Domingo passado foi o Dia da Consciência Negra, 20 de Novembro. Neste dia, além de ser relembrada a morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares e símbolo da luta contra a escravidão dos negros no Brasil, também é o dia de refletirmos o valor da cultura do povo africano no país e seus legados. Eu estava procurando algum tema para escrever para o blog quando, a partir de uma reflexão a respeito de alguns questionamentos por parte de pessoas quanto a manutenção ou não desta data como feriado, me fez chegar à conclusão de que seria oportuno e ideal aproveitar para escrever sobre algo muito importante: a Evolução dos Hominídeos e o quanto o racismo pesou na pesquisa científica a respeito.
Uma breve história da evolução dos hominídios
Ao contrário do que o senso comum tende a levarmos a crer, a história evolutiva humana não segue uma evolução linear, partindo de um primata ancestral e chegando no ser humano atual. Muitas descobertas fósseis revelaram que várias espécies de hominídeos tiveram sua origem e chegaram a coexistir. É estimado que entre 6 a 8 milhões de anos atrás surgiram os primeiros hominídeos, grupo geral a qual as espécies que divergiram dos macacos se encontram. Os mais antigos hominídeos pertencem ao gênero Ardipithecus, grupo ainda muito semelhante aos macacos, principalmente com relação à postura não ereta. Em seguida, surgiram os Australopithecus aferensis, espécie a qual pertence a famosa Lucy, o fóssil mais completo e bem preservado já encontrado até agora. As espécies pertencentes ao gênero Australopitecus, em comparação com os Ardipithecus, possuíam a postura mais ereta e a caixa craniana um pouco maior. Seguindo estas modificações fenotípicas, segue o gênero Homo, sendo a espécie mais antiga a Homo habilis, da qual, sim, linearmente se seguiu até chegar a nós diretamente (ou seja, são nossos ancestrais diretos). O Homo habilis, de cerca de 2,5 milhões de anos atrás, alcançou dois grandes feitos para a linhagem: o uso de ferramentas e a conquista de novos continentes (foi o primeiro que saiu da África). Seu sucessor, o Homo erectus, de sobrecenho mais protuberante e crânio menor do que o atual, já possuía maior habilidade manual, trabalhava com utensílios utilizando o que encontrava na natureza, fazia uso do fogo e alcançou continentes como Ásia e Europa. Estudos revelaram a coexistência entre o Homo habilis e o Homo erectus. Mais para o final do Pleistoceno, surgiram os Homo neanderthalensis, os neandertais, cujas características físicas se aproximavam ainda mais do homem atual, porém ainda possuíam membros mais curtos e sobrecenho protuberante. Os Homo sapiens surgiram na África e logo alcançaram a Europa e a Ásia, e quando foi possível através da diminuição do nível do mar, atravessaram o estreito de Bering e alcançaram o continente americano.
Existe raça?
Por muitos anos, principalmente no século passado, a ciência era bastante influenciada por políticas e ideologias dominantes na sociedade. O pensamento racista tinha forte influência em pesquisas com relação à evolução do homem, existindo desde vertentes que negavam a origem comum africana até estudos que tentavam comprovar por meios empíricos a “superioridade da raça branca”. Exemplos variam desde o francês Joseph-Arthur Gobineau, com sua obra Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas, que se aproveitou equivocadamente da classificação hierárquica das espécies de Carlos Lineu (em Português) para inaugurar o “racismo científico”; desde aqueles que se aproveitavam da hipótese multirregionalista da evolução humana para tentar justificar que o homem branco teria uma origem diferente dos outros. Hoje, graças aos avanços tecnológicos, as pesquisas paleoantropológicas são muito bem respaldadas por evidências moleculares e genéticas, que geraram provas por enquanto irrefutáveis para a origem da espécie humana, que está se tornando cada vez mais refinada. O que se sabe hoje, graças às análises de DNA mitocondrial de espécimes fósseis, por exemplo, é que, sim, tivemos a mesma origem comum: na África, entre 140 a 300 mil anos atrás.
Porém, a descoberta da origem comum não foi suficiente para conter debates a respeito da separação do ser humano em raças. É importante salientar e valorizar os estudos genéticos, principalmente a respeito das mutações que geram fenótipos tão variados e conferem a adaptação a condições ambientais diferentes. A variabilidade genética entre populações é o que faz com que o ser humano tenha características tão diferentes entre si em várias regiões do mundo, mas não tem significado biológico para a separação em raças. Uma das mais recentes tentativas está no best-seller A Troublesome Inheritance (Uma Herança Incômoda), do britânico Nicholas Wade, publicado em 2014, no qual o autor utiliza dos estudos de Lineu e até de avançados estudos de variação genética para defender a separação dos humanos em raças, defendendo até que a desigualdade entre os humanos, inclusive no âmbito socioeconômico, se daria por conta de uma seleção natural nos genes. É claro que esta obra também foi recebida com cautela e descrédito por uma grande parte da comunidade científica, mas a questão é que ainda é necessário quebrar correntes como estas.
Aproveitando as reflexões do dia 20 de Novembro, uma das conclusões que consigo tirar é que, mesmo com tantos avanços na Ciência, é necessário também termos avanços no senso de humanidade e na maneira com que lidamos com o conhecimento. Numa sociedade moderna onde haja bom senso para se lidar com a Ciência, não pode haver espaço para confundir o pensamento científico com a defesa de posições pessoais, sejam políticas, ideológicas ou mesmo de religião, para tentar impor na sociedade ideologias de determinados grupos. Isto não deixa de ser uma tentativa de se perpetuar a pseudociência e o preconceito. Por essas e outras questões que acho mais do que justo dias como o da Consciência Negra, para que um dia, quem sabe, haja avanços na consciência humana.