria_final/photos/foto32.jpg)
A grande irradiação dos dinossauros durante o Jurássico refletiu no registro fossilífero, pois os restos desses animais são abundantes em todo planeta em rochas desse período. Entretanto, na América do Sul, fósseis de dinossauros jurássicos não são comuns. Isso ocorre graças à imperfeição do registro fossilífero, que é condicionado pela existência de bacias sedimentares, locais cujo sedimentos se depositam e acumulam dando origem, posteriormente, as rochas sedimentares. No Brasil existem poucos locais com rochas sedimentares jurássicas, e em nenhuma delas dinossauros foram encontrados. As poucas rochas jurássicas sul americanas com chances boas de encontrar fósseis dinossauros estão na região oeste da Argentina, onde sete espécies foram descritas. Essa pequena diferença, no entanto, novamente não explica a enorme desigualdade nos números, restando então analisar as rochas do período seguinte, o Cretáceo.
 
O registro fóssil nos mostra que os dinossauros alcançaram sua máxima diversificação durante o período Cretáceo. De fato, cerca de 80% dos dinossauros conhecidos da América do Sul são cretáceos, e destes, aproximadamente 90% foram encontrados na Argentina. Isso mostra que a grande diferença entre a quantidade de fósseis dos dois países se deve, principalmente, a fatores ligados às rochas do período Cretáceo. O primeiro deles relaciona-se com a quantidade de camadas de rochas (sucessão sedimentar), muito mais espessa na Argentina do que no Brasil. Sendo assim, mesmo havendo maior área de afloramentos em nosso país, na Argentina existem mais camadas onde fósseis foram encontrados. As 24 camadas fossilíferas (28, se os icnofósseis de pegadas e ovos forem contabilizados) abrangem quase todas as idades do período Cretáceo, enquanto no Brasil, até o momento, apenas em cinco camadas foram encontrados dinossauros, sendo representados em cerca de cinco idades do Cretáceo. Com a maior diversidade de idades, há maior chance de se encontrar diferentes espécies.
 
Outro fator determinante para uma grande biodiversidade é o paleoclima. Analisando a biota terrestre atual, pode-se perceber que regiões com clima quente e úmido, como as florestas tropicais, possuem uma maior diversidade de espécies em detrimento àquelas com clima mais seco, como os desertos. Basicamente, a maior disponibilidade de recursos nesses locais (luz solar, água, entre outros) permite o desenvolvimento de um maior número de plantas, que por sua vez sustentam um número maior de animais herbívoros, e estes, de carnívoros. No passado, essa relação entre clima e biodiversidade também existia, e durante as fases do período Cretáceo argentino que ficaram preservadas nas rochas, o clima predominante era o subtropical úmido, com extensas florestas que se desenvolviam no entorno de lagos e de regiões pantanosas. A principal evidência deste cenário vem dos inúmeros fósseis de vegetais encontrados nas rochas cretáceas argentinas, e essa riqueza de recursos certamente atraía os dinossauros, que também deixaram os vestígios de sua presença.
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Reconstituição paleoambiental durante o Cretáceo na região do sudoeste paulista. Elucidando o clima árido da época e seus rios entrelaçados. (Fonte: https://pepiart.files.wordpress.com/2012/07/monte1.jpg)
Já no Brasil, as evidências sugerem que nas bacias sedimentares do Cretáceo onde foram encontrados fósseis de dinossauros (Bauru, Araripe e São Luís-Grajaú) predominava o clima semiárido, ao menos nas regiões até o momento estudadas (o que não significa que durante mais de 80 milhões de anos essas regiões possuíam apenas este tipo climático). Na Bacia Bauru, por exemplo, os fósseis de vegetais são raramente encontrados, um indicativo de que as plantas estavam presentes na região, mas sua preservação não foi favorecida pelo ambiente deposicional. Na Bacia do Araripe os fósseis de dinossauros encontrados foram depositados sobre uma laguna, propiciando um ambiente de deposição de baixa energia, que também possibilitou a preservação de espécies vegetais. Porém, muitas dessas plantas fossilizadas são indicadoras de um clima semiárido, como pro exemplo a araucariácea Brachyphyllum. Por fim, na Bacia de São Luís-Grajaú, as evidências também apontam um clima semiárido, porém a proximidade com o oceano Atlântico permitiu certa retenção de umidade, propiciando a presença de uma maior variedade de espécies vegetais que foram preservadas, como samambaias, coníferas e angiospermas, bem como de dinossauros. De fato, essas rochas contêm o maior número de fósseis de dinossauros do Brasil, porém devido a outros fatores que serão abordados na seqüência, a maioria deles não permite uma identificação precisa.
 
