Paradoxo de sexta (48 1/2)

O da semana passada, o da Bela Adormecida, depende, como o Mori comentou, de uma ambiguidade na forma como a questão é formulada. Em princípio, sim, a chance de uma moeda honesta cair cara ou coroa é 50%; mas, pense na questão do ponto de vista da Bela: como ela será acordada duas vezes se a moeda der coroa e apenas uma vez se der cara, ela vai estar certa 2/3 das vezes se achar que saiu coroa, e apenas 1/3 se responder cara.
O paradoxo surge por conta da imprecisão da pergunta.
Quanto ao da próxima semana… Temo que ele ficará suspenso por algum tempo. Compromissos profissionais da minha, ahn, “identidade secreta” vão tornar meu acesso à internet extremamente errático por algum tempo, a partir de segunda-feira, e assim os leitores deste blog provavelmente receberão um merecido descanso….

Estreia a Rejecta Mathematica!

Está no ar o journal Rejecta Mathematica, dedicado a publicar, como o nome diz, trabalhos rejeitados pelo processo de peer-review das revistas tradicionais de matemática.
Não se trata, no entanto, de uma publicação dedicada aos doidões que tentam provar que pi é igual a 3,0 ou que é, sim, possível dobrar o volume de um cubo usando apenas régua não-graduada e compasso, mas que se propõe a apresentar resultados interessantes, só que talvez não interessantes o bastante para o mainstream, ou simples erros dotados de valor didático.
A divisa da revista é Caveat Emptor (“o cliente que se cuide”), uma advertência de que o que aparece lá pode ser controverso, inútil ou simplesmente errado.
O tipo de material que o Rejecta vai aceitar (sim, é possível ser rejeitado por ele!) divide-se, segundo os editores, nas seguintes categorias:
Becos escuros da ciência: artigos contendo resultados negativos podem alertar outros pesquisadores a não tentar a mesma abordagem;
Reinvenção da roda: artigos que inadvertidamente apenas reproduzem um resultado conhecido podem conter ideias ou técnicas novas;
Quadratura do círculo : artigos que contenham um grave erro técnico podem, a despeito disso, oferecer informações ou ideias interessantes;
Aplicações da fusão a frio: artigos que partem de uma premissa controversa podem conter ideias aplicáveis em outros contextos;
Gênio incompreendido: artigos que simplesmente não se encaixam na política editorial das demais publicações especializadas.
Ao que tudo indica, o Rejecta vai ser um periódico dedicado mais aos meios que aos fins: se um argumento interessante leva a um resultado inválido, do ponto de vista do novo journal, trabalho vale, seja como advertência ou como desafio para outros pesquisadores. Talvez a matemática seja a única ciência onde algo assim é possível…
Como os editores do Rejecta afirmam, o periódico não representa uma crítica ao processo de peer-review, já que se alimenta dele, ao abrigar artigos que já passaram pior uma revisão crítica.
Ah, sim: cada trabalho publicado no novo journal sairá acompanhado de uma carta do autor explicando os motivos da rejeição.

Astrobiologia e o Vaticano

O Vaticano concluiu esta semana um ciclo de cinco dias de debates sobre vida extraterrestre. Se eu fosse um cínico, diria que, dada a progressiva queda no número de espectadores pagantes neste planeta, o show a mais tempo em cartaz no Ocidente prepara-se para procurar público em outras salas de espetáculo do Universo.
Mas, não sendo esse o caso, o seminário merece elogios por representar um reconhecimento, ainda que por vias tortuosas, de que os fatos serão o que os fatos revelarem, e mais vale a pena preparar-se para eles do que negá-los.
Trata-se de lição duramente aprendida após o desastroso caso Galileu, ainda que de modo extrememente lento: livros defendendo o heliocentrismo só puderam passar a ser publicados legalmente em Roma a partir de 1822; a teoria heliocêntrica havia sido relegada ao Índice de Livros Proibidos pelo papa Alexandre VII, ainda no século XVII.
(Existe um debate pequeno, porém muito interessante, sobre se o decreto de Alexandre condenando todos os livros que tratavam do assunto, mais uma manifestação anterior do papa Paulo V afirmando que ao heliocentrismo é “falso e em absoluta contradição com a Sagrada Escritura” não estariam cobertos pelo dogma da infalibilidade papal; oficialmente, a única coisa inequivocamente coberta pela infalibilidade é a Ascensão de Maria, o que sugere que os papas pereferem só se declarar infalíveis em questões claramente não-popperianas; a honestidade intelectual da manobra eu deixo ao julgamento do leitor.)
No caso específico da vida extraterrestre inteligente – uma questão que remete ao caso de Giordano Bruno – o problema do impacto teológico de uma eventual descoberta já foi tratado pela ficção científica diversas vezes. Talvez o mais rigoroso tenha sido o romance Um Caso de Consciência, de James Blish, no qual um padre se vê forçado a aceitar uma heresia para acomodar a descoberta de um planeta habitado por seres racionais que parecem não ter sido expulsos do paraíso.
A paroquialidade (sem trocadilho) das religiões humanas em geral, e da chamada “história da salvação” católica em particular é, claro, o principal empecilho. Se houve uma queda, ela ocorreu só aqui, ou em todos os mundos? E o sacrifício de Cristo, redimiu a apenas a humanidade ou toda a vida inteligente do cosmo? Se toda a vida inteligente, por que teria acontecido exatamente aqui, e não em outro planeta? Etc, etc.
(Mais um parêntese: minhas histórias de ficção científica favoritas sobre o assunto são Nas Ruas de Áscalon, de Harry Harrison, na qual um padre tenta converter uma população de ETs perfeitamente lógicos, e Somos um Povo Ciumento, de Lester Del Rey, na qual o YHWH do Velho Testamento dá o planeta Terra, como “terra prometida”, a uma raça alienígena — reduzindo a humanidade à condição de filisteus cósmicos)
Não que essas questões realmente venham a se mostrar de fato embaraçosas no futuro: assim como o discurso político, o teológico é extremamente elástico, com as sentenças convertendo-se de afirmações de fato em meras metáfora e vice-versa (e com a interpretação de cada metáfora sempre cambiante) de acordo com o gosto da época e do freguês.

Sexta-feira, 13

Esta semana tem uma sexta-feira 13! Não sei se os canais a cabo têm alguma programação especial em vista, ou se o novo filme sobre as estripulias de Jason Voorhees já chegou à tela pequena, mas para os supersticiosos, uma informação importante: de todos os dias da semana em que o 13º dia do mês pode cair, a sexta-feira é o mais provável. Na verdade, este ano, 2009, tem o maior número possível de sextas-feiras 13 no calendário gregoriano: três, em fevereiro, março e, agora, novembro.
O matemático Julian Havil escreveu um extenso artigo sobre o assunto em seu livro Nonplussed!, mas resumindo: por conta de sua regra um tanto quanto convoluta de anos bissextos, a correspondência exata entre dia da semana e dia do mês, no calendário gregoriano, se repete em ciclos de 400 anos.
Fazendo uma análise de frequência de dias da semana em que o dia 13 de cada mês cai, dentro de um desses ciclos, o resultado prevê um maior número de sextas-feiras, com 688 sextas 13 a cada quatro séculos; seguido por domingos, 687. Os dias da semana que têm menos probabilidade de carregar o número 13 são quinta e sábado (684 ocorrências cada um, a cada 400 anos).
Todo ano tem pelo menos uma sexta-feira 13. Se o ano não for bissexto, as ocorrências únicas se dão em junho, agosto ou maio; em um ano bissexto, a sexta-feira 13 única cai em junho, maio ou outubro.
O medo excessivo de sextas-feiras 13 chama-se parascavedecatriafobia, do grego “paraskevi” (sexta-feira) “decatria” (treze) e “fobia” (medo).

Paradoxo de sexta (48)

Quanto ao da semana passada: a solução está no fato de que a relatividade prevê não apenas a contração do espaço na direção do movimento, mas também a dilatação do tempo. Imagine que o galpão tenha duas portas – uma para deixar a escada entrar, outra para deixá-la sair. Basicamente, o instante em que as coisas acontecem, do ponto de vista da escada, não é o mesmo em que elas ocorrem do ponto de vista do galpão.
Assim, pra a escada, haverá um instante em que suas duas extremidades estarão contidas dentro do galpão; para o galpão, esse momento não existe: quando a ponta de trás da escada estiver do lado de dentro, a da frente já vai ter saído.
Duas ilustrações, sutilmente subtraídas da Wikipedia (que traz um tratamento bem completo do caso, aliás) ajudam a entender o que se passa (as ilustrações usam a abertura e fechamento das portas do galpão para marcar a passagem do tempo):
GarageScenario.svg.png
LadderScenario.svg.png
Nesta semana, vamo com o Paradoxo da Bela Adormecida.
Suponha que, cansada de viver feliz para sempre, a Bela Adormecida decida ser voluntária para um experimento estatístico, que é o seguinte: ela concorda em beber, no domingo, uma droga que provoca sono profundo (algo em que, afinal, já tem alguma experiência). Uma vez tendo a princesa adormecida, os cientistas jogam uma moeda honesta para o alto; se der cara, a Bela é acordada na segunda-feira, entrevistada e o projeto acaba por aí. Se der coroa, ela é acordada na segunda-feira, entrevistada, recebe uma segunda dose da droga, adormece de novo e volta a ser acordada na terça, quando o experimento acaba.
A dose de droga administrada na segunda-feira é preparada de forma a causar uma amnésia de 24 horas — ou seja, se a princesa acorda na terça, ela o faz sem nenhuma lembrança de ter acordado no dia anterior. Exceto por esse lapso de amnésia induzida, Bela conhece todos os detalhes do experimento.
A pergunta que os cientistas lhe fazem na entrevista é: “Qual, na sua opinião, a probabilidade da afirmação, ‘a moeda deu cara’, estar correta?”
Em princípio, a resposta parece óbvia: 50%. Afinal, trata-se de uma moeda honesta. Mas, não seria 33% uma resposta melhor? Pois há três possibilidades no caso: cara, e a princesa foi acordada na segunda-feira; coroa, e a princesa foi acordada na segunda-feira; coroa, e a princesa foi acordada na terça.
Ambas as respostas parecem corretas! Como pode ser?

