Faça-você-mesmo sua previsão 2008

O jeito mais fácil de aparecer na mídia nesta época, onde as pautas de jornais, revistas e TVs são marcadas por pouco assunto, pouca imaginação e nenhum senso crítico, é fazendo previsões para o ano que se inicia. Algumas pessoas podem se sentir intimidadas com a idéia, mas o fato é que lançar vaticínios não requer prática nem, tampouco, habilidade. Basta seguir algumas regrinhas, a saber:

1. Seja óbvio. Praticamente todo ano morre pelo menos um membro da Academia Brasileira de Letras, ocorre um grande desastre natural, o desempenho do governo (qualquer governo e em qualquer esfera, seja municipal, estadual, federal) é medíocre. Vá nessa.

2. Seja genérico. Se você disser que uma grande dama da televisão brasileira poderá ter problemas de saúde, isso vale tanto se a Fernanda Montenegro quebrar uma unha quanto se a Hebe Camargo pegar gripe.

3. Use sempre o “poderá”: ele é sua a saída de emergência.

4. Use os indicadores econômicos. Se os juros estão em queda e a o PIB crescendo, preveja mais empregos. Do contrário, preveja recessão. Se falhar, e daí? Não é culpa sua. Até o Guido Mantega acredita nessas coisas.

5. Fuja dos fatos. Se você disser que vai chover amanhã, existe o risco de sua profecia ser desmentida pela Mãe Natureza. Agora, se você disser que a humanidade passará por uma transformação espiritual, isso não só soa melhor, como é tão vago que não há fato que possa desmenti-lo.

6. Preveja muito. Não importa se 999 das suas previsões forem furos n’água. Basta uma que dê certo para fazer de você uma celebridade.

Homeopatia

Existem, basicamente, duas coisas erradas com a homeopatia:

  1. Ela não tem a menor base científica; e
  2. Ela não funciona.

Explicando uma de cada vez:

A falta de base científica da prática homeopática já foi detalhada em diversos artigos, sendo um dos melhores este aqui. Mas, resumindo, o que ocorre é o seguinte: medicamentos homeopáticos são soluções extremamente diluídas de substâncias que causam o sintoma a ser combatido; tão diluídas, na verdade, que nem uma molécula do princípio ativo permanece em solução. Isso mesmo: a coisa é tão dissolvida, tão dissolvida, que o que fica no vidrinho é apenas água.

Assim, além da lógica absurda do “semelhante cura semelhante” — que validaria, por exemplo, usar cafeína para curar insônia — as produções homeopáticas contêm apenas material inerte. Há diversas tentativas de contornar esse problema, por exemplo, com a afirmação de que a água guarda a “memória” do que foi dissolvido nela, mas essas teorias nunca foram comprovadas.

Claro, isso é apenas um impedimento teórico: o fato de não podermos explicar algo não é prova de que esse algo não funciona. De repente a homeopatia tem virtudes evidentes que a ciência atual é incapaz de explicar… Certo?

Essa possibilidade, no entanto, já foi investigada em diversos estudos e nenhum dos realmente sérios jamais encontrou, na homeopatia, um efeito maior que o chamado “efeito placebo”, que é o que acontece quando uma pessoa se sente melhor apenas porque acredita que está sendo tratada. Esse efeito é tão potente que testes de remédios rotineiramente descontam até 30% dos resultados positivos por conta dele.

Há alguns estudos que parecem indicar que a homeopatia funciona, mas eles geralmente indicam efeitos pequenos, que podem ser causados por coincidências, e não passam pelo teste de ouro da ciência — a reprodutibilidade: cientistas independentes dificilmente conseguem comprová-los.

Então, por que muita gente — incluindo os homeopatas — acredita que homeopatia funciona? Isso tem a ver com o processo natural de cura do organismo e com a tendência que as pessoas têm de atribuir efeitos a causas que podem não estar relacionadas a eles, algo que merecerá um post à parte um dia desses.

Deus

Já que este é um blogue sobre idéias cretinas, vamos começar com a maior de todas — o teísmo. Esta postagem certamente não tentará exaurir os argumentos contra a existência de Deus, já que isso é tarefa para livros inteiros (fortemente recomendados: “Miracle of Theism” e “The Case Against God”), mas tentará apresentar, rapidamente, uma “rationale” para que se possa considerar essa suposta existência uma idéia cretina.

Antes de mais nada, vamos reconhecer que “Deus” é uma palavra pra lá de elástica: é possível, provável até, que dois crentes de um mesmo credo não consigam concordar quanto aos detalhes daquilo em que, de fato, acreditam. Para simplificar, vou assumir três conjuntos de definição:

  1. Deus como metáfora: coisas do tipo “Deus é amor”, “Deus é a esperança no coração dos homens”, “Deus é o instinto para fazer o bem”. Pessoalmente, prefiro dizer que amor é amor, esperança é esperança, propensão para o bem é propensão para o bem, e ponto. Ninguém precisa da palavrinha “Deus” aqui.
  2. Deus como o Universo: é o que chamo de Deus de Spinoza-Einstein, dois pensadores que viam na totalidade do cosmo, ou no conjunto das leis da ciência, ou na coerência dessas leis, algo para chamar de Deus. Ok, eu poderia chamar as leis da ciência de Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, e daí? Esse Deus também não me diz respeito.
  3. Deus como o criador, causa primeira, sustentáculo e administrador do Universo, onipotente, onipresente, onisciente, infintamente bom, fonte da ética e da moral, salvador e juiz da humanidade, digno de respeito, veneração e adoração: este cara é a idéia cretina. Ou, expandindo o raciocínio: ele ou não existe, ou é irrelevante.

