Deus e a ciência, ciência e Deus

Passando rapidamente por cima da vitória sobre o obscurantismo no Supremo Tribunal Federal (com destaque para o bizarro voto do ministro Cezar Peluso, que ninguém entendeu… será que é tão difícil dizer “sim” ou “não”?), queria chamar atenção para dois desenvolvimentos menos espetaculosos, mas não menos espetaculares, nas lides entre ciência e religião.

O primeiro é a longa entrevista de Douglas Futuyma ao Estadão. Ele defende o que parece ser uma versão da velha tática dos “ministérios não sobrespostos” de Stephen Jay Gould, de que ciência e religião podem conviver, desde que uma não pise nos calos da outra. É uma proposta nobre, mas que no fim não funciona porque, como Richard Dawkins, entre outros, já notou, a religião nunca se satisfaz com o seu cercadinho. Está sempre tentando anexar o terreno alheio (como no caso das células-tronco, aliás).

Outro motivo para a proposta da convivência pacífica ser disfuncional é que ela implica limites para a investigação científica — o cercadinho, afinal, além de não deixar sair, também não deixa entrar. E isso é intolerável: perguntar e investigar são imperativos éticos da mais alta importância.

O que nos traz ao segundo desenvolvimento, Evogod. Um software que simula a evolução de crenças religiosas, emostra que elas podem se disseminar por meios puramente naturais.

Como Stephen Hawking já disse uma vez: Não e que a ciência prove que Deus não existe. Ela apenas demonstra que ele é desnecessário.

Juristas católicos, espíritas, pagãos…

Fiqui um tempo sem postar, e os assuntos acumulam-se. Mas como hoje é dia de votação do uso de células-tronco, o tema mais urgente com certeza é do da “religionização” (com o perdão pelo neologismo feioso) do judiciário.

Não bastassem crucifixos nos tribunais e o Vaticano dando palpite da escolhade ministros do Supremo, agora querem impingir-nos cartas psicografadas como prova.

Vestindo a sempre antipática carapuça do “eu avisei”, este blog reafirma que é isso que dá ficar dizendo que “todas as crenças merecem respeito”. E vai me dizer que não é uma falta de respeito o Estado brasileiro dizer aos espíritas que documentos psicografados valem menos que uma mancha de batom na borda de um copo?

Então.

Mas não esmoreçamos: algum dia, um sacerdote de Zeeus vai exigir que o judiciário aceite entranhas das pombos brancos scrificados como prova. Quem viver, verá.

Pimenta nos olhos dos outros…

Se a gente no Brasil já acha (e com boa razão, diga-se) que a separação entre Estado e Igreja é mais um desejo que um fato e, como desejo das instituições, periclitante, imagine os pobres italianos.

Caso específico: uma mulher italiana perdeu a pensão a que teria direito após o divórcio civil porque a Igreja Católica achou por bem anular o casamento. Como a Igreja nunca “anula” um sacramento (afinal, “o que Deus une o homem não separa…”) a decisão implica que o casamento, de fato, nunca existiu.

Diz o Sr. Spock: A capacidade dos teólogos de torcer o braço da lógica até que ela diga exatamente o que eles querem ouvir é fascinante, capitão.

Então, como uma mulher que nunca foi casada pode receber pensão de um marido que nunca teve? Não dá, derto? (o Sr. Spock ergue a sobrancelha).

De resto, note-se o efeito do ato desta instituição que se jacta de “defender a família”: uma dona-de-casa desempregada e uma criança pequena que ficaram sem fonte de sustento.

Dobra fator 9, em direção à Idade Média.

Einstein e o astrônomo do Vaticano

Eis um caso de sincronicidade jungiana (ou mera coincidência interessante: como já disse alguém, se Jung entendesse de estatística, jamais teria inventado a sincronicidade..): descoberta uma carta em que Albert Eisntein afirma, com todas as letras, que religiões só fazem perpetuar “superstições infantis”, e o astrônomo do Vaticano vem a público defender a convergência entre a existência de extraterrestres e a fé cristã.

Quanto à parte de Eisntein, nenhuma grande novidade. O desprezo do grande cientista por conceitos como imortalidade da alma ou o poder das orações já era bem documentado:

“I cannot conceive of a God who rewards and punishes his creatures, or has a will of the kind that we experience in ourselves. Neither can I nor would I want to conceive of an individual that survives his physical death; let feeble souls, from fear or absurd egoism, cherish such thoughts. I am satisfied with the mystery of the eternity of life and with the awareness and a glimpse of the marvelous structure of the existing world, together with the devoted striving to comprehend a portion, be it ever so tiny, of the Reason that manifests itself in nature.” [Albert Einstein, The World as I See It American Institute of Physics Online]

A nova carta é apenas o glacê do bolo.

Quanto às declarações do astrônomo-padre José Gabriel Funes – e que, aliás, não têm valor de doutrina, já que ele é apenas um padre dando uma entrevista, não um papa emitindo uma bula ou encíclica – bom, primeiro, é uma pena que ela não tenha chegado a tempo de salvar Giordano Bruno da fogueira.

Segundo, vamos notar a intolerável arrogância que surge do choque entre a idéia de um Deus preocupado em cometer suicídio para “salvar” a humanidade de Si mesmo e o conceito de inteligência extraterrestre: Ao ser perguntado sobre se a redenção também serve para esses “irmãos extraterrestres”, Funes afirmou que Jesus encarnou uma vez e que a encarnação é um evento único e não repetível (EFE).

