Fritz Kahn: livro e exposição em Berlim

Em novembro passado foi lançado o primeiro livro sobre a vida e a obra de Fritz Kahn (1888-1968), um ginecologista alemão e autor de bestsellers mundiais sobre o corpo humano, que se destacaram por uma iconografia farta, original e extravagante.

Em muitas das 206 ilustrações de “Fritz Kahn – Man Machine”, organizado por Uta e Thilo von Debschitz, (SpringerWienNewYork, 2009), o coração é uma bomba, os nervos são cabos telefônicos, os rins são destilarias. Na linguagem visual de Kahn, baseada em metáforas e analogias que espelhavam o progresso tecnológico da primeira metade do século 20, cada órgão é uma eficiente linha de produção e o organismo todo, um palácio industrial.

"O homem como um palácio industrial", em "Das Leben des menschen" (A vida do homem), de 1924.

Provavelmente você já viu a ilustração acima, ou pelo menos algo parecido com ela (Kahn é referência para vários ilustradores e editores de arte.) “O homem como um palácio industrial” faz parte de “Das Leben des menschen” (Life of man), série de cinco volumes publicados entre 1922 e 1931. Foi traduzida em diversos países, inclusive no Brasil, onde saiu por diferentes editoras ao longo dos anos 1940 e 1970 com o título “O corpo humano“.

Kahn despontou como science writer durante a República de Weimar, o período entre as duas guerras no qual a Alemanha teve seus anos dourados de desenvolvimento técnico e industrial. Em 1933, com a chegada dos nazistas ao poder e a consequente perseguição aos judeus, o médico viu seus livros serem queimados e algumas de suas ilustrações usadas em publicações a serviço do Terceiro Reich.

Depois de vagar um tempo pela Europa, Kahn emigrou para os Estados Unidos em 1941, no que contou com a ajuda de uma carta enviada por Albert Einstein ao consulado americano em Lisboa (fác-símile na pág. 51). Uma vez na América, foi logo incorporado a um mercado editorial que já vinha explorando o então emergente nicho de livros de ciência e medicina para o grande público.

Kahn não desenhava, mas tinha uma imaginação visual prolífica. Para colocar suas ideias no papel, ele mantinha equipes de ilustradores profissionais (donos dos mais diversos estilos), em grande parte desconhecidos porque não costumavam assinar as ilustrações. O próprio Kahn só começou a imprimir nelas o “fk” depois de ter seu trabalho pirateado mundo afora.

As ilustrações do livro dos irmãos von Debschitz mostram, entretanto, que Kahn não se restringiu ao universo das plantas industriais.  Em “Travel experiences of wandering cell”, de 1924, ele narra a aventura de uma célula por intrigantes paisagens do corpo humano. O traço refinado do artista produziu a ilustração abaixo, que é uma das minhas preferidas.

As imagens imaginadas por Kahn e executadas por sua equipe estão cheias de excessos, porém. Como escreveu um revisor do American Quartely Review of Biology sobre “Man in structure and function” em 1943: “O aspecto mais notável da publicação consiste nas 461 ilustrações bem reproduzidas, muitas das quais são altamente imaginativas e a maioria tem um raro grau de detalhe. Às vezes, porém, o desejo de originalidade atingiu extremos absurdos” (pág. 15). O preço dessa obsessão foi a perda de precisão e incorreções do ponto de vista biológico. Alguns o criticavam por isso, entre eles seu próprio filho, ao qual o ginecologista replicou uma vez: “Elas [as ilustrações] podem estar erradas, mas assim é mais fácil de entender!” (pág. 37).

Fritz Kahn era um homem inquieto, bem-humorado e intempestivo. Todos os assuntos o interessavam — escreveu sobre o átomo, a vida sexual, a natureza, a cultura jadaica, a questão palestina e suas viagens. Também foi um homem de sorte. Depois de uma operação para retirar um tumor do cérebro, foi um dos poucos sobreviventes do desabamento de um hotel em Agadir, Marrocos, onde excursionava em 1960, quando um forte terremoto atingiu a cidade. Saiu de lá sem ferimentos graves.

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Arquitetura da digestão, de "Man in structure and function", de 1943


O trabalho de Kahn aos poucos foi esquecido, embora suas imagens nunca tenham parado de circular pelo mundo, especialmente pela internet. À medida que a tecnologia se renovou e a ciência e a medicina se especializaram cada vez mais, suas comparações ficaram obsoletas e perderam o sentido. Com uma visão holística do ser humano e da natureza, ele criticou a “compartimentalização” do paciente e imaginou, em 1925, o médico do futuro como um burocrata em frente a um painel de controle.

The doctor of the future, 1925


É a primeira vez que obra de Kahn é reunida em livro. Sempre estranhei a escassez de informação sobre ele na internet (na Wikipedia não há verbete em inglês ou alemão, embora haja em português, curiosamente). Além das imagens, o livro conta com dois bons capítulos de texto, um ensaio e um perfil. Um pôster grande da ilustração “O homem como um palácio industrial” acompanha o volume.

A autoria é dos irmãos alemães Uta e Thilo Von Debschitz, que sem saber conviveram com os descendentes do médico alemão por mais 20 anos, antes de descobrir, em meados de 2008, de quem se tratava. Uta é arquiteta, escritora freelancer e curadora de projetos em cultura e saúde em Berlim; Thilo é designer e editor de arte e trabalha com publicidade em Wiesbaden.

Exposição na Charité
Além do livro, o trabalho rendeu uma exposição que acontece entre janeiro e abril no Museu de História de Medicina de Berlim, da Universidade Charité, que assim inaugura o calendário de comemoração dos 300 anos que a instituição completa em 2010. A Charité é um dos maiores centros de pesquisa médica do mundo, de onde já saíram nada menos que oito prêmios Nobel, entre eles Emil von Behring (1901), Robert Koch (1905) e Paul Ehrlich (1908).

Links diversos:

# O livro: Fritz Kahn – Man Machine, Uta e Thilo von Debschitz, SpringerWienNewYork, 2009, 56 dólares, bilíngue (inglês e alemão).

# A exposição: de 23 de janeiro a 11 de de abril de 2010, no Museu de História da Medicina da Universidade Charité em Berlim.

# Animação de 2009 baseada em “O homem como um palácio industrial”, de Henning M. Lederer, no blog Street Anatomy.

# Contato para imprensa (em inglês)
Tel: +49 (0)30 280 99 104
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Vida que não acaba mais

Uma nova área de pesquisa, a metagenômica, mostra que o mundo microscópico tem uma biodiversidade sem precedentes, além de um papel importante para a manutenção dos ecossistemas

Há mais micro-organismos entre a terra e os mares do que sonha nossa vã biologia. Com o perdão de William Shakespeare pela paráfrase ao seu clássico pensamento, a frase é a melhor tradução da biodiversidade desse universo – gigantesco, porém desconhecido. Bem, sonhava. Um novo mecanismo de análise genética conhecido como metagenômica está revelando o tamanho desse mundo.

Desde que o holandês Anthony van Leeuwenhoek usou pela primeira vez um microscópio para observar material biológico, em 1674, a Microbiologia classificou cerca de 5 mil espécies de bactérias – muito menos do que se pode esperar de seres que vivem neste planeta, como habitantes originais, há pelo menos 3,5 bilhões de anos. “A Microbiologia clássica sempre trabalhou focada numa única espécie, cultivada em laboratório”, afirma Darío Abel Palmieri, do Laboratório de Biotecnologia Vegetal da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp em Assis.

Com a metagenômica, explica, tornou-se possível estudar espécies que não se deixam cultivar em placas de Petri e estufas – a esmagadora maioria. Em 1g de solo, por exemplo, já foram identificadas geneticamente cerca de 1 milhão de espécies de bactérias, das quais no máximo 1% sobrevivem isoladas e fora de seu habitat. Outra vantagem do método é permitir a análise simultânea do DNA de todos os micro-organismos de uma amostra ambiental, diz o pesquisador.

Ferramentas poderosas
Trazendo tecnologias avançadas de genômica e bioinformática, a metagenômica vem transformando os laboratórios de Microbiologia nos últimos dez anos. Sua principal ferramenta é o sequenciamento do tipo shot-gun (traduzido como “a tiros de cartucheira”), usado pela primeira vez em grande escala pelo geneticista e empresário americano Craig Venter, em 1998 – quando a Celera, seu conglomerado, entrou numa ambiciosa concorrência com o consórcio público que coordenava o Projeto Genoma Humano.

O segredo do shot-gun sequencing é bombardear o DNA intensa e aleatoriamente, para depois sequenciar muitos fragmentos curtos ao mesmo tempo, com mais rapidez e menos custo. Depois é preciso remontar o quebra-cabeça para cada espécie, antes de partir para análises mais específicas, gene a gene. As duas etapas são de alta complexidade e seriam impensáveis sem o uso de poderosos algoritmos da bioinformática.

Especialistas estimam que pode haver mais de 10 milhões de espécies de bactérias. Mas eles não parecem preocupados com a classificação taxonômica de tantas novas conhecidas; o que os interessa é a diversidade genética das populações. E ela já é muito superior ao que se imaginava,como demonstrou o próprio Venter com uma expedição científica ao Atlântico Norte entre 2004 e 2006.

Nas águas do mar dos Sargaços (no meio do oceano) foram encontradas cerca de 1.800 espécies de micro-organismos, o que resultou na identificação de mais de 1,2 milhão de genes codificadores de proteína – dez vezes mais que o catalogado nas maiores bases de dados de proteínas da época.

Abundantes e ubíquas
Além de ampliar a compreensão sobre a filogênese das formas primordiais de vida, o instrumental metagenômico vem revelando a importância da microbiota nos ciclos geológicos (carbono e nitrogênio, por exemplo) e no equilíbrio dos ecossistemas, devido a sua abundante e ubíqua presença nos solos, na água, na fauna e na flora.

“Podemos conhecer a representação de cada espécie, família ou gênero na população de um determinado ambiente, saber se esta proporção muda ao longo do tempo e em função da ação humana”, explica Eliana Gertrudes de Macedo Lemos, especialista em metagenômica de solos da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp em Jaboticabal.

Também na biotecnologia, a metagenômica traz a possibilidade de acesso a gigantescas bibliotecas de genes, de onde podem sair muitas proteínas e, sobretudo, enzimas com grande potencial na agricultura e na remediação de danos ambientais, por exemplo. “O conjunto gênico da microbiota de um ambiente é capaz de revelar quais vias metabólicas estão em ação, se ela está envolvida com processos de ciclagem de um dado nutriente, como nitrogênio e fósforo. Ou se é capaz de degradar poluentes, como petróleo, fertilizantes, metais pesados”, enumera Eliana.

As indústrias química, farmacêutica e alimentícia estão atentas às oportunidades que o sequenciamento do genoma coletivo da microbiota, o microbioma, pode abrir num futuro próximo.

***

QUADRO: O inóspito reino das arqueas
A metagenômica tem renovado o interesse pelas arqueas, organismos procariotos sobre os quais ainda se sabe muito pouco, porque é muito difícil cultivá-los em laboratório, explica Darío Abel Palmieri, da Unesp em Assis. Estes seres unicelulares são comumente encontrados em lugares inóspitos — muitos quentes, salinos ou sulfurosos, como os gêiseres. Antigamente eles eram conhecidos como arqueobactérias, quando então pertenciam ao reino Monera, que era o único reino procarioto. Mas a taxonomia mudou. Nos anos 1970, concluiu-se que as arqueas são tão diferentes das bactérias e dos eucariotos que mereciam ter um reino só para si. Atualmente os procariotos são representados pelos reinos Bacteria e Archaea.

Especialização do conhecimento

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“Vivemos uma época de especialização do conhecimento, causado pelo prodigioso desenvolvimento da ciência e da técnica, e da sua fragmentação em inumeráveis afluentes e compartimentos estanques. A especialização permite aprofundar a exploração e a experimentação, e é o motor do progresso; mas determina também, como consequência negativa, a eliminação daqueles denominadores comuns da cultura graças aos quais os homens e as mulheres podem coexistir, comunicar-se e se sentir de algum modo solidários.

“A especialização leva à incomunicabilidade social, à fragmentação do conjunto de seres humanos em guetos culturais de técnicos e especialistas, aos quais a linguagem, alguns códigos e a informação progressivamente setorizada relegam naquele particularismo contra o qual nos alertava o antiquíssimo adágio: não é necessário se concentrar tanto no ramo nem na folha, a ponto de esquecer que eles fazem parte de uma árvore, e esta de um bosque. O sentido do pertencimento, que conserva unido o corpo social e o impede de se desintegrar em uma miríade de particularismos solipsistas, depende, em boa medida, de que se tenha uma consciência precisa da existência do bosque. E o solipsismo – de povos ou indivíduos – gera paranóias e delírios, as deformações da realidade que sempre dão origem ao ódio, às guerras e aos genocídios. A ciência e a técnica não podem mais cumprir aquela função cultural integradora em nosso tempo, precisamente pela infinita riqueza de conhecimentos e da rapidez de sua evolução que levou à especialização e ao uso de vocábulos herméticos.”

Em defesa do romance, Mario Vargas Llosa, em Piauí, edição de outubro de 2009.

Foto: maduroman

O outro cardápio da mandioca

Matéria publicada na Unesp Ciência de outubro de 2009.

Nossa mais tradicional raiz comestível não é só farinha ou petisco de bar. Estudos mostram as oportunidades e vantagens econômicas e ecológicas do etanol produzido a partir dela

Até o início de 2010, o Brasil vai começar a produzir etanol a partir de sua mais popular e original raiz comestível – a mandioca, também conhecida como aipim ou macaxeira. Duas usinas estão em fase final de montagem: uma em Botucatu, no interior paulista, e outra em Porto Nacional, no Tocantins. Elas fazem parte de um projeto de transferência tecnológica da Unesp cujo objetivo é oferecer a pequenos agricultores, principalmente das regiões Norte e Nordeste, um modelo de negócio sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental.

Não será a primeira vez que o país vai produzir etanol da mandioca. Nos anos 1970, época do Pró-Álcool, chegaram a ser implantadas nove usinas. Elas não vingaram por pelo menos duas razões. De um lado, houve problemas na articulação com os produtores do tubérculo. De outro, o grande sucesso industrial da cana-de-açúcar acabou por inviabilizar o negócio. É por isso que, desta vez, o foco no pequeno produtor está no cerne do projeto, segundo Cláudio Cabello, vice-diretor do Centro de Raízes e Amidos Tropicais (Cerat), do câmpus Lageado da Unesp em Botucatu.

Por ironia, essa planta originária da Amazônia, largamente difundida pelo continente e profundamente ligada com a cultura popular brasileira, já é usada para a produção de álcool na China, na Indonésia e nas Filipinas, onde sua principal finalidade é a adição à gasolina. Aqui, porém, o produto é mais atraente não como fonte de energia, mas como insumo para os mercados cosmético, farmacêutico, de bebidas e de tintas e vernizes.

O etanol é o segundo insumo mais usado pela indústria depois da água. E esses mercados demandam um álcool mais puro, como o da mandioca, o da batata-doce ou o do milho. Por isso eles são mais caros que o da cana-de-açúcar, que contém mais impurezas. “Nós temos um produto de melhor qualidade. Mas ao mesmo tempo sabemos que não podemos competir com os níveis espetaculares de eficiência do eixo da (rodovia) Castelo Branco”, afirma Cabello, referindo-se ao polo sucroalcooleiro do centro-oeste paulista.

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Arquitetura do invisível

Matéria publicada na Unesp Ciência de outubro de 2009.

A rotina dos nanocientistas é desvendar as entranhas da matéria. Eles modificam sua estrutura em busca de novas propriedades e assim conseguem resolver problemas tecnológicos da indústria

 

De posse de microscópios de altíssima resolução, Elson Longo e sua equipe enxergam as entranhas da matéria até o seu mais básico nível de organização. Eles veem como os cristais se estruturam, as moléculas se arranjam, os átomos se empilham. No melhor estilo “voyeur científico”, desvendam o invisível em belíssimas imagens (como a que abre esta reportagem e a que foi mostrada no Click! da 1ª edição da Unesp Ciência).

A tarefa de desnudar assim a matéria não é só indiscrição de nanocientista. É a primeira parte de uma rotina centrada na busca por novas propriedades, como cor, dureza, condutividade elétrica e fotoluminescência. Essas características têm grande potencial industrial e estão intimamente relacionadas à estrutura tridimensional da matéria, visível apenas numa escala nanométrica, que é um milhão de vezes menor que um milímetro (um fio de cabelo, por exemplo, pode ter entre 50 mil e 100 mil nanômetros de espessura).

“Conhecendo a estrutura dos materiais, podemos alterá-la e ver como as propriedades mudam”, explica Longo, coordenador do Centro Multidisciplinar de Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), formado por laboratórios da Unesp em Araraquara, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), da USP e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares.

Para alterar a estrutura da matéria, os nanocientistas dedicam-se a sintetizar substâncias quimicamente já conhecidas, à procura de arranjos moleculares diferenciados. Um exemplo é o titanato de bário. Quando sintetizado em determinadas condições de temperatura e pressão, esse sólido, com grande potencial na fabricação de memórias de computador, adquire fotoluminescência – a capacidade de absorver e emitir luz. Materiais fotoluminescentes encontram vasta aplicação industrial: da medicina diagnóstica à prospecção de petróleo.

“Nós brincamos com a arquitetura dos materiais”, diz Diogo Paschoalini Volanti, doutorando do Instituto de Química da Unesp em Araraquara, que conduz a parte experimental de sua tese no Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec) da UFSCar. Ele é o responsável pela criação de uma engenhoca da qual toda a equipe se orgulha e que deu origem à maior parte dos 53 artigos científicos publicados pelo grupo só em 2009. “É a combinação de um micro-ondas com uma panela de pressão”, diverte-se Longo.

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Os adoçantes na balança

Matéria publicada na Unesp Ciência de setembro de 2009.

Em junho passado o governo da Venezuela proibiu a venda da Coca-Cola Zero no país, alegando que componentes da fórmula do refrigerante seriam prejudiciais à saúde. Assim, sem mais detalhes. Como a versão com açúcar da bebida não sofreu restrições, supõe-se que a decisão deve ter sido motivada por suspeitas que rondam os adoçantes artificiais. Anti-imperialismo norte-americano à parte, resolvemos perguntar a especialistas da Unesp: Adoçantes são realmente seguros? Afinal, por que o rótulo desses produtos traz em letras miúdas: “Consumir preferencialmente sob orientação de nutricionista ou médico”?

“Os adoçantes estão sendo usados de forma inadequada”, alerta Aureluce Demonte, do Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp, câmpus de Araraquara. Segundo ela, a preocupação exacerbada dos brasileiros com a estética corporal, a mesma  que  faz do país o campeão mundial de cirurgias plásticas, leva ao consumo excessivo de adoçantes por pessoas cujo perfil passa longe daquele para o qual são indicados – diabéticos ou pessoas em dieta de restrição calórica.

Substituir a sacarose (açúcar comum) pelos edulcorantes dietéticos pode ser contraproducente, pondera Norka Beatriz Barrueto, do Laboratório de Nutrição e Dietética do Instituto de Biociências, em Botucatu. Ao restringir o consumo de calorias desse modo, sem orientação profissional,  tende-se a compensar a falta com alimentos ricos em carboidratos e lipídeos. Além disso, lembra, alguns produtos diet trazem teores de gordura mais altos que os dos convencionais, como chocolates, sorvetes, biscoitos e preparados em pó para sobremesas (flans).

Cancerígeno?
A dúvida ressurge de tempos em tempos com os principais suspeitos do mercado: sacarina sódica, ciclamato de sódio e aspartame. Estudos com animais e doses extremamente altas já mostraram, de fato, tal associação. Mas a endocrinologista Célia Regina Nogueira, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina em Botucatu, interpreta essas evidências de outra forma. “Esses estudos nos falam de tolerância. E mostram que os efeitos nocivos só aparecem com quantidades altíssimas que ninguém jamais conseguiria ingerir diariamente (centenas de envelopes ou de latas de refrigerante diet).”

As pesquisas que avaliam efeitos de longo prazo são mais complicadas e controversas, principalmente em relação ao aspartame, já associado a tumores de cabeça, linfomas e leucemias em animais adultos expostos a baixas doses da substância (compatíveis com o consumo humano) desde a fase intrauterina. Estudos epidemiológicos são ainda mais difíceis de executar. Primeiro porque é necessário acompanhar muitas pessoas por décadas.  Além disso, “o câncer tem causas multifatoriais e a resposta individual é muito variável”, explica Aureluce. Para ela, a precaução é necessária, já que ninguém sabe o que pode acontecer depois de  40 ou 50 anos de uso contínuo – e excessivo – desses produtos.

Doçura salgada
Em meio a essas dúvidas, uma coisa é certa: melhor moderar o consumo de sacarina e ciclamato, assim como se deve maneirar o sal – um dos principais vilões da hipertensão.  “Esses produtos são fonte de sódio”, explica Célia Regina. Um cafezinho com adoçante não ameaça ninguém, mas é preciso considerar o que está presente nos demais produtos. “O limite diário recomendado de ingestão de sódio é 2 g.
É fácil ultrapassá-lo”, diz Aureluce. Além disso, é possível encontrar o mineral adicionado ao aspartame e à estévia, para realçar o sabor doce e disfarçar o resíduo amargo do produto, explica.

A maior  preocupação dos especialistas, porém, é com os refrigerantes zero e diet, já que muitas pessoas os consomem em grande quantidade. Por isso, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) atualizou, em 2008, a tabela de teores máximos dos edulcorantes dietéticos usados em alimentos e bebidas industrializadas. Redução de 50% na sacarina e 75% no ciclamato. As novas regras valem a partir de março de 2011.

Crises de enxaqueca
O aspartame, contraindicado para portadores de fenilcetonúria, deve ser evitado também por quem sofre de enxaqueca, segundo Norka, porque parece ajudar a deflagrar as crises. Unanimidade entre as especialistas, gestantes e crianças não devem consumir nenhum tipo de adoçante. Em relação a adolescentes e adultos saudáveis que querem  evitar o ganho de peso, elas ressaltam que melhor é partir primeiro para a atividade física.

Para quem tem de cortar a sacarose da dieta,  como diabéticos e obesos, os adoçantes mais indicados por médicos e nutricionistas são frutose e estévia, e, mais recentemente, sucralose, que praticamente não é absorvida pelo organismo. O problema é que eles são pouco usados pela indústria de alimentos, que ainda prefere a combinação de aspartame, ciclamato, sacarina e acessulfame de potássio – este último mal conhecido pelos consumidores, mas presente em diversos produtos.

Aureluce critica a publicidade desses produtos, que induz ao consumo excessivo, sem restrições, sob o manto do estilo de vida saudável. “A propaganda do cigarro fazia algo parecido”, provoca.

Veja comparação entre os adoçantes no quadro no pdf.

Ruth Künzli e as origens do homem

 

Matéria publicada na Unesp Ciência de setembro de 2009.

Com um grande fragmento de cerâmica nas mãos, o fazendeiro Luiz Alvim procurava por um geólogo na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp em Presidente Prudente. Sua propriedade em Itororó do Paranapanema, distante 26 km da cidade, fora duramente afetada pelas chuvas que castigaram o Sudeste e o Sul do Brasil em meados de 1983 – sob influência do fenômeno El Niño. No oeste paulista, a grande cheia do rio Paraná, ainda hoje lembrada, inundou também cidades às margens de seus afluentes, entre eles o Paranapanema. Além de invadir casas e terras agrícolas, as águas revolveram sedimentos do passado, trazendo à tona relíquias que abriram um novo capítulo na arqueologia brasileira.

Era fim de tarde e o geólogo não estava. “Se é por conta desse material aí, pode falar comigo”, disse a antropóloga Ruth Künzli ao fazendeiro, com o peculiar tom decidido pelo qual ela se destacou na universidade, na região e entre os colegas de profissão.

No dia seguinte, ela e alguns colegas da faculdade foram até a propriedade dele. Lá se depararam com uma enorme quantidade de cerâmicas indígenas à flor do solo, antes cobertas pela camada de terra que a inundação recente havia levado – vestígios de um grande grupo de índios tupi-guarani que habitara a região havia aproximadamente mil anos. O sítio arqueológico Alvim foi o primeiro de muitos outros identificados por Ruth e colegas na região de Presidente Prudente,  local que, por sua riqueza hidrográfica, foi um grande polo de atração humana desde tempos imemoriais.

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Pouso na lua

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A lua é, no fim das contas, um bom lugar para o homem. Um sexto da gravidade deve ser muito divertido, e quando Armstrong e Aldrin se lançaram à sua animada dancinha, como duas crianças felizes, não foi apenas um momento de triunfo, mas também de alegria. A lua, em compensação, é um lugar ruim para bandeiras. A nossa parecia dura e esquisita, tentando flutuar na brisa que não sopra. (Deve haver uma lição aí, em algum lugar.) É claro que faz parte da tradição dos exploradores fincar uma bandeira no solo, porém, enquanto assistíamos com reverência, admiração e orgulho, percebemos que nossos dois amigos eram homens universais, e não de uma só pátria, e deviam ter se equipado de acordo. À maneira de todos os grandes rios e mares, a lua pertence a todos e a ninguém. Ainda traz o segredo da loucura, ainda controla as marés que banham as praias de todo o mundo, ainda vigia os amantes que se beijam por toda parte, debaixo de bandeira nenhuma, somente do céu. É uma pena que, em nosso momento de triunfo, não tenhamos renegado a famosa cena de Iwo Jima e, em vez disso, plantado um emblema comum a todos: um lenço branco e frouxo, talvez, símbolo do resfriado normal que, como a lua, afeta a todos nós.

E. B. White, revista The New Yorker, 26.07.1969 (via revista Serrote número 2)

Lançamento da revista Unesp Ciência

 

A Unesp está lançando sua revista mensal de divulgação científica, a Unesp Ciência (ainda sem site, aguardem), na noite da próxima quarta-feira, na Barra Funda, em Sampa – clique no convite acima para ampliar.

Por uma dessas felizes coincidências, dois sciencebloggers estão na equipe da revista: eu e o Igor Zolnerkevic, junto com a Giovana Girardi, o Pablo Nogueira, o Ricardo Miura – todos capitaneados pelo Maurício Tuffani. No número de estreia, temos também as colaborações de Reinaldo José Lopes e Ricardo Bonalume.

Na cerimônia haverá ainda a apresentação do Piap, o grupo de percussão do Instituto de Artes da Unesp, que, como conta um dos artigos desta edição, é super bacana e forma os talentos da principais orquestras brasileiras.

Ou seja, imperdível. Só não vai rolar prosecco, porque leis estaduais não permitem bebidas alcoólicas na universidade, lamento 🙂

Quem puder, compareça. E ajudem a divulgar.

Manuscritos do Mar Morto

 

24 de julho (sexta-feira), Toronto – Combinamos de ir à exposição dos Manuscritos do Mar Morto, no Royal Ontario Museum (ROM). Me pareceu uma coincidência imperdível, ainda mais por estar a poucas quadras do apartamento. Combinamos às quatro da tarde, mas cheguei um pouco mais cedo, pensando em algo para comer. Havia uma senhora fila, porque às sextas neste horário o preço da entrada cai pela metade.

No fim, coube todo mundo. Mas percorrer o caminho da exposição exigiu um bocado de atenção para acompanhar textos, fotos, peças e vídeos ao longo dela, e ao mesmo tempo não se perder um do outro, esbarrar em alguém ou lhe tampar a visão.

O conteúdo era bacana, pelo menos para os leigos na matéria como eu (lembrei do Reinaldo, que acho que ia gosta e fazer um post bem melhor do que este). Mas se houvesse um pouco mais de espaço e tempo (com o aperto a gente acaba seguindo o fluxo e passando mais rápido pelas coisas), talvez o fim da exposição causasse mais sensação do que acabou causando. Lá estavam cerca de uns dez (dos mais de 200) manuscritos de 2 mil anos. Na verdade, fragmentos deles, bem pequenos, carcomidos e super frágeis, os coitados.

A melhor parte do programa, entretanto, rolou do lado de fora do ROM, na calçada oposta à entrada do museu. Lá estava este pessoal.

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Judeus, eles eram da Coalização contra o Apartheid Israelense e protestavam pacificamente contra o que classificam como crime cometido por Israel. Alegam que os artefatos foram ilegalmente removidos do território palestino. Além disso, criticavam o ROM e o governo canadense por serem coniventes com o confisco, desrespeitando uma convenção de 1954 da Unesco, da qual o Canadá é signatário, sobre proteção do patrimônio cultural em situações de conflito armado.

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Conversei rapidamente com a Jude (esq.), que me chamou a atenção para o fato de não ser mencionado, em nenhum momento da exposição, que as cavernas onde foram encontrados os manuscritos nos anos 50 ficam na Palestina. Isso também não aparece nos textos, bacaninhas até, publicados na revista do ROM que eu acabei comprando.

Para quem se interessar pela polêmica aqui está um texto do Robert Fisk no Independent (que eles estavam distribuindo no local), com muito mais detalhes e toda a aquela delicadeza própria do Robert Fisk. (Tenho de concordar com ele que é bem forçada a intenção dos curadores de associar os manuscritos a uma unidade entre as três grandes religiões).

Mas a melhor parte do espetáculo mesmo estava exatamente do outro lado da rua. Dá uma olhada no figura:

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Com uma bandeira do Canadá amarrada nas costas, disse-me que nada tem contra palestinos e judeus, assim como os canadenses também não. E a maior prova disso, segundo ele, era Toronto, onde a imigração muçulmana é, de fato, bem perceptível em lenços nas cabeças de mulheres (alguns deles lindos, por sinal).

Ele também disse ser contra o fundamentalismo de ambas as partes, mas afirmou que é preciso combater a Global Jihad. E me mandou “googar” o termo mais tarde. Só acabei fazendo isso agora. E aí está: http://globaljihad.net/ (para meu espanto).

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Reconheceu, porém, ser um manifestante solitário. Indagado sobre o que fazia da vida, contou ser escritor – e que devia na verdade estar escrevendo seu livro naquele momento. Sobre o que é o livro?, pergunto. “Psychic”, ele diz. Faço cara de quem não entendeu. “Psychic, psychoanalysis, the brain, things like that.” Sabendo que eu era jornalista, preferiu não revelar o nome.

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