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A Morte no Gelo

Estação polar moderna, similar às estações onde Alfred Wegener viveu e onde finalmente morreu

A brancura do ambiente era total. Alguns pontos escuros na paisagem eram a exceção. Trenós mecanizados e também os puxados com cachorros cortando o gelo eram pontos atravessando a meseta central da Groenlândia.

Dois riscos pretos bem pequenos apareceram ao fundo no horizonte. Ao chegar mais perto, os homens dos trenós viram que eram dois esquis num montículo de neve. Ao escavar o montículo, surgiu o cadáver que eles tanto procuravam e não queriam encontrar. As buscas acabaram. Alfred Wegener, o chefe daquela expedição e um dos maiores cientistas do século, estava oficialmente morto.

Alfred Lothar Wegener nascera em 1° de novembro de 1880, em Berlim. Era filho mais novo de Ana Schwarz e do pastor Richard Wegener, teólogo e professor de línguas clássicas. Pouco se sabe da infância e juventude de Wegener.  O que se sabe é que, longe da vida pacata e prestigiosa de espiritualidade e leitura de seu pai, o jovem Alfred optou pela aventura e pelas atividades ao ar livre.

Estudou Física, tendo se graduado em 1905. Após sua graduação, ele começou a trabalhar com Meteorologia, principalmente com a utilização de balões atmosféricos. Neste tempo interessou-se pela pesquisa no Ártico.

Alfred Wegener casou-se em 1913 com Else Koppen (1892-1992), filha do grande climatologista russo-alemão Wladimir Koppen (1846 – 1940). Após seu casamento, Wegener tornou-se professor na Universidade de Marburg e dedicou-se às aulas, à pesquisa e à aventura polar. Não necessariamente nesta ordem.

NO MEIO DO GELO

Em 1° de novembro de 1930, dia de seu aniversário de 50 anos, Alfred Wegener havia partido em um trenó puxado por cães, juntamente com seu companheiro Rasmus Villumsen. Seu destino era a base de Eismitte (Meio-do-gelo, em alemão) para levar ajuda

Wegener e seu companheiro Villumsen, posando para a viagem da qual não retornariam

para os dois homens que estavam lá fazendo pesquisas. As condições do tempo estavam muito ruins e não havia comunicação entre as bases por rádio.

Somente na primavera do ano seguinte uma equipe conseguiu achar o corpo de Wegener no meio do gelo. Era 8 de maio de 1931. Provavelmente Wegener morreu no caminho e Villumsen enterrou o companheiro e prosseguiu a viagem. Villumsen, como era de hábito nestas circunstancias, estava levando os diários de viagem de Alfred Wegener, para salvá-los. No entanto, Villumsen jamais chegou a Einsmitte, e seu corpo jamais foi encontrado.

O EMPINADOR DE PIPAS

Aquela era a quarta expedição de Wegener à Groenlândia. A primeira havia sido em 1906-1908, sob a chefia do Dinamarquês Ludvig Mylius-Erichsen (1872–1907). Neste tempo Wegener fez diversas pesquisas meteorológicas. Boa parte delas era feita soltando balões atmosféricos e pipas. Com isso, varias informações eram obtidas das partes mais altas da atmosfera.

A segunda expedição que Wegener participou foi a liderada por Johann Peter Koch (1870–1928). O objetivo desta expedição eram pesquisas glaciológicas e meteorológicas. Koch e Wegener cruzaram a calota da Groenlândia de Leste a Oeste, num treno puxado por cavalos e pôneis islandeses. Extremamente fatigados, percorrendo um total de 1.200 quilômetros de gelo, eles chegaram finalmente ao destino.

Com a guerra em 1914, Wegener foi convocado para o front, tendo sido ferