Arquivo da categoria: Tempo geológico

CAmpo de golfe e as antigas cavas de argila mostrando pegadas de Dinossauros e mamíferos, alem de restos de plantas.

No Mesozoico, jogando golf com Fred Flintstone

Estaria o blogueiro pirando? Golf? Mesozoico? Fred Flintstone?

Sim, desta o blogueiro viajou. Era no mês de junho. Estava um sol forte aquela hora da manhã, e eu estava caminhando por uma trilha que levava a estação de trem de Jefferson County, no estado americano do Colorado. Vez em quando passava alguém de bicicleta pela trilha. Foi quando eu vi a plaquinha indicando: Triceratops Trail. Será que eu ia encontrar com um feroz Triceratops na minha frente se eu seguisse aquele caminho? meio receoso, entrei.

CAmpo de golfe e as antigas cavas de argila mostrando pegadas de Dinossauros e mamíferos, alem de restos de plantas.Campo de golfe e as antigas cavas de argila mostrando pegadas de Dinossauros e mamíferos, alem de restos de plantas. Ao fundo o Morro da Mesa (Table mountains), onde estão os basaltos Terciários.

Quando entrei na trilha do Triceratops, a primeira coisa que eu vi foram algumas cavas, com uma vegetação secundaria crescendo de dentro delas. Todavia, eu havia visto algumas maquinas grandes enferrujando no meio do mato. Já nem dava pra reconhecer, mas eu estava entrando numa área antiga de mineração. No entanto,o que isso tinha a ver com o Triceratops?

ENTRANDO NA CAVA DE ARGILA

Soube pelos cartazes que tinham por ai que aquelas perigosas cavas que estava vendo, com vários metros de altura, eram antigas cavas de argila. Estas cavas foram exploradas pela Família Parfet, que produzia cerâmicas, tijolos e tubos de esgoto para todo o pais.  Primeiramente, uma foto num cartaz na entrada de uma destas cavas mostrava  patriarca George Parfet, sua esposa Mattie e seus seis filhos. Alem do mais, outras fotos antigas mostrava o febril trabalho de escavação realizado pela empresa dos Parfett.

Como o cartaz orgulhosamente descrevia, a mansão do governador, varias escolas publicas e a antigas sede do fórum do condado de Jefferson foram construídos com tijolos feitos aqui. Durante quase 70 anos, escavadeiras e draglines escavaram as argilas da formação Laramie para fazer objetos cerâmicos. Nesta hora, eu estava ali andando por entre o que sobrou desas cavas. Parte era um campo de golf, parte um museu geológico.

Placa na Cava de Argila, mostrando o Triceratops e as marcas deixadas pelo animal
PASSANDO PELO CAMPO DE GOLFE

A maior parte da área era tomada pelo campo de golfe, ocupando as partes mais baixas das antigas cavas de argila. Contudo, a parte do campo de golf não me interessava. Não me interessava aquela grama verdinha e rente. Não me interessava aqueles carrinhos com aqueles senhores de bermuda e camiseta polo. Todavia, com seus chapeuzinhos ridículos, eles passavam acelerados, e nos atropelavam indiferentes em busca de suas ignominiosas bolinhas. Senti o risco iminente de ser uma vitima do golf e me afastei daqueles maniacos.

Alem do mais, o mato ao redor estava cheio de bolinhas de golf, o que provava cabalmente a imperícia dos senhores de tênis e meias brancas. Contudo, lembrei-me de Fred Flintstone, um dos poucos jogadores de golfe pelo qual eu tinha alguma estima. Assim, pela primeira vez, senti alguma conexão ali. Golfe, Fred Flintstone, dinossauros: fui ver os bichinhos.

A GEOLOGIA DE GOLDEN: O COLORADO FRONT RANGE

A geologia de Golden é muito interessante. Durante o Mesozoico, aquela área era uma grande planície deltaica, cheia de pântanos, rios e lagos. Da mesma forma, nos rios, uma areia fina era depositada, formando barra de meandros. Por outro lado, nas planícies, uma fina argila branca ia se depositando. Camadas de turfa também eram comuns neste ambiente.  Além do mais, nesta área, num clima mais quente que hoje, tínhamos muitas palmeiras e muitas especies de animais.

Geologia de Golden, Colorado
Bloco-Diagrama mostrando a geologia de Golden simplificada. a área do Triceratops trail está no centro da foto, onde as camadas estão verticalizadas.

Mais para o fim do Cretáceo, este ambiente úmido e quente foi se alterando. Quando houve na região a transição do Mesozoico para a  Terciário, com a extinção dos dinossauros, a região já havia se tornado mais quente e seca. Finalmente, lavas basálticas aparecem já no paleoceno, indicando uma mudança na dinâmica da região.

Contudo, o desenvolvimento de grandes falhas geológicas, como a Zona de falha de Golden (Golden Fault) e a Falha da Margem da Bacia (Margin Basin fault), marcam a transição da região das Grandes Planícies com as Montanhas  Rochosas. Assim, por ação destas falhas, o terreno mais a oeste, predominantemente granítico, literalmente “cavalga” sobre as rochas Mesozoicas/Terciárias e termina por dobra-las. Desta forma, pequenos morrotes, formados por rochas mesozoicas e terciarias dobradas marcam a transição geográfica da montanha para a planície. É o chamado Colorado Front Range.

DINOSSAUROS SUBINDO PELAS PAREDES

Como dissemos antes, o Triceratops trail esta situado no contexto do  Colorado Front Range. Aqui, as camadas da formação Laramie, do Mesozoico, estão todas verticalizadas, por ação da Clay Pits fault, a falha local do sistema. Com isso, a sensação que temos é a de que os dinossauros estão subindo pelas paredes. No entanto, não foi isso que aconteceu. centenas de milhares de anos após terem vivido por ali é que as camadas nas quais deixaram seus rastos foram basculadas e verticalizadas.

marca de pegada de Tiranossauro
Pegada de Tiranossauro

Desta forma, a exposição das pegadas e das diversas marcas ficou muito facilitada. Ali, podemos ver pegadas gigantes do gigante tiranossauro. Também podemos ver as marcas das pegadas do Triceratops.

Da mesma forma, podemos ver também pegadas de pequenas aves e mamíferos. De modo similar, nas Clay Pits podemos ver os restos de folhas de palmeiras. Alem das palmeiras, podem ser encontradas sicômoros, nogueiras, um tipo de gengibre e um parente distante do abacate.

Esta vegetação, juntamente com a ocorrência comum de marcas de animais pequenos e grandes mostra uma região que, no Mesozoico era quente e talvez por isso, muito rica em vida.

UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL
marcas de palmeiras fósseis
Marcas de folhas de antigas palmeiras; As especies de pnatas indicam um clima muito mais quente que o de hoje na região.

No final do Mesozoico, durante o período Cretáceo, a América do Norte era coberta por um mar raso, com algumas porções mais elevadas. Provavelmente, estas porções elevadas eram pequenas ilhas, das quais a região de Golden era uma delas. Ao redor, uma serie de . Com o passar do tempo, o soerguimento das Montanhas Rochosas acabou por acabar com este mar raso. Neste período, estava provavelmente localizada em latitudes menores. Este era o ambiente perfeito para o desenvolvimento, nas partes mais úmidas, de uma fauna abundante e diversificada.

A medida em que que as placas tectônicas continuavam se movimentando, a região das montanhas rochosas começa a ser “empurrada” para o leste. De fato, esta movimentação deu origem as falhas que conformariam a estrutura da região de Golden, onde eu me encontro agora, olhando pegadas de dinossauros na parede. Afinal, ver pegadas de animais extintos na parede de uma cava de argila nos dá noção de que vivemos num planeta dinâmico e em perpetua transformação. Desta forma, ao contrario do que alguns pensam, nós humanos não somo s o suprassumo da criação. Isto é, supondo que tenha havido uma criação.

SAINDO DA CAVA

Desta forma, assim que saí da cava, comecei a pensar em quantas informações diferentes havia ali naquela pequena área. Contudo, será que as pessoas que passavam aqui e ali teriam noção disso? Será que os caras do golfe ali do lado, mesmo que somente perseguindo suas inúteis bolinhas, saberiam disso?

O tempo da vida humana é muito curto. Decerto, algum grego ou romano já falou sobre isso. o detalhe é que, por certo, não temos condições de enxergar estas grandes mudanças no decorrer de nossas vidas. Primeiramente, para enxergar isso, o senso comum não ajuda. os vestígios da natureza, por outro lado, são muito sutis e complexos. Ali, saindo da cava do Triceratops trail, me dei conta do quanto as Ciências da Terra nos ajudam a enxergar o mundo.

AJUDA FRED FLINTSTONE!!

Num mundo em que a Ciência encontra-se tão ameaçada, certamente o conjunto de evidencias como o que havia ali no Triceratops trail é muito relevante. Estavam expostas ali, a céu aberto, muitas discussões interessantes sobre o passado, o presente e o futuro de nosso Planeta. Por certo, a maior parte das pessoas não está nem ai pra essas coisas. Da mesma forma, o fato de Fred Flintstone conviver com dinossauros parece plausível para muita gente. Entretanto, como se sabe, o ser humano só conviveu com os dinossauros nos últimos duzentos anos. Somente quando começamos a entender que aqueles esqueletos estranhos não eram obra do acaso ou restos de gigantes é que eles começaram a habitar entre nos, em nossas ideias, em nossos  pensamentos.

Por tudo isso é que repito: a Ciência deve entrar mais na vida das pessoas. Independente de sua posição no mundo, o letramento cientifico é cada vez mais necessário para um numero cada vez maior de pessoas. Temos que fazer de cada esquina um museu da historia da terra. Podemos não ter em todos os lugares historias tão interessantes como a do Triceratops trail e seu mergulho de cabeça nos pântanos do Mesozoico.

CIÊNCIA, LAZER E BICICLETAS
Projeto Geobike
Logo do Projeto Geobike, do Prof Wagner Amaral: trilhas geológicas em Campinas

Da mesma forma, aqui em Campinas, temos o  Projeto  Geobike, mais uma boa ideia do professor Wagner Amaral, do Instituto de Geociências da Unicamp. Assim, apaixonado por Geologia e por sua querida Campinas, o professor Wagner leva os amantes da bicicleta a locais nos quais eles até já poderiam andar, mas cuja historia (natural) ignoravam. Que enriquecedor! Juntar esporte, lazer e Ciência foi uma boa sacada. Que tal na sequencia juntar Ciência e Arte, juntar Ciência com tudo?

Entretanto, no caso das Ciências da Terra e do ambiente, nós precisamos de mais e mais trilhas como estas, que nos levem ao passado da Terra. Trilhas que nos ajudem a pensar melhor nosso presente e projetar melhor nosso futuro.

Bora lá?

O ILUMINISMO E AS TRILHAS NO ALTO DO MORRO

(Este texto é dedicado a Gabriela Medero e Georges Goussetis)

No verão de 1776, Adam Ferguson (1723 – 1816) estava intrigado com algumas coisas que havia verificado ao andar pelo morro de Arthur´s Seat, em Edimburgo.

O morro Arthur´s Seat, em Edimburgo

Arthur´s Seat é uma pequena elevação urbana na parte leste de Edinburgo, próxima ao centro da cidade. As rochas que formam o topo do Arthur´s Seat são de composição basáltica, provenientes do resfriamento de uma antiga câmara magmática. No entanto,  embora essa história respire geologia, não é de basaltos que vamos falar aqui, e sim de Iluminismo.

Um trio de peso
Professor Adam Ferguson, Filosofo e historiador escocês

Adam Ferguson, filosofo e historiador escocês, adorava caminhar no Arthur´s Seat. Nestas caminhaadas deve ter tirado alguma inspiração para sua vasta obra. Nela, Ferguson mostrava seu apreço pelas sociedades tradicionais, como os clãs das Highlands, em contraste com os habitantes da cidades, que considerava mais “fracos. Entretanto, neste verão especifico, ao caminhar pelo Arthur´s Seat, Ferguson observou algumas manchas esbranquiçadas formando “trilhas” com formatos diferentes na vegetação do morro. Intrigado, Ferguson chamou alguns de seus amigos para verificarem o curioso fenômeno.

Os amigos chamados por Ferguson foram os medicos Joseph Black e James Hutton. O trio é um dos mais importantes do chamado Iluminismo EscocêsJoseph Black (1728 – 1799), como Ferguson, era professor da Universidade de Edimburgo, médico e um importante nome da química moderna. Foi ele quem descobriu o dióxido de carbono, em 1754. Entre seus feitos também se destacam a invenção de balanças de precisão e a descoberta do calor latente das substâncias.

Dr Joseph Black, um dos maiores nomes da Química no seculo XVIII

James Hutton (1723 – 1799), médico e cavalheiro escocês, por outro lado, é tido como um dos fundadores da geologia moderna. Tendo estudado medicina na Holanda, Hutton foi sobretudo um fazendeiro. De sua experiencia arando as terras das Lowlands escocesas, Hutton percebeu a relação que existia entre erosão, transporte e deposição de sedimentos.

Assim, Hutton estabeleceu claramente o conceito de ciclos de deposição e erosão, os quais formariam as rochas dos continentes e oceanos. Sua obra mais importante nos dias de hoje, Theory of the Earth, foi inicialmente lida por Joseph Black na Real Society of Edinburgh em 1785. Em 1797, após inúmeras revisões, ela foi finalmente publicada.

As “Trilhas” no Arthur´s Seat
O medico e Naturalista James Hutton, um dos pioneiros da geologia no seculo XVIII

Neste verão de 1776, entretanto, os três amigos estavam ainda pelo morro, verificando as marcas na vegetação, e interrogando diversas pessoas das redondezas. James Hutton, dois anos mais trade, escreveria um pequeno texto, publicado nos anais da Real Sociedade Cientifica de Edimburgo.  O texto se chama “Of certain Natural appearances of the ground of the Hill of Arthur´s Seat”.

Este texto, embora não tenha importância na obra de Hutton, é bastante interessante como um exercício de utilização do método científico. Nele, Hutton inicia a introdução com uma breve descrição do problema. Tratava-se de “trilhas” no morro, formada por plantas mortas e esbranquiçadas. De longe, parecia uma trilha, mas não estava relacionada com as trilhas dos caminhantes. Logo, teria outra origem, e que deveriam ser entendidas.

Ver, analisar, estudar

Por outro lado, as explicações de que tais marcas eram devidas a raios não pareceu suficiente. Hutton então, passa a descrever as marcas: elas ocorriam sobretudo nas partes mais altas do morro, e existiam marcas recentes e marcas mais antigas. As marcas mais recentes eram esbranquiçadas, enquanto as mais antigas eram enegrecidas, causadas pelo apodrecimento das plantas.

Assim, Hutton descreve que as marcas eram compridas, mas poderiam também ocorrer marcas com larguras similares aos comprimentos. As marcas eram paralelas umas às outras, e Hutton examinou algumas marcas de um verde intenso, crescendo junto com as marcas dos anos passados. Assim, lhe pareceu que estas marcas mais antigas eram agora cobertas pela vegetação nova, formando faixas de verde mais intenso.

Contudo, ao estabelecer tal sucessão, Hutton indaga: “quantas trilhas sucessivas poderiam ser detectadas pela observação de suas aparências?”. Depois de suas atentas observações no Arthur´s Seat, Hutton estabelece que “no mínimo” cinco sucessões de trilhas poderiam ser detectadas. Deveria haver mais, mas estas são as que se possui evidências concretas, afirma.

Insetos ou Raios?

Depois de descrever as trilhas, Hutton começa a discutir suas causas. Parece evidente que tal fenômeno ocorreu ali no mínimo, nos últimos oito ou nove anos. Embora muitos naturalistas tenham atribuído estes fenômenos aos trovões, Hutton observa que muitas das feições são formadas na primavera, quando não há tempestades elétricas na região. Também observa que as descargas tem direções variadas, o que contrasta com a similitude das trilhas, com sua disposição paralela umas as outras.

Hutton também considera a possibilidade da ação dos insetos na formação das trilhas. Da mesma forma, considera as possiblidades de colônias de insetos construírem as trilhas paralelas.  Mais uma vez, rejeita, com base nas suas observações, tal possiblidade.

Ao discutir estas possibilidades, Hutton observa: nos métodos de investigação do meio natural, é preciso muito cuidado ao considerar causas e efeitos e suas conexões: ambas as prováveis causas do fenômeno (eletricidades, insetos) estão longe de serem consideradas suficientes para uma adequada explicação do fenômeno.

Ciencia e Causalidade

Assim, Hutton termina o texto sem propor uma explicação para a trilhas de diferente coloração na vegetação do Arthur´s Seat.  Entretanto, é importante sua observação sobre a causalidade dos fenômenos. Quantas vezes atribuímos causas sem levarmos em conta uma correta leitura dos fenômenos? Quantas vezes saímos a dizer nossas verdades “cientificas” penduradas em interpretações parciais e (muitas vezes equivocadas) sobre as relações de causa e efeito dos fenômenos que estamos observando?

Contudo, podemos observar que o texto de Hutton tem uma estrutura parecida com nosso atuais papers: introdução, formulação do problema, descrição dos fenômenos, discussão das causas, conclusões.

Era um tempo de profundo questionamento. Intrigados, os três amigos andam pelo Arthur´s Seat procurando respostas. Estas respostas estão vinculadas a questões de causa e efeito (qual é o agente causador das “trilhas”?). No entanto, as respostas disponíveis não são suficientes. Não se pode ir adiante com estas observações. E fim. Encerra-se uma pesquisa, com dicas e questionamentos para os próximos, a subir nos ombros dos gigantes.

Ah, o Iluminismo!

Neste tempo de “autoproclamados” sábios, de terraplanismo social e de fake News, que falta que você faz…

Para saber mais:

Buchan, James. Capital of the mind. Birlinn, 2012.

Playfair, John. “Biographical account of the late Dr James Hutton, FRS Edin.” Earth and Environmental Science Transactions of the Royal Society of Edinburgh 88.S1 (1997): 39-99.

As duas mortes de Luzia

Oi! Quer saber meu nome? A minha tribo me chamava de Loo-dj-ahn. Mas isso foi há muito tempo atrás, antes mesmo de minha primeira morte. Hoje, pelo que sei, me chamam de Luzia. Acho que é como entendem meu nome. Como soa aos ouvidos das pessoas de hoje. Ou é uma coincidência. Sei lá.

O ENIGMA DA CAVERNA
Este é meu Cranio de verdade; atras, está como vocês imaginaram que eu fosse…

Desculpe se sou confusa, se meu raciocínio é meio falho. De fato, tenho problemas em entender o que é a verdade e o que não é. Sei, pelos relatos que escuto, que hoje vocês também estão com dificuldades de entender o que é verdade e o que é mentira. Escutei estes dias um termo que deixou confusa: Fake News, ou noticia falsa. Vocês acreditam em noticia falsa?

Eu vivi boa parte de minha primeira morte numa caverna. Onze mil anos, se minhas contas estiverem certas. Não sei se vocês sabem, mas quando se vive em cavernas a realidade é meio confusa. Não sabemos ao certo se as sombras que vemos são fantasia ou são realidade. Por muito tempo, achei que as sombras que víamos eram a verdade. Contudo, hoje, sei que eram somente projeções na parede da caverna. Soa meio confuso, mas é assim. É um enigma da caverna. Uma alegoria, como dizem alguns de vocês.

A MORTE DE LOO-DJ-AHN

De qualquer forma, meu nome é Loo-dj-ahn, e eu pertenço aos Humanos. Minha tribo representa os melhores caçadores de nosso lugar. Em nosso falar, humano é “Croovijz“. Por isso talvez vocês outros nos chamem de povos de Clovis. Mas, pensando bem,  pode ser também coincidência.

Não me lembro ao certo como morri. Fui ficando doente, tinha dores de barriga, dor de cabeça, não conseguia mais acompanhar as mulheres. Entretanto, minha tribo tentou me curar com ervas e rezas. Meus olhos foram turvando, turvando, e depois não ouvi mais nada. Quando dei por mim eu já estava dentro da caverna, onde me sepultaram. Meu corpo foi coberto por tintas mágicas para avisar os espíritos ancestrais dos Humanos. No meu funeral, devem ter me virado para o norte, que era de onde haviam vindo nossos ancestrais.

Como já disse, minha primeira morte durou onze mil anos. Há uns poucos anos atrás, o que restou de mim foi encontrado por um povo estranho que tirava seu sustento de desencavar gente de seu tumulo ancestral. Mas, antes disso eu soube que um senhor chamado Peter Lund havia começado a explorar as grutas na nossa área. Ele retirou milhares de metros cúbicos de terra e achou milhares de ossos, de animais e de humanos, que ele remeteu para seu país natal, a Dinamarca.

NUM LUGAR CHAMADO MUSEU

Muitos outros foram resgatados por estes povos escavadores. Entretanto, dos humanos, os Croovijz, só eu. Dos outros povos que habitavam nossa região, como os Larga-ossos, os Bárbaros do sul e os Pega-peixe (esses eram os nomes que nós dávamos a eles), vários foram resgatados.

Fomos levados para um lugar escuro, muito longe da caverna onde me acharam. Lá, fomos iluminados, apalpados, medidos. Contudo, quando começaram a me chamar de Luzia, a principio achei que sabiam minha língua. Mas sabem nada. Falam muita bobagem sobre nós, tentam adivinhar o que éramos e o que fazíamos somente olhando nossos ossos e vendo os utensílios que fazíamos.

Depois, tentaram adivinhar como era meu rosto…erraram feio. Tentaram de novo…erraram de novo. Por que eles querem saber tanto do mim?

A MORTE DE LUZIA

No entanto, eu estava tranquila nesta minha nova vida. Pensavam que, como Luzia, estaria tranquila. Foi quando, numa noite dessas eu vi o fogo. Estava muito quente e podia-se escutar as madeiras do teto estalando. Muita fumaça na sala onde estávamos. Foi quando ouvimos um grande estrondo e o teto desabou. Essa foi minha segunda morte.

Esse lugar que vocês chamam Museu, pegando fogo…essa foi minha segunda morte!

Contudo, minha segunda morte foi mais curta. Cerca de um mês depois, eu comecei a ouvir barulhos, movimento acima de mim. Estavam escavando atrás de meus restos de novo? Que obsessão é esta?

Depois de um tempo, me acharam ali, soterrada sob as cinzas do incêndio. Nunca vi tanto alvoroço. Os caras que estavam escavando gritavam. Alguns choravam de alegria. Eu estava de volta.

O MUSEU E A TRIBO

Soube que o lugar onde estava tinha um nome de Museu. Era um prédio grande e bonito. Mas sempre ouvia falar de problemas. O povo que cuidava de mim sempre reclamava que o prédio estava em perigo. Perigo de quê? eu pensava: de um ataque de bárbaros inimigos? De grandes animais selvagens?

No entanto, parece que eles não tinham recebido muito recurso para manter o Museu. Faltavam recursos para o prédio ser seguro, para evitar incêndios. Depois, os chefes da tribo de vocês não estavam interessados nessa história de Museu. Ouvi que um dos chefes havia reclamado: “Já pegou fogo, quer que eu faça o quê?”.

Preciso dizer que achei esta fala típica de bárbaro, desses bem primitivos. Eles nunca assumem a responsabilidade do que fazem, como crianças grandes. Falam alguma coisa, depois voltam atrás. Querem deixar tudo confuso. Ou não sabem direito o que estão fazendo. Minha segunda morte tem a ver com essa confusão dentro da tribo que me resgatou da caverna.

A VIDA É CURTA…

Agora, estou esperando ser reconduzida à minha sala tranquila. Lá, dezenas de pessoas passavam admirando meu esqueleto e vendo o modelo de meu rosto. Contudo, eu sei que ele não é meu verdadeiro rosto. Eu também bem sei, no entanto, que nunca vão adivinhar como era o meu verdadeiro rosto. Mas eu sinto um certo orgulho deste rosto eu virei.

à direita, o paradigma antigo; à esquerda, o paradigma atual…vocês continuam errando…

Os barbaros que me desencavaram  dizem que sou um dos humanos mais antigos do país deles. Me admiram. Os bárbaros que cuidam de mim me tratam muito bem. Entretanto, os chefes da tribo deles, não ligam para ossos de gente. Ouvi dizer que eles gostam de uma coisa chamada dinheiro. Por esse tal de dinheiro brigam o tempo todo. Algumas vezes, se matam.

Contudo, não sei o que aconteceu com minha tribo. Sinto saudades deles. Mas ao mesmo tempo admiro esta tribo barbara que tanto empenho tem de cuidar de mim. Apesar dos chefes que eles escolhem para eles mesmos. Podem me chamar de Luzia. Loo-dj-ahn já morreu uma vez. Luzia, outra. Espero ainda durar mais um pouco, ver mais algumas coisas, aprender.

Mas o que se pode esperar mais de uma curta vida de onze mil e poucos anos?

 

PS – agradeço à Gustavo Teramatsu por me alertar sobre o novo paradigma do rosto de Luzia

MULHERES ASSISTINDO UMA PALESTRA CIENTIFICA

Era uma noite fresca e agradável de junho no Rio de Janeiro. Dentro do anfiteatro, o sábio professor falava sobre os peixes da Amazônia num francês suave e macio. O salão estava cheio. Na primeira fila, a esposa do sábio cientista o olhava risonha, parecendo saborear o instante. Também na primeira fila saboreando o instante, mas de outra forma, estava um senhor louro, alto, de belos e tristes olhos verdes e com uma barba já bastante grisalha.

o biólogo franco-suiço Louis Agassiz

O sábio era o Ilustre Jean-Louis Agassiz (1807 – 1873) famoso biólogo e paleontólogo franco-suíço, radicado nos Estados Unidos. Sua esposa era Elizabeth Cary Agassiz (1822 – 1907), que acompanhava em sua viagem ao Brasil. O velho senhor de olhos verdes e barbas brancas era ninguém mais ninguém menos que o Imperador Pedro II.

MULHERES INTERESSADAS EM CIÊNCIA?
Elizabeth Cary Agassiz (1822 – 1907)

Aquela era a segunda palestra que Agassiz dava no Rio de Janeiro. Na primeira, havia duas semanas, havia sido quebrado um tabu: fora a primeira vez no Rio que mulheres foram convidadas a participar de uma reunião cientifica. Contudo, no salão, não haviam muitas mulheres, mas já era um começo.

Havia pouco, Agassiz havia perguntado ao Imperador porque as mulheres não participavam dos encontros científicos da corte.  O Imperador não entendeu direito a pergunta, e disse que elas não se interessavam “por estes assuntos”. No entanto Agassiz insistiu, e Dom Pedro assentiu em convidar também as mulheres.

Elas viriam com seus maridos, como era de costume nas festividades da corte. Haviam várias delas segundo o Dr Pacheco Jordão, “muito interessadas” em assuntos científicos. Um pouco incomodadas, segundo Elizabeth Agassiz, pois não sabiam como deveriam se trajar para aquela ocasião. Elas acabaram vindo em pequeno número na primeira palestra. Na segunda, o número já era um pouco maior.

A EXPEDIÇÃO THAYER AO BRASIL (1865-66)

Em suas palestras, Agassiz falou sobre os peixes da Amazônia, que ele viera estudar no âmbito da Expedição Thayer. Esta expedição, financiada em parte pelo milionário americano Nathanael Thayer e em arte pelo governo brasileiro, durou dois anos.  Teve com alvos principais o Rio de Janeiro e o entorno da Corte, e a Amazônia.

Na expedição Thayer vieram alguns cientistas ajudantes de Agassiz, que eram seus alunos nos Estados Unidos. Entre eles estava Charles Frederick Hartt (1840-1878), geólogo americano e futuro fundador do primeiro Serviço Geológico brasileiro, a Comissão Geológica do Império. Como auxiliar de Hartt viera também um jovem aprendiz, Orville Derby (1851 – 1915). Derby,  depois de completar seus estudos de geologia na Universidade de  Cornell, veio para o Brasil auxiliar Hartt em sua expedição. Esta expedição seria a primeira grande expedição geológica financiada somente pelo governo imperial. Entretanto, com a morte de Hartt em 1877 e o fim da Comissão Geológica, Derby ficou por aqui até o fim da vida. Foi um dos maiores geólogos brasileiros, com uma vasta obra em termos científicos e primeiro diretor do Serviço Geológico Brasileiro, já na República. Mas isso são outras histórias…

A Expedição Thayer era um presente de Natanael Thayer para seu amigo Agassiz. Agassiz foi um professor importante da Universidade de Harvard. Todavia, nos últimos anos, dedicara-se a construir o Museu de Zoologia daquela universidade. Era um cientista poderoso e popular.

AGASSIZ: CRIACIONSMO E GELO

No entanto, Agassiz estava desgostoso nos Estados Unidos. Lá, começava a ter alguns contratempos. Agassiz era o defensor de uma teoria criacionista e poligênica, que negava veementemente os indícios da nascente teoria da evolução de Darwin. Embora ainda poderoso e popular, ele começou a enfrentar resistências entre seus jovens alunos e alguns eminentes colegas, como o biólogo Asa Grey (1810 – 1888) e o geólogo James Hall (1808 – 1898), o criador da Teoria Geossinclinal.

Todavia, Louis Agassiz viera ao Brasil para recuperar sua saúde e sua paz de espirito e fazer pesquisas. Contudo, ainda muito jovem, fora o primeiro a determinar a existência de uma “era do gelo” na Europa e América do Norte. Seus dados e sua interpretação sobre as glaciações do que hoje chamamos de Pleistoceno foram muito importantes para o entendimento da história da Terra.

O FRACASSO DE AGASSIZ NO BRASIL
uma das fotos tiradas por Agassiz no Brasil, para ilustrar suas teses racialistas. Entretanto, os negros e índios brasileiros foram mais complexos que as ideias do cientista, que não deu seguimento à pesquisa

Agora, no entanto,  Agassiz viera ao Brasil para provar que a sua teoria de uma grande glaciação se aplicava também à América do Sul. Da mesma forma, viera para provar outra teoria: que a miscigenação racial formava o que se chamava de raças degeneradas. Tanto um quanto outra não prosperaram: geólogos brasileiros, como o Barão de Capanema (1824 – 1908), ousaram afrontar o grande sábio e mostraram que os depósitos glaciais das serranias cariocas eram produtos de depósitos torrenciais recentes.

Todavia, a teoria racial de Agassiz jamais foi divulgada. Recentemente, uma mostra das “fotografias secretas” de Agassiz foi mostrada no Brasil. Nela, as inúmeras fotos de índios e negros nus, que serviriam para provar que as raças no Brasil estariam se degenerando. Entretanto, a realidade era outra, e mais complexa do que as teorias racistas de Agassiz pudessem imaginar.

EDUCAÇÃO FEMININA E MIMIMI

Contudo, naquela noite de junho,  as damas da corte estavam assistindo pela primeira vez a uma apresentação cientifica. Algo começou a mudar. Cerca de dez anos depois, ainda timidamente, a educação feminina já ousava ir além das prendas domésticas. Jornais discutiam a teoria da evolução para mulheres. Desta forma, uma destas fontes de divulgação foram as cartas do jornalista Rangel S. Paio no Vulgarizador, jornal sobre temas científicos que saiu no Rio entre 1870 a 1880.

Carlotta Maury no Laboratório de Paleontologia em Cornell (NY), data desconhecida (Arnold, 2014)

Ainda iria demorar para que as mulheres pudessem estudar numa faculdade e ter carreira acadêmica. Como, naquela época, fez a norte americana Carlota Joaquina Maury, que nós já discutimos aqui. Mimimi, dizem alguns hoje em dia quando as mulheres protestam por seu espaço na sociedade. Quem viveu estas experiencias sabe que nunca foi nem é fácil.

Uma breve espiadela naquela reunião cientifica no Rio de Janeiro Imperial expõe um grande abismo existente em nossa sociedade. E olhe que nem falamos dos escravos, que tanto impressionaram Louis e Elizabeth Agassiz em sua estadia no Rio de Janeiro.

Naquele mesmo ano de 1866 em que Louis e Elizabeth Agassiz estiveram no Rio, numa das travessas da cidade, uma mulher negra vendia comida na rua. Estava vestida de roupas africanas e colares de miçangas coloridas. Com um turbante branco na cabeça, fumava um cachimbo e olhava feliz para as crianças que brincavam ao seu redor. Aquela mulher anônima na noite carioca não poderia ser uma trisavó de Marielle Franco? Ou então, de uma cientista importante, como Sônia Guimarães  ou Anita Canavarro?

Viva o Povo Brasileiro!

SHE SELLS SEA SHELLS ON THE SEA SHORE

É de manhã cedo. O mar está calmo, e a maré baixa. Na grande falésia branca da praia de Lyme Regis, em Dorset, na Inglaterra, um grupo de pessoas está trabalhando nos rochedos. Usando martelos e picaretas, eles cortam o paredão em busca de fósseis. Entre eles está uma mulher. Mary Anning, acompanhada de seu cãozinho vira-lata Tray, está protegida do frio e da maresia usando roupas largas. Na cabeça, usa um chapéu de palha amarrado no pescoço para não ser arrancado pelo vento do mar .

Praia de Lyme Regis, Dorset, onde Mary Anning viveu e “caçou” diferentes tipos de fósseis…
FÓSSEIS PARA (SOBRE)VIVER

Mary Anning (1799-1847) é a chefe do grupo de coletores de fósseis. Dona de uma pequena mas bem sortida loja, ela é uma das maiores fornecedoras de fosseis para colecionadores e museus de toda a Europa. Mesmo dos Estados Unidos vem pesquisadores e colecionadores para ver – e comprar! – suas preciosidades.

Mary Anning (1799 – 1847) e seu cãozinho Tray, A pintura é de 1842.

De origem humilde, a família de Mary Anning começou a coletar fosseis para complementar a parca sobrevivência. No entanto, seu pai Richard, sua mãe Molly e seu irmão Joseph também eram exímios coletores de fosseis. Entre os fosseis mais importantes que coletaram estão os famosos esqueletos dos plesiossauros, grandes lagartos marinhos.  Hoje, boa parte dos fosseis coletados por Mary Anning e sua família estão expostos no Museu de História Natural em Londres. Da mesma forma, na França, na Inglaterra e na Alemanha, quase todos os grandes Museus de História Natural têm fósseis  coletados por ela.

Mesmo sem uma educação formal, Mary Anning chegou a participar da construção da Paleontologia moderna. No entanto, ela chegou mesmo a participar de alguns debates,  corrigindo algumas distorções e classificações incorretas. Dona de um saber prático, Mary Anning ajudou muito neste estagio embrionário da paleontologia.

DORSET NO JURÁSSICO

Embora tenha chegado a ter uma loja, vendendo fosseis para toda a Europa, Mary Annning sempre passou por varias necessidades financeiras. Para tanto, várias pessoas ao longo de sua vida, penalizadas com as duras condições de Mary Anning e sua família, fizeram subscrições para ajudar.

 

Duriea Antiquor (Dorset antigo) de Henri de la Beche (National Museum of natura History of Wales). A luta fictícia entre o ictiossauro e o plesiossauro ficou tão famosa que Julio Verne a incluiu em seu “Viagem ao Centro da Terra”.

Entretanto, uma das mais criativas e interessantes subscrições foi feita por um grande amigo de Mary Anning, o geólogo Henri De La Beche. Bom desenhista e caricaturista, De La Beche desenhou uma gravura cujas vendas pudessem ajudar financeiramente Mary Anning, já então bem doente de um câncer de seio. Contudo, a gravura, intitulada Duriea Antiquor (“Dorset antigo” em latim), retrata com precisão e bom homor qual teria sido, há milhões de anos atrás, a vida dos fósseis coletados por Mary Anning.

Bem desenhado e bem elaborado, Duriea Antiquor é um dos primeiros e mais importantes desenhos sobre o mundo anterior aos humanos. Contudo, a sua representação da vida no jurássico até hoje é uma das mais influentes da paleontologia. A gravura até hoje baliza a maneira como representamos até hoje a vida antiga na  Terra.

VENDER CONCHAS DO MAR NA BEIRA DO MAR…

A vida e os perrengues pelos quais passou Mary Annning dariam um poema. Ou um livro. Ou um filme. Ou tudo isso.

No início do século XX o escritor inglês H. A. Forde  publicou “The Heroine of Lyme Regis: The Story of Mary Anning the Celebrated Geologist”. Baseado no relato de Forde, muitas histórias inspiracionais sobre Mary Anning foram escritas. Entretanto, talvez ela seja também a inspiração para o poema – e terrível trava-línguas –  que todos os estudantes de inglês língua estrangeira se confrontam:

She sells seashells on the seashore
The shells she sells are seashells, I’m sure
So if she sells seashells on the seashore
Then I’m sure she sells seashore shells.

MERYL STREEP?

Em 1969 outro escritor inglês, John Fowles, escreveu um romance histórico chamado “The French Lieutenant´s Woman” (a mulher do tenente francês). Contudo, na história de Fowles, está patente a denúncia do preconceito de classe e de gênero que  Mary Anning sofreu. Mesmo tendo ajudado tantos cientistas, ela nunca ficou, em vida, com a fama da descoberta. O único que homenageou Mary Anning durante sua vida, entretanto, foi o zoólogo franco-suíço Louis Agassiz, que a conheceu pessoalmente em 1834 e nomeou duas espécies de peixe com seu nome.

O livro de Fowles foi um grande sucesso de público e crítica. Em 1982 foi adaptado para o cinema pelo teatrólogo e roteirista Harold Pinter, e dirigido por Karol Reisz. Como protagonistas, ninguém menos que Meryl Streep e Jeremy Irons. Da mesma forma, o livro também virou peça de teatro de grande sucesso.

Poster do filme “A mulher do tenente francês”, de 1982, com Meryl Streep e Jeremy Irons. A historia é livremente baseada na vida de Mary Anning
UM GRANDE VULTO DA CIENCIA

Entretanto, em 1999, bicentenário de seu nascimento, houve um grande evento em seu nome na praia de Lyme Regis. Da mesma forma, em 2005, o Museu De História Natural de Londres incluiu seu nome ao lado de outros grandes vultos da ciência. Nesta exposição, ela está ao lado de personalidades como Carl Linné  e William Smith.

Mary Anning morreu em 1847, vítima do câncer. Ela viveu toda a vida entre os penhascos de Lyme Regis, escavando a lama do mar jurássico em busca de fosseis para sobreviver. Mas, inadvertidamente, foi uma das maiores paleontólogas de todos os tempos.

Contudo, Mary Anning nos desvendou os abismos do tempo e os fantásticos animais que o habitaram. Desta forma, para ajudá-la foram feitas as primeiras representações sobre o mundo antigo que conhecemos. Foi vítima do preconceito de classe e de gênero. No entanto, Com sua vida, inspirou muitas outras.

Mary Anning é tanta inspiração que ultrapassou a Ciência. Mary Anning é pop. Foi livro, peça, filme. Virou até trava-línguas!

Não é pra qualquer um…

As glossopetras dão com a língua nos dentes

Olá! Nós somos as glossopetras!

um selfie de glossopetras, mostrando como algumas de nós são bem grandinhas…

Somos fósseis pequenos, de milímetros a decímetros de tamanho. Somos encontrados em abundância nas melhores camadas sedimentares próximas de você. No entanto, somos mais comuns em alguns lugares específicos do mar Mediterrâneo, de onde somos extraídas

em grande quantidade. Um dos lugares mais famosos de ocorrência de glossopetras é a Ilha de Malta.

O nome glossopetra é um nome greco-romano. Reparem: glossós, ou língua, é uma palavra grega. Língua em latim é língua mesmo. E petra é pedra em latim, como até as pedras sabem. Glossopetra, portanto, é um nome greco-romano, que significa Língua de Pedra. Porque parecíamos com pequenas línguas.

Nós somos conhecidas em praticamente todas as línguas e culturas do Velho Mundo.

AMULETOS PARA “SOLTAR” A LÍNGUA…

Para os romanos, nós, as línguas de pedra, éramos amuletos importantes. Segundo se acreditava, nós poderíamos fazer “desatar” a língua das pessoas. Poderíamos também fazer com que as pessoas confessassem os crimes os mais secretos. Da mesma forma, nos usavam também para tornar as pessoas mais subornáveis e colaborativas. Por outro lado, era tamanho nosso poder que alguns romanos mais desabusados usavam nós glossopetras para seduzir pessoas castas para os atos mais inconfessáveis!

No entanto, sábios com Plínio, o Velho, eram mais céticos. Segundo Plínio, os mágicos diziam que as glossopetras caiam dos céus durante os eclipses da Lua. Já imaginaram, uma chuva noturna de pequenas linguinhas de pedra? No entanto, segundo Plínio, isso parecia não ser verdade.  Assim como ele também não compartilhava a crença antiga que as glossopetras acalmavam os ventos.

Monddrache, o Dragão da Lua. Gravura antiga atribuídas pelo astrólogo, nigromante e alquimista Agripa de Netesheim

Além disso, algumas glossopetras maiores  (ver figura acima) eram também chamadas de línguas de dragão. Tinham cerca de dez centímetros de comprimento ou mais. Existia uma lenda, que vinha do cultura nórdica, que atribuía a diminuição da Lua em alguns momentos de seu ciclo à ação de um dragão, o Monddrache, o Dragão da Lua. Essas glossopetras maiores, quase da palma de uma mão humana,  eram chamados de Dentes do Dragão da Lua (Zähne der Monddrache).

SÃO PAULO E AS GLOSSOPETRAS
Selo comemorativo do naufrágio de São Paulo na ilha de Malta. Depois desse naufrágio, nós glossopetras passamos a símbolos do cristianismo…

Na ilha de Malta, onde somos abundantes, há a lenda de que São Paulo, ao naufragar na ilha, teria sido picado por uma víbora. O Santo não se fez de rogado, e atirou a serpente ao fogo. Como resultado, todos os dentes e olhos das cobras de Malta foram petrificados. Por isso, em alguns lugares, somos também chamadas de línguas de serpente. As serpentes que hoje existem na ilha de Malta não são venenosas, confirmando assim, empiricamente, a ação milagrosa do apostolo. Essa lenda também aparece na Irlanda, com São Patrício. Aqui nós já comentamos sobre Santa Hilda de Whithby e os amonites.

Há uma outra lenda, muito posterior, dizendo que São Paulo transformou a sua própria língua em pedra, com numerosas propriedades medicinais. Por outro lado, os cavaleiros Normandos, que conquistaram Malta em 1090 AD, logo se aproveitaram dessa lenda e logo vendiam para toda a Europa as famosas (e milagrosas!) línguas de São Paulo. Com muito lucro, diga-se.

UM PODEROSO ANTÍDOTO CONTRA QUASE TUDO
Natterbaum, ou “arvore das serpentes”, peça em prata sobredourada representando a genealogia de Cristo. Esta peça era usada como proteção para venenos. No centro em cima há uma enorme Língua de Dragão.

Existiram, também, diversas as aplicações medicinais das glossopetras. Durante a Idade Média, acreditava-se que nós, glossopetras, éramos poderosos antivenenos. Poderíamos detectar a presença de veneno mudando de cor ao sermos mergulhadas numa taça de vinho. Desta forma, éramos usadas como contraveneno de cobra, para acelerar o parto e como poderoso talismã na proteção contra bruxarias.

Durante a Renascença, o geografo holandês De Laet (1581-1649) enviou algumas glossopetras para serem usadas para males bucais. Entre os usos registrados estão a dor de dentes e para aliviar as dores da dentição em crianças.

Os usos das glossopetras como medicamento foi muito difundido. A “Terra de São Paulo” , como era conhecido o material contendo as glossopetras maltesas, era comercializada como remédio até fins do século XIX. Um vasto mercado, como diríamos hoje. No entanto, a ocorrência de falsificações levou muitos governos desde o século XVII a realizar verificações e autuações em materiais tidos como Terra de São Paulo.

Nós, glossopetras, poderíamos contar muitas mais histórias e lendas, meninxs.

DENTES DE TUBARÃO?

No entanto, temos que confessar uma coisa: somos, na realidade, dentes de tubarão. Sim, dentes de tubarão. Boa parte de nós glossopetras somos simplesmente dentes de tubarões lamniformes. Contudo, as maiores glossopetras são provenientes do gigantesco Charcharodon megalodon, uma espécie extinta de um tubarão gigante que viveu entre o Mioceno até o fim do Plioceno (para vocês humanos que não tem noção de tempo, significa um período entre 23,3 até 3,3 milhões de anos atrás).

Uma estimativa do tamanho provável do Charcharodon megalodon (cinza e vermelho) com o tubarão Baleia, o tubarão Branco e um ser humano;

Como foi que mudou a ideia de que nós éramos pedras singulares com poderes mágicos e medicinais e nos tornamos meramente dentes de grandes bestas pré-históricas? Esta discussão, por mais simples que pareça, está na base da moderna Geologia.

BRINCADEIRAS DA NATUREZA

vocês podem não acreditar, mas nem sempre os fósseis foram aceitos como hoje: restos de organismos preservados por algum processo. Durante o Renascimento, a utilização de alguns conceitos aristotélicos, como a petrificação, levou alguns  sábios a aceitar que os fosseis poderiam ser objetos gerados espontaneamente nas rochas. Seriam as “virtudes plasticas” defendidas, entre outros, pelo sabio veneziano Girolamo Fracastoro (1476-1553). Seriam meras “brincadeiras da natureza”.

Outros sábios, entretanto, achavam que os animais e plantas petrificados eram realmente restos de organismos. Entre estes estavam, por exemplo, o famoso medico modenesi Gabrielle Falllopio (1523-1562).  Mas quais organismos seriam esses? existiriam realmente ou eram seres já extintos? Isso levava a uma outra questão: se os seres eram extintos, era sinal que eram seres imperfeitos? Deus, por acaso, fazia coisas imperfeitas? Essa era a grande discussão das ciências naturais nestes período.

FABIO COLLONA E AS GLOSSOPETRAS
o sabio neapolitano Fabio Collona (1567-1640), autor de importante estudo sobre nós, glossopetras!

Nós, as glossopetras, estivemos ativas neste debate. Um dos trabalhos mais imortantes sobre nós foi realizado pelo naturalista napolitano Fabio Collona (1567 – 1640), da Academia dei Lincei (dos linces, animal que enxerga mais longe) e amigo de Galileu. Collona estabeleceu que eramos restos de organismos. Para isso, ele calcinou algumas de nós (ui!) e viu que éramos formadas por matéria orgânica. Por outro lado, a terra que nos envolvia não tinha a mesma origem. Logo, segundo Collona, as glossopetras eram restos orgânicos.

a semelhança com os dentes de tubarão também chamou a atenção de Collona. Assm, ele sugeriu que pudessemos representar restos de antigos tubarões, e não pedras magicas ou antivenenos. Mas era necessário mais algum debate para poder afirmar isso com segurança.

NICOLAU STENO E OS DENTES DE TUBARÃO

Foi Nicolau Steno quem estabeleceu a relação dos tubarões com as glossópetras. Para

tubarão glossopetras
Cabeça de tubarão estudada por Steno e as glossopetras

tanto, ele estudou a carcaça de um tubarão capturado ao longo da costa de Livorno em 1666 e confirmou a semelhança entre as glossopetras e os dentes dos tubarões. Para isso, Steno usou de suas habilidades como anatomista e fez uma comparação usando o método da anatomia forense. Assim, tim-tim por tim-tim, ele explicou as semelhanças entre as duas.  Desta forma, ficou bem claro, para bons e maus entendedores, que as glossopetras eram dentes de tubarão.

Contudo, a polêmica ainda durou mais alguns anos. Somente em meados do seculo XVIII é que os fósseis foram aceitos como restos de organismos e tomaram o sentido que tem hoje. Para tanto, nós, glossopetras, tivemos um papel fundamental.

COM A LÍNGUA NOS DENTES

Assim sendo, hoje nós não somos mais fósseis, e sim uma parte deles. Desta forma, não somos mais tão importantes e procuradas como no passado, empobrecendo talvez alguns mineradores. Contudo,  nós somo muito orgulhosas de nossa participação. De fato, nossa presença nestes debates serviu para que os fósseis fossem reconhecidos como hoje são. Mais que isso, houve uma mudança na maneira como as pessoas enxergavam as camadas de rocha.

Assim, o que era só brincadeira da natureza passou a significar também testemunhos da história terrestre. O grande livro da natureza podia afinal ser lido. A história da natureza, com o tempo, passou a ser maior que a história humana. Por um lado, a história natural pode ser lida em milhões e mesmo bilhões de anos. Por outro lado, outras preocupações vinculadas com esta historia natural passaram a ocupar o centro da vida das pessoas.

Entretanto, questões como evolução das espécies, mudanças climáticas, grandes extinções, etc só fazem sentido num tempo longo. E estão nas agendas das pessoas e dos governos de hoje. Contudo, nada disso seria possível sem entender que pequenas linguinhas encontradas nas rochas possam ser dentes de tubarões.

Nada mal, não?

PARA SABER MAIS:

Hsu, K.T., 2009. The path to Steno’s synthesis on the animal origin of glossopetraeThe Revolution in Geology from the Renaissance to the Enlightenment. Geological Society of America, Boulder, CO, Memoirs203, pp.93-106.

Rosenberg, G.D. ed., 2009. The Revolution in Geology from the Renaissance to the Enlightenment (Vol. 203). Geological Society of America.

O problema não é o 13, é o 14! O mito do Carbono 14 na Paleontologia

Há quem diga que o treze é um número da sorte. E há também aqueles que não gostam das sextas-feiras 13… 

Mas como professora de paleontologia já há alguns anos eu tenho dificuldades com o 14. Na verdade, com o Carbono 14 (C14).

Em algum momento da vida de vocês, meus queridos alunos e/ou leitores, alguém lhes falou sobre ele. E eu não sei bem os motivos da mídia e de alguns livros de conteúdo básico sobre geociências enfocarem a datação por carbono 14 como sendo a resolução de todos os problemas na vida de um paleontólogo; mas, claro, essa técnica não é tudo isso.

A simplificação que normalmente vejo nos textos sobre o assunto passa uma ideia errada de como a datação de materiais fósseis realmente funciona.

Mas vamos começar do início…

Datação de quê? Idade do organismo ou há quanto tempo ele viveu/morreu?

Para obtermos a idade de algum material, necessitamos de alguma técnica que meça a quantidade de anos que aquele material tem, ou que nos indique uma idade aproximada do material em questão. Com isso eu quero dizer o seguinte: se um organismo viveu durante 30 anos, no período Triássico (250-200 M.a.), a idade que iremos obter com algum método de datação é a idade triássica. A idade do organismo (se era jovem, adulto ou idoso) também pode ser obtida, de forma aproximada, com nossos conhecimentos sobre o desenvolvimento ontogenético do grupo ao qual aquele organismos pertence; mas não é sobre isso que iremos tratar aqui, ok?

O que é necessário para datar?

O método Carbono 14 necessita de matéria orgânica para ser utilizado.

Os fósseis, como nós já falamos por aqui no blog, nada mais são que restos ou vestígios de vida pretérita transformados (em algum grau) em rocha (litificados). Existem, sim, casos onde há preservação de material orgânico original. Mas na maioria das vezes, esse material é perdido no processo de litificação. Então, na maioria das vezes, não há Carbono para ser datado nos fósseis.

Quais as premissas da técnica?

Toda técnica utilizada pelos cientistas segue algumas premissas e possui alguns limites.

Uma das premissas é que o material tenha Carbono, como falamos antes. Então, se quisermos saber a idade de uma rocha (que não tenha C), o método de C14 não pode ser aplicado.

Isótopos são elementos químicos (isto é, têm prótons, nêutrons e elétrons) que possuem número atômico igual (número de prótons) mas um número de massa diferente (média ponderada das massas dos isótopos, isto é prótons + nêutrons). No caso da Carbono, encontramos na natureza vários isótopos, e os mais comuns são C12, C13 e o famoso C14. A abundância natural desses isótopos é diferente, sendo o C12 o mais estável e mais comum dentre todos. Sendo o mais comum (e também por outros motivos) os organismos utilizam-se mais do C12. No entanto, o C14, apesar de raro, também é incorporado pelos organismos.

O C12 com 6 prótons e 6 neutrons. Fonte.

O C14 não é tão comum quanto o 12 basicamente por dois motivos: porque ele se forma na alta atmosfera pela ação de raios cósmicos e descargas elétricas em nitrogênios (eventos aleatórios), e porque o C14 é um isótopo instável de Carbono, isto é, ele se transforma em nitrogênio novamente, para alcançar sua estabilidade. Esse fenômeno é muito bem explicado no vídeo que coloquei nas referências deste texto.

No princípio do desenvolvimento da técnica de C14, uma premissa importante para o estudo era que a formação do C14, apesar de rara,  seria constante para os últimos séculos. Hoje sabe-se que houve variação e uma tabela já foi construída para adequação das análises.

O quadro abaixo mostra os diversos isótopos de Carbono e a duração de suas meias-vidas na natureza ( em segundos “s” ou minutos “m”. Fonte):

Simb % natural Massa Meia vida
9C 0 9,0310 0,127 s
10C 0 10,0169 19,3 s
11C 0 11,0114 20,3 m
12C 98,93 12,0000 Estável
13C 1,07 13,0034 Estável
14C 0 14,0032 5715 a
15C 0 15,0106 2,45 s
16C 0 16,0147 0,75 s
17C 0 17.0226 0,19 s

Como o C14 chega a fazer parte da matéria de um carnívoro?

As plantas, por meio de fotossíntese, utilizam os CO2 produzidos pelas descargas elétricas e impactos de raios cósmicos nos N; seguindo a cadeia alimentar, os animais que predam plantas, incorporam esse C instável, e por conseguinte, o C14 chega aos carnívoros que predam estes herbívoros.

Todo paleontólogo usa esta técnica?

Nem todo o paleontólogo sabe dizer a idade exata (em números absolutos) do material com que trabalha. Eu, por exemplo, nunca datei absolutamente nenhum fóssil com que já trabalhei. O C14 é usado para datar materiais de até 50 ou 60 mil anos. Eu trabalho com fósseis de 400 milhões de anos!

O limite do método se dá por um viés analítico. Como o C14 é muito raro em proporção na matéria a ser analisada, após 10 decaimentos suas porcentagens são tão pequenas que ele fica quase impossível de ser detectado. Após 10 decaimentos o material tem cerca de 50 mil anos, uma vez que a meia-vida do C14 tem 5.730 anos.

Como se conta o C14?

O primeiro a realizar a contagem de C14 foi o pesquisador Libby, utilizando um contador Geiger. Ao se desintegrar, um C14 emite uma partícula beta; essa partícula é detectada pelo referido equipamento. Ao colocarmos 1 grama de C atual (de algum ser vivo), temos 13,6 contagens por minuto. Sabendo disso, usamos da matemática para saber quanto 1g de alguma amostra fóssil pode indicar em termos de idade. Se a contagem for de 6,8, significa que uma meia vida já passou, isto é, o organismo em questão morreu há 5.730 anos. Outras técnicas mais recentes e precisas já foram desenvolvidas, utilizando, por exemplo, a contagem dos átomos em si e comparando-se suas proporções. Mais detalhes sobre isso podem ser lidos aqui.

É fato que a maioria das pessoas, quando questionada sobre datação, lembra do C14. Mas veja, para o estudo paleontológico de materiais mais antigos que 50 mil anos, a técnica não pode ser utilizada! Lembrando que o planeta tem 4,5 G.a., o C14 não é o principal método de datação em paleonto…! Outros métodos são muito mais comuns, como a datação relativa das camadas e também as datações absolutas de rochas ígneas + datação relativa das camadas de rochas sedimentares.

Como datar absolutamente uma camada?

Quando temos rochas ígneas, podemos usar métodos de datação como Rubídio-Estrôncio, Chumbo-Chumbo, Urânio-Chumbo, Potássio-Argônio, entre outros. Neste caso, esses elementos químicos instáveis foram formados  quando houve a geração dos minerais que compõem as rochas, por isso, assim que eles solidificam, seu decaimento inicia e a contagem do tempo através das suas meias-vidas pode ser obtida. Cada relação isótopo-pai/isótopo-filho tem uma longa série de intermediários que se formam e possibilitam a datação absoluta. 

E agora... você já sabe quais métodos mais usamos?
Por isso o C14 não é uma técnica utilizada em materiais mais antigos que 50 mil anos, e portanto, não é muito utilizado em Paleontologia. Observe, portanto, a imagem abaixo e me diga o que poderia ser melhorado nela?!

 

decaimento radioativo do C14
Ilustração que mostra o decaimento radioativo do C14… mas que induz as pessoas a achar que é possível datar um fóssil de dinossauro com C14. Fonte.

 

Referências

http://www.deboni.he.com.br/dic/quim1_006.htm

https://manualdaquimica.uol.com.br/quimica-geral/isotopos.htm

http://www.seara.ufc.br/donafifi/datacao/datacao5.htm

Um outro post nosso sobre o tempo geológico, pode ser lido aqui.

As renas e os cervos surgiram em qual estação do ano?

Na época de mudança de uma estação do ano para outra temos uma ideia de como seria uma mudança climática. A que neste blog nos interessa aconteceu há uns 20 milhões de anos no passado e foi devastadora para muitas espécies. Contudo, graças a ela surgiu um importante grupo de mamíferos, que se diversificou e espalhou por todo o nosso planeta: são os ruminantes, que pertencem ao grupo dos artiodáctilos. Entre eles temos as vacas, porcos, hipopótamos, cabritos, girafas, ovelhas, camelos, além de, é claro, as renas e os cervos, que como outros cervos formam parte da família Cervidae. Mas não os cavalos, os rinocerontes e as zebras, que são perissodáctilos (dedos ímpares). Os artiodáctilos são caracterizados por apresentar, entre outras coisas, patas com número par de dedos e uma inovação no sistema digestivo que permitiu que muitos deles pudessem comer capim, ou seja poder extrair carboidratos a partir da celulose que forma parte do corpo das plantas, por possuir associação com bactérias e protozoários especializados que auxiliam na digestão. Dessa forma, se você observar uma vaca ou uma lhama ela está o tempo todo mastigando ou ruminando o capim para poder moer as folhas em pequenos pedaços e ajudar as bactérias no processamento da matéria vegetal. Inclusive, pelas evidências fósseis, as baleias e os artiodáctilos compartiriam um mesmo ancestral.

Cervo do Pantanal

Voltando à influência das mudanças climáticas para o surgimento das renas, então há uns 45 milhões de anos, o nosso planeta experimentou climas muito úmidos e quentes que permitiram que grandes e densas florestas tropicais se desenvolvessem até na Antártica, e no Norte do Canadá, como já expliquei em outro post. Esse apogeu no mundo vegetal provocou a deposição de um grande volume de biomassa vegetal que foi soterrada e convertida em camadas de carvão, nas quais uma enorme quantidade de carbono ficou sequestrada, não retornando à atmosfera e, por conseguinte, reduzindo a quantidade do nosso principal gás estufa, o CO2. Além disso, ocorreram mudanças importantes na distribuição dos continentes, com as quais a geografia ficou mais parecida com a atual, com o surgimento de grandes cadeias de montanhas como os Andes, o Platô do Tibet (após a Índia bater com a China), etc. Todos esses fatos juntos provocaram um desequilíbrio que levou ao surgimento de uma tendência à diminuição das temperaturas e, por conseguinte, de climas mais secos. Com isso, as densas florestas tropicais se reduziram em tamanho, e um novo tipo de vegetação começou a surgir, uma vegetação mas aberta e composta por variados tipos de capins, onde os artiodáctilos passaram a pastar e ruminar calmamente, além de crescerem em tamanho e correr quando necessário.

Voltando às renas e cervos e por tanto a família Cervidae, essa última possui um extenso, rico e contínuo registro fóssil a partir do Mioceno (~ 20 milhões de anos) até o presente. Os fósseis mais antigos foram encontrados na Eurásia (massa continental que engloba a Europa e a Ásia), na qual possivelmente tenham sido originados, e com o tempo migrado para o resto do planeta.

Já para o Pleistoceno (2 milhões de anos – 10.000 anos atrás) são reportados fósseis de renas gigantes na Europa e na América do Norte. Essas evidências são especialmente baseadas em dentes e chifres, quem sabe os ancestrais das renas do trenó do Papai Noel, pois é no Pleistoceno que aconteceram os intervalos glaciais do Quaternário e o hemisfério norte foi muito afetado por esses períodos frios, chegando a ficar com grandes extensões do seu território cobertas por glaciares continentais.

Deusa Diana www.fanpage.it

Aqui na América do Sul, os cervos chegaram após o surgimento do Istmo de Panamá. Há alguns milhões de anos eles vieram em várias ondas junto com outros migrantes do norte (como já comentamos em alguns texto anteriores). E se deram muito bem, atualmente temos no nosso continente pelo menos 17 espécies que habitam desde os ambientes costeiros até as alturas da cordilheira dos Andes. Nas férias de janeiro fomos para o Pantanal do Mato Grosso do Sul, um passeio que recomendo. Por lá vimos lindos e numerosos exemplares dos cervos pantaneiros (Blastocerus dichotomus), que alcançam grande porte, chegando a pesar até 120 quilos e ter uma altura que varia entre 1,10 a 1,20 m, pelo que são considerados os maiores cervos da América do Sul, e são adaptados para viver em áreas alagadas e até cruzarem rios a nado. Também foi possível apreciar junto aos cervos outros descentes da fauna que veio do hemisfério norte como as onças, além de outras espécies remanescentes da megafauna pleistocênica da América do Sul, como preguiças e capivaras. Bom, quem sabe no próximo natal ou na próxima primavera, ao invés de colocar renas na decoração de natal ou a Deusa Diana estar acompanhada de um cervo da Europa, poderão trocar por um cervo pantaneiro.

Rena na Suecia (Ragifer farandus). http://www.essaseoutras.com.br

A Morte no Gelo

Estação polar moderna, similar às estações onde Alfred Wegener viveu e onde finalmente morreu

A brancura do ambiente era total. Alguns pontos escuros na paisagem eram a exceção. Trenós mecanizados e também os puxados com cachorros cortando o gelo eram pontos atravessando a meseta central da Groenlândia.

Dois riscos pretos bem pequenos apareceram ao fundo no horizonte. Ao chegar mais perto, os homens dos trenós viram que eram dois esquis num montículo de neve. Ao escavar o montículo, surgiu o cadáver que eles tanto procuravam e não queriam encontrar. As buscas acabaram. Alfred Wegener, o chefe daquela expedição e um dos maiores cientistas do século, estava oficialmente morto.

Alfred Lothar Wegener nascera em 1° de novembro de 1880, em Berlim. Era filho mais novo de Ana Schwarz e do pastor Richard Wegener, teólogo e professor de línguas clássicas. Pouco se sabe da infância e juventude de Wegener.  O que se sabe é que, longe da vida pacata e prestigiosa de espiritualidade e leitura de seu pai, o jovem Alfred optou pela aventura e pelas atividades ao ar livre.

Estudou Física, tendo se graduado em 1905. Após sua graduação, ele começou a trabalhar com Meteorologia, principalmente com a utilização de balões atmosféricos. Neste tempo interessou-se pela pesquisa no Ártico.

Alfred Wegener casou-se em 1913 com Else Koppen (1892-1992), filha do grande climatologista russo-alemão Wladimir Koppen (1846 – 1940). Após seu casamento, Wegener tornou-se professor na Universidade de Marburg e dedicou-se às aulas, à pesquisa e à aventura polar. Não necessariamente nesta ordem.

NO MEIO DO GELO

Em 1° de novembro de 1930, dia de seu aniversário de 50 anos, Alfred Wegener havia partido em um trenó puxado por cães, juntamente com seu companheiro Rasmus Villumsen. Seu destino era a base de Eismitte (Meio-do-gelo, em alemão) para levar ajuda

Wegener e seu companheiro Villumsen, posando para a viagem da qual não retornariam

para os dois homens que estavam lá fazendo pesquisas. As condições do tempo estavam muito ruins e não havia comunicação entre as bases por rádio.

Somente na primavera do ano seguinte uma equipe conseguiu achar o corpo de Wegener no meio do gelo. Era 8 de maio de 1931. Provavelmente Wegener morreu no caminho e Villumsen enterrou o companheiro e prosseguiu a viagem. Villumsen, como era de hábito nestas circunstancias, estava levando os diários de viagem de Alfred Wegener, para salvá-los. No entanto, Villumsen jamais chegou a Einsmitte, e seu corpo jamais foi encontrado.

O EMPINADOR DE PIPAS

Aquela era a quarta expedição de Wegener à Groenlândia. A primeira havia sido em 1906-1908, sob a chefia do Dinamarquês Ludvig Mylius-Erichsen (1872–1907). Neste tempo Wegener fez diversas pesquisas meteorológicas. Boa parte delas era feita soltando balões atmosféricos e pipas. Com isso, varias informações eram obtidas das partes mais altas da atmosfera.

A segunda expedição que Wegener participou foi a liderada por Johann Peter Koch (1870–1928). O objetivo desta expedição eram pesquisas glaciológicas e meteorológicas. Koch e Wegener cruzaram a calota da Groenlândia de Leste a Oeste, num treno puxado por cavalos e pôneis islandeses. Extremamente fatigados, percorrendo um total de 1.200 quilômetros de gelo, eles chegaram finalmente ao destino.

Com a guerra em 1914, Wegener foi convocado para o front, tendo sido ferido duas vezes. Durante sua convalescencia, aproveitou para publicar alguns de seus trabalhos mais importantes sobre Meteorologia.

A EXPEDIÇÃO WEGENER

Alfred Wegener só conseguiu retornar a Groenlândia em 1929, depois que Koch já tinha morrido. Veio para uma expedição de reconhecimento e organização da expedição seguinte, que ele mesmo lideraria. A expedição de 1930-31 foi uma das maiores expedições enviadas para o Ártico até então. Contava com forte apoio do governo alemão e, mesmo num

A expedição no Ártico: os trenós, os pôneis islandeses e os cães. E, claro, também os homens.

ambiente de forte crise econômica e política, teve um bom financiamento.

Desta vez, além dos trens com cachorros e dos pôneis islandeses, Wegener contaria ainda com trenos mecanizados. Uma grande infraestrutura foi armada em diversos locais. Uma das grandes descobertas da expedição de Wegener foi a espessura da calota de gelo da Groenlândia. Através de experimentos de sísmica terrestre, foi possível calcular uma espessura de até 1800 m de gelo em alguns locais.

Existe um filme, editado em 1936, que mostra momentos importantes da expedição Wegener. Ali estão representando a chegada, a montagem dos equipamentos, como os balões meteorológicos. Também estão filmadas as explosões de dinamite nas pesquisas de sísmica terrestre. Mas impressionante é que o filme mostra até mesmo a partida de Wegener e Villumsen para a última viagem de suas vidas.

ALFRED WEGENER E A DERIVA CONTINENTAL

Apesar de ser um bom meteorologista, o nome de Alfred Wegener é mais conhecido, hoje em dia, pelas suas contribuições para a teoria da Deriva continental. Wegener começou a se interessar pelo assunto em 1908, quando começou a ler sobre os trabalhos que correlacionavam a geologia e a paleontologia de diversas partes do globo. Em meio as suas viagens a Groenlândia, ele ainda apresentou um breve resumo de sua teoria em 1912.

A ideia de Wegener foi também sugerida praticamente na mesma época pelo geólogo

Capa da edição inglesa de “origem dos continentes e Oceanos”, a partir da ultima edição alemã de 1929

norte-americano Frank Taylor (1860 – 1938).  Durante alguns anos, a teoria foi chamada de Teoria de Taylor-Wegener.  No entanto, as duas eram bastante diferentes. E a de Wegener foi a que teve mais poder explicativo e permaneceu.

O  livro de Alfred Wegener,  “Die Entstehung der Kontinente und Ozeane“, publicado em 1915 e reeditado em 1922,  foi muito bem recebido. Publicado em inglês em 1922, com o título “The Origin of Continents and Oceans”,  teve sua última edição em alemão revista por Wegener em 1929.

PAPO RETO

A estrutura do livro de Alfred Wegener é bastante simples, com uma linguagem também simples e direta. A discussão sucinta era o produto de muito trabalho de leitura e reflexão. Quando foi preciso, fez um bom uso de metáforas, como quando comparou os continentes a icebergs flutuando no gelo. Em sua pesquisa, Wegener conseguiu enfeixar no livro os mais importantes trabalhos de geofísica, geologia, paleontologia de seu tempo.

Como já disse aqui a professora Frésia aqui no blog, as correlações paleontológicas foram algumas evidências decisivas para a aceitação da teoria. A flora de glossopteris existente no grande continente de Gondwana, já identificado pelo geólogo austríaco Eduard Suess (1831 – 1914), foram argumentos importantes nesta correlação.

Da mesma forma, Wegener empresta de Suess o conceito de sal (silício mais alumínio), que representaria a composição da crosta continental granítica. Essa seria a porção que estaria a deriva num oceano de basalto, o sima (camada de silício mais magnésio). Advertido pela confusão que o termo sal provoca nas linguás latinas, Wegener modifica o conceito para sial, como hoje o conhecemos.

AS PONTES CONTINENTAIS

Através de argumentos que aliavam conhecimentos de geofísica, paleontologia e geologia, assim como dos paleoclimas, a teoria de Alfred Wegener colocou em xeque a teoria das pontes continentais. Essa teoria, já discutida aqui, postulava a existência de terrenos entre os continentes que poderiam ter existido no passado. Através das pontes continentais,segundo a teoria,  é que as faunas dos diversos continentes poderiam ter atravessado de um continente a outro.

Entre os defensores da teoria das pontes continentais  citado por Wegener estava Herman Von Ihering (1850 – 1930), biólogo alemão que veio para o Brasil, onde dirigiu o Museu Paulista de 1894 a 1916. Um estudo de sua vida e sua obra, pelas professoras Maria Margareth Lopes e Irina Podgony, pode ser encontrada aqui.

A AJUDA DO SOGRO

Vale a pena citar a importância de seu sogro Wladimir Koppen para a teoria da Deriva Continental. Koppen, nesta altura aposentado, deu uma importante contribuição para a teoria de seu genro.  O livro que publicaram em 1924 “Die Klimate der Geologischen

A capa de uma edição bilíngue moderna do clássico “Climas do Passado Geologico, de Koppen & Wegener; Veja-se aí o maduro climatólogo e o jovem meteorologista.

Vorzeit (Os climas do passado geológico)” foi decisivo para a discussão dos paleoclimas. Um resumo do livro de Koppen e Wegener está resumido no capitulo 7° da edição inglesa do “Origins of Continents and Oceans”.

Foi também Koppen quem incentivou o iugoslavo Milutin Milankovitch (1879-1958) a publicar a sua hoje famosa teoria dos ciclos solares, conhecidos como ciclos de Milankovitch. Com isso, pela primeira vez havia uma teoria simples e unificada que poderia explicar as glaciações do passado. Provavelmente, sem o apoio de Koppen, um cientista de fama mundial, Alfred Wegener não tivesse tido a atenção que teve.

Depois da morte de Wegener foi Koppen, já octogenário, quem cuidou da reedição dos livros e da revisão cientifica de sua obra. Ao morrer, aos 93 anos, Koppen havia recentemente concluído a que foi  a ultima revisão de “Climas do Passado Geológico“.

UMA TEORIA  REVOLUCIONÁRIA?

Alfred Wegener foi um destes cientistas que não cabem num rótulo. Sua contribuição para a teoria da Deriva Continental foi seminal. Sua contribuição à meteorologia e à exploração do Ártico também foram importantes. Sua capacidade de articular a experiência de campo e a pesquisa também foram notáveis.

A Deriva continental, refutada por tantos e em tantas ocasiões, retornou nos anos 1960 com a Tectônica de Placas. Apesar de ter muito pontos falhos, a teoria de Wegener teve

As Placas Tectônicas, como as conhecemos hoje

uma grande aceitação. Sua simplicidade e originalidade contam muito. A explicação unificadora, que juntava tantas disciplinas numa explicação única também foi muito importante. Mas o espirito analítico de Wegener, seu amplo conhecimento de temas de geofísica e climatologia (daí a paleoclimatologia) foram decisivos.

Alfred Wegener, com a tecnologia da sua época, jamais poderia ter provado a sua teoria. Os avanços da sismologia, da magnetometria e o desenvolvimento da geocronologia depois de sua morte foram decisivos para a comprovação de sua teoria. No entanto, as grandes perguntas de Alfred Wegener pautaram a pesquisa cientifica nestas áreas durante boa parte do século XX. As discussões contidas no “Origem dos Continentes e Oceanos” seriam as perguntas mais

Alfred Wegener fazendo graça

importantes para a comunidade geocientífica no seculo XX.

A morte de Wegener no gelo da Groenlândia foi o fim provável de um grande explorador e aventureiro.

Quase um século depois, seu exemplo de cientista de campo e notável teórico em campos tão diversos como a meteorologia e a geologia nos fazem lembrar de quanto o conhecimento só avança pelas bordas.

Pelas in(ter)disciplinas.

Para saber mais:

Alfred Wegener institut  https://www.awi.de/en.html

McCoy, Roger M. Ending in ice: the revolutionary idea and tragic expedition of Alfred Wegener. Oxford University Press, 2006.

Greene, Mott T. Alfred Wegener: Science, Exploration, and the Theory of Continental Drift. JHU Press, 2015.

Calendário fóssil; corais, e os tempos passados

Mais de 24 horas por dia? Calendário com menos de 365 dias? isso é coisa do futuro!

Final de ano na Unicamp sempre me faz pensar em um pedido especial ao Papai Noel. Um pouco mais de tempo, por favor… isto é, dias com mais de 24 horas. Um calendário diferente.

A situação por aqui é quase como no seriado “24h”. A saga pela disponibilização de notas, avaliações para correção, bancas de todos os níveis (IC, TCC, MSc. e PhD), relatórios, comissões e as previsões para as atividades do próximo semestre. A narrativa é tensa por que todos os envolvidos demandam sua atenção. Um passo em falso, um dia sem trabalho e… caos. Não podemos nos permitir ao erro.

Estamos tão acostumados com as 24 horas dos dias que mesmo o Spock e o capitão J. Kirk usam estes intervalos de tempo telúricos para situar o tempo envolvido nas suas missões. Aqui na Terra, cada volta completa do planeta ao redor do seu eixo produz os dias com suas 24 hs. Na Enterprise essa referência se perde.

se você pudesse voltar no tempo, qual data do calendário escolheria?
O relógio do filme “De volta para o futuro”

No entanto, se algum dia tivermos a oportunidade de voltar ao passado, vamos ter que tomar cuidado. Já ouvi físicos debatendo sobre todos os cálculos necessários para que a volta ao passado não seja um triste fim: aparecer em ponto qualquer do espaço, em que, um dia o planeta se encontrava, mas naquela data do passado, a posição era outra, naquele momento. Não basta ajustar a data, a posição de tudo que está envolvido também deverá ser calculada, não é?

Saber a posição exata do planeta em relação ao sol, do sol na galáxia e da galáxia no universo são alguns dos pontos levantados pelos físicos. Mas, e o tempo? sim, vamos falar do tempo de novo. Mas esse é um questionamento novo…. na forma de calendários fósseis!

No Período Devoniano (419 à 358 M.a.) os corais rugosos (um tipo de coral que já não vive mais) viviam por mares rasos, límpidos e quentinhos. Eles eram felizes e cresciam depositando camadas finas de carbonato de cálcio no seu esqueleto. Todos os dias eram iguais, cada um, com uma camadinha a mais.

Essa é mais uma das histórias que os fósseis podem nos contar (veja outra aqui). Existem algumas espécies de organismos marinhos que produzem um pouco de sua “concha” todos os dias. Corais e alguns moluscos podem ser usados portanto, para este datação. Uma datação dos dias, meses e anos do passado, assim como do tempo em que cada organismo prosperou.

Coral rugosa e sua ornamentações que nos fornecem detalhes de um calendário do passado
Coral rugosa usada para datar os meses do ano no Devoniano.

Em corais funciona assim: as linhas mais finas representam crescimento diário. As bandas (conjuntos das linhas finas) representam meses e os anéis, estruturas mais largas, representam os anos. De acordo com os especialistas, em estações secas os corais crescem mais que nas estações chuvosas. Esse empilhamento de camadas também relaciona-se, portanto, com o ciclo lunar.

Assim, se você quiser saber quantos dias aquele organismo viveu, é relativamente fácil: depois de saber como observar seu esqueleto, é só dar a sorte de encontrar esses fósseis e voilà, nada mais simples que contar os dias de um calendário, neste caso, um calendário que já foi vivo. E para contar meses e anos? com vários exemplares temos uma medida média de quantos dias e meses, cada organismo guardou em seu calendário biológico.

E o que estes calendários dizem?

Com o estudos de fósseis de corais do Devoniano, conseguimos descobrir que, neste tempo (Devoniano, um dos períodos do Paleozoico) os anos eram compostos por cerca de 400 dias. Isso implica em algumas coisas importantes: os dias eram mais curtos, e o movimento de rotação terrestre era mais rápido.

Hoje temos anos com cerca de 365 dias… como o planeta desacelerou? Supõe-se que a Terra tem seu movimento de rotação desacelerado pelo movimento das marés (a velocidade diminui dois segundos a cada 100 mil anos!), além do afastamento da Lua (explicação física para o processo de desaceleração da rotação do planeta, ligada às leis de Newton). Portanto, além de ter dias mais curtos, a lua estava mais próxima de nós, no Devoniano e antes.

Uma lua mais próxima, seria maior. Os dias mais curtos… talvez fossem mais agitados? se pensarmos que eram os peixes os reis dos mares naquele tempo, junto com uma profusão de invertebrados, dentre eles trilobitas e afins, talvez sim, houvesse alguma agitação nos oceanos. Mas não podemos dizer o mesmo dos continentes. Além da vida vegetal e dos invertebrados terrestres, os primeiros tetrápodes deixaram seus primeiros registros por volta desse tempo. Eles estavam começando a sair da água para conquistar os continentes.

Fato que foi um mundo completamente diferente.

Se você pudesse voltar no tempo… o que gostaria de ver?

Veja aqui um texto sobre como contar os dias e anos de corais paleozoicos.