Paradoxo de sexta (3)

O da semana passada foi morto e enterrado logo a sexta, mesmo: tratava-se, de fato, de um uso falacioso do princípio da indução matemática para generalizar um fato que, realmente, não funciona no caso de conjuntos com dois elementos. Vou ter que começar a pensar em coisas mais complicadas de agora em diante…
Bom, temo que o desta semana também vai cair rapidinho, mas ele é interessante o suficiente (em minha opinião, ao menos) para merecer ser mecionado. 
Começa assim:
0 = 0+0+0+0+0+0… ad infinitum
Mas, como 1-1 = 0 , dá para escrever a série acima da seguinte forma:
0 = (1-1)+(1-1)+(1-1)+(1-1)…
Agora, soma e subtração têm o que os matemáticos chamam de propriedade associativa. Basicamente, numa seqüência de contas de mais e de menos, tipo a+b-c+d, tanto faz onde se colocam os parênteses: (a+b)+(-c+d), a+(b-c+d), a+(b-c)+d, etc., tudo isso dá o mesmo resultado  — se quiser, escolha quatro números à vontade e faça o teste.
Então, deslocando os parênteses uma casa para a direita, é possível escrever a seqüência acima como:
0 = 1+ (-1+1) + (-1+1) + (-1+1)…
Onde é evidente que todos os parênteses somam zero, logo podem ser eliminados deixando…
0 = 1.

Virgindade que se perde (ou se ganha) na tradução

Já que o Natal está chegando (jingle bell, jingle bell, acabou o papel…) hoje vamos ver como um erro bobo de tradução levou ao dogma católico da Virgindade de Maria. Para começar, é preciso entender que os quatro Evangelhos canônicos — Mateus, Marcos, Lucas, João — são peças de propaganda (ou, melhor dizendo, de proselitismo) criados para “vender” o cristianismo a públicos específicos. 
A história da virgindade aparece primeiro (pode-se até dizer que apenas, já que a referência em Lucas é ambígua) no de Mateus, que é um Evangelho que tenta legitimar a figura de Jesus para os judeus, buscando justificativas para as ações do Nazareno em profecias da escritura judaica e traçando paralelos entre Jesus e Moisés e outros profetas. É nesse contexto que a história da virgindade entra — como uma bela pisada no tomate.
Basicamente, Mateus apresenta a história da virgindade como sendo um cumprimento de uma profecia do profeta hebreu Isaías: “Uma virgem conceberá e terá um filho, que chamará Immanuel…”. O fato, porém, é que não é isso o que consta do livro de Isaías. O texto hebraico original diz: “uma garota está grávida e…”.
A pegadinha: uma tradução clássica da Bíblia para o grego, a Septuaginta, realmente equivocou-se e usou parthenos (“virgem”) em vez de “garota”. Ao que tudo indica, Mateus estava usando essa versão pra cozinhar seu Evangelho.
O mais curioso é que a passagem de Isaías sequer é uma profecia messiânica. Tratava-se, apenas, de uma tentativa de acalmar o rei Ahaz de Judá, que estava com medo de invasões estrangeiras. O que Isaías diz ao rei é: “O Senhor te dará um sinal. Vê, a garota está grávida e terá um filho, que se chamará Immanuel (…) E antes que essa criança saiba aceitar o que é bom e rejeitar o que é mau, a terra diante dos dois reis que temes será devastada”. (na New Oxford Annotated Bible, tradução minha para o português).
Trata-se, evidentemente, de um prazo: antes que uma criança, que naquele dia está no venter da mãe, seja capaz de tomar uma decisão simples — aceitar um carinho e fugir de um tapa, por exemplo –, os reis inimigos serão derrotados. Tudo isso esta lá no capítulo 7 de Isaías.
A questão de por que Mateus se deu ao trabalho de tirar o verso de contexto e usá-lo como uma predição do nascimento de Jesus continua aberta ao debate.
Em seu maciço Asimov’s Guide to the Bible, Isaac Asimov especula que uma grande população de judeus helenizados provavelemente teria tido contato com os mitos greco-romanos de nascimento a partir de virgens possuídas pelos deuses, e Mateus fez o esforço extra para cativá-los: unir o mito grego à profecia hebraica deve ter parecido um golpe genial para convencer os judeus que, ciosos de suas raízes, também se viam envolvidos com a cultura helenizada da época.
O que ele não poderia ter previsto é o tamanho do dano psicológico, social e sexual causado por uma tradição que acabaria elegendo as características mutuamente excludentes de virgindade e maternidade como o ideal feminino supremo.

