De quem é o Cristo Redentor, afinal?

Divertindo-me com a notícia de que a Arquidiocese do Rio quer uma indenização por conta do uso da imagem do Cristo Redentor no filme 2012, resolvi pesquisar um pouco sobre a quem, afinal, a estátua pertence. E, no que não deveria ser nenhuma surpresa, caí em mais uma daqueles emaranhados de relações incestuosas entre Igreja Católica e Estado brasileiro que tantos nobres juristas consideram parte intocável de nossa tradição cultural — e a Constituição que se dane.
O site da Riotur diz que a estátua fica no “Parque Nacional da Tijuca”. Se é parque nacional, é de todos os brasileiros, certo? Sim, mas alguns são “mais brasileiros” que os outros — basicamente, se você não for católico, você é um cidadão se segunda categoria. O Brasil Contact, um site de turismo, informa:
Já é possível desde 12 de outubro de 2003 realizar casamentos, batizados e celebrações de ritos católicos utilizando a capela de Nossa Senhora de Aparecida, na base da estátua. O Cristo Redentor tornou-se oficialmente santuário católico há alguns anos.
Mas a questão quente, mesmo, é a dos direitos de imagem — ou seja, do dinheiro gerado pela venda de medalhinhas, camisetas, chaveiros, velas, etc, etc. Desde que o comércio de falanges, falanginhas, falangetas dentes de santos passou a ser considerado de mau gosto, essa é uma fonte de renda importante para santuários religiosos cristãos. Estão na disputa a arquidiocese, a família do escultor Paul Maximilian Landowski e, mais discretamente, a prefeitura do Rio.
(A Wikipedia em português declara peremptoriamente que os direitos são da arquidiocese, mas não cita fontes; o artigo em si sobre o Redentor é um tanto quanto suspeito, já que inclui uma confusa diatribe a respeito a doutrina católica da veneração de imagens que certamente deveria estar em outro lugar).
A arquidiocese tem a seu favor a doação da estátua, feita pela União na década de 30. Notícia recente, publicada em O Globo, indica que ela até mesmo arca com os custos da manutenção da estátua, o que realmente é de fazer cair o queixo.
Então, temos uma estátua doada à Igreja em 1934, mesmo ano em que entrou em vigor a primeira constituição varguista (ainda não era a “polaca”, ditatorial, de 37); mas que fica dentro de um parque nacional; cujo “copyright” é disputado na justiça; que é servida por uma série de equipamentos públicos; e que, por fim mas não menos importante, é marqueteada como “símbolo da cidade do Rio” e “patrimônio nacional”.

Pastafári, ateu, agnóstico ou infiel?

Denominações cristãs multiplicam-se (embora não, necessariamente, cresçam) tão depressa que fica difícil manter uma estatística adequada delas. Mas a multiplicidade de rótulos não é exclusiva dos crentes — duvidosos e descentes descrentes também têm uma terminologia meio confusa para referirem-se a si mesmos.
(Em nossa defesa, digo que com a exceção do subgrupo dos ateus marxistas, não temos a tendência de nos matarmos mutuamente por causa disso).
Ciente do fato, a blogueira Jen McCreigh, do Blag Hag, resolveu fazer um cruzamento de rótulos com idade entre seus leitores. “Ateu” e “cético” ganharam disparado na maioria das faixas etárias, enquanto que outro velho favorito, “agnóstico”, comeu poeira, juntamente com “bright” (sempre achei que esse rótulo nasceu de uma boa ideia, mas que de algum modo acabou mal aplicada…).

O que o papa e PT Barnum têm em comum?

A notícia de que o Sudário de Turim voltará a ser exposto ao público me fez lembrar da Sereia de Fiji, uma criatura montada a partir do esqueleto de um macaco e de um pedaço de peixe, e exibida originalmente pelo lendário empresário e escroque americano P.T. Barnum.
Acusado de se valer de fraudes para ficar rico, Barnum certa vez defendeu-se dizendo que as falsificações mais atrozes de seu “museu” eram apenas “anúncios” para atrair o público. “Não acredito em fraudar o público, mas acredito em primeiro atraí-lo e depois agradá-lo”.
A justificativa do Vaticano para ficar em cima do muro e evitar assumir a falsidade do sudário segue exatamente a mesma linha de que os fins justificam os meios: O monsenhor Giuseppe Ghiberti, presidente da comissão da arquidiocese de Turim para o sudário, refere-se a ele como “instrumento de evangelização”, de acordo com nota da Associated Press.
A nota da AP destaca a felicidade dos empresários e autoridades da cidade de Turim com a nova exibição, que ajudará a reforçar o prestígio daquela municipalidade na rota turística. (E os cofres locais, claro)
E, agora, sem brincadeira: o Sudário de Turim é falso. Pilhas de evidência apontam para o fato, incluindo o depoimento de um bispo francês, dado em 1389, de que o artista responsável pela obra havia confessado, até três datações com carbono 14 feitas neste no século passado, indicando que a peça data do século 14.
Esse volume de prova seria suficiente para convencer qualquer pessoa razoável de que, digamos, a múmia de Tutancâmon é uma fraude. Mas, claro, o menino-faraó não deixou atrás de si uma indústria multimilionária de relíquias, turismo e promessas de salvação.

Austrália proíbe ‘vacina homeopática’

O vídeo abaixo está em inglês (com sotaque australiano), mas com exceção do fabricante da vacina, que parece ter um batata quente na boca, dá pra entender a reportagem razoavelmente bem:

E já que estamos nesta nota, aproveito para publicar também um divertidíssimo vídeo de uma palestra de James Randi sobre o assunto:

Dano cerebral deixa as pessoais mais espirituais

Meu “Christopher Hitchens interior” queria que o título desta postagem fosse “lobotomia explica a espiritualidade”, mas consegui contê-lo a tempo. Aos fatos, então:
Pesquisadores de La Sapienza, em Roma, determinaram que pessoas que tiveram tumores retirados de algumas regiões específicas do cérebro passaram a ter um senso elevado de “autotranscendência”. O estudo está na revsita Neuron, mas há uma reportagem a respeito no site da Nature.
A “autotranscendência” foi definida, para os fins do estudo, como o resultado de medidas de três dimensões: facilidade de submergir num momento ou tarefa, perdendo a noção do tempo; senso de comunhão com a natureza e com os outros; e crença num poder superior. As três foram avaliadas por meio de questionários.
Críticos do estudo apontam como principais fraquezas a definição subjetiva de “autotranscendência” e o fato de o trabalho ter dependido de respostas dadas pelos voluntários, em vez de medições diretas de atividade cerebral e da observação objetiva de comportamentos.
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(Urgesi, C. et al.)
De qualquer forma, as partes do cérebro que parecem atrapalhar a transcendência — já que ela aumenta quando essas áreas são danificadas ou destruídas — são o lobo parietal inferior e o giro angular direito. Temo que não demorará muito para que alguma revista popular comece a dizer que foi descoberta “a área do diabo” no cérebro…

Religião não só não faz de você uma pessoa melhor, como ainda engorda

Estudos científicos que buscam correlação entre devoção ou práticas religiosas e fenômenos no mundo real são especialmente espinhosos, não só porque os vieses pessoais dos pesquisadores envolvidos muitas vezes transbordam para a prática científica, mas também, e principalmente, porque sempre acabam analisados num padrão de dois pesos e duas medidas.
Assim: se comprovam algum efeito positivo são prova de que ser religioso vale a pena, se encontram efeito negativo ou nenhum efeito, quem esses cientistas pensam que são para pôr deus num tubo de ensaio?
(Não foi Stálin que inventou o duplipensar. Ele está entre nós pelo menos desde o primeiro concílio de Niceia)
Minha veia cômica, no entanto, não permite que eu deixe passar em branco dois trabalhos divulgados ontem. O primeiro, descrito nesta reportagem de Herton Escobar, constata, pela n-ésima vez, que moralidade e religiosidade são coisas diferentes.
O argumento filosófico que estabelece a independência entre senso ético e fé é tão antigo quanto a própria filosofia — “Você faz as coisas certas porque elas são certas ou porque seu deus quer? No primeiro caso, você não precisa de deus pra lhe dizer o que é certo; no segundo, você não é um agente moral, mas um escravo” — mas uma constatação empírica sempre ajuda.
A melhor, no entanto, é esta aqui, divulgada pela agência Reuters: ser religioso não só não traz benefícios para a saúde cardíaca, como estatísticas mostram que pessoas altamente religiosas têm mais chances de ser obesas. Imagens de matronas em vestido estampado na missa ou no culto logo vêm à mente? Pois é.
Ponto positivo para os crentes: gente religiosa fuma menos.
Especialistas ouvidos pela Reuters apontaram alguns problemas no estudo, como o tamanho e a composição da população estudada,então ficamos aguardando ansiosamente pelo follow-up.

Plutão em cores!

O Hubble, e mais alguns computadores trabalhando fulltime para processar as imagens, conseguiu produzir o primeiro panorama a cores do planeta (sorry, planeta-anão) Plutão. A imagem é esta aí abaixo:
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Segundo Marc Buie, o cientista responsável pelas observações que deram origem às imagens, Plutão está passando por uma mudança de estação — as manchas escuras na superfície provavelmente são depósitos de carbono deixados pela desintegração de moléculas de metano, causada pela radiação solar.
Além disso, o tipo de luz refletida por Plutão sofreu uma mudança drástica a partir de 2000, passando a conter pelo menos 20% mais de vermelho. A causa exata disso ainda é desconhecida, mas se não me engano “vermelho” pode ser um sinal de matéria orgânica.
O fato de Plutão passar por mudanças sazonais radicais pode surpreender muita gente — surpreendeu a mim — já que a imagem geral que se tem desse astro é a de uma bola congelada onde nada de muito interessante acontece. Mas a verdade é bem o oposto disso: com uma órbita extremamente elíptica, Plutão alterna períodos de “bola congelada” com épocas onde a atmosfera descongela e diversos processos têm início… fotoquímicos, com certeza, mas talvez geológicos e… quem sabe… biológicos?
Ok, “vida em Plutão” é uma ideia tão estapafúrdia que até a ficção científica a abandonou logo depois de H.P. Lovecraft usá-la em Um Sussurro nas Trevas. Mas em 2015 a New Horozons passará por lá, e talvez, apenas talvez, consiga um alô dos fungos de Yuggoth.
(E, por fim: uma animação de Plutão girando).

E, afinal, para onde a Nasa vai?

O cancelamento do Projeto Constellation atraiu as manchetes, mas o plano de Barack Obama para a Nasa vai além de um mero corte de gastos (na verdade, ele até aumentou a verba da agência espacial). Eis alguns dados interessantes que ficaram meio escondidos:
1. A determinação do lançamento das missões Glory, Aquarius e a versão preparatória do NPOESS até o segundo semestre de 2011: essas três missões têm como objetivo monitorar o clima e o meio ambiente terrestre. A Glory vai medir o impacto dos aerossóis, como fuligem, no clima; Aquarius, a salinidade dos oceanos; a NPOESS (National Polar-orbiting Operational Environmental Satellite System) é um satélite em órbita polar para acompanhar todo o clima terrestre.
2. A determinação do lançamento de “missões precursoras” para “Lua, Matte, pontos lagrangianos e asteroides próximos, em busca de alvos para futuras atividades humanas (…) e identificar perigos e recursos que determinarão o curso futuro da expansão da civilização humana pelo espaço”.
Do ponto “1”, pode-se deduzir que Obama está levando a sério a ciência sobre o aquecimento global. As missões Glory e Aquarius, principalmente, poderão levantar dados fundamentais para reduzir as principais incertezas dos modelos climáticos.
Do ponto “2”, pode-se inferir que as notícias da morte dos voos espaciais tripulados foram prematuras. Além disso, a rota traçada pelo plano — pontos lagrangianos, asteroides — permite uma interação maior entre exploração com astronautas e ciência, duas área da Nasa que viviam (e vivem ainda) em conflito.
O Hubble, por exemplo, não está em um ponto lagrangiano porque astronautas não seriam capazes de ir até lá para dar manutenção a ele. Se a capacidade de mandar gente para esses lugares for realmente desenvolvida, todo um novo tipo de trabalho com telescópios espaciais e outros tipos de instrumentos torna-se possível.
O que preocupa, realmente, é a falta de metas e prazos definidos para as iniciativas de exploração humana. Enquanto os satélites climáticos têm prazo para serem lançados, ninguém sabe quando será a primeira visita de astronautas a um ponto de Lagrange ou a um asteroide. Essa falta de metas concretas preocupa. Mas, no geral, é um bom plano.
E eu topo trocar o pouso na Lua pela primeira visita a um ponto de Lagrange; ou pelo primeiro pouso em um asteroide. Mas andem logo, gente: minha expectativa de vida caduca em 2045!

Privatizando o acesso à órbita terrestre

Se todo o material que andou vazando para a imprensa nos últimos dias se confirmar hoje, durante a apresentação oficial do orçamento federal americano para o ano fiscal de 2011, o presidente Barack Obama estará declarando oficialmente morto o Programa Constellation — a iniciativa para construir bases na Lua e enviar astronautas a Marte ainda na primeira metade deste século — e criando incentivos para que empresas privadas assumam de vez a tarefa de levar astronautas até a órbita baixa da Terra (LEO, no jargão espacial).
O Constellation, proposto pelo presidente George W. Bush em 2004, morre do mesmo problema que já havia dado cabo da Iniciativa de Exploração Espacial proposta nos anos 90 pelo Bush Pai, e que previa a conquista de Marte: falta de dinheiro. Virou hábito, nas últimas décadas, presidentes dos EUA anunciarem grandes planos de exploração do espaço e depois esquecerem-se deles a hora de fazer o orçamento.
Nesse aspecto, seria injusto acusar Obama pela morte do Constellation: ele simplesmente é o coveiro da criança que morreu de inanição durante o governo Bush. Isso tudo me deixa meio puto, já que indica que provavelmente vou morrer antes que um ser humano volte a pôr os pés em outro corpo celeste. Ou será que não?
A ideia de que a Nasa está “atolada” em LEO e que deveria estar cuidando de projetos mais grandiosos em vez de ficar levando astronautas para passear num Big Brother em gravidade zero na ionosfera parece ser a base da proposta de privatizar o acesso à órbita baixa. No entanto, sem o Constellation, que porra de “projetos mais grandiosos” sobra?
Ao que tudo indica, Obama parece ter decidido seguir o chamado “caminho flexível” proposto por um comitê que analisou o programa espacial americano no ano passado. Esse “caminho” propõe visitas a asteroides e às luas de Marte — destinos de baixa gravidade, da onde seria fácil decolar para voltar à Terra. A visita a um asteroide ainda teria a vantagem de testar e demonstrar técnicas de pouso nesse tipo de astro, coisa que um dia talvez tenhamos de fazer por questões de autopreservação.
O “caminho flexível”, no entanto, embute duas armadilhas, uma prática e uma psicológica. A prática é que ele pode ser reduzir a um programa de “pegadas e bandeiras”, no qual os astronautas vão ao destino “X” apenas para sair na foto, mais ou menos como foi o Programa Apollo. Missões tipo “pegadas e bandeiras” não criam um programa sustentável de exploração, elas se esgotam em si mesmas (de novo, como o Apollo).
A psicológica é que ele talvez seja flexível demais. Quando a Nasa pôs homens da Lua, ela tinha (1) uma missão claramente definida e (2) um prazo para executá-la. Já o caminho flexível não oferece, em princípio, nem uma coisa nem outra. O que é uma ótima receita para ir parar no limbo.

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