CLICK! e pronto, temos uma imagem digital gravada no celular. As resoluções variam de aparelho para aparelho (o tamanho do sensor faz muita diferença!); a maioria das pessoas nem pensa mais em imprimir as imagens para montar um álbum físico. Muitos jovens nunca tiveram que esperar para ter seu filme de 36 poses revelado. O mundo digital nos rodeia, não é? mas isso nem sempre foi assim…
Imaginem a revolução que foi, lá pelo final do séc. XVIII, quando a fotografia (o processo era chamado na época de daguerreotipia) foi inventada.
(PAUSA)
Vamos lá, pegue seu celular e abra seu álbum de fotos. Você fotografa o quê? Acredito que a maioria de nós fotografe momentos que consideramos importantes. Que desejamos que sejam guardados por mais tempo. Possivelmente para contarmos uma história, mesmo que seja só para nós mesmos.
(RETORNO)
O surgimento da fotografia não foi diferente. Seu uso e aplicação, na época, teve muita relação com a possibilidade de reproduzirmos a natureza que nos rodeia, de modo fiel. Em comentário sobre a obra de Talbot, primeiro fotógrafo a publicar um livro com fotografias, o artigo traz que …“a fotografia de Talbot nos possibilita legar às gerações futuras a luz do sol do passado” (Hacking, 2012).
A luz do sol do passado! Filosófico, não?
História, passado, (re)produção da natureza. Só eu pensei em fósseis?
É claro que, hoje, a fotografia possui muitas vertentes e nem sempre é exatamente, ou tem como este fim, o retrato da realidade (na arte, por exemplo, isso nem sempre é verdadeiro). Mas imaginem que quando ela foi criada as pessoas se viram maravilhadas com os seguintes fatos:
– ter coleções de museus guardadas em imagens, e que estas poderiam ser trocadas entre diferentes centros de pesquisa, com fins científicos e de divulgação;
– ter acesso a estas imagens sem o risco de estragar os exemplares originais de amostras de qualquer coisa que fosse, sendo um cientista ou não.
Isso é basicamente o que estamos vendo hoje com a revolução das impressoras 3D, não é? Possibilidades imensas de divulgação de acervos de fósseis ou artefatos humanos, por exemplo, antes restritos aos salões dos mais renomados museus, e aos olhos de poucos estudiosos. Hoje não basta mais ter duas dimensões. Agora precisamos ter 3 e sair imprimindo por aí (hehe…). Mas os objetivos são os mesmos!
Sim, fotografia e fósseis andam juntos desde o início dos tempos, ambos contando sua própria história, (re)produzindo a natureza e maravilhando a todos nós!
Referência
Hacking, J. Tudo sobre fotografia. Editora Sextante, Rio de Janeiro, 2012.
Seguir uma carreira cientifica sempre foi um desafio para as mulheres. Ter uma carreira cientifica é só o primeiro passo. Nossas colegas sofrem problemas de aceitação pelos colegas homens, via de regra são preterida para cargos mais importantes, e em geral possuem remuneração menor.
Ser pioneira numa carreira cientifica, portanto, sempre foi um grande desafio. É necessário muitas vezes mais trabalho e mais atitude que o normal para conseguir a mesma coisa que um colega homem. As pioneiras não tem vida fácil.
A paleontóloga americana Carlotta Joaquina Maury (1874 – 1938) foi uma destas pioneiras. Durante sua carreira, Carlotta fez contribuições fundamentais na paleontologia e na estratigrafia do Período Terciário, trabalhando com moluscos fósseis. Também trabalhou com fósseis do Brasil, tendo realizado estudos importantes em diversas bacias sedimentares.
Carlotta era a quarta filha do reverendo Mytton Maury e de Virginia Draper. Carlotta Joaquina recebeu seu nome de sua avó materna, Carlota Joaquina de Paiva Ferreira. Carlota Joaquina Ferreira era uma dama da corte portuguesa, que casou no Rio de Janeiro com o médico britânico Daniel Gardner (Saiba mais aqui).
A família Maury era uma família de cientistas. Um primo de Carlotta, Matthew Fontaine Maury (1806-1873) foi um importante geógrafo americano. Seu avô materno John William Draper (1811-1882) foi um físico notável, tendo inclusive contribuído com os primórdios da fotografia. A irmã mais velha de Carlotta, Antônia Caetana Maury (1866-1952), foi astrônoma, tendo trabalhado com Henry Pickering no grupo de mulheres que identificou cerca de 10.000 estrelas.
O reverendo Maury era também um geógrafo amador, tendo publicado a revista “Maury´s Geographical Series” entre 1875 e 1895. Sua mãe, Virginia Draper, tinha talentos artísticos, e influenciou fortemente os filhos para a carreira científica. Carlotta cresceu neste meio, tendo sido natural a sua atração pela paleontologia.
Carlotta estudou no Radcliffe College, na Universidade de Columbia, tendo sido uma das primeiras mulheres a estudar na instituição. Obteve seu PhD em 1902 na Universidade Cornell, em Ithaca, Nova Iorque. Esteve também entre as primeiras mulheres a se tornarem doutoras em Cornell
Logo após seu doutorado, Carlotta foi professora em diversas universidades. Entre elas, trabalhou como assistente em Colúmbia nos Estados Unidos. Mas sua maior experiencia como professora foi no Huguenotte College e na University of the Cape of Good Hope, na África do Sul. Nunca conseguiu trabalhar como professora em Cornell, onde fez seu PhD.
Neste período estavam surgindo as primeiras pesquisas com microfósseis. O estudo destes pequenos organismos, obtidos através de sondagens profundas para petróleo, provocou uma verdadeira revolução na paleontologia. Logo que Carlotta começou a trabalhar com microfósseis, foi convidada para trabalhar como consultora pela indústria do petróleo. Pelo resto de sua vida, seu trabalho esteve ligado à pesquisa aplicada para as companhias petrolíferas.
Em 1911 Carlotta fez parte de uma expedição à Venezuela, patrocinada pela General Asphalt Company. Em 1916 ela mesmo liderou a sua própria expedição para a República Dominicana. Essa foi uma das primeiras expedições cientificas lideradas por mulheres, o que quebrou inúmeros paradigmas.
Num período de intensa violência política na ilha caribenha, a expedição cientifica liderada por Carlotta fez um importante trabalho de levantamento e catalogação de fósseis. Este trabalho, publicado em diversos periódicos, tornou-se referência na área de moluscos terciários. Alguns destes trabalhos ainda estão à venda na Amazon (Deixe Jeff Bezos mais rico aqui).
Por volta de 1920, Carlotta Joaquina Maury começou a sua colaboração com o Serviço Geológico Geológico e Mineralógico do Brasil (SGMB). Sua primeira ligação com o SGMB veio através de seu primeiro diretor, o geólogo americano Orville Derby (1851-1915). Como Carlotta, Derby também estudou em Cornell, o que também deve ter facilitado o contato entre ambos.
Carlotta Joaquina Maury era uma paleontóloga já bastante reconhecida por seu trabalho com moluscos terciários quando começou a trabalhar com o SGMB. Para o Serviço Geologico, no entanto, a especialização de Carlotta nunca foi considerada. Seu contato do SGMB, o geólogo Luciano Jacques de Moraes, lhe enviava fósseis de quaisquer tipos e procedências.
Carlotta nunca recusou as encomendas, e obrigou-se a trabalhar com espécimes e idades que lhe eram desconhecidas. Para isso, nunca deixava de recorrer a seus colegas especialistas. Com resultado, ela realizou diferentes trabalho com estratigrafia desde o siluriano até o pleistoceno, trabalhando com faunas as mais diversas possíveis.
A principal contribuição de Carlotta Joaquina Maury à geologia brasileira foi a publicação “Fosseis Terciarios do Brazil com Descripção de Novas Formas Cretaceas “(Maury, C. J. 1924–1925). Neste trabalho, Carlotta relaciona inúmeras espécies de moluscos do litoral nordestino, realizando a correlação estratigráfica destas faunas com faunas similares do Caribe e do Golfo do México. Para Carlotta, os fosseis terciários brasileiros eram o centro original a partir dos quais deriva a fauna caribenha.
Para explicar a dispersão de fósseis em diversos continentes, Carlotta usava a teoria das “Pontes Continentais“. As tais “Pontes Continentais” eram elevações do fundo do oceano, altas o suficiente para permitir a passagem de animais e plantas de um continente para outro. Antes da aceitação da teoria da deriva continental proposta por Alfred Wegener, as “pontes continentais” eram a principal explicação para o fenômeno.
Carlotta Joaquina Maury foi uma extraordinária paleontóloga e estratígrafa, tendo obtido reconhecimento e respeito por seus pares. Tinha a reputação de ser extremamente eficiente e enérgica. Em geral, cumpria os prazos que lhe eram dados com presteza e dedicação. Com tudo isso, não é de estranhar que tenha sido uma das primeiras consultoras independentes trabalhando com as empresas petrolíferas.
Da mesma forma, tinha uma condição econômica privilegiada, o que facilitou as decisões que tomou ao longo de sua vida.
No entanto, como diversas mulheres cientistas de seu tempo, Carlotta Joaquina Maury precisou abdicar de sua vida pessoal para ter uma carreira cientifica. Para a paleobotânica americana Winifred Goldring (1888-1971), as cientistas mulheres podiam combinar vida pessoal e carreira “somente em casos excepcionais“. A irmã de Carlotta, Antônia Caetana Maury, influente astrônoma, também teve uma vida celibatária.
Carlotta também não foi bem sucedida em sua carreira como professora, sempre assumindo papeis subordinados. Nos Estados Unidos, conseguia ser somente assistente. O magistério superior só lhe foi permitido em locais distantes, como a Africa do Sul.
No entanto, sua energia e sua força, aliada a seu grande conhecimento cientifico, lhe trouxe reconhecimento ainda em vida. O fato de ter se mantido durante tanto tempo sempre com encomendas das companhias petrolíferas e dos Serviços Geológicos mostra isso.
Carlotta também era uma profissional que não tinha medo de campo. Sempre que possível, estava coletando fosseis e fazendo trabalhos de pesquisa longe dos laboratórios. A expedição para São Domingos, que liderou, foi também um exemplo. Ela tinha energia e auto-estima para realizar expedições sem esperar por autorização de chefes e colegas.
Quanto ao Brasil, embora nunca tenha estado aqui, Carlotta também deixou sua marca. Seus trabalhos sobre a paleontologia e estratigrafia de diversas bacias sedimentares brasileiras são ainda de grande valor cientifico. Seu trabalho para o SGMB foi sem duvida muito importante.
Sua morte veio em 1938, após uma longa doença que só a abateu nos momentos finais. No ano seguinte, o geólogo C.A. Reeds publicava o Memorial de Carlotta Joaquina Maury nos anais da Sociedade Geologica Americana, louvando seu papel como grande conhecedora das faunas terciárias do golfo do México, Venezuela e Brasil.
Apesar de ter nome de rainha, Carlotta foi uma cientista. E das boas. Da mesma forma, embora não tenha nunca ocupado tal papel, seu nome e sua energia nos fazem pensar em Carlotta não como rainha, mas como uma princesa.
Carlotta Joaquina, Princeza dos fósseis do Brazil .
PARA SABER MAIS:
Arnold, Lois. “The Education and Career of Carlotta J. Maury: Part 1.” Earth Sciences History 28.2 (2009): 219-244.
Arnold, Lois. “The Education and Career of Carlotta J. Maury: Part 2.” Earth Sciences History 29.1 (2010): 52-68.
Aldrich, Michele. “Women in paleontology in the United States 1840-1960.” Earth Sciences History 1.1 (1982): 14-22.
De manhã uma coisa muito boa é tomar um café com um pão quentinho recém-saído do formo. Esse pequeno prazer vem desde há muito tempo. Existem registros de que os romanos que habitavam a cidade de Pompeia (localizada ao Sul de Itália, próxima da Nápoles) já disfrutavam dele. Pompéia é umas das cidades do mundo antigo mais famosas por ter sido soterrada durante a erupção do vulcão Vesúvio no mês de agosto do ano de 79 antes de Cristo. Como sei que os habitantes de Pompéia gostavam de pão quente? Porque toda a cidade ficou soterrada por uma camada rocha (o nome dessa rocha é lapilli) de 7 a 8 metros de espessura. Dessa forma, dentro de um forno de umas das padarias da cidade ficou preservado um pão que chegou até os dias de hoje, podemos dizer que, “fossilizado”. Esse pão foi estudado por pesquisadores ingleses, que descobriram a receita e hoje em dia é possível fazer pão em casa à moda de Pompéia e desfrutar do prazer do pão quente. Nós, em casa, já fizemos várias vezes seguindo as instruções do mestre Johannes que pode ser vista no seu blog http://massamadreblog.com.br/postagem/pao-de-pompeia.
Fora os pães “fósseis” de Pompéia são conhecidos os moldes dos moderadores, cachorros, gatos etc, que ficaram preservados e tiveram uma morte rápida embora terrível, pois o vulcão Vesúvio, fica a 7 km da cidade. Essa tragédia aconteceu primeiro com uma enorme coluna de fumaça e cinzas sendo expelida pelo vulcão e espalhada. A seguir os piroclastos (ou “bombas”, que são fragmentos de rocha expelidos durante a erupção) causaram o maior dano. Em Pompeia, a queda maciça de cinzas causou a queda de muitos telhados e durante a segunda fase, pessoas e animais foram mortos por ficarem expostos às altas temperaturas da lava, mesmo que distante, ou por serem sufocados pelas cinzas, enfim um final trágico para uma cidade e para muitos dos seus 12.000 habitantes.
Os corpos dos habitantes, na verdade, não podem ser considerados fósseis, pois o que você vê são os moldes feitos pelos arqueólogos nos espaços que os tecidos moles dos corpos deixaram ao se decompor. Essas camadas, por serem constituídas de um material fino (como argila), permitiram que os ossos permaneceram no local, e na verdade até a expressões dos seus rostos ficaram registradas em negativo. Assim, ao se moldar esses corpos preenchendo o molde original de cinza com resina produz-se um molde em positivo, que permite visualizar os corpos claramente, e que é facilmente retirado uma vez endurecida a resina.
Enfim, voltando ao pão de Pompeia, foi possível descobrir que era utilizada uma forma de levedo que se conhece como o nome de massa madre. Essa massa se produz expondo uma mistura de água e farinha integral, em partes iguais, ao meio ambiente por algumas horas ou dias, para que os esporos de fungos (neste caso leveduras) que estão flutuando no ar caiam na mistura e auxiliem no crescimento da massa. Hoje em dia, o que se utiliza como fermento são tipos de leveduras mais selecionadas e mais efetivas.
Cabe comentar que a origem dos fungos se remonta à Era Paleoproterozoica, ou seja, os vestígios mais antigos de estruturas que podem ser atribuídas a fungos datam de 2.000 a 1.800 milhões de anos atrás e foram encontrados em camadas de rocha da Sibéria, próximas ao lago Baikal. Contudo, há suspeitas de que feições descritas recentemente para o Cráton da África do Sul possam ser filamentos de fungos, o que remontaria a presença de fungos a 2.400 milhões de anos atrás.
Evidências mais seguras de fungos são conhecidas para o Período Cambriano (540 milhões de anos atrás). A partir do Devoniano, fungos associados a raízes, denominados micorrizas, são encontrados junto às primeiras evidências de plantas, que por sinal estão belamente perseveradas silicificadas em camadas de sílex na Escócia. Na bacia do Paraná no estado de São Paulo também detectamos fungos fósseis em troncos permineralizados por sílica ou silicificados, neste caso, mais jovens. Outra pesquisa desenvolvida no nosso laboratório descreveu fungos epifílicos associados a folhas de angiospermas coletado em folhelhos da Formação Fonseca (a Bacia de Fonseca, estado de Minas Gerais, sudeste do Brasil) com idade ao redor de 30 milhões de anos atrás. Assim, vemos que os fungos têm um longo passado fóssil, e utilizá-los para fazer crescer a massa do pão deve ter sido uma prática comum desde que o home começou a fazer pão, ou seja o prazer de comer pão quentinho na primeira refeição do dia deve ser bem antigo.