Paradoxo de sexta (20)

Completamos a segunda dezena! É quase um semestre de paradoxos…
Quanto ao da semana passada, a situação foi bem analisada em um dos comentários do Kitagawa: uma vez aceito o raciocínio de que o exercício não pode acontecer em nenhum dia, não importa do dia em que ele ocorra, será uma surpresa!
Seria um caso em que a lógica derrota a si mesma? Não. Mas é um lembrete importante de que, quando quem faz uma afirmação tem mais informações sobre o que está falando do que você (por exemplo, o governo sueco sabia que o exercício ocorreria, digamos, na terça-feira), é arriscado tentar tirar conclusões com base apenas em processos dedutivos. Ou: a razão pura não basta, é preciso também ter “hard facts”.
O desta semana é o Paradoxo da Expectativa de Vida. É assim: a expectativa de vida no Brasil era, em 2005, de pouco mais de 71 anos — na média entre homens e mulheres, mas todos sabemos que a expectativa das mulheres é maior que a dos homens. Na verdade, a do sexo masculino é de 68 anos.
Mas aposto que todos os leitores deste blog conhecem homens com mais de 68 anos (talvez sejam homens com mais de 68 anos!). E não se trata de aberração estatística: o próprio IBGE estima que um homem de 71 anos — na “marca do pênalti” da expectativa de vida oficial brasileira — tem, em média, mais 13 anos pela frente. E um homem de 80, não apenas mais 4, mas mais uns 9.
Essa conta simplesmente não fecha. O que está acontecendo de errado aqui?

Telefone no banheiro?

Será que é verdade que entrar no banheiro aumenta a probabilidade de o telefone tocar?
Esse parece ser um caso clássico do viés de disponibilidade, a tendência psicológica que temos de nos lembrar de eventos salientes (o número de vezes em que fomos perturbados no banheiro pelo som distante do aparelho tocando na sala) e deixar de lado o número, provavelmente muito maior, de vezes em que (a) usamos o banheiro sem sermos interrompidos ou (b) o telefone toca enquanto estamos fazendo alguma outra coisa.
O ideal para resolver a questão seria realizar ma série de experimentos controlados e contar quantas vezes o telefone toca enquanto nossos voluntários estão no banheiro e comparar com a frequência correspondente a outras atividades (fazendo um lanche, tomando café, blogando… ). Como é improvável que a Fapesp venha a financiar um projeto assim, apelemos para a segunda melhor coisa: uma estimativa numérica com valores chutados.
Suponhamos que um ser humano adulto, da parte do planeta onde as pessoas têm acesso a telefones e banheiros, passe cerca de uma hora diária realizando atividades que ocorrem em banheiros — da satisfação das necessidades fisiológicas a coisas como tomar banho, pentear os cabelos, escovar os dentes, etc.
Neste ponto, alguém poderia surgir com a objeção sexista de que as mulheres tenderiam a puxar a média para cima, mas vou ignorar isso.
E o telefone, quando toca? Pode tocar a qualquer hora, mas é razoável supor que a maioria das ligações ocorra numa faixa de 13 horas, digamos que das 9h às 22h, ou de pouco depois do início do horário comercial até o último momento onde ainda é educado ligar para os amigos para dar um olá.
Bem, então telefonemas podem ocorrer durante cerca de 55% do dia, e uma pessoa média passa 4% do dia no banheiro. A chance desses 4% estarem incluídos na mesma faixa dos 55% é bem alta — a maioria das pessoas, afinal, não molha a cama. Vamos supor que seja 100%, só para efeito de argumento.
O próximo ponto é estimar quantos telefonemas uma pessoa recebe ao longo das 13 horas de “concentração”. Provavelmente é mais de 1 e menos de 100 (a menos que você seja um corretor da bolsa), o que, fazendo uma média geométrica, dá 10. Dez telefonemas ao longo de 13 horas sugere uma média diária de (apenas!) 3 horas sem nenhum telefonema. Logo, a chance de uma pessoa escolher uma hora para ir ao banheiro na qual o telefone não vai tocar é de 3 em 13, ou 23%. Isso significa que há 77% de chance de o telefone tocar durante uma hora em que você estará no banheiro!
Opa, opa, opa. Uma coisa é a mesma hora (intervalo de 60 minutos), outra é o mesmo instante. Numa mesma hora, digamos, das 14h às 15h, é perfeitamente possível que você vá ao banheiro, faça o que precisa fazer e depois volte à sua mesa (ou à sala, ou ao quarto) e só então o telefone toque. Isso porque a hora passada no banheiro que estimamos é, na verdade, uma soma do tempo no chuveiro ou na pia com as visitas aleatórias ao mictório e ao vaso. Só muito raramente essa “hora” ocupará, de fato, uma única hora contínua.
Bem, então: há 77% de chance de o telefone tocar numa hora em que você também precisará ir ao banheiro. Qual a chance de haver uma sobreposição de eventos, dentro dessa hora?
Suponha que você gaste 20 minutos no chuveiro (não deveria, é um desperdício de água, mas vá lá). Vinte minutos são 33% de uma hora, então a probabilidade acumulada é de 33% de 77%, ou 25%. Há uma estimativa de que as pessoas dedicam cerca de 15 minutos diários às necessidades fisiológicas. Então, a chance de o telefone tocar nesse intervalo é de 25% (um quarto de hora) de 77%, ou 19%.
Já a chance de o telefone tocar enquanto você estiver se dedicando a atividades sanitárias sortidas (escovando os dentes, lavando o rosto, penteando o cabelo) é de 41% (a porcentagem da “hora de banheiro” ocupada pelos 25 minutos restantes) de 77%, ou 31%.
E qual a chance de o telefone tocar quando você não estiver no banheiro? Bom, isso é a chance de ele não tocar durante o banho (75%), nem durante o período das necessidades mais urgentes (81%) e sequer na hora de escovar os dentes ou usar o secador de cabelo (69%). O acumulado total é de de 42%. Ou seja, há quase 60% de chance de que, sim, o telefone toque enquanto você está no banheiro…
Algo errado nisso, não? Digo, se fosse verdade, seis de cada dez telefonemas ocorreriam enquanto o destinatário está passando fio dental, na ducha ou com as calças arriadas. Muito esquisito.
O erro talvez esteja em considerar as “atividades sortidas” como sendo um bloco sólido de 25 minutos… E não, como seria mais correto, como eventos mais curtos, espalhados ao longo das 13 horas de telefone ativo.
Diluindo 25 minutos aos longo de 13 horas, temos 2 minutos por hora: uma probabilidade de 3% de que, dado um instante qualquer, a pessoa esteja no banheiro para lavar as mãos ou delinear os olhos. Fazendo 3% de 77% (probabilidade de a hora ser uma hora de telefonema) temos 2%.
Com essa correção, a probabilidade geral de você ir ao banheiro sem ser incomodado pelo telefone sobe de 41% para 59%.
Dá para reduzir ainda mais isso, diluindo os 15 minutos de necessidades fisiológicas da mesma forma (o que não faz lá tanto sentido: talvez o melhor fosse dividir esse bloco de 15 em dois blocos de sete e meio ou três de cinco, mas aí a conta ficaria um pouco complicada demais… tipo, de quantas maneiras diferentes é possível extrair cinco minutos consecutivos, apenas três vezes, de um bloco de 13 horas? Eu não quero calcular isso).
Então…quinze por 13 é 1,15 minuto por hora, ou 1,9%. A probabilidade final, levando os 77% de chance de a hora ser uma hora de telefonema, é de 1,4%. E a chance global de você poder ir ao banheiro sem ser incomodado pela campainha dispara a 72%. Ou: cerca de dois telefonemas de cada dez irão encontrá-lo, em média, no WC.
NOTA IMPORTANTE:
Esse cálculo todo não passa de um chute produzido para fins de entretenimento. Não deve ser levado a sério. O autor não se responsabiliza por danos ou prejuízos causados pelo uso dos resultados apresentados no mundo dos negócios ou na vida pessoal/afetiva de ninguém!

Lógica, ciência a cidadania

Quando comecei no jornalismo, lá se vão uns 20 anos, eu era um repórter genérico: cobri assalto a posto e gasolina, enchente em favela, fiz a ronda do velório (ei, a coluna de obituários não se escreve sozinha!) mas, no fim, acabei estacionando na cobertura de política, onde passei uns dois ou três anos, e que abandonei desiludido e de estômago virado.
Por favor, não imagine que isso significa que tenha me tornado um defensor fanático do voto nulo ou coisa assim. As alternativas disponíveis ao processo democrático (que sempre pode ser aperfeiçoado, é claro) são ditadura ou guerra civil, e nenhuma delas é mais atraente do que o que temos.
O que me fez perder o gosto por política — atividade que hoje encaro como um remédio amargo, coisa necessária mas nem por isso agradável — foi a profunda, generalizada e descarada desonestidade intelectual dos participantes: o discurso político é uma fonte inesgotável de de falácias e de non-sequiturs, onde o espírito de torcida organizada esmaga qualquer pretensão de respeito à verdade, à lógica ou à inteligência do ouvinte.
Um político falando talvez seja a epítome daquilo que o filósofo americano Harry Frankfurt definiu como bullshiter: alguém que não liga se o que diz é verdade ou mentira, e só se importa com a função das palavras como ferramentas manipuladoras de emoção.
Curiosamente, a mesma sensibilidade que me afastou da política me aproximou da ciência: aí está uma atividade onde os participantes não são perfeitos – a raça humana como um todo está muito longe disso – mas onde as regras do debate inteligente e honesto são respeitadas (ou, ao menos, onde são mais respeitadas do que em qualquer outro tipo de empreendimento que eu conheça).
Dei esta volta toda para chegar à recente onda de escândalos no Senado, que degenerou rapidamente em uma série de tu quoque – a falácia de tentar se defender de uma acusação não produzindo argumentos relevantes ou evidências idem, mas dizendo que o acusador também tem culpa no cartório. Como se um assassino, digamos, não pudesse ser testemunha ocular de um assalto, ou vice-versa.
O que me pôs a pensar: se as pessoas em geral estivessem mais familiarizadas com as regras do discurso lógico e da prática científica, elas provavelmente não engoliriam esse tipo de jogo de cena. Se os jornalistas que cobrem política também tivessem esse tipo de familiaridade, talvez conseguissem ser mais incisivos. Darwinianamente, isso poderia vir a gerar políticos melhores.
Essa familiaridade, claro, tem de vir da educação. E o mais engraçado (ou triste) é que o potencial já está lá.
O primeiro livro de ciências em que estudei, acho que na 4ª série do primário, dedicava um capítulo inteiro a tentar convencer as crianças, por meio de argumentos e experimentos, de que o ar existe. Do alto de minha sabedoria infantil, achei aquilo uma bobagem: é claro que o ar existe. Para quê discutir isso? O professor também não ajudou muito: passou por cima dos argumentos, não realizou nenhum dos experimentos e simplesmente nos remeteu ao questionário de 10 perguntas ao final do capítulo.
Hoje, entendo que aquele capítulo era uma ferramenta para estimular o ceticismo e o senso crítico, para ajudar a moldar uma perspectiva científica do mundo. Pena que o professor tenha optado por não usá-la – fossem quais fossem seus motivos – e tenha tudo acabado em um questionário bobo de 10 perguntas para decorar.

Paradoxo de sexta (19)

Bem-vindos ao primeiro paradoxo no ScienceBlogs!
Quanto ao da semana passada: o fato é que qualquer uma das três soluções é defensável — o que ajuda a explicar por que “infinito menos infinito” (a operação que está na raiz do experimento) é uma operação matemática indefinida, da mesma família que divisão por zero e outras coisinhas mais. Como operações indefinidas em geral, tentar executá-la leva a resultados inconsistentes.
O desta semana é um paradoxo mais puramente lógico. Ele já foi apresentado sob várias roupagens — “paradoxo da prova”, “paradoxo do enforcamento” — mas vou usar a história original, que é a seguinte:
Durante a 2ª Guerra Mundial, o governo sueco fez um anúncio no rádio dando conta de que, ao longo da semana seguinte, haveria um exercício-surpresa de defesa civil, para preparar a população contra ataques aéreos. Logo em seguida, apareceu um espertinho para dizer que o anúncio era inconsistente. Por quê?
Bolas, suponha que a semana sueca seja contada de domingo a sábado. Então, se o exercício não ocorresse até a sexta-feira seguinte, ele não poderia mais acontecer – porque todos estariam a esperá-lo para o sábado, último dia da semana, e não haveria surpresa alguma. E se o exercício não tivesse ocorrido até quinta, ele também não seria mais uma surpresa — porque todo mundo sabe que ele não poderia ocorrer no sábado, e então a única opção restante seria a sexta.
Com o mesmo raciocínio, é possível eliminar cada dia, do último até o primeiro, e demonstrar que o exercício, tal como anunciado, é impossível.
Certo?

