Ainda sobre eleições…
Chegou aqui no sábado Gaming the Vote – Why Elections Aren’t Fair, de William Poundstone. Poundstone pe um autor conhecido por mesclar divulgação científica com temas “quentes” (seu livro anterior, Fortune’s Formula, usa os altos e baixos da bolsa de valores para discorrer sobre probabilidade e teoria da informação).
Gaming the Vote, lançado para aproveitar a onda das eleições americanas, trata exatamente dos paradoxos do sistema de votação adotado na maioria das democracias e o que se pode fazer a respeito.
Um número muito grande pode ser igual a zero?
Curiosamente, sim. Essa vem da Introdução à Filosofia Matemática, de Bertrand Russell: uma definição para os números cardinais (0,1,2,3…) é a de que eles representam conjuntos de conjuntos: “1” é o conjunto de todos os conjuntos de um só elemento; “2” é o conjunto de todos os conjuntos de dois elementos; “3” é o conjunto… e assim por diante.
(A definição parece circular, mas não é: para descobrir o número de elementos de um conjunto não é preciso que o conceito de “número” tenha existência prévia: basta definir que são do mesmo “número” os conjuntos cujos elementos podem ser colocados em correspondência individual, sem que falte ou sobre nada.; chame-se a menor dessas categorias de “1”, a seguinte de “2”, etc.).
O problema desta definição é que, se o número de coisas no universo não for infinito, poderemos chegar a um número astronomicamente grande que corresponda a um conjunto vazio — porque não há elementos suficientes no universo para preenchê-lo. Mas o número que corresponde ao conjunto dos conjuntos vazios é o zero, logo…
Para escapar da saia justa, adota-se o axioma da infinidade: o total de entes no universo é infinito. E não se fala mais nisso.
Teorema da Impossibilidade
O economista (e ganhador do Nobel de Economia de 1972) Kenneth Arrow demonstrou que nenhum sistema eleitoral é capaz de, ao mesmo tempo, satisfazer quatro critérios intuitivos do que seria uma “votação justa”. Conhecido como o Teorema da Impossibilidade de Arrow, esse resultado muitas vezes é resumido na frase, “todo sistema de votação é injusto”.
Os quatro critérios que Arrow mostrou serem incompatíveis entre si são:
1. Racionalidade: o sistema deve ser capaz de associar, de modo lógico, qualquer conjunto finito de preferências pessoais a qualquer conjunto finito de opções.
2. Eficiência de Pareto: qualquer preferência comum a todos os eleitores deve ser preservada na votação.
3. Não-ditadura: o sistema não deve ter seu resultado definido pela decisão de um único indivíduo.
4. Independência de altenativas irrelevantes: os eleitores devem levar em considerção apenas as opções oferecidas na votação.
A demonstração é meio convoluta — quem quiser vê-la em detalhes pode clicar aqui –, mas, ao fim e ao cabo, descobre-se que o critério de não-ditadura é incompatível com os demais: se 1, 2 e 4 forem aplicados, sempre haverá um indivíduo decisivo (um “ditador”) na votação.
Face a esse resultado, a maioria dos teóricos tende a sugerir que os critérios 1 e 4 sejam afrouxados ou abandonados.
Especificamente, o critério 1 exige que as preferências sejam transitivas (isto é, se um eleitor X prefere A a B a C e o candidato B decide pular fora da eleição, X deve passar a preferir A a C), mas é óbvio que a política é mais complicada que isso.
Paradoxo de Anscombe
Esse paradoxo, descrito pela primeira vez pelo filósofo britânico G.E.M. Anscombe, mostra que um plebiscito decidido por maioria simples pode, na verdade, acabar aprovando medidas de que a maioria discorda.
O exemplo clássico envolve uma escolha entre três propostas (A,B,C), da qual tomam parte cinco eleitores (1,2,3,4,5). Imagine que o eleitores votem assim:
1: A-SIM B-SIM C-NÃO
2: A-NÃO B-NÃO C-NÃO
3: A-NÃO B-SIM C-SIM
4: A-SIM B-NÃO C-SIM
5: A-SIM B-NÃO C-SIM
As propostas A e C são aprovadas pela maioria — A(1,4,5) e C(3,4,5). Perfeito, justo e democrático. Certo?
Não exatamente. É possível dizer que a maioria dos eleitores ficará infeliz com esse resultado. Veja: o eleitor 1 discorda de C, aprovada, mas quer B, que acabou rejeitada; o eleitor 2 rejeita tanto A quanto C, ambas aprovadas; e o eleitor 3 repudia a proposta A, aprovada.
O resultado final da votação, portanto, leva a sociedade a implantar medidas (digamos, pena de morte e a obrigação de as mulheres usarem bucas) que, juntas, só agradam a dois dos cinco eleitores. Uma votação perfeitamente democrática vira uma ditadura da minoria.
O paradoxo do eleitor
Com as eleições municipais se aproximando, resolvi fazer uma série de postagens sobre os vários “paradoxos de votação”, ou os diversos problemas lógicos que emergem quando se adota um sistema eleitoral do tipo “um homem, um voto” (Ou, pra ser mais preciso, um homem, uma mulher, um adolescente, um voto).
Começo pelo que talvez seja o mais polêmico de todos, porque entra em choque com toda a propaganda bem-intencionada de que o “voto é a arma do cidadão”. Trata-se do Paradoxo do Eleitor, que afirma, pura e simplesmente, que numa sociedade racional o índice de abstenção deveria ser de 100%.
Por quê? Ora bolas, porque o voto indivudual é irrelevante. Se o seu candidato predileto está na frente da disputa, ele vai ganhar mesmo se você ficar em casa. Se ele está atrás, vai perder, não importa o que você faça. Logo, sair para votar é perda de tempo.
Para ilustrar com números: imagine uma cidade de 100 mil eleitores, com apens dois candidatos fortes, onde um tem 45,9% das intenções de voto e o outro, 45,8%, os cerca de 10% restantes estando com candidatos menos expressivos. Parece uma corrida apertada, mas que diferença um voto individual faz? 1/100.000 = 0,001%. Seu voto não chega sequer a registrar como algarismo significativonas pesquisas. Então, pa quê perder tempo?
Mas se todas as pessoas raciocinarem desta forma, então ninguém aparecerá para votar.
Como muitos paradoxos envolvendo previsão de comportamento humano, este aqui se complica por conta da recursividade: se só uma pessoa aparecer para votar, esse voto único será decisivo. Logo, é racional ir votar se você acredita que ninguém mais irá. Só que, se todo mundo raciocinar dessa forma, todos irão votar, e o voto individual voltará a serr irrelevante, então é melhor não ir votar. E assim por diante, ciclicamente.
Papagaio telepático?
Lei Forte dos Números Pequenos
Acho que todo mundo que já fez teste de QI já encarou um problema do tipo “qual o próximo número desta seqüência?”. O fato, no entanto, é que essa é uma pergunta capciosa, por conta da Lei Forte nos Números Pequenos, que diz: “Não há números pequenos suficientes para dar conta do que se exige deles”, ou: muitas seqüências começam parecidas e divergem alguns termos adiante.
Por exemplo: 2, 4, 6, 8… parece ser a seqüência dos números pares, mas de acordo com a Enciclopédia Online de Seqüências de Números inteiros, existem pelo menos 552 (!!) seqüências que contêm esse fragmento, e em nem todas o próximo termo é 10.
Mentir com estatísticas
Em seu divertido e instrutivo volume Final Exits, uma espécie de enciclopédia sobre a morte, Michael Largo menciona o fato de de que a National Rifle Assocation certa vez divulgou uma estatística dizendo que cabeçadas — quando uma pessoa usa a testa para agredir outra, geralmente atingindo-a no nariz, como Bruce Willis em The Last Boy Scout (mas, não, não dá pra forçar o septo nasal de alguém até o cérebro) — matam mais que metralhadoras nos EUA.
Isso é o que se costuma chamar de cherry-picking, ou a manobra, intelectualmente desonesta, de escolher a dedo os dados que serão apresentados.