A questão fundamental, claro, é de evidência. Digo, quem afirma que o Universo foi criado por uma inteligência onipotente e infinitamente bondosa (“onibenevolente” parece ser a palavra) deve ter evidências, sinais de onipotência de onibenevolência para mostrar, como Sherlock Holmes ao apontar um suspeito.

Mas a evidência que temos no mundo não é de benevolência, muito pelo contrário: temos o que os filósofos chamam de “evidência do mal” (os teólogos chamam de “problema do mal”, porque para eles é um problema). Se Deus é infinitamente bom e infinitamente poderoso e criou e atua no mundo, então temos de concluir que tsunamis, a aids, o câncer, o terremoto que atingiu Minas Gerais e matou uma menininha, isso tudo sem falar no sofrimento sem fim do mundo animal — a dor das fêmeas no parto, a fome que leva o predador a matar a presa, o medo e a dor da presa, as doenças, parasitoses e tudo mais — são atos de bondade.

Claro, essa conclusão perverte o próprio sentido da palavra “bondade”. Ser “bom” vira uma outra coisa. Nessa acepção, até um torturador pode ser “bom”: ele castiga o corpo para salvar a alma. Esta é, creio, a intuição sinistra por trás de inquisições e homens-bomba.

Uma réplica possível é de que a bondade de Deus está para além da nossa compreensão. Que ele é bom, mas de um jeito que não estamos preparados para entender. Pondo de lado a questão de por que o onipotente não nos fez um pouco mais espertos (o que poderia fazer — onipotência, ahn?), isso gera um novo problema: falar de Deus passa a ser impossível se as palavras, aplicadas a ele, assumem um significado que não é o delas mesmas. Um sentido novo, misterioso.

Deus passa a ser incognoscível. Mas tudo que nos toca pode ser conhecido, se não completamente, ao menos na extensão e duração do contato, do toque em si. Se não podemos saber nada de Deus, então ele não tem como nos tocar; é como se não existisse. Veredicto: Se existe e é “bom”, Deus é irrelevante.

E quanto à onipotência? E se Deus não for bom, mas existir e for o Criador Todo-Poderoso? De novo: qual a evidência da ação de um ente onipotente no Universo? Há quem cite a adaptação cuidadosa das formas de vida a seus nichos como prova de design, de um plano. Será que nunca ocorreu a essas pessoa que adaptação é um sinal de limitação? Digo, aves são aerodinâmicas, peixes são hidrodinâmicos, as formas algongadas adaptadas ao deslocamento em seus meios respectivos.

Mas se fossem produto de um criador onipotente, por que os peixes não seriam cubos e as aves, esferas? O engenheiro que cria um projeto é obrigado a levar em consideração limitações de material, energia e as leis da Física, daí a necessidade de design. Repetindo: o design é necessário apenas porque o engenheiro não tem recursos infinitos a seu dispor e precisa se curvar às leis na Natureza.

Por qual motivo, então, as criações de um ser onipotente precisariam de design?

Veredicto: A idáeia de um criador onipontente é uma idéia cretina.

Ah, um P.S. sobre a questão da causa primeira — a noção de que o Universo precisa ter sido causado por algo ou alguém, para evitar uma rergressão infinita de causas. Antes de mais nada, note-se que não há como ligar logicamente a “causa primeira” a um ser onipotente, onipresente, bom, fonte da obrigação moral, digno de adoração, etc., etc. Em segundo lugar: qual o problema com regressões infinitas? Terceiro: se regressões infinitas realmente são um problema e tudo precisa mesmo de uma causa, então quem “causou” Deus?

Pessoas merecem respeito; idéias, não

Este blog tem um título provocador que foi escolhido com o propósito de chamar atenção para um fato: ele tratará de idéias, não de pessoas. E idéias estão aí para ser espancadas, ridicularizadas, desmontadas, negadas e, por que não, defendidas. Se você vai se sentir ofendido porque uma de suas idéias preferidas — seja a superioridade da religião cristã, do socialismo científico ou da cerveja belga — poderá ser reduzida a pó de traque em algum momento, problema seu. Ninguém mandou entrar aqui.

A civilização humana evolui pelo choque de idéias. De uns tempos para cá virou moda achar que algumas idéias, políticas e religiosas principalmente, deveriam ser postas acima da crítica, em nome da boa convivência entre partidos, credos, povos, culturas, o escambau; que, no fim das contas, ninguém está “mais certo” do que ninguém.

Bullshit, digo eu. Correr o risco de ver suas crenças reduzidas a escombros é parte do preço de ser adulto. Se não estiver pronto para isso, volte para a barra da saia da mamãe. E se eu digo que a Terra é quadradada e você diz que ela é redonda, é óbvio que um de nós está “mais certo” que o outro.

Por fim: o fato de você (ou eu, ou qualquer outra pessoa) acreditar numa idéia demonstravelmente cretina não é demérito pessoal algum. Como o historiador Michael Shermer já explicou em seu ensaio “Why Smart People Believe Weird Things”, os mecanismos da crença são variados e têm um jeito de se infiltrar por baixo do radar do senso crítico. Continuar a acreditar depois da demonstração inequívoca da cretinice pode ser um problema ético, como argumentou o filósofo e matemático William Clifford, mas aí é com você.

Neste blog, vamos explorar o potencial e nível de cretinice de diversas idéias correntes. Entre em paz, e de livre e espontânea vontade…

Categorias

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM