Faça você mesmo: canonização on demand

O Sunday Times de Londres publicou recentemente uma belíssima reportagem sobre a canonização do cardeal John Newman, que o papa Bento XVI deve oficializar durante sua visita ao Reino Unido — supondo que a oposição popular e de ativistas ateus não o faça desistir de pôr os pés nas Grã-Bretanha.
A reportagem do Times é exemplar porque, contrariando a tradição midiática de complacência com alegações de “milagres” emanadas por religiões de pedigree, busca ir fundo nos comos e porquês científicos do suposto milagre atribuído à intercessão de Newman. E conclui: noves fora o lobby religioso, não passa de efeito placebo.
Acho que já expus essa ideia antes, em uma das encarnações anteriores do blog, mas vou repeti-la: alguém deveria fazer um estudo científico controlado para criar um santo fictício.
Canonizações ocorrem depois que pessoas que rezam pelo auxílio do candidato a santo são atendidas por um milagre — geralmente, uma cura tida como inexplicável. Minha sugestão é inventar uma figura historicamente impossível — digamos, Fu Manchu, o chinês que chegou ao Brasil na esquadra de Vasco da Gama — e angariar voluntários para que rezem fervorosamente pra ele, pedindo alguma coisa.
Minha hipótese é que existe um número crítico de suplicantes — na ordem dos milhares, suponho — a partir do qual a ocorrência de “milagres”, tal como definidos pelos padrões do Vaticano, torna-se inevitável, por puro acaso. A principal dificuldade do meu design experimental estaria em encontrar uma junta médica neutra o suficiente para fazer a avaliação, creio.
De qualquer forma, fica a sugestão. Se alguém conseguir tirar um doutorado da criação de São Manchu, avise…

Frase avistada no Twitter

A respeito da bactéria sintetizada (plagiada?), anunciada nesta semana:
Existe um designer inteligente. Seu nome é Craig Venter.
Acho que vou fazer umas camisetas…

O papa em Fátima

Continuando em sua atividade precípua de promotor do turismo religioso e da valorização de relíquias duvidosas e milagres mambembes, Bento XVI esteve em Fátima.
Suponho que esta seja a única frente da missão que Ratzinger se concedeu ao escolher para si o nome de “Bento” (o mesmo do monge padroeiro da Europa) — resgatar o espírito cristão do continente — que tenha alguma chance de sucesso: lembrar aos governos que religião pode fazer bem ao bolso.
Estive na cidade de Fátima em 2000, durante uma viagem a Portugal. Como sói acontecer em lugares do tipo, o culto à suposta aparição da santa (cuja autenticidade é ainda mais duvidosa — se é que tal coisa é possível — que a do Sudário de Turim) empresta um tênue verniz ao mais mesquinho e abjeto comercialismo, e digo isso como alguém que sempre considerou o comércio uma atividade muito mais útil e honrada que a religião.
O verniz é tão tênue, na verdade, que chega a surpreender que alguém, exceto os fanáticos mais cegos, se deixe levar por ele. A cidade toda é uma enorme praça de camelôs, organizados em barraquinhas estreitas.
(Hoje, a lembrança me traz à mente o relato de James Randi, que li anos mais tarde, sobre a igreja canadense onde se vendiam medalhinhas comuns, baratas, e “benzidas pelo bispo”, mais caras; sendo que os dois balcões eram preenchidos, indiscriminadamente, a partir de um caixote comum)
O hotel em que fiquei tinha uma enorme loja de aparatos religiosos e equipamentos para igrejas — ostensórios, turíbulos, crucifixos, pias de água benta, batinas, estolas — no subsolo.
Imagino quantos padres babões de diversas partes do mundo, da Albânia ao Zaire, não torraram os tubos por lá, enquanto seus paroquianos, em casa, diligentemente seguiam depositando doações na caixinha dos pobres e no ofertório da missa.
A única exceção é a área do santuário propriamente dito, onde existe apenas uma loja de velas e imagens de cera — franquia exclusiva — com o apelo altamente hipócrita de que os fiéis não devem gastar todo o dinheiro que pretendem devotar à Virgem em velas, mas usar o excesso em obras de caridade. Como se o excesso já não tivesse ficado nas barraquinhas do lado de fora!
Enfim, para quem quiser uma desconstrução detalhada dos supostos “milagres” da aparição portuguesa, recomendo este artigo de John Nickell:
The Real Secrets of Fatima
Boa diversão!

Science Wars, com um certo timing atrasado

Comecei a ler ontem Higher Superstition, a crítica à crítica pós-moderna do método científico que desencadeou as chamadas “Science Wars” entre humanas e exatas na década de 90. Ok, estou quase 20 anos atrasado, mas na década de 90 eu estava mais preocupado em engabelar a professora de redação Jornalística que não queria me aprovar e arrumar emprego, então desculpem-me…
O livro ainda é muito interessante — e já detecta a reação´padrão que seria adotada pelos pós-modernos, de dizer Peraí, nenhum de nós realmente acreditava nessa bobagem. A distinção entre argumento e retórica feita pelos autores também é muito útil ainda hoje.
Uma coisa muito engraçada que achei no livro foi o que os autores chamam de “hierarquia folclórica” da academia — e que, segundo eles, seria uma fonte de ressentimento das humanas contra as exatas. Os autores são cuidados em não endossar a hierarquia, e a citam apenas como o que parecia passar por “senso comum” nas salas de professores e na hora de distribuir verbas. Ela seria assim:
Exatas e biológicas: produzem conhecimento razoavelmente confiável.
História: factualmente confiável, desde que a metodologia seja boa; interpretativamente duvidosa.
Economia: tem rigor matemático, mas os modelos em que se baseia são simplificações tão grosseiras que se tornam quase inúteis.
Sociologia: tem alguma sofisticação estatística, mas as interpretações são subjetivas demais para se levar muito a sério.
Crítica literária: subjetividade pura. Epistemologicamente, não vale um tostão furado.
Teria essa “hierarquia” mudado? Ou continua a ser o “senso comum”, e a estimular ressentimento? Com a palavra, quem vive nas universidades…

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