Viva a evolução!
Nesta terça-feira faz 150 anos que Charles Darwin e Alfred Russell Wallace apresentaram a primeira comunicação científica da teoria da evolução das espécies or meio da seleção natural.
Nos 150 anos que se seguiram à apresentação, a teoria gestada por ambos e desenvolvida, em sua forma mais bem acabada, por Darwin só fez acumular evidências a seu favor, seja por meio do surgimento de bactérias resistentes a antibióticos, seja por meio do registro fóssil e, principalmente, por meio do maior teste a que uma teoria científica pode passar: o de se mostrar compatível com (e, mais importante, capaz de explicar) fatos que ainda eram desconhecidos quando de sua formulação — no caso da evolução, esses fatos são, principalmente, a existência e o funcionamento do código genético.
(Compare isso com a teologia e todos os fatos novos que ela nunca foi capaz de prever ou explicar — do valor de pi à estrutura do sistema solar e à própria evolução).
É provável que a evolução repouse, hoje, sobre uma base de evidências mais sólida do que, digamos, a existência de buracos negros. Curiosamente, não se vêem negacionsitas da Relatividade Geral tentando convencer escolas a ensinar “explicações alternativas” para as explosões cósmicas de raios gama.
Por que será?
Terapias alternativas e Dunga
Não entendo lhufas de futebol, mas arriscarei uma previsão: a seleção brasileira voltará ganhar em breve, quer continue ou não sob o comando de Dunga. Por quê? Por causa de um fenômeno estatístico conhecido como regressão para a média.
O exemplo mais conhecido da regressão talvez seja o do instrutor de vôo que acredita piamente que xingar um piloto que faz uma manobra muito ruim sempre leva a uma melhora de performance, enquanto que elogiar um piloto que faz uma manobra brilhante não tem efeito nenhum.
Por que o instrutor acredita nisso? Experiência: o piloto xingado melhora, o elogiado não volta a repetir o brilhantismo. A verdade, no entanto, é que ambs os pilotos provavelmente têm um nível médio de desempenho, que pode até melhorar ou piorar, dependenmdo da aplicação de cada um. Mas esses ganhos ou perdas são graduais. Manobras muito boas ou muito ruins que ocorrem sem aviso são aberrações, e a tendência é de que, no vôo seguinte, o piloto que teve a aberração negativa pareça melhorar (porque está voltando para sua média normal) e o que teve o lance genial, pareça piorar (pelo mesmo motivo).
No caso de Dunga, tomei a liberdade de montar uma planilha com os números de seus 31 jogos à frente da seleção, e tenho o prazer de informar que o resuldao dos três últimos (duas derrotas e um empate de zero a zero) estão um pouco abaixo de sua média: o resultado que se deve esperar, estatisticamente, do técnico é vitória por um gol de diferença (1,16 de saldo de gols médio; pontuação média, 2,13 — mais que emparte, enfim, mas menos que vitória).
O que isso tudo tem a ver com terapias alternativas? Simples: toda pessoa tem um nível médio de saúde e bem-estar. Exceto em caso de doenças mais graves, deteriorações nesse estado tendem a retornar para média espontaneamente. Assim, tomar floral ou homeopatia é como trocar o técnico da seleção depoisde duas derrotas e um empate: pode até dar a impressão de que a vitória seguinte foi provocada pela mudança, mas…
Censura judiciária e uma nova falácia
Muito engraçada a postura da Associação dos Juízes Federais do Brasil diante da censura imposta aos veículos do Grupo Estado por um de seus pares.
Primeiro, abraça de vez o espírito de corpo, incorrendo no que batizarei de Falácia dos Três Mosqueteiros (“um por todos, todos por um”), ao tratar uma crítica a ato de um membro da categoria (“o juiz X, no caso Y, ao emitir a decisão Z, pisou na bola”) como uma ameaça à instituição do Poder Judiciário como um todo.
Achei que só congressistas tinham o tipo de estofo intelectual necessário para achar que esse raciocínio torto poderia ser levado a sério.
Segundo, os meritíssimos se saem com essa: ”É imprescindível que a magistratura seja forte e respeitada. Se for diferente, ao cidadão não haverá nenhum tipo de recurso contra o arbítrio do Estado ou a violência de seu semelhante.”