Chegando…

Oi, gente!
Esta é a minha primeira postagem “original” aqui no ScienceBlogs (todas as anteriores foram importadas do antigo Lablogatórios ou, até, do velho ‘Ideias Cretinas’ solo, do blogspot).
Para os leitores mais antigos, peço desculpas quanto ao “sumiço” de alguns comentários mais recentes… Eu fiz uma pequena lambança no transplante das últimas postagens e os comentários sofreram com isso.
Para os novos, bem-vindos… e boa viagem aqui com a gente!

Negação do Holocausto

Falando em excomunhão, lembrei-me da polêmica causada pela reintegração à igreja católica do bispo Richard Williamson, que ganhou uma notoriedade indesejada ao se proclamar defensor as chamadas teses negacionistas, que negam a ocorrência do Holocausto durante a 2ª Guerra Mundial.
O negacionsimo tem várias dimensões — incluindo seu impacto emocional sobre os sobreviventes do genocídio e seu papel da justificação de políticas de extrema direita ou antissemitas — mas o que me interessa aqui é a faceta científica e filosófica do problema: primeiro, como é possível saber que um fato histórico realmente ocorreu? Como saber se a interpretação dominante de um conjunto de evidências (documentos, testemunhos, vestígios químicos, etc) é realmente a correta? E segundo, a questão da liberdade de expressão: por que os negacionsitas são perseguidos e reprimidos? Por que não dar a essas pessoas o direito de dizer o que pensam?
Para entrar na questão é importante, primeiro, definir “Holocausto” (ou “Shoá”). O termo, usado em referência ao ocorrido na guerra de 1939-1945, abarca três afirmações (aqui estou adaptando conceitos do livro Denying History, de Michael Shermer e Alex Grobman):
1. Cerca de 6 milhões de judeus foram deliberadamente mortos pelo Estado alemão.
2. Parte significativa dessas mortes se deu em câmaras de gás.
3. Exterminar os judeus da Europa foi uma decisão tomada e implementada de forma consciente pelo governo nazista e seus funcionários.
Um “negacionista” é alguém que nega pelo menos uma dessas afirmações: ele pode achar que seis milhões é um número exagerado; que as câmaras de gás eram apenas usadas para matar piolhos e carrapatos, nunca pessoas; ou que a morte dos judeus nos campos nazistas foi incidental, causada por desnutrição e doenças, e não parte de uma política deliberada de assassinato em massa.
Falando assim — e pondo o aspecto político-emocional da questão de lado — pode parecer que os negacionsitas têm a oferecer uma interpretação da história que pode ser tão “válida” quanto qualquer outra, e que a disputa deveria ser resolvida calmamente nas publicações especializadas e fóruns acadêmicos.
O problema com essa conclusão é que a tese negacionista é tão “válida” quando a de que a Terra é plana, de que a Lua é feita de queijo ou de que a evolução das espécies é um mito: assim como essas três, a negação do Holocausto depende de (a) uma reinterpretação radical da evidência, (b) de uma enorme conspiração para ocultar a “verdade” das massas e (c) de um uso essencialmente desonesto de questões ainda em aberto na historiografia e erros historiográficos já asumidos.
Por exemplo, entre as evidências de que o Holocausto ocorreu da forma como descrita na história oficial, há confissões de nazistas — de simples guardas a altas autoridades, como Eichmann, que nunca negou o Holocausto e que, quando julgado, defendeu-se dizendo que apenas cumpria ordens — fotos de pilhas de corpos, dados demográficos (quantos judeus havia na Europa antes da guerra, quantos constam como deportados para os campos de concentração ou emigrados, quantos havia depois) e depoimentos de sobreviventes.
Negacionistas costumam dizer que as confissões foram extraídas sob tortura, que os judeus que “faltam” na conta demográfica emigraram, que os depoimentos dos sobreviventes são exagerados. Mas, faz sentido afirmar que todas as confissões foram obtidas sob tortura, que confissões obtidas de diferentes pessoas, mantidas em locais separados e por diferentes interrogadores, diriam a mesma coisa?
Quanto à tese da emigração: se ela estiver correta, então cinco milhões de judeus sobreviventes da guerra (os negacionistas reconhecem menos de 1 milhão de mortos) simplesmente desapareceram da história sem deixar rastro, sem reivindicar, por exemplo, cidadania do Estado de Israel ou a reparação dos bens roubados pelo Estado nazista.
Por fim, o testemunho das vítimas pode muito bem ser o elo mais fraco da historiografia do Holocausto — cada prisioneiro, afinal, via apenas uma pequena parte do que estava ocorrendo, boatos e rumores eram constantes, e a fantasia talvez fosse a única escapatória para muitos — mas existe um grande número de depoimentos corroborados ou esclarecidos por outras linhas de evidência, depoimentos de diferentes prisioneiros que são consistentes entre si, etc.
Fenômenos históricos como o Holocausto são provados pelo que se costuma chamado de “consiliência de induções“, que é o que ocorre quando várias linhas independentes de evidência apontam para uma mesma conclusão.
Negacionsitas tendem a atacar detalhes de uma ou outra linha, apresentar o debate de questões ainda em aberto por historiadores sérios como “prova” de que esta ou aquela linha é essencialmente falsa ou fazer exemplo de linhas que a própria história oficial já se encarregou de descartar, como o mito do sabão humano. Uma conspiração torna-se necessária, porém, para explicar a solidez geral das linhas e a manutenção da consiliência entre elas. Do ponto de vista retórico e filosófico, isso não é muito diferente do que fazem os criacionsitas.
Por fim, a questão da liberdade de expressão: mesmo reconhecendo o impacto político e emocional do negacionismo, não creio que punir criminalmente, anatemizar e proscrever seus defensores seja uma solução. Reprimir ideias só serve para criar mártires e impedir o livre debate que poderia reduzir ideias falsas às devidas proporções, além de dar ao pensamento reprimido a aura de fruto proibido. Como diz um amigo, nunca houve tantos comunistas no Brasil como durante a ditadura de 64-85…

