As joias do Universo

No último dia 22 de Fevereiro, a agência espacial norte-americana NASA divulgou uma notícia que movimentou a comunidade científica e o mundo todo. Foi anunciada a descoberta de um sistema planetário composto de sete planetas orbitando uma estrela anã-vermelha. A estrela, com apenas cerca de 8% da massa de nosso Sol, já havia sido registrada anteriormente e foi batizada em referencia ao Telescópio TRAPPIST (que por sua vez recebeu este nome em homenagem aos monges católicos trapistas, uma ordem comum na Bélgica e na Holanda e famosa por suas deliciosas cervejas). Os sete planetas do Sistema TRAPPIST (planetas “b”, “c”, “d”, “e”, “f”, “g” e “h”) possuem órbitas pequenas, tamanhos similares aos da Terra e possivelmente são rochosos. Os planetas “e”, “f” e “g” encontram-se em uma distância que pode indicar a existência de água no estado líquido. A NASA tem planos de investigar sinais de atmosfera nestes planetas e se podem realmente possuir água líquida.

O Sistema TRAPPIST (www.nasa.gov)

Tal descoberta é realmente algo extraordinário, mas devemos ser cautelosos com as notícias que já se espalharam pelas mídias, em especial pela rede mundial de computadores, e que muitas vezes não estão embasadas em fatos concretos, mas na imaginação e nos anseios pessoais de seus autores. Não é verdade que a NASA descobriu um sistema planetário que possua vida, nem mesmo foi relatada a existência de água no estado líquido, mas a simples possibilidade de existência deste composto primordial já empolga muitas das pessoas que acreditam que a vida animal complexa que habita a Terra também esteja espalhada pelo Universo. Há, no entanto, uma corrente oposta e me lembrei da mesma com todo o frenesi causado pelo Sistema TRAPPIST. Há cientistas que defendem a hipótese da “Terra Rara”, segundo a qual a vida microbiana simples pode estar difundida pelo Universo, mas a vida animal complexa é muito rara. Ainda quando estava na graduação tive a oportunidade de ler o best-seller do paleontólogo Peter D. Ward e do astrobiólogo Donald Browlee (ambos norte-americanos): “Rare Earth: Why Complex Life Is Uncommon in the Universe” e que me deixou fascinado! Embora muitas pessoas se excitem com a ideia de vida complexa extraterrestre, a possibilidade de sermos um evento de tamanha singularidade como apresentado pela hipótese da Terra Rara me parece muito mais excitante!

Capa do livro “Rare Earth: Why Complex Life is Uncommon in the Universe”, de Peter D. Ward e Donald Browlee (2000)

Enquanto a vida simples microbiana é adaptada às mais adversas condições, como temperaturas extremas de ambientes polares e de ambientes próximos a vulcões, a vida animal complexa é mais restrita e sua existência depende de muitas singularidades que tornam o nosso “pálido ponto azul” (como apelidado pelo grande astrônomo e divulgador da ciência, Carl Sagan) tão raro! Para que a vida animal complexa pudesse surgir em nosso planeta foram necessários bilhões de anos de história geológica, cerca de 3,8 bilhões ou mais. Segundo a hipótese da Terra Rara, planetas mais jovens não possuiriam idade suficiente para que a vida pudesse surgir e evoluir para formas tão complexas como ocorreu na Terra. Além do tempo de existência dos planetas, há inúmeras outras condições para abrigarem seres complexos, como os que estão lendo este texto.

É necessário que o planeta não esteja situado na zona central de sua galáxia, pois no centro das galáxias é maior a probabilidade de que ocorram impactos com asteroides e cometas, que podem extinguir a vida. É necessário que o planeta mantenha parte de seu calor primordial, o suficiente para que exista a força capaz de mover seus continentes. Não fosse a tectônica de placas em nossa Terra rara, não haveria continentes-ilha, palco do isolamento geográfico que levou às inúmeras especiações e a diversificação da vida complexa. É necessário que o planeta tenha uma órbita estável e quase circular. Planetas com órbitas erráticas ou que não apresentem órbitas próximas de serem circulares não teriam condições climáticas que suportassem a vida complexa como conhecemos, pois ora estariam muito próximos de sua estrela, ora estariam muito distantes. É necessário que a própria estrela seja estável, sem muitas flutuações na energia liberada. E mesmo em um sistema planetário com uma estrela relativamente estável, pode ocorrer a liberação de energia em excesso, o que faz necessário um campo magnético protegendo o planeta.  Mesmo na presença de todas estas condições, é ainda importante a existência de um planeta vizinho de muita massa e que com seu poderoso campo gravitacional atraia qualquer bólido errante, protegendo o planeta, como faz Júpiter em relação à Terra. Muitos podem pensar que a hipótese da Terra Rara falhe ao não considerar que a vida em outros planetas possa ser diferente da que aqui ocorre (composta de outras macromoléculas essenciais) e que tenha outras exigências para progredir de formas simples a formas complexas. No entanto, a única forma de vida conhecida é a que existe em nosso planeta, e o que definimos como vida está restrito a ela.

A descoberta do Sistema TRAPPIST é uma boa nova e merece toda a empolgação da comunidade científica e de todas as pessoas que são apaixonadas por ciência, mas não creio que estamos próximos de encontrar vida complexa. Podemos sim ter esperança de que exista água no estado líquido, em especial na zona que abriga os planetas “e”, “f” e “g”, e que os planetas sejam realmente rochosos e que possuam atmosferas similares às da Terra, e que abriguem, talvez, vida microbiana, vida mais simples. Mas a vida complexa parece ser rara no Universo! Nós temos a sorte de viver em um planeta que a abriga e que ainda registra nas rochas, através dos fósseis, a história de sua evolução. A Terra é rara, toda sua diversidade de organismos complexos é rara e o registro fóssil é ainda mais raro. As joias do Universo podem estar mais próximas de nós do que pensamos.

A Terra, nosso pálido ponto azul, vista de Saturno e fotografada pela sonda Cassini em 2013. Uma das joias do Universo! (www.science.nasa.gov)

Sobre Rafael Faria

Possui Doutorado em Ciências (2013) e Mestrado em Geociências (2009) pelo Instituto de Geociências, pela Universidade Estadual de Campinas. É graduado em bacharelado e licenciatura em Ciências Biológicas (2006), também pela Universidade Estadual de Campinas. Professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas desde 2013. Leciona Paleontologia na Faculdade de Ciências Biológicas e Geologia na Faculdade de Engenharia Ambiental e Engenharia Civil. Apaixonado pelas geociências e pela divulgação científica. É um prazer poder contribuir com a iniciativa do blog PaleoMundo!

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