“O que é Biologia Sintética?”: Reloaded

Como já foi postado aqui, “o que é biologia sintética?” é uma pergunta pouco difícil de definir. Synbio é uma área de intersecção entre Biologia de Sistemas, Engenharia Genética, Biofísica, Biocomputação, Engenharia Metabólica, Biologia Molecular e áreas relacionadas afins. Portanto, não é nada fácil dizer  que “aquilo” ou “isto” é biologia sintética porque apontar para algo em Synbio é também apontar para outras áreas mais veteranas no mundo da ciência.

Mas então que diabos é isso tudo!? Uma grande “mistureba generalizada de todas as coisas”? Sim, mas não só isso.

Antes de falar do grande aspecto original que a Biologia Sintética tem – que é o detalhe “revolucionário” da coisa toda – deve-se fazer reconhecer algo que ela faz bem melhor do que a engenharia genética: o Design. O conceito de Design na engenharia de um novo sistema sintético é bem amplo, indo desde um design de proteínas (como proteínas quimera, como light switches), passando pelo próprio design do código genético (similar à escrita de um código de programação de computador mesmo), até ao design de todo o sistema biológico baseado na construção gênica feita (um exemplo bem visível disso é do projeto do iGEM com objetivos de criar uma bactéria resolvedora de Sudoku).

A reinvenção das capacidades do design de um sistema biológico foram possíveis não somente devido à novas tecnologias, mas sobretudo devido a uma nova abordagem com a cara dos nossos tempos super-informacionais: construção (biológicas, claro) automatizada e padronização das construções (os biobricks, por exemplo). Isso facilita enormemente o desenvolvimento de diversos dispositivos sintéticos e designs. Além disso, outra fundamentação da biologia sintética seria a abstração, a capacidade de abstrair problemas biológicos em uma visão mais simples, com base em toda a teoria já existente em outras áreas, como computação e a engenharia elétrica (não é à toa que Tom Knight e Randy Rettberg, dois engenheiros elétricos, fizeram parte da criação do iGEM).

Fica muito mais fácil entender tudo isso nas palavras do próprio Drew Andy – um dos pesquisadores que ajudou a fazer o parto da Biologia Sintética – nesse vídeo bem informal filmado em sua própria sala no MIT. Vale a pena conferir! 🙂

(OBS: é bem informal mesmo!)

Portas Lógicas em Sistemas Gênicos

ResearchBlogging.org

A associação da biologia sintética com a eletrônica é bem grande. A semelhança entre a interação de enzimas, fatores de transcrição e DNA, e circuitos elétricos gera uma interessante conexão interdisciplinar entre engenharia elétrica e biologia, tanto que os próprios fundadores do iGEM e do registry of parts são engenheiros elétricos!

Algumas boas analogias, ou melhor, interpretações dos sistemas gênicos, são feitas com o uso de portas lógicas para classificar o comportamento das interações gênicas. Portas lógicas baseiam-se na lógica booleana, usada largamente em computação. Para entender melhor, vamos ver uns dois exemplos: o NOR e AND.

NOR (“not OR”, o inverso do resultado para a porta OR, conhecido também como NEM):

Imagem retirada e modificada da referência (Khalil, A., & Collins, J.).
 

Como já foi mostrado aqui no blog, esse dispositivo possui dois estados estáveis que podem ser ligados ou desligados através de inputs específicos. Retirando esse input, no caso sinais exógenos como calor e IPTG, o sistema preserva o seu estado, criando assim uma forma molecular não exclusivamente estrutural (i.e. conformação de proteínas e etc) de memória na célula. O raciocínio é o mesmo em eletrônica, como no circuito flip-flop do tipo set-reset, que é capaz de servir como uma memória de um bit em circuitos digitais.

O sistema pode ser interpretado através da tabela verdade de NOR: As entradas são as interações (de repressão ou ativação) do sinal exógeno e do produto gênico, enquanto os números 0 e 1 associados à falso e verdadeiro, podem ser interpretados respectivamente como repressão e ativação nas colunas da entrada, e existência (um) ou não (zero) de
um output na coluna da saída. Então por exemplo, tendo A como o calor (heat) e B como a proteína repressora Cl (produzida por cl-ts) só se terá uma saída (o número 1), ou melhor, um estado estável do toggle (em que é expresso apenas um conjunto de genes), se houver uma interação entre repressões, ou seja, a repressão do repressor, no caso o calor reprimindo a repressão de Cl de lacl, que produz um estado estável de produção de Ptrc2 e GFP (green flourescent protein). Para o outro estado estável, com produção de Cl e repressão do gene lacl, a idéia é a mesma, basta fazer A igual à IPTG e B igual à Ptrc2.

AND (conhecido também por E):

Imagem retirada e modificada da referência (Khalil, A., & Collins, J.).
 

Nesse exemplo, são necessários dois inputs para se obter o output: um de arabinose para transcrever a polimerase T7 com dois stop codons âmbar (é uma classe de stop codons, representada no desenho como pequeninos círculos vermelhos com pontas) no código do seu gene (a polimerase é necessária para expressar o sinal de GFP); e outro sinal de salicilato que promove a transcrição de supD, um RNA transportador supressor de stop codons âmbar. Desse modo, tomando A da tabela verdade como a arabinose, e B como salicilato, pode-se ver claramente que apenas com a ativação da transcrição feita por esses fatores a expressão desses dois genes, pode ocorrer o output de luz fluorescente verde dada pela GFP: o produto de supD suprime os stop codons do gene t7pol, permitindo a transcrição completa de polimerase T7.

Esse é um exemplo de quão sofisticado um sistema gênico pode ser ao se ligar a informação sensorial de múltiplos elementos sensitivos a uma expressão gênica programada. O interessante dessa interface entre engenharia elétrica e microbiologia é a possibilidade de construção de sistemas gênicos com o mesmo princípio de uma série de outros dispositivos já existentes na engenharia, e também o contrário: (porque não!?) usar os dispositivos moleculares que a própria natureza criou e aplicá-los na eletrônica.

Para mais informações sobre outros sistemas bem interessantes, vale ver o review muito legal sobre biologia sintética:

Khalil, A., & Collins, J. (2010). Synthetic biology: applications come of age Nature Reviews Genetics, 11 (5), 367-379 DOI: 10.1038/nrg2775