Números imaginários e complexos

Num comentário à minha postagem sobre a raiz quadrada de dois, Paula pergunta sobre números imaginários, e para que servem. Acho que a questão merece uma postagem à parte, então ei-la aqui.
Bom, os números imaginários são definidos como os números que, elevados ao quadrado, são negativos. Como o quadrado de todo número real é positivo, aí está, por contraste, a origem do termo “imaginário”. Os números imaginários são apresentados como múltiplos de “i”, onde “i” representa a raiz quadrada de -1. Assim, por exemplo, (2i)2 é -4.
E para que isso serve? No início, os imaginários foram assimilados para a judar a resolver equações. Se estivermos limitados aos números reais, quando uma seqüência de cálculos chega à raiz quadrada de um número negativo é preciso parar e dizer que o problema não tem solução.
Mas alguns matemáticos, séculos atrás, se perguntaram o que aconteceria se simplesmente continuassem a trabalhar a equação, ignorando o fato de que a raiz negativa não existia e substituindo-a por um símbolo qualquer (que acabou sendo uniformizado como a letra “i”). Surpreendentemente, descobriu-se que em diversos casos s raízes negativas se anulavam (tipo, i – i = 0) e o problema acabava tendo uma bela solução real.
Em muitos casos, mas não em todos. Mesmo assim, aos poucos, os números imaginários foram deixando de ser vistos como uma ficção útil e acabaram assimilados à matemática.
Depois disso, vieram os números complexos, que são os que têm uma parte real e uma parte imaginária, tipo a + bi. Os números complexos têm inúmeras aplicações. Por exemplo:
As regras criadas para operar com eles, como (a+bi) + (c+di) = (a+c) + (bi+di) servem como modelo para diversos fenômenos da natureza que ocorrem em pares — digamos, por exemplo, que as populações de machos e de fêmeas de uma espécie em uma região seja (m,f) e em outra, (m2,f2). A soma dos dois pares ocorre de forma igual à dos números complexos;
A representação geométrica dos números complexos no plano é um bom modelo para operações com vetores, quantidades que, além de tamanho, também têm direção e sentido;
E, graças ao matemático Leonhard Euler, foi estabelecida uma ligação entre números complexos e trigonometria (seno, cosseno, etc.) o que torma as operações com eles um jeito conveniente de fazer cálculos envolvendo fenômenos periódicos, com a propagação de ondas de rádio.
Finalmente, alguns modelos da relatividade geral são mais fáceis de administrar se a coordenada do tempo for tratada como um número imaginário.

The seven-per-cent solution

Neste romance de Nicholas Meyer, o Dr. Watson leva Sherlock Holmes a Viena, para que Sigmund Freud tente curá-lo de seu vício em cocaína. Estamos em 1891, e Freud ainda não tinha inventado a psicanálise — estava a meio caminho. A cura de Holmes vem por meio de uma combinação de hipnose (para reduzir a ânsia pela droga) e o bom e velho “cold turkey”: eliminar o acesso do viciado à droga e trancar a porta.
No fim, ficamos sabendo que Holmes sofreu um trauma profundo na juventude que, guardado em seu inconsciente, levou-o ao vício e a várias características de sua personalidade, como a misoginia e o desejo de denunciar e capturar criminosos.
Trata-se de uma boa peça de ficção policial (e científica?) mas me deixou com uma dúvida: o inconsciente freudiano, o conceito de motivações inconscientes, ainda faz sentido, psicologicamente?

Por que os candidatos são tão parecidos?

Morando no interior e trabalhando em São Paulo, tive uma boa dose de exposição desapaixonada à campanha eleitoral paulistana  — e uma coisa que me surpreendeu um pouco na segunda-feira foi a reação indignada de muitos colegas com a vitória de Gilberto Kassab. Não entendi que diferença fundamental haveria entre ele e Marta Suplicy, com exceção da embalagem, ambos caricatos em seus papéis de Mauricinho e Perua.
Mas isso me fez pensar Harold Hotelling e o problema dos dois carrinhos de sorvete.
Imagine uma praia de 1000 m de comprimento e dois carrinhos de sorvete, de donos diferentes. Do ponto de vsita dos sorveteiros — não dos consumidores — qual a melhor posição para os carrinhos?
A resposta é: no meio. Ou, um exatamente à direita e o outro exatamente à esquerda da linha de 500 metros. Por quê? Bem, imagine que um deles resolva pôr o carrinho na linha dos 250 metros. Se o outro se posicionar nos 251, esse segundo vai atender a todos os cilentes de 251 a 1000, enquanto que o primeiro, apenas aos clientes de zero a 250. Claro, o arranjo dos dois carrinhos na linha de 500 metros é péssimo para os consumidores que estão nos cantos da praia, já que os força a andar meio quilômetro por um picolé, mas que se dane o consumidor…
Tenho a impressão de que um fenômeno parecido está acontecendo na política: todos correndo em direção ao centro, para deixar o mínimo de margem ideológica para o adversário explorar.

Tetris é NP-hard!

Encontrei esta folheando o Universal Book of Mathematics, de David Darling: o jogo de Tetris é um problema tipo NP  NP-hard! Lá se vai minha estratégia de manter o número de linhas o mais baixo possível…
Explicando: NP NP-hard é uma classe de complexidade que reúne problemas que não têm uma fórmula geral de solução. Por exemplo, uma conta de multiplicar não é NP NP-hard, porque existe um procedimento, o algoritmo da multiplicação, que se for aplicado corretamente gera o produto de dois números, não importa que números sejam esses. 
Já para encontrar a saída de um labirinto não existe nenhum algoritmo onde, digamos, informando-se o comprimento médio dos corredores e o número esquinas à direita, obtém-se uma rota de saída. O único jeito de resolver um problema NP  NP-hard é testar todas as soluções plausíveis, até que uma delas funcione. O consolo é que é fácil testar os candidatos — o procedimento de teste é, como se diz, computável.
O fato de Tetris ser NP NP-hard significa que nenhuma estratégia — como a minha favorita, de eliminar toda linha que possa ser eliminada o quanto antes — garante pontuação máxima. O único jeito de descobrir qual a melhor estratégia para pontuar numa partida é jogando a partida; com o corolário de que, quando a estratégia tiver sido descoberta a partida terá acabado, o que torna a estratégia inútil, porque ela provavelemente não vai funcionar na próxima partida.
Até soa como algo profundo, acho.

Raios-X de durex

Esta aqui é para McGyver nenhum botar defeito: desenrolar uma bobina de durex em alta velocidade emite raios-X suficientes para produzir uma radiografia. O único problema é que a performance requer uma câmara de vácuo.  
O caso, descrito na Nature, é uma instância de um fenômeno chamadao triboluminescência, a emissão de luz por meio do esmagamento, raspagem ou quebra de um cristal. 
No caso da fita adesiva, a idéia é que, ao arrancar a fita da bobina, cria-se um desequilíbro na distribuição de elétrons entre a parte adesiva removida e a fita de polietileno da camada inferior. Sem o ar ao redor para atrapalhar, esses elétrons são acelerados o suficiente para produzir pulsos de radiação.

Sendo humano: religião

Tá, eu ia deixar o assunto de lado por um tempo, mas os fatos não permitem: a Nature está lançando nesta semana uma série de ensaios sobre a natureza humana, chamada Sendo Humano (“Being Human”) e o primero tema tratado não foi logo religião?
De autoria de Pascal Boyle, autor do livro de psicologia/antropologia Religion Expalined,   o artigo resume os argumentos a favor da idéia de que a religião é uma espécie de subproduto de poderes que o cérebro adquiriu ao longo da evolução, como a capacidade de interagir com amigos imaginários — algo útil, já que nos permite simular interações sociais antes que elas ocorram. 
Antes que alguém fique bravo com a comparação entre deus e amigos imaginários (“uma guerra religiosa é uma disputa para ver quem tem o amigo imaginário mais bacana”, já dizia a velha piada), Boyle reconhece que os fenômenos religiosos envolvem uma interação complexa entre várias áreas do cérebro, como a que gera apego ao grupo e a execução de comportamentos repetitivos e ritualizados.
A revista montou um site específico para a série Being Human, aqui. O texto de Boyle (espero que aberto também para não-assinantes) está aqui.

Os neandertais e a História da Salvação

Uma edição recente da National Geographic traz um belo dossiê sobre o homem de neandertal e que me trouxe uma associação meio maluca de idéias: afinal, como um ramo extinto do gênero Homo se encaixa na visão cristã da história da humanidade?
O cristianismo, afinal, tem uma chamada “História da Salvação“: como a humanidade “caiu”, foi salva por Cristo e, em algum momento do futuro, após a “consumação dos tempos”, voltará a viver num paraíso terrestre, em corpos superpoderosos ressuscitados.
Mas o homem de nandertal também era, ao que tudo indica, racional, capaz de fazer escolhas morais, criado à Imagem e Semelhança do Criador… e desapareceu antes que o drama da salvação se desenrolasse; a “consumação dos tempos” veio antes para ele.
O que isso significa? Que os neandertais nunca “caíram” e já foram arrebatados, em estado de graça, para o Paraíso? Que, se caíram, o Cristo deles veio mais cedo? Que Deus criou uma humanidade paralela só para abandoná-la e trocá-la por nós?
Para onde foram as almas dos neandertais?

Lógica deôntica

Como ontem eu postei sobre uam questão ética meio cabeluda — eugenia — hoje vou tratar um pouco da lógica deôntica, ou a tentativa de se criar um sistema formal que permita deduzir quais conclusões se seguem logicamente de um determinado conjunto de normas éticas.
A idéia de uma lógica deôntica surge, meio que naturalmente, quando se contempla o grande sucesso da lógica em transformar enunciados em símbolos que podem ser manipulados de forma abstrata, sem referência a seu significado, como em:
LA ->  MB
(os operadores “L” e “M” querem dizer “é possível que” e “é necessário que”, respectivamente; “->” significa “então”. A sentença se lê “Se a é A possível, então B é necessário”).
MB -> MC
Conclui-se:
LA -> MC.
Onde é possível, substituindo-se LA, MB, MC por enunciados verdadeiros, garantir que a conclusão será verdadeira. No campo da ética, então, seria possível criar um sistema de símbolos que permitisse manipular enunciados abstratos não em termos de “possível” ou “necessário”, mas de “obrigatório”, “permitido”, “opcional”, “proibido”? 
Se isso pudesse ser feito, não só todos os problemas da ética e do direito seriam, em princípio, redutíveis a um número finito de operações matemáticas, como seria possível testar projetos de lei e propostas éticas logicamente antes de adotá-los, e reduzindo (ou, até, eliminando) a possibilidade de surgirem propostas que levassem, mais adiante, a resultados absurdos ou contraditórios.
De início, parece ser fácil definir os termos básicos. Vamos adotar o operador “O”, no sentido de “é obrigatório”, e “~”, para significar “não”. Então, temos:
OA, “A é obrigatório”;
~OA, “A não é obrigatório”, ou “A é opcional”;
O~A, “é obrigatório que não se faça A”, ou “A é proibido”;
~O~A, “não é obrigatório que não se faça A”, ou “A é permissível”.
Até aí, tudo bem. Mas conflitos não demoram muito a surgir.  Por exemplo, imagine que você vê uma criança se afogando. Intuitivamente, é obrigatório salvá-la. Vamos chamar essa conclusão de OB (sem trocadilho).
Mas, para salvá-la, é necessário pular na água. Vamos chamar isso de MA. E também parece evidente que pular na água também é obrigatório (OA), dadas as circunstâncias. Então, podemos concluir que:
(OB -> MA) -> OA.
Ou, se uma coisa é condição necessária para que se cumpra uma obrigação, então essa coisa também é uma obrigação.
Parece perfeitamente sensato, mas essa estrutura dá margem ao chamado Paradoxo do Assassino Gentil. Assim:
É obrigatório, ao matar alguém, matar de forma indolor. Mas só posso matar alguém de forma indolor se eu matar alguém. Mas como toda condição necessária para o cumprimento de uma obrigação também é uma obrigação, conclui-se que eu devo matar alguém.
O que é um absurdo óbvio. 
Tentativas de contornar o problema envolvem, por exemplo, a adoção do conceito de condicionalidade “/”, significando “dado que”, que gera sentenças do tipo O(B/A), ou “Devo matar de forma indolor, dado que vou matar”.
Mas esse sistema também encontra obstáculos mais à frente… A lógica deôntica ainda é um campo fértil de debate.

Quem tem medo da eugenia?

Óquei, a palavra carrega uma carga ideológica terrível. A idéia de controlar conscientemente as características de uma geração futura de seres humanos, sempe que aplicada em larga escala, foi usada em nome de políticas autoritárias e preconceituosas. 
Mas essa forma — autoritária e preconceituosa — é a única forma em que o conceito pode ser usado? Autoritarismo e preconceito são características essenciais da eugenia, ou se ligaram a ela por mero acidente histórico?
 Eu diria que é perfeitamente possível separar uma coisa da outra. Por exemplo: muitas práticas adotadas de forma corriqueira por gestantes mais bem informadas, como evitar tabaco e álcool ou usar suplementos de ácido fólico, podem muito bem ser consideradas “eugênicas” (e só não são chamadas assim, suponho, para evitar a associação com a eugenia autoritária de triste memória).
Qual seria a diferença — além da de grau — entre o cuidado informado da mãe durante a gestação e o cuidado informado dos pais na composição genética do embrião?
Hoje em dia, a medicina já dá aos pais algum controle sobre a vida intra-uterina do filho.
Os mesmos pais, aliás, que sempre tiveram amplo controle sobre a vida extra-uterina: escolhem qual será a religião da criança, em que escola vai estudar, quais pratos vai comer. Além disso, sempre coube aos pais escolher que genes ela terá: optar por um parceiro para gerar um filho é um cálculo eugênico, ainda que relizado, de forma inconsciente, por hormônios e codificado em regras sociais.
  Então, o que há de errado com o passo além — permitir aos pais que escolham não só o “pool” genético genérico da onde a criança sairá (que é, afinal, o genoma somado dos cônjuges) mas que selecionem genes específicos?
Acho que existem três temores envolvidos aí: o primeiro é uma forma de determinismo genético, o medo de que, se for possível escolher cada gene, será possível fabricar zumbis, criar crianças que não serão mais que reflexos despersonalizados das expectativas dos pais. Mas me parece que a interação entre gene e ambiente é um pouco complexa de mais para permitir isso.
O segundo é o temor da mercantilização da criança: ela deixaria de ser vista como um novo ser humano e pasaria a ser encarada como uma mercadoria, encomendada, fabricada e paga. MInhas dúvidas nesse caso são (a) será que já não chegamos de fato a esse ponto, mesmo sem eugenia? e (b) se essa visão mercantil se traduz em algo ruim para a criança: bebês desejados são recebidos com amor, não importa a matriz ideológica que presidiu sua concepção.
O terceiro, claro, é o medo de “brincar de Deus”. Se as pessoas começarem a ter os filhos que desejam, e não os filhos que Deus manda, isso não será um pecado horrível?
É dessa terceira objeção que surge, a meu ver, o mais forte argumento a favor de uma versão individualizada, não-preconceituosa e não-autoritária (mas talvez mercantil) eugenia: na sentença acima, “Deus” pode muito bem ser substituído por “acaso”. No fim, ou a concepção de um novo ser humano está sob o controle de alguém, ou está ao sabor do acaso. Se esse “alguém” forem os pais — e não o Estado ou o Dr. Mengele — como isso pode ser pior que o acaso?

Miller ataca novamente

A Science desta semana traz a notícia da “redescoberta” de uma versão alternativa do experimento clássico de Stanley Miller sobre a possível origem das moléculas constituintes da vida.
Nessa “nova” versão, a mistura de gases redutores de Miller foi enriquecida com vapor de água. O resultado, segundo a descrição na Science, é um ambiente muito parecido com o que acredita existir nos arredores de ilhas vulcânicas, principalmente em tempos de erupção.
Assim, décadas depois de a idéia de que a Terra primitiva teria uma atmosfera redutora ter sido abandonada, a “sopa primordial” de Miller ganha um novo poder como modelo científico.
Um adendo: dada essa nova descoberta, e os resultados paralelos sobre aminoácidos em meteoritos, a pergunta é: onde a vida pode não ter começado?

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