O Livro de Eli: ficção científica evangélica

Fui assistir a O Livro de Eli, novo filme estrelado por Denzel Washington. O filme em si é uma fantasia pós-apocalíptica que mistura, de forma muito diluída, ideias que já foram muito mais bem exploradas na “graphic novel” Apenas um Peregrino, de Garth Ennis e Carlos Ezquerra, e no romance A Estrada, de Cormac McCarthy.
Como costuma acontecer com filmes pós-apocalípticos em geral, este tem um pé na ficção científica e foi isso, claro, que me atraiu ao cinema. Mas trata-se apenas de um verniz: há menções oblíquas à destruição da camada de ozônio e a algo que parece um inverno nuclear, fenômenos que teriam sido precipitados por uma guerra, ocorrida 30 anos antes do início dos eventos da película.
(Spoilers below. Caveat emptor)
No entanto, essas coisas servem apenas para criar a moldura na qual se passa a história de Eli, um sujeito escolhido por Deus para garantir que o último exemplar da Bíblia existente na América do Norte (ou no mundo, já que para o público-alvo da película essas coisas são equivalentes) seja levado a um local seguro e escape das mãos de um maníaco fascista que pretende usá-lo para realizar perigosas manipulações demagógicas.
(O que deixa em aberto a questão de por que o Cara não evitou que isso acontecesse antes da guerra, que segundo o filme foi precipitada por fanatismo religioso)
O roteiro tenta se equilibrar entre o jingoísmo evangélico (Onde Eli, o único cara que reza, é praticamente invulnerável, e a única Bíblia que Deus decide salvar do holocausto nuclear é, claro, a edição clássica em inglês do Rei James) e uma certa ironia: o “lugar seguro” para onde a Bíblia é levada não é uma igreja ou um templo, mas uma espécie de universidade, e o livro acaba não num altar, mas numa humilde estante de biblioteca, entre uma Torá e um Alcorão. Mas o fato é que há intervenção divina e pregação demais na história para pôr em dúvida a qual público os autores estavam mesmo querendo agradar. Ao mais rico e numeroso, claro. Aleluia, irmãos.
Enfim: o filme vale pelas cenas de luta, por algumas soluções curiosas de fotografia e pela oportunidade de ver o Malcolm McDowell (aka “O cara que matou James T. Kirk”) fazendo um papel que, finalmente, não é de vilão.

Conan Doyle e a Medicina

Estou lendo uma biografia recente de Arthur Conan Doyle, escrita por Andrew Lycett, e acabo de passar pelos anos em que ele estudou Medicina em Edimburgo, na década de 70 do século retrasado. O retrato da prática e da ciência médica da época é meio chocante.
É interessante ver como a formação do médico naquela época (e naquele lugar) era um evento absurdamente “mão na massa”: as aulas em classe eram poucas e genéricas, envolvendo basicamente botânica, anatomia e drogas em geral, e o que os estudantes mais faziam era disputar vagas nas clínicas dos professores, para fazer coisas como preparar curativos, dar injeções e, no geral, levar uma vida de escraviário.
Os limites para o exercício da profissão também eram bem elásticos: aos 19 anos, Conan Doyle, ainda estudante, embarcou como médico de bordo numa expedição baleeira à Groenlândia.
O futuro criador de Sherlock Holmes também fez um pouco de pesquisa científica, tendo publicado alguns artigos no British Medical Journal. Como o próprio biógrafo reconhece, no entanto, nenhum desses trabalhos seria levado a sério como ciência hoje em dia, já que envolviam observações de casos únicos, sem controles. Num experimento específico, Conan Doyle testou uma planta venenosa em si mesmo, tomando doses progressivamente maiores, para descobrir o imite de tolerância do organismo, já que a dita-cuja parecia fazer bem para a dor de cabeça.
(Foi um teste sem controles e no qual Doyle não anotou que partes a planta estava usando em cada etapa, o que tornou o esforço todo meio inútil. Ele registrou uma forte diarreia, no entanto)
A ética médica da época também bem mais grosseira que a atual: um colega de faculdade do escritor enriqueceu montando uma clínica onde as consultas eram grátis, mas os remédios, misturados no porão pela esposa do doutor, não. Escolas de inglês usam um esquema parecido hoje em dia.
Mas os médicos vitorianos tinham senso de humor. Ao receber seu MB (grau de bacharel em Medicina), Conan Doyle fez um desenho comemorativo — ele tinha muitos parentes arquitetos, desenhistas e caricaturistas, e o talento parecia estar na família — com a legenda “Licenciado para Matar“.

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