Outro fator crucial para a preservação de fósseis é o grau de transporte aos quais os restos são submetidos. Eventos de transporte acabam por retrabalhar o fóssil, ocasionando desarticulação e fragmentação do esqueleto, e consequentemente, perda de informações valiosas para a identificação de tais restos. Na Bacia Bauru, como comentado anteriormente, o clima era semiárido. Sendo assim, as chuvas eram concentradas em poucas estações do ano, sendo torrenciais, num tipo de regime hídrico que favorece o aparecimento de rios entrelaçados, Neste tipo de rio, a quantidade de sedimentos presente é muito maior do que aquela que o rio consegue transportar, Os sedimentos então ficam depositados no próprio canal, e a água precisa abrir novos espaços para fluir, criando uma feição entrelaçada. Nos anos seguintes, novas chuvas fazem com que o processo se repita, e a água acaba atravessando os canais em que os sedimentos com esqueletos estavam acabando por desarticulá-los de acordo com a sua densidade, fazendo com que boa parte dos ossos ficasse exposta ao intemperismo, desaparecendo gradualmente. Muitos dentes e pequenos fragmentos fossilizados são encontrados na região, pois estes são mais resistentes aos processos de transporte e diagênesis, porém essas partes muitas vezes não são suficientes para identificação de uma espécie.
 
Já na Bacia de São Luis-Grajaú, os esqueletos sofreram com um tipo de retrabalhamento diferente, ocasionado pelas forças da maré, pois no passado o local era um grande estuário, uma região onde a força das marés adentrava pelo rio, que era circundado por uma vegetação densa, capaz de prover recursos para muitas espécies de dinossauros. Porém, o efeito do vaivém das marés era grande, e os esqueletos ali depositados eram retrabalhados, sendo constantemente fragmentados, transportados e destruídos. Assim como na Bacia Bauru, apenas partes mais densas, como vértebras e dentes conseguiam suportar estes eventos sem se fragmentar, e são hoje encontradas nas rochas da região. Por fim, como foi visto, a laguna que serviu como ambiente deposicional da Bacia do Araripe propiciou um bom ambiente de deposição de sedimentos, com pouca energia de transporte. De fato, muitos fósseis de peixes e outros organismos aquáticos são encontrados em excelente estado de conservação. Os fósseis de dinossauros, porém, são raros, pois o modo de vida desses animais não estava tão diretamente relacionado com a água. Portanto, além do clima semiárido, o tipo de ambiente deposicional foi um fator crucial para que o Brasil tivesse uma menor quantidade de fósseis diagnósticos de dinossauros.
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Exemplo de dinossauro (Oxalaia quilombensis) encontrado nos depósitos da Bacia de São Luis-Grajaú mostrando o alto grau de retrabalhamento e fragmentação dos materiais da região. (Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-5ImRSMo_z6A/Tme-JCGjQ6I/AAAAAAAAAnw/9_6B4LNW6kc/s320/Oxalaia+%25282%2529.jpg)
 
Finalmente, o último e mais importante fator determinante na diferença dos números de espécies de dinossauros entre os dois países está relacionado com o clima atual de Brasil e Argentina. Em nosso país, as bacias sedimentares onde os fósseis são encontrados estão localizadas em regiões com alta taxa de insolação e/ou elevados índices pluviométricos, além de em sua maioria as bacias hidrográficas se sobreporem quase que por completo as bacias sedimentares (por exemplo a Bacia do rio Paraná que se sobrepõem à Bacia Sedimentar do Paraná). Tal situação favorece a ação do intemperismo, tanto o físico, responsável pela dilatação e contração térmica, quanto o químico, onde a água proveniente das chuvas reage com os elementos químicos que compõe a rocha e altera sua composição, transformando-a em solo, juntamente com os fósseis nela preservados. Devido a isso, a maior parte das camadas de rochas sedimentares brasileiras está coberta por estratos de solo de grande espessura, o que impede que os paleontólogos tenham acesso aos fósseis nela contidos. Apenas em regiões onde a rocha foi cortada no intuito de abrir espaço para a construção de rodovias e ferrovias, ou então em margens de rios expostas à erosão por eles causada, é possível observar o afloramento das rochas sedimentares e dos fósseis, porém essas áreas representam somente uma pequena parcela do total de rochas com potencial fossilífero.
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Ilustrando o alto indice pluviométrico no Brasil, inclusive havendo regiões com tempestades tropicais. (Fonte: https://eco4u.files.wordpress.com/2011/06/tempestade.jpg)
 
Já na Argentina, o cenário é completamente oposto, pois diversos fatores, como a Corrente fria de Humboldt, a presença da Cordilheira dos Andes, entre outros, tornam o clima mais seco nas áreas em que são encontradas rochas sedimentares, diminuindo os efeitos do intemperismo, fazendo com que a camada de solo seja muito fina, impossibilitando o estabelecimento de uma cobertura vegetal e expondo a maioria das rochas e, consequentemente, dos fósseis, assim como acontece em outras regiões do planeta com condições semelhantes, como, por exemplo, o deserto de Gobi, na Mongólia e o meio oeste americano, notáveis pela imensa quantidade dos mais variados fósseis.
 