Veteranos de guerra

Neste mês completaram-se 90 anos do armistício que deu fim à I Guerra Mundial. É o tipo de coisa que dá margem a reflexões sobre a finitude da vida humana, a permanência a memória e o significado da história, mas em vez de ficar enchendo o saco de vocês com polissílabos altissonantes (além dos dois que antecedem estes parênteses, claro) reproduzo aqui uma tabela, do livro Essential Militaria, com o número estimado de sobreviventes desse conflito que, espera-se, estarão vivos, em todo mundo, nos próximos anos:
2013: 12
2014: 7
2015: 4
2016: 3
2017: 2
2018: 1

ISS, dez anos e o vexame brasileiro

Semana passada fez dez anos que a Estação Espacial Internacional (ISS) começou a ser construída. Essa é uma obra que consumiu bilhões de dólares e pelo menos sete vidas humanas (os astronautas da Columbia, que voltavam de uma missão à estação). E para quê?
Os cínicos costumam dizer que o ônibus espacial é necessário para levar carga à estação, e a estação é necessária para o ônibus espacial (uma nave inútil para viagens além da órbita terrestre) ter para onde ir. 
Quando a ISS foi concebida, havia a aposta no surgimento de um “boom” econômico na órbita terrestre, indo desde atividades industriais (com a fabricação de novos materiais que só seriam possíveis de se produzir em gravidade zero) à coleta de energia solar para transmissão para a Terra. Desnecessáio dizer que nada disso aconteceu: as únicas atividades econômicas que se pagam no espaço, hoje, são o lançamento de uso de satélites (o que não requer presença humana em órbita) e o turismo.
No fim, a ISS virou  uma espécie de campo de treinamento, para impedir que as potências espaciais se esquecessem de como mandar astronautas ao espaço (do mesmo jeito que se esqueceram, por exemplo, de como mandar gente para a Lua).
Um capítulo que nos diz respeito diretamente é o fiasco acachapante da participação brasileira, que se reduziu à viagem de Marcos Pontes, num esquema igualzinho ao dos turistas espaciais: de Soyuz, com passagem paga por fora, e não como membro efeitivo de uma tripulação oficial.
Por essa palhaçada, Lula e FHC são igualmente responsáveis. O desprezo pelo verdadeiro valor de um programa espacial sério une tucanos e petistas.

Zona aumenta a zona

Estudo publicado na Science diz que sinais evidentes de que as regras de uma comunidade estão sendo desrespeitadas — tipo, pichação nas paredes, lixo no chão — levam mais pessoas a desrespeitar essas mesmas regras.
“Um pouco de pichação não levou acrimes predatórios, mas a freqüência de atos indo de jogar lixo na rua a pequenos roubos aumentou quando as pessoas viram evidência de que os outros estavam desrespeitando as regras do bom comportamento”, informa nota da Associated Press.
Os próprios autores do trabalho reconhecem que o escopo dos experimentos realizados não foi grande — por exemplo, eles compararam a taxa de roubo de um envelope com dinheiro enfiado numa caixa postal em boas condições (13%)  pichada (27%) e com lixo ao redor (25%).
Explicações possíveis vão desde sensação de impunidade — uma caixa postal em más condições não é “de ninguém” — até a dinâmica da Teoria dos Jogos (se ele quebra as regras e eu as respeito, eu me dou mal).
No Brasil, ocorrem-me dois casos interessantes de aparentes paradoxos éticos desse tipo: o primeiro é o das carteirinhas de estudante: na sexta-feira, o Ministério da Cultura fez um apelo pra que o Congresso disciplinasse a questão, porque o tsunami de carteirinhas espúrias em circulação estaria inviabilizando os espetáculos. É um típico ciclo perde-perde, onde o preço alto do ingresso estimula a carteirinha falsa, que por sua vez leva o preço do ingresso para cima.
E, no sábado, assisti a mais um “ataque” dos ambulantes do metrô paulista — os caras que põem saquinhos de drops e balas no colo dos passageiros e depois voltam recolhendo dinheiro (ou os ditos saquinhos, caso do passageiro nao queira comprar nada).
Pensei: o que impede os passageiros de simplesmente embolsar o pacote de doce sem pagar nada? Eles são maioria (um vagão lotado contra um ambulante só) e o comércio ambulante no metrô é ilegal, logo o cara nem ia ter do que reclamar para as autoridades.
Mas, a despeito disso, quem quer a bala, paga por ela.
Por que as pessoas fraudam a meia-entrada mas não fraudam o vendedor de balas?

paradoxo da sexta-feira (2)

A solução do da semana passada apareceu rapidinho nos comentários: de fato, a grojeta do garçom tem de ser subtraída do total pago, não somada. A divisão correta do dinheiro é:
R$ 11 (conta) + R$ 1 (garçom)  = R$ 15 (total pago) – R$ 3 (troco).
O de hoje é a prova de que todos os cavalos são da mesma cor.
Suponha que existe uma prova de que todos os cavalos em grupos de quatro têm a mesma cor. Se isso é verdade, então todos os cavalos em grupos de cinco também são da mesma cor — já que é possível passar de um grupo de 5 para um de 4 removendo um cavalo qualquer, deixando um grupo de quatro que serão, por definição, todos da mesma cor: um grupo formado pelos cavalos 1,2,3,4 será de todos da mesma cor, assim como um grupo formado por 2,3,4,5, por 3,4,5,2 e assim por diante.
E como provamos que todos os grupos de 4 cavalos são da mesma cor? Repetindo o raciocínio para grupos de 3 cavalos. Se todos os cavalos de um grupo de 3 são da mesma cor, então todos os de um grupo de 4 também são, pela demonstração acima. É possível reduzir o grupo seguidamente até chegar aos grupos de um cavalo — e é óbvio  que, num grupo de um, o único cavalo é da mesma cor que si mesmo.
Logo, todos os cavalos são da mesma cor. QED.

Envenenamento por água

Não, não se trata de uma repetição do cômico “hoax” do monóxido de di-hidrogênio, mas de mais uma confirmação (como se fosse necessário…) do velho dito de HL Mencken: é impossível perder dinheiro subestimando a inteligência do próximo.
Detalhes nesta reportagem, que mostra como um grupo de praticantes de ioga quase foi parar no cemitério após consumirem, cada um, 40 litros de água. O Brasil perdeu a glória de amealhar uma série de prêmios Darwin, graças à presteza dos profissionais de saúde, mas sempre é bom chamar atenção para os riscos da intoxicação por água.
Na reportagem, algumas pessoas falam em processar o guru responsável, por curandeirismo e prática ilegal da medicina. Mas, como James Randi já notou em seu clássico The Faith Healers, geralmente o apelo à liberdade de religião e crença opera como um escudo seguro contra esse tipo de acusação.

Cartesianos do mundo, uni-vos!

Não sei se é trauma da minha formação acadêmica — em Comunicação Social, no início dos anos 90 — mas hoje me dia toda vez que ouço a palavra “paradigma”, tenho uma reação semelhante à atribuída a Hermann Göring quando o marechal nazista ouvia “cultura”. Com a desvantagem de que não ando armado. 
Aquela foi uma época onde o legal era grokar (com o perdão do nerdismo) coisas como “holismo“, “teoria geral dos sistemas” e o trabalho de Thomas Kuhn sobre revoluções científicas, tudo isso nas versões devidamente infladas e distorcidas de gente como Fritjof Kapra e piores e visto, claro, pela lente estreita do marxismo ingênuo da academia,  onde ter senso crítico era, basicamente, não criticar o professor mas falar mal de todo o resto.
Eu me lembro de ter achado isso tudo muito estranho — certa vez, durante um rant de uma professora marxista-freudiana (devia ser astróloga também, acho) sobre como a ciência é um discurso de reafirmação do patriarcado opressor burguês, perguntei-me qual seria o subtexto opressor, machista e pequeno-burguês da fómula de Bhaskara. Talvez o “sobre 2a” insinue uma menàge onde duas mulheres têm papel subalterno?
Enfim… Naquela época, a pior ofensa que se podia fazer a alguém — pior que “feio”, “bobo” ou “malufista” — era “cartesiano”. 
Juro que demorei a entender direito o que estava dando a Descartes essa má reputação. Digo, ninguém lá estava falando mal dos argumentos sofríveis que ele ofereceu para demonstrar a existência de deus; nem do dualismo radical mente-corpo que ele defendeu e que desencaminhou a psicologia por séculos; nem mesmo de sua teoria dos vórtices, uma tentativa mal-sucedida de explicar a força da gravidade.
Será que o pessoal de Humanas era tão ruim em matemática que detestava a Geometria Analítica?
Não: o problema com Descartes era o Método. O filósofo francês havia proposto um método para resolver problemas complicados que, em resumo, era o seguinte: divida-o em problemas mais simples; resolva cada problema simples separadamente; faça uma revisão para ver se não deixou escapar nada; junte as soluções simples.
A idéia anticartesiana, nesse sentido, era a de que campos como a ecologia, a fisiologia e a administração de empresas (ou países) vinham demonstrando que existem problemas que não podem ser subdivididos dessa forma. Que era preciso haver uma abordagem totalizante — “sistemática” ou “holística”.
Essa crítica até que faz sentido mas, como tudo que desperta entusiasmo, pode ser levada longe demais: porque, mesmo em abordagens holísticas, não há como escapar, de vez, do método cartesiano: a própria definição do que é um problema representa um recorte da realidade. Você está dividindo o universo, que é El Gran Problemón, em problemas menores e resolvendo-os, um de cada vez: uma coisa é a estrutura interna do Sol; outra, os padrões de migração dos pinguins da Antártida. E esses são dois problemas obviamente ligados, já que os pinguins reagem ao clima.
Outro problema do anticartesianismo radical é que ele destrói qualquer chance de inteligibilidade e, até, de ação: se tudo está ligado a tudo e tudo é importante para tudo, o único jeito de fazer algo é entendendo tudo, e como não dá pra entender tudo, o melhor é não fazer nada. O resultado é um vago misticismo e a crença de que qualquer idéia, por mais cretina que seja, deve ser  “válida”.
A solução, claro, não é abandonar o método cartesiano, mas aplicá-lo de forma prudente e consciente. Problemas precisam ser divididos em partes.  Mas quem os divide deve precaver-se para não fazer o corte errado — e para não se esquecer do passo crucial do Método: uma revisão, para ter certeza de que não ficou nada para trás.

Papel, pedra, tesoura

Nos comentários sobre par-ou-ímpar, surgiu a sugestão de uma postagem sobre joquempô (ou jan-ken-po, ou roxambô, etc) o jogo onde um gesto representa papel, outro pedra e outro tesoura, e com as seguintes regras:
Papel derrota pedra.
Pedra derrota tesoura.
Tesoura derrota papel.
Eleitoralmente, o jogo é interessante porque representa o modelo de um ciclo de Condorcet – uma situação onde é impossível definir um ganhador absoluto entre os candidatos apresentados. Perceba que, no “pleito jpoquempô”, nenhum candidato é realmente favorito: qualquer um pode ganhar.
Para entender isso melhor, imagine que as regras do joquempô são os resultados possíveis do segundo turno de uma eleição. O povo está disposto a eleger Papel, se o oponente for Pedra; Pedra, se o oponente for Tesoura; Tesoura, se for Papel. Ninguém pode se declarar vencedor inconteste: tudo depende que como os pares serão formados. 
Ciclos de Condorcet devem o nome ao fato de serem um “bug” no sistema eleitoral proposto pelo Marquês de Condorcet, e que preconizava que o ganhador legítimo de uma eleição deveria ser capaz de bater cada um de seus adversários em uma série de “segundos turnos” simulados. A existência de ciclos estraga um pouco a idéia.
Muita gente achou o sistema de Condorcet bom demais para ser jogado fora só por causa de um bugzinho desses, e ao longo dos tempos surgiram várias propostas de “tie-break” de quebrar um ciclo  — para mais detalhes, visite o Condorcet Internet Voting Service.
Matematicamente, joquempô é interessante por ser intransitivo.
Explicando: a propriedade de ser “maior que” é transitiva nos números naturais. Isso significa que se eu sei que 10 e maior que 8 e que 8 é maior que 5, posso deduzir, tranqüilamente, que 10 é maior que 5. Por formar um ciclo, o joquempô não tem transitividade.

Mais ficção científica

Eu geralmente nã blogo aos domingos, então resolvi usar o espçao , geralmente vago, para sair da linha comum deste blog e fazer algumas recomendações literárias… No caso, de ficção científica brasileira.
Muitas vezes, a relação do gênero com seu público em potencial me lembra um pouco aquelas velhas comédias de pastelão em que dois personagens (Ollie e Stan, digamos) tentam dessperadamete se encontrar… Ms sempre abrem a porta errada, ou estão na mesma sala mas e costas um para o outro e não percebem, ou se encontram no escuro e acabam brigando porque não se reconhecem.
Tudo muito engraçado, desde que você não seja Stan ou Ollie, claro.
Então, fazendo a minha parte para ajudar no encontro, aqui vão alguns links para publicações virtuais gratuitas que talvez sejam úteis:
http://www.verbeat.com.br/terraincognita/
http://www.black-rocket.blogspot.com/
http://www.clfc.com.br/somnium/101.pdf
 
Boas leituras!

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