Ergo, enviemos missionários às galáxias. James Blish tratou bem do assunto em seu livro Um Caso de Consciência.

Entrevista sobre Brasyl

Ian McDonald, autor e um complexoe multifacetado romance de ficção científica chamado Brasyl, sobre mecânica quântica e — adivinhe só! — o Brasil, dá uma boa entrevista para o blog Post Weird Thoughts. Merecem uma boa lida. A entrevista e o livro.

Tax the Church!

Olhaí a Espanha dando uma aula de civismo: o governo de lá decidiu cortar os subsídios oficiais à Igreja Católica. Cidadãos católicos poderão destinar parte de seus impostos devidos à religião, mas essa terá de ser uma decisão individual, não mais uma isenção ampla, financiada pelo bolso indefeso de todos os espanhóis, sejam muçulmanos, judeus, ateus, budistas ou seguidores do Monstro de Espaguete Voador (louvado seja seu Santo Macarrão).

Vamos todos esperar sentados que algum governo brasileiro, onde a mamata fiscal eclesiástica é generalizada, tenha culhão de fazer o mesmo.

Aliás, que tal criar uma igreja do pastafarismo ou discordianismo aqui no Brasil? Dá pra adaptar exemplos de estatuto que existem por aí, trocando, claro, as partes relevantes. Só registrar a casa e o carro no nome da congregação pode valer a pena — e nem estou contando a receita gerada por dízimos e atividades empresariais correlatas.

Igualdade ou eficiência?

Suponha que vc tem uma quantidade de comida para distribuir num orfanato em meio a uma zona de guerra, mas que não basta para dar uma refeição decente para todas as crianças, apenas para metade delas. Vc prefere alimentar bem meio orfanato, ou garantir que toda criança tenha algo para comer, ainda que seja só um pouquinho?

Um dilema ético parecido foi apresentado por pesquisadores nos EUA a voluntários submetidos a ressonância magnética funcional do cérebro. Um artigo descrevendo os resultados está na edição mais recente da revista Science, e há um press-release sobre o assunto aqui.

O resultado sugere que o senso de justiça, ou igualdade — o impuslo de alimentar todos, nem que seja com uma migalha para cada um –, é de natureza emocional, e varia de pssoa para pessoa. Já o senso de eficiência — o reconhecimento do fato de que alimentar bem um menor número pode, no longo prazo, permitir que pelo menos parte das crianças sobreviva à guerra — está ligado a um setor mais “calculista” do cérebro.

O resultado levanta questões interessantes: se o apreço pela justiça é uma emoção, de onde ela vem? O que a estimula? O que a inibe? E, no final das contas, faz sentido falar em uma solução correta para o dilema?

Aguardemos desdobramentos…

Aniversário de Israel

Minha postagem anterior acabou dando margem a uma discussão bem interessante sobre o papel da religião nos conflitos do mundo moderno — se mera embalagem, motor principal, ambos, nenhum, um pouco de cada.

Como se de encomanda, o New York Times traz uma reportagem sobre os cidadãos árabes de Israel que põe em evidência as complexidades e frustrações provocadas pelo imbróglio que são os conceitos de identidade nacional, identidade étnica e identidade religiosa.

Frase do dia do jornal:

“If they define this as a Jewish state, they deny that I am here.”
EMAN KASSEM-SLIMAN, an Arab radio journalist in Israel.

Sam Harris e Fitna

Impagável a definição do autor de Carta a uma Nação Cristã para a reação dos muçulmanos a qualquer crítica a sua religião:

The position of the Muslim community in the face of all provocations seems to be: Islam is a religion of peace, and if you say that it isn’t, we will kill you.

O comentário aparece neste artigo sobre a reação “civilizada” ao filme Fitna, uma justaposição de versos do Corão e atos de terrorismo cometidos por fiéis islâmicos.

Críticos em meio à campanha de supressão desencadeada contra o filme (que já sumiu, aliás, do YouTube) se apressam em apontar que seu autor, o holandês Geert Wilders, é racista e fascista — o que me leva a perguntar, e daí? Liberdade de expressão agora é só para quem tem carteirinha de bom moço?

Blogueiros mais afeitos ao senso comum, como Pedro Dória, caem na velha lengalenga de que religião não causa violência, o que causa violência são condições sociais e históricas. Esse papo, claro, falha por duas razões:

1. Primeiro, a religião é um dos componentes da condição social e histórica;

2. Segundo, é a religião fornece estrutura, linguagem e legitimidade aos atos violentos apresentados no filme.

A ressalva que vale a pena fazer, claro, é a de que o terrorismo não é uma exclusividade do islã. Todo monoteísmo é uma bomba-relógio ideológica esperando a hora de explodir.

Pela culatra

Mais uma tentativa da IURD de intimidar a imprensa saiu pela culatra, com a condenação de um pastor macediano por “litigância de má-fé”. Eis uma figura jurídica que deveria ser usada mais vezes… (no caso da infame ação contra os estudos com células-tronco, talvez?)

A destacar, no entanto, atendência de juridificação (desculpa o neologismo aí) do mercado de notícias, idéias e opiniões. Antigamente, idéias eram debatidas e/ou rebatidas com outras idéias. A desavença gerava diálogos, sátiras, romances, teses, estudos científicos. Hoje, quem discorda entra na justiça.

Faz sentido, isso?

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