Synbio na terra da Mafalda

Autor: Ivan Lavander, estudante de Ciências Biológicas – USP

Entre os dias 16 e 22 de abril rolou um curso introdutório de biologia sintética, o primeiro desse tipo na America Latina, hosteado pela Universidade de Buenos Aires e financiado pela Organização Europeia de Biologia Molecular (EMBO). Eu fui um dos participantes selecionados, e vou divulgar numa série de posts um pouco do que rolou por lá =)
Esse é um primeiro post sumarizando o curso, e os próximos posts com a sigla [SBAr] se referem ao conteúdo do curso!

Estrutura do Curso – O curso se focou em introduzir os participantes nos principais métodos, estratégias e desafios do synbio. Mesmo nessa fase inicial, algumas idéias e principios já se definem como parte essencial da biologia sintética, incluindo quatro principais tópicos: estratégias bottom-up, top-down, algumas filosofias malucas sobre biobricks e aplicações. Durante o curso, esses tópicos e seus respectivos objetivos foram distribuídos abordados da seguinte forma:

(1)   Da complexidade natural à artificial;

Antes de desenvolver novos circuitos, é preciso se entender a organizaçào e “robustez” dos circuitos naturais. Integrar os dados de bancos de dados, assim como o montante de dados gerados por tecnologias de “high throughput”, que geram quantidades absurdas de dados, possibilitam observar com grande profundidade a dinânica do genoma, transcriptoma, proteoma, metaboloma e suas interações. Como selecionar e aplicar essa montanha de informação originária da natureza e quais métodos devem ser utilizados para otimizar essas redes de informação em circuitos sintéticos?

(2)   Estratégias bottom-up;

Bottom-up, ou “de baixo pra cima”, é a estratégia usado pra construir coisas com legos: usar partes intercambiaveis e bem conhecidas que podem ser utilizadas para se desenvolver sistemas de diferentes complexidades (em contraposição a estratégias top-down, onde mal se conhece o funcionamento do sistema, quanto mais sua complexidade, mas é preciso regula-lo para combater doenças, por exemplo). Esse jeito bottom-up de fazer synbio é uma das areas mais revolucionárias em synbio, trazendo uma nova visão open source de como produzir ciência. Assim, tem-se elevado, através da constante caracterização de novas partes biológicas, a complexidade e potencial de desenvolvimento de novos circuitos biológicos sintéticos pela utilização desses legos biológicos.

(3)   “Life is computation!”;

Modelos físicos teóricos predizem e eu não entendo porra nenhuma com bastante precisão sistemas complexos, e tem ajudado a revelar mecanismos antes inimagináveis de controle de expressão gênica. Esses modelos ajudam a guiar o design de circuitos sintéticos e a otimiza-los.

(4)   Interfaces entre circuitos sintéticos e naturais;

Diferente da estratégia bottom-up, alguns circuitos de interesse são extremamente complexos, dependem de fatores externos ou suas “partes” são pouco conhecidas – pelo menos com quanto as diferentes interações possíveis. Uma estratégia top-down, “de cima pra baixo”, permite regular sistemas biológicas sem que cada parte envolvida tenha sido “reconstruída” ou, no mínimo, seja totalmente conhecida como no caso de biobricks. Seria como desativar, ativar ou modular alguma parte pra ver se continua funcionando ou o que deixa de funcionar. E essa é uma das grandes promessas e revoluções do synbio: usar circuitos sintéticos em interface com circuitos complexos naturais para controlá-los ou modulá-los.

Os participantes 

A organização do curso foi feita pelos professores da Universidade de Buenos Aires Dr. Alejandro Nadra, o Dr. Ignacio Sanchez (o nacho!) e o Dr. Raik Grünberg, da Alemanha, todos advisors do primeiro time argentino do iGEM <http://igem.qb.fcen.uba.ar/site/#page_2/> e que vao ganhar um espaço próprio num futuro post.

Os palestrantes, Dr. Marc Güell, pos doc no Church lab em Harvard, e a Dra. Reshma Shetty, co-fundadora da Ginkgo Bioworks http://ginkgobioworks.com/, uma start up de synbio norte americana, falaram sobre a integração de bancos de dado e otimização de redes naturais para se criar circuitos artificiais. O Dr. Drew Endy (primeiro comentário: imagina um cara com cara de gringo, segundo: dizem por aí que ele é “o próximo steve jobs”) co-fundador da BioBricks Foundation e um dos idealizadores do iGEM, falou sobre estratégias bottom-up e biobricks ohreally?. O Dr. Roman Jerala (o principal advisor do time da Slovenia que ganhou duas vezes o grand award do iGEM) e a Dra Chirstina Smolke (uma das principais pesquisadoras de switches de RNA e professora de bioengenharia em Stanford) falaram sobre modulação de circuitos naturais usando estratégias de top-down (DNA origami, riboswitches, proteínas fusionadas) e o Dr. Thierry Mora e a Dra. Aleksandra Walczak mostrou o que a França tem de melhor, ambos da Ecole Normale Supérieure e do CNRS, falaram sobre modelagem teórica de redes complexas e aspectos teóricos do design de circuitos gênicos.

Mais informações:

http://events.embo.org/12-synthetic-biology/

O que é Biologia Sintética?

Este post deveria ser um dos primeiros artigos para um site que se diz especializado em biologia sintética. Mas confesso para vocês que definir o que é biologia sintética, para mim, não foi (é) uma tarefa fácil. Como podem ser vistos nos posts no blog, existem vários aspectos da synbio que permitem diferentes definições de acordo com o ponto de vista de quem está fazendo biologia sintética. Por exemplo, um engenheiro interessado em criar dispositivos computacionais sintéticos em uma bactéria, ou um biotecnólogo interessado em produzir biocombustíveis ou um biólogo querendo montar uma bactéria a partir de simples elementos químicos. Claramente, todas estas áreas estão conectadas, mas criar uma definição que consiga embarcar todas as possibilidades não é trivial. Por isso, digo que este post é orgânico, que deve mudar à medida que o meu conhecimento sobre o assunto se aprofunda.

Uma característica que une todos os biológos sintéticos é a vontade de tornar o processo de engenharia de sistemas biológicos mais fácil e confiável. Dentro desse contexto, existem quatro diferentes níveis de atuação da biologia sintética:

(i) partes biológicas: sendo o DNA a linguagem de programação, as partes biológicas são uma sequência de dados (AGCTA…) que possuem funções determinadas. Por exemplo, uma sequência de DNA que faz a célula mudar a cor de verde para amarelo. Estas partes são descritas, catalogadas e respeitam determinado padrão físico de montagem (leia mais sobre os biobricks). Espera-se que com o tempo se possam descrever as características de inúmeras partes biológicas para serem utilizadas para a construção de dispositivos, sistemas,…. Essa é uma das funções da Secretária de Partes Biológicas Padrão do MIT.

(ii) dispositivos sintéticos: são compostos por partes biológicas capazes de processar sinais. Processam inputs em outputs. Para a construção de dispositivos robustos e eficientes são necessárias partes que funcionem de uma maneira previsível. Veja mais sobre dispositivos sintéticos.

(iii) sistemas sintéticos: são um conjunto dispositivos capazes de captar sinais, processar informações e realizar funções determinadas, como por exemplo, uma célula capaz de captar algum sinal do ambiente e decidir se irá realizar uma determinada função como combater uma célula tumoral, produzir determinado metabólito etc.

(iv) por útimo, existe a arquitetura sintética de populações em que, por ex, cada microrganismo possui um dispositivo diferente, sendo necessário que estes dispositivos trabalhem em conjunto para realizar determinada função. Trabalhar em conjunto, como uma população que precisa trabalhar com sincronismo, é o caso dos osciladores. Para isso, é necessário dominar mecanismos robustos de comunicação célula-célula.

A biologia sintética pode ser aplicada em praticamente todas áreas da biologia molecular, biotecnologia e engenharia genética. Porém existem algumas áreas que se destacam como sendo próprias da biologia sintética:

1. Construção de uma célula mínima: identificação das partes básicas para construção de uma célula.

2.  Reconstrução de células: tendo como objetivo central a construção de formas de vida artificiais a partir de elementos químicos.

3. Construção de novos códigos genéticos.

5. Construção de células capazes de realizar funções diferentes daquelas encontradas na natureza, como a obtenção de novas rotas bioquímicas de produção de novos compostos. .

Essa última, talvez seja a que mais tenha impacto nas nossas vidas cotidianas a curto-prazo, através do desenvolvimento de remédios mais baratos e com a produção de combustíveis e químicos utilizando recursos renováveis.

Aulas de Introdução à Biologia Sintética do MIT

O MIT é pioneiro no campo da Biologia Sintética, foi a primeira universidade a criar o curso de Biological Engineering ou Bioengenharia, especializado em Synbio. Uma ótima notícia é que esta incrível universidade, através do MIT Opencourseware, disponibiliza gratuitamente cursos, palestras e aulas para qualquer um. Segue o link para quatro aulas de Introdução a Bioengenharia que podem ser vistas no YouTube. Esse curso infelizmente não está completo, mas muitos outros estão completos, como o Introduction for Computer Science and Programming.