Em suma, os dois últimos fatores abordados – o grau de retrabalhamento dos fósseis brasileiros, e a pequena disponibilidade de rochas sedimentares expostas – são apontados como fatores responsáveis pela grande discrepância dos números de fósseis de dinossauros entre Brasil e Argentina. Entretanto, locais ainda pouco explorados em nosso país, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, podem futuramente mostrar um cenário diferente, onde as condições necessárias para a formação e preservação dos fósseis sejam melhores, tornando possível diminuir essa diferença no número de espécies encontradas. Além disso, evidências provenientes da paleoicnologia apontam uma diversidade muito maior de dinossauros para o território brasileiro, como as ocorrências de pegadas de Ornithischia enquanto ainda não registro de materiais fósseis corporais destes animais.
Referências bibliográficas:
ANELLI, L. E. O guia completo dos Dinossauros do Brasil. 1 ed. São Paulo: Peirópolis, 2010. 222 p.

Mais sobre o novo gigante brasileiro e as pesquisas de dinossauros no Brasil

Elaine Batista Machado, doutoranda no programa de pós-graduação em Zoologia da UFRJ, fala um pouco mais sobre Brasilotitan, o mais novo dino brasileiro, e nos conta sobre as perspectivas futuras quanto ao estudo de dinossauros no Brasil.

Col.: Quais as relações desse novo animal com os dinos já conhecidos no nosso país?

Elaine: A nova espécie, Brasilotitan nemophagus, é a nona espécie de titanossauro brasileiro (contando somente as que são consideradas válidas), e dentre todas estas, este é apenas a terceira a apresentar material craniano. Brasilotitan nemophagus é também a segunda espécie de titanossauro da região de Presidente Prudente, SP, e a quinta proveniente da Formação Adamantina (Bacia Bauru).

Titanossauros
Reconstituição artística de titanossauros

Col.: O que Brasilotitan traz de novo? O que o torna uma importante descoberta?

Elaine: Um dos pontos principais desta nova espécie é a presença da mandíbula preservada, que é bastante peculiar. Diferente da maioria das espécies a mandíbula do Brasilotitan possui uma forma “quadrada”, sendo semelhante à dos titanossaurideos Bonitasaura salgadoi e Antarctosaurus wichmannianus. Além da mandíbula, este dinossauro apresenta também novas características nas vértebras cervicais, que o diferencia dos demais.

Col.: Algum outro aspecto interessante desse animal que você queira destacar?

Elaine: Um aspecto interessante que pode ser observado é que em parte dos ossos desse animal foram encontradas marcas de mordidas, o que indica que ele foi vítima de predadores ou necrófagos.

CT Scan do dentário de Brasilotitan, mostrando um dos alvéolos dentários com três dentes inseridos.
CT Scan do dentário de Brasilotitan, mostrando um dos alvéolos dentários com três dentes inseridos.

Neste estudo, além da descrição formal da nova espécie, pudemos também realizar algumas observações sobre as estruturas internas dos ossos através de tomografias. Nas vértebras foi possível ver o padrão de estrutura pneumática camelada comum a titanossaurídeos, enquanto que no dentário pode-se observar a presença de até 3 dentes dentro de um mesmo alvéolo, o que nos dá a ideia de quão rápida era a troca dentária desse animal.

Col.: O que, na sua opinião, ainda temos por descobrir quanto aos dinos do Brasil? Quais os próximos passos?

Elaine: As perspectivas futuras sobre o conhecimento dos dinossauros brasileiros são boas pelos seguintes motivos: O Brasil tem um enorme potencial para a preservação dos fósseis, suas bacias fossilíferas são não somente ricas, mas extensas – algumas abrangendo vários estados; e outro é que cada vez mais vemos o crescimento de interesse e também incentivos a pesquisas na área.

Devemos lembrar que a paleontologia no Brasil ainda é uma área de pesquisa recente se comparada com outros países, e esperamos que com o tempo e investimento muitas outras descobertas fantásticas sejam realizadas.

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Elaine B. Machado é doutoranda do programa de pós-graduação em Zoologia da UFRJ, pelo Setor de Paleovertebrados do Museu Nacional. Seus estudos são focados em paleontologia de dinossauros e ela já participou de diversas escavações e da descrição de outros dinossauros brasileiros, como Oxalaia quilombensis.

Os Colecionadores de Ossos agradecem a atenção e disposição de Elaine em conversar conosco!

Referência:

MACHADO, E.B.; AVILLA, L.S.; NAVA, W.R.; CAMPOS, D.A.; KELLNER, A.W.A.. (2013). “A new titanosaur sauropod from the Late Cretaceous of Brazil”. Zootaxa 3701 (3): 301–321. DOI:10.11646/zootaxa.3701.3.1.

Não deixe de ler também “A descoberta de um titã”, postagem anterior à essa, que também fala sobre o novo dino brasileiro e apresenta uma entrevista com o seu descobridor, William R. Nava.

Ilustração (Titanossauros): autoria de Aline Ghilardi.