Polêmica freudiana, again?

Sou só eu que bocejo toda vez que alguém “descobre” que a psicanálise não é ciência? Agora foi a vez do filósofo francês Michel Onfray. Se não me engano, o marxismo e a psicanálise foram os dois exemplos clássicos de pseudociência usados por Karl Popper ao definir o conceito, trololós de anos atrás.
(Resumo: uma pseudociência é um sistema de interpretação dos fatos do mundo dotado de lógica interna — real ou aparente — mas que só é capaz de oferecer explicações ad hoc e a posteriori, e não presta para fazer previsões com qualquer grau razoável de precisão. Geralmente é possível detectar uma pseudociência ao notar que ela não faz nenhuma afirmação que possa ser desmentida, de modo inambíguo, pelos fatos)
O que talvez seja mais assustador nessas “redescobertas” cíclicas é a absoluta incapacidade das humanidades de evoluírem, e de desfulanizar boa parte de suas questões.
Mal comparando: Descartes estava redondamente enganado em sua teoria da mente e em sua teoria dos vértices, e suas provas da existência de Deus estão cheias de falácias, mas nenhum usuário de geometria descritiva sai por aí aos berros, escandalizado, ao ouvir isso.
Nas palavras de Daniel Dennett, a psicanálise freudiana foi “a good try”, uma boa tentativa, de interpretar a mente humana por fora dos dogmas religiosos e com as ferramentas disponíveis há 100 anos. Mas a história provou que não era boa o suficiente. Let’s move on, people!

O Vaticano e as células-tronco

A soi-disant Santa Sé vai financiar um estudo americano que busca determinar se as células-tronco do aparelho digestivo têm pluripotência. Trata-se, evidentemente, de um avanço sobre a política anterior — que provavelmente não será abandonada — de pressionar políticos para que absorvam dogmas de fé na legislação de países supostamente laicos.
Em vez de simplesmente cacarejar sobre alternativas inexistentes, a hierarquia católica tentará produzir algumas alternativas concretas ao uso de células embrionárias.
A notícia foi divulgada na sexta-feira por agências internacionais.
Preocupante é o uso publicitário a que os resultados da pesquisa serão submetidos, sejam quais forem; se as células adultas forem bem-sucedidas, este certamente será um aríete de relações públicas na tentativa de coibir a liberdade de investigação científica. Se malsucedidas, alguma outra instrumentalização criativa do resultado surgirá.
De qualquer forma, trata-se de um investimento saudável do dinheiro da igreja. Melhor, certamentre, do que a compra de báculos, ostensórios e turíbulos.

Abusos sexuais na Igreja Católica: uma avaliação

Agora que a ação proposta por Richard Dawkins contra Bento XVI provavelmente vai jogar a questão dos padres pedófilos no centro das “culture wars” entre ciência e religião, acho que é uma boa ideia tentar aclarar alguns dos conceitos e princípios que me parecem estar em jogo, e que andam meio submersos na gritaria de parte a parte.
Individualização da pena: Todo castigo coletivo é absurdo. Um crime é cometido diretamente por um indivíduo, com o concurso de um ou mais cúmplices, e são essas pessoas que devem ser punidas. Condenar ou punir a totalidade do clero católico pelos abusos cometidos por padres individuais é tão odioso quanto culpar todos os ciganos, todos os negros, todos os judeus, etc, por crimes cometidos por um ou outro membro desses grupos.
A tradição do acobertamento: O princípio da individualização da pena, no entanto, não deve servir como pretexto para que as autoridades eclesiásticas responsáveis sejam eximidas da culpa, quando houver, pelo acobertamento, pela relutância em entregar pedófilos às autoridades policiais, pela continuada complacência com pedófilos e acobertadores. O cardeal emérito de Boston, Bernard Law, que atuou durante décadas pondo “panos quentes” em casos de pedofilia cometidos em sua arquidiocese, nunca foi formalmente punido, e sua transferência para Roma — onde atua até hoje — pode muito bem ser interpretada como uma tentativa de afastá-lo do braço da justiça dos Estados Unidos. Law sequer foi impedido de votar na eleição de Bento XVI para o papado.
O celibato: A política de celibato obrigatório do clero no catolicismo de rito romano pode não ser, como às vezes se diz, um estímulo ao abuso sexual de jovens, mas não é difícil argumentar que ela faz da carreira eclesiástica um atrativo para pessoas com esse tipo de tendência. Da mesma forma que necrófilos buscam trabalhar em casas funerárias, é bem possível que homens que se sentem atraídos por meninos busquem o clero. Principalmente em comunidades católicas conservadoras, que melhor pretexto, além da batina, um homem adulto teria para se manter solteiro e em contato constante com crianças?
A ação contra o papa: O homem Joseph Ratzinger certamente não está acima da lei, e durante décadas exerceu postos de alta responsabilidade na administração do clero católico. Foi ele, por exemplo, quem puniu Leonardo Boff por supostos erros doutrinários. Não é, portanto, exagerado ou absurdo suspeitar que tenha desempenhado um papel na longa história de acobertamentos da qual o cardeal Law é apenas o exemplo mais evidente. Se não como réu, certamente seu depoimento como testemunha seria útil em pelo menos alguns casos como, por exemplo, no da carta revelada pela Associated Press.

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