Fiquei curioso a respeito da informação completa e fui olhar as tabelas do FBI. Não achei o dado específico de cabeçadas e metralhadoras, mas lá diz que em 2005 mais mortes foram cometidas por agressão física (chute, soco, empurrão) que a tiros de rifle ou escopeta.
Mais: o total de mortes provocadas por objetos rombudos (tacos de beisebol, martelos, porretes em geral) supera o de assassinatos com rifle.
E daí?
Daí, claro, que estou comparado um item (rifle) com uma categoria inteira (objetos rombudos). Fazendo a comparação correta, de uma categoria com outra, nada supera o coletivo “armas de fogo”: 10.100 homicídios em 2005, de um total de 1.400 14.000 mortes violentas registradas pelo Bureau.
Mersenne 45 e 46 – atualização
Confirmada a descoberta do 45º e do 46º números primos de Mersenne — isto é, que podem ser expressos na forma 2^p-1. Mersenne 45 tem a forma 243.112.609-1, e Mersenne 46, 237.156.667-1. Ambos foram descobertos graçs ao GIMPS, um sistema de computação distribuída, e o Mersenne 45, por ser o primeiro número primo com mais de 10 milhões de dígitos ( 12.987.189 para ser exato), faz jus a um prêmio de US$ 100 mil.
O próximo prêmio, de US$ 150 mil, está prometido para o primeiro primo de 100 milhões de dígitos. Quem quiser uma parte da boloada quando (e se) ela for ganha, pode baixar o software do site GIMPS e pôr a máquiina pra trabalhar.
A transcrição completa do Mersenne 45 ocupa um arquivo de texto de 16 MB.
Abaixo, uma palhinha:
316,470,269,330,255,923,143,453,723,949, 337,516,054,106,188,475,264,644,140,304,176,732,811,247,493,069,368,692,043, 185,121,611,837,856,726,816,539,985,465,097,356,123,432,645,179,673,853,590, 577,238,179,357,900,876,426,103,943,782,376,494,591,742,934,588,497,117,587, 146,916,972,984,761,159,060,873,250,939,462,085,575,740,754,577,098,620,558, 011,779,529,884,042,198,287,643,319,330,465,064,455,234,988,142,139,565,785, 447,474,023,546,353,758,537,324,801,838,120,387,600,868,416,525,400,790,381, 285,888,256,687,085,855,456,231,577,527,939,305,920,811,766,585,308,670,132, 129,155,221,804,381,548,625,787,943,020,694,528,015,999,221,718,191,557,761, 789,038,539,522,349,746,808,797,476,907,664,050,601,248,473,206,874,133,194, 663,585,334,983,805,734,803,620,705,778,270,910,561,716,767,680,954,814,415, 310,034,502,440,445,161,332,363,611,749,326,163,346,444,542,332,941,724,120, 365,148,892,204,420,675,302,563,534,393,044,688,859,445,173,161,934,549,310, 336,116,821,178,855,375,531,041,423,821,706,430,796,012,246,288,037,483,476, 218,396,982,916,073,816,451,058,991,831,512,686,327,488,459,585,043,246,778, 160,788,873,343,661,684,676,258,006,436,582,840,222,063,757,785,048,077,389, 404,912,747,062,648,672,186,003,349,751,782,781,879,120,470,020,388,873,779, 589,349,589,877,119,954,283,343,288,199,886,936,593,732,250,320,339,998,610, 072,339,381,292,833,594,919,318,294,607,585,610,592,445,446,058,872,982,335, (....)
Ficção científica – evento em SP
Gente,
Neste sábado e domingo rola o Invisibilidades II – Ficção Científica no Século XXI: Ainda é Possível? , no itaú Cultural, em São Paulo. O nome “invisibilidades”, vem da constatação de que a ficção científica feita no Brasil é meio invisível: existe há décadas, já tem um cartel razoável de boas obras, mas quase ninguém percebe (isso já foi tema, até, de uma edição da revsita Ficções).
O evento conta com um blog oficial.
O foco do evento deste ano é um pouco pós-moderno demais para os meus gostos filosóficos pessoais, mas, ei, se a gente só falasse com pessas com quem concorda, não haveria motivo para blogar, certo?
A primeia mesa-redonda de sábado é às 17h30. Apareçam!