Paradoxo de sexta (18)

Como foi bem notado nos comentários, o da semana passada envolvia a presença de zeros nos numeradores das frações, o que joga areia no mecanismo da regra de três. Esse paradoxo tem um certo valor didático, ao exemplificar por que a regra de três não funciona quando há zeros na jogada… Algo que meus professores de matemática do ginásio e colegial nunca explicaram.
O desta semana é o Paradoxo da Riqueza Infinita. Imagine um homem com um saco contendo infinitas moedas de ouro. Ele caminha pelas ruas da cidade, acompanhado por um criado, e num dado momento é abordado por um mendigo. O homem propõe então, ao mendigo, um jogo: ele vai jogar para o mendigo duas moedas por minuto, desde que o mendigo se comprometa em lhe devolver uma moeda a cada trinta segundos.
O mendigo aceita, raciocinando da seguinte forma: ele vai me jogar as moedas 1 e 2, eu fico com a 1 e devolovo a 2. Ele em segfuida vai me jogar as moedas 2 e 3, eu fico com a 2, e devolvo a 3. E assim por diante. Logo, vou ficar com todo o ouro!
O criado fica orgulhoso da generosidade de seu mestre, que se dispõe a dividir a fortuna em partes iguais com um desconhecido. Ele raciocina da seguinte forma: o mendigo vai receber as moedas 1 e 2, e devolver a 2. Vai receber as 3 e 4, e devolver a 4. E assim por diante, até ficar com todas as moedas impares e meu mestre, com todas as pares.
Já o homem rico não se sente nem tolo, nem generoso. Ele acha mesmo é que vai se divertir às custas do pobre mendigo. Seu raciocínio é o seguinte: ele jogará as moedas 1 e 2, e receberá a 1 de volta. Jogará as 3 e 4, e receberá a 2 de volta. Jogará 5 e 6, e receberá a 3 de volta… Vai demorar, mas certa hora todas as moedas terão voltado para ele.
Qual dos três está certo?

A ceia dos excomungados

Uma coisa que está meio que escapando neste debate todo sobre a excomunhão, pela igreja católica, da equipe médica que salvou a vida de uma menina de 9 anos ao realizar um aborto, é o fato de que a teologia católica tenta, ao máximo, estruturar-se de forma lógica e orgânica, com causa seguindo a efeito e conclusão seguindo as premissas escrupulosamente. Os caras passaram a idade média inteira trabalhando nisso, e fizeram um belo serviço.
Essa constatação não só tem o efeito de mostrar que a qualidade das conclusões de um argumento não tem como ser maior que a das premissas que o compõem (e, analisando a doutrina católica, que cada um faça a estimativa de qualidade das premissas básicas dessa religião que lhe parecer mais justa), mas também evidencia o fato de que, do ponto de vista da lógica católica, a excomunhão foi perfeitamente normal, natural e correta.
Por exemplo, a Enciclopédia Católica diz, com todas as letras, que “os deveres sociais da mulher podem ser designados como maternidade (…) a personalidade feminina plenamente desenvolvida encontra-se na mãe”.
De forma coerente com essa linha de pensamento, o papa João Paulo II canonizou Gianna Beretta Molla, uma mulher cuja fama deve-se, particularmente, ao fato de ter preferido morrer a abortar.
Somando-se a isso, há o fato de que a lei canônica é clara: aborto gera excomunhão automática (já coisas como assassinato, sequestro e mutilação têm castigos mais suaves). Embora a medida não esteja no Código de Direito Canônico, o papa Pio XII decretou, décadas atrás, que apoiar o comunismo também é motivo para excomunhão automática. Alguém devia avisar o Lula (e a CNBB, aliás…)!
Isso tudo serve para dizer que é impossível condenar a excomunhão sem condenar todo o corpo orgânico da doutrina católica. Uma coisa não se sustenta sem a outra, ou vice-versa. Esta talvez seja uma verdade inconveniente, mas os críticos do bispo de Pernambuco deveriam tê-la em mente. E levá-la a sério ao declarar qual sua religião no próximo censo.

Paradoxo de sexta (17)

O da semana passada realmente envolve uma confusão entre deslocamento linear e deslocamento angular — trata-se de um paradoxo clássico, exposto pela primeira vez por Aristóteles. Às vezes é chamado de “círculo de Aristóteles”.
O desta semana volta à aritmética. Não sei se tem um nome oficial, então vou chamá-lo de “paradoxo da regra de três”. Regra de três acho que todo mundo sabe o que é: o princípio de que se duas frações são iguais, como a/b = c/d, então a.d = b.c. Daí não é difícil concluir que se a/b = a/x, então x = b. Milhares de questões de vestibular dependem dessa constatação simples. Mas… E quanto a esta equação:
x-3/x-1 = x-3/x-2 ?
Se os numeradores são iguais, os denominadores também devem ser, pelo princípio da regra de três. Mas isso leva a x-1 = x-2, e ao velho espectro 1 = 2.
Parafraseando um grande filósofo, what the fuck…?

Blackmore sobre Sheldrake

Leitura recomendada: este artigo de Susan Blackmore sobre o trabalho de Rupert Sheldrake. Eu já bloguei sobre Sheldrake antes, a respeito de seu estudo com um papagaio supostamente telepático, e o artigo de Blackmore tem o grande mérito de, sendo curto e em tom coloquial, pôr o dedo na ferida de o que está errado com os tais “campos morfogenéticos” que encantam tanta gente.
Outra vantagem do artigo é que ele está cheio de links, inclusive um com uma análise da metodologia usada por Sheldrake para concluir que um cachorro tinha o “poder” de prever quando o dono decidia voltar para casa, correndo até o portão no exato instante, ou no instante aproximado, em que o dono, não importa onde estivesse, tomava a condução de volta.
Segundo Sheldrake, a forma correta de analisar os dados é fazer um gráfico do tempo que o cão passava na porta, e assim concluiu que ele passava mais tempo por lá a partir do instante em que o dono começava a voltar.
Soa impressionante. Mas eis avaliação cética:
“Parece que o padrão observado poderia surgir facilmente se Jaytee (o cão) fizer muito pouco logo depois de a dona sair de casa, mas depois começar a visitar o portão mais frequentemente, e por períodos maiores, quanto mais tempo ela ficasse fora (…) O resultado seria Jaytee estar na janela mais frequentemente quando ela estivesse voltando, já que a viagem de volta marca o período final do experiemento”.
Ou: o cão não é telepata. Ele só sente saudades.

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