Esqueceram-se, por acaso, que “a magistratura” é também parte do aparato do Estado, e tão propensa a cometer arbítrios quanto seus parceiros dos demais Poderes?
Ora, ora, ora.
Bill Gates faz mais bem que a Igreja Católica
O fundador da Microsoft, Bill Gates, um agnóstico e provável ateu, anunciou sua aposentadora do mundo dos negócios para dedicar-se à Fundação Bill e Melinda Gates, criada originalmente com uma dotação de US$ 126 milhões e que hoje conta com um capital, para aplicação em projetos filantrópicos, de quase US$ 40 bilhões. Tem cerca de 500 funcionários, ou seja, um nível de eficiência de US$ 80.000.000/funcionário. A fundação segue padrões internacionais de transparência na aplicação de seus fundos.
Já o Óbolo de Pedro, um fundo formado por doações de caridade feitas diretamente ao papa por fiéis católicos, somou US$ 102 milhões em 2006, o que foi saudado como um acréscimo surpreendente. A Igreja Católica tem cerca de 400.000 sacerdotes ordenados, o que dá uma eficiência de uS$ 255/funcionário. Não segue nenhum padrão de transparência conhecido (nem é preciso lembrar do Banco Ambrosiano: tente pedir ao padre da sua paróquia para ver um balanço detalhado).
A comparação entre o Óbolo de Pedro e a dotação da Fundação Bill e Melinda Gates pode parecer injusta, já que a Igreja Católica recebe doações de forma descentralizada, muitas destinadas a dioceses específicas, e mantém uma organização internacional de caridade, a Caritas Internationalis, mas tente você descobrir quanto dinheiro isso tudo mobiliza. Desejo-lhe muito boa sorte.
Mas vamos fazer umas estimativas: a renda per capita anual dos EUA é US$ 44 mil; a do Burundi, US$ 100. A renda per capita média mundial deve estar entre esses dois valores. Tirando a média geométrica, dá uns US$ 2000. Já que há um bilhão de católicos no mundo, a renda global do catolicismo deve ser US$ 2.000 bilhões, ou US$ 2 trilhões (uau! isso empata com o PIB da Itália). Supondo que 10% dos católicos paguem o dízimo (10% da renda pessoal), a arrecadação global anual da Santa Madre Igreja deve ser de uns US$ 20 bilhões. Criada em 2000, a Fundação Gates acumulou uma dotação de US$ 40 bilhões até agora, ou US$ 5 bilhões ao ano. Por 500 funcionários, dá US$ 10 milhões/funcionário/ano. Já os US$ 20 bilhões anuais dos católicos, divididos por 400.000 padres, dá US$ 50.000/padre/ano. Ainda fica abaixo do nível de eficiência da fundação do casal Gates.
(Seria melhor medir eficiência por número de pessoas antendidas satisfatoriamente, mas essa estimativa fica para outra postagem.)
Numa nota paralela, a hieraquia católica nos EUA desembolsou US$ 1 bilhão para cobrir os danos do abuso sexual cometido por padres. Da onde se conclui que, (a) eles tinham o dinheiro e (b) o tal do dinheiro não estava sendo usado para socorrer os necessitados (a menos que se enquadrem bispos ameaçados de ir para xilindró por cumplicidade com pedófilos na categoria “necessitado”).
Jornalismo e medicina
A cobertura de temas médicos nos jornais poderia ir um pouco mais fundo em certos assuntos. Um exemplo é esta reportagem de O Estado de S. Paulo sobre o uso de acupuntura para alívio dos sintomas negativos da quimioterapia: ficamos, por exemplo, sem saber se foram usados controles, como a chamada “falsa acupuntura” — em que as agulhas não penetram o corpo do paciente, ou são aplicadas em pontos aleatórios.
Sem esse tipo de controle, é impossível saber se a acupuntura funcionou mesmo ou se se trataou apenas de efeito placebo.
Embora o médico entrevistado ofereça uma explicação naturalista para o efeito detectado — “Provavelmente os estímulos ou a pressão nos pontos liberam substâncias neuroquímicas, que tornam não-sensível a zona gatilho do quimioreceptor no cérebro, prevenindo esses efeitos colaterais” — a reportagem, do modo como foi publicada, acabará dando munição para os bons e velhos papos de “meridianos de energia” ou “força Qi”.
Lei Seca
A proibição draconiana do consumo de álcool antes de dirigir é o tipo de lei que, de tão severa, já nasce desmoralizada, e ainda gera o risco de jogar uma boa causa no descrédito, por conta do exagero e do ridículo.
Primeiro, porque num país onde quem quer dirige até sem carteira de motorista, sem documento do carro e comete barbaridades à vontade — exceto excesso de velocidade e passar sinal vermelho, porque aí tem radar automático — alguém realmente acredita que haverá fiscalização eficiente para impor a nova norma?
Claro que o motorista que se envolver em acidentes ou que praticar direção perigosa sob os efeitos do álcool deve ser punido de modo severo, com cadeia, até; claro que estar alcoolizado deve ser um agravante na pena imposta nesses casos. Até acho que lesão ou morte provocadas por condutor embriagado têm mesmo de ser tratadas como crime doloso.
Mas uma coisa é punir o dano efetivamente provocado; outra, ameaçar (em vão) punir a possibilidade do dano.
E aí chegamos ao meu segundo ponto: será que a correlação entre álcool e mortes no trânsito justifica a medida? Andei fazendo umas contas…
De acordo com dados do segundo semestre do ano passado, o Brasil acumulava 254 mil mortes no trânsito em oito anos, o que dá uma média de 32 mil mortes ao ano (supondo que morram cerca de 3 milhões de brasileiros a cada ano – 1/71 avos da população, proporção que tirei da atual expectativa de vida do brasileiro – o trânsito responde por 1% do total de mortes).
Já de acordo com o sindicato dos fabricantes de cerveja, o consumo basileiro anual é de 47 litros per capita. Sendo a população brasileira de cerca de 200 milhões, isso dá por volta de de 10 bilhões de litros.
Dividindo o número de mortes pelo de litros de cerveja consumidos, a razão é (valei-me, calculadora do Windows!) de 0,0000032 morte por litro. Ou, uma morte a cada 32o.000 litros de cerveja consumidos.
Falando assim, parece que não tem nada uma coisa a ver com a outra. Mas é claro que esse número não faz lá muito sentido: trata-se de uma média ampla demais. Mas, aí está: a lei também é ampla demais.
Olhando por outro ângulo: o Ministério da Saúde estima que 290 mil motoristas alcoolizados saiam às ruas todos os dias (alcoolizados mesmo, não gente que tomou meio chope duas horas atrás). Num ano, isso totaliza 100 milhões. A 32 mil mortes ao ano, é 0,00032 morte por bebum, ou um motorista embriagado para cada 3 mil mortes. Ou ainda, a chance de um bêbado ao volante acabar matando alguém é de 0,o3%.
Pode não parecer muito, mas é uma morte a cada 30.000 viagens de automóvel feitas por gente bêbada. Voltando ao número anterior de 290 mil bêbados ao volante a cada dia, isso são dez mortes diárias causadas por motoristas embriagados. Repito: Dez ao dia.
Ou ainda: supondo que três amigos saiam bêbados do happy hour todo dia e guiem para casa, 300 dias por ano (descontando férias e finais de semana), isso garante que, em 30 anos de carreira, um deles acabará tirando pelo menos uma vida.
QI alto leva ao ateísmo!
Peralá, não é bem assim: uma pesquisa que compara nível de religiosidade com o QI médio de vários países conclui que há uma correlação entre baixa crença em Deus e altainteligência média da população.
O que se conclui disso? Muito pouco, acho.
Por mais que seja um resultado divertido e um fait divers interessante para mencionar na happy-hour e ajudar a conquistar gatinhas(os) — se você e a gatinha forem ateus, claro — aqui cabem todos os caveats usuais: correlação não é causação, pesquisas que usam médias amplas não dizem nada sobre casos individuais, e ninguém sabe lá muito bem o que próprio teste de QI está medindo, afinal. Somando-se a tudo isso, vem o fato de que o principal autor do estudo, Richard Lynn, é uma figura um tanto quanto polêmica.
Mas esse comentário me parece perto do alvo:
De acordo com o professor de psicologia da London School of Economics, Andy Wells, vários estudos já demonstraram que pessoas com níveis de QI altos tendem a ter níveis de educação mais altos. “E quanto mais educação as pessoas têm, é mais provável que elas tenham acesso a teorias alternativas de criação do mundo, por exemplo”, afirma Wells.