Cientificismo e poetismo

A morte de Claude Lévi-Strauss me fez lembrar a crítica que o trabalho do atropólogo francês recebeu do biólogo e nobelista britânico (nascido no Brasil!) Peter Medawar, que o cita num ensaio clássico onde define o “poetismo”, que seria o vício de raciocínio diametralmente oposto ao cientificismo.
Acusações de cientificismo encontram-se por aí a dez centavo a dúzia, mas chamar um oponente de poetista meio que caiu em desuso. No entanto, trata-se de uma categoria que vale a pena ser resgatada.
Definindo os termos: cientificismo é um rótulo que se aplica, a meu ver, a dois vícios de raciocínio: o primeiro, que poderíamos chamar de “falácia cientificista”, é a ideia de que a descrição científico-quantitativa de um fenômeno esgota todos os aspectos do fenômeno; como se descrever o amor como o efeito da testosterona e da oxitocina no sistema nervoso central reduzisse bilhões de páginas de teatro, prosa e poesia, especulação romântica e angústia adolescente à mais completa irrelevância.
O segundo vício, intimamente ligado ao primeiro, é o que trata o estado atual do conhecimento científico como a última palavra possível sobre determinado assunto. Isso gera um tipo de arrogância que nega a maior virtude da ciência, seu caráter de permanente incompletude.
Poetismo, na definição de Medawar é “a crença de que o insight imaginativo e uma sensibilidade misteriosamente privilegiada podem nos dar todas as respostas que realmente merecem ser perseguidas e conhecidas, e seus praticantes reúnem-se sob o grito de guerra vazio de que a beleza é equivalente à verdade”.
Da mesma forma que o cientificismo aparece com muita facilidades nas ciências exatas, o poetismo é um espectro que assombra principalmente as humanidades.

O poder do pensamento negativo

A expressão “bobo alegre” acaba de ganhar um certo nível de respaldo científico: cientistas australianos encontraram uma correlação entre tristeza, mau humor e pensamento crítico — ou, em outras palavras, é mais fácil enganar gente feliz.
Outro dado surpreendente do estudo é o de que pessoas mal-humoradas tendem a tomar menos decisões baseadas em preconceito de credo ou raça. Para os efeitos do estudo, “mau humor” e “bom humor” foram induzidos por meio de vídeos e de exercícios de memória, tipo pedir ao voluntário que se lembrasse de um episódio triste de sua vida.
Claro, é possível que eu só esteja noticiando isso para justificar a minha ranhetice atávica. Mas o trabalho australiano viu algumas vantagens do bom humor: Ele parece promover criatividade, flexibilidade e cooperação. O problema é ficar tão flexível e cooperativo a ponto de entregar a carteira ao primeiro self-help guru que aparecer, claro.
Falando em self-help guru, estou lendo um livro muito divertido dos anos 50, Spiderweb, Escrito por Robert Bloch, o mesmo autor do romance que inspirou o filme Psicose.
Como boa parte da ficção popular americana daquela década, o livro é uma narração em primeira pessoa e gira em torno das aventuras de um criminoso profissional — só que, no caso, o criminoso em questão é um psicólogo que vive de explorar e chantagear os clientes. Ele tem um programa de aconselhamento no rádio e escreveu um livro de autoajuda, um best-seller chamado YOU. Aspirantes a estrelas de cinema jogam-se em seus braços, etc.
Fico imaginando se a turma d’O Segredo não leu Bloch. E como não há, mesmo, nada de novo sob o Sol…

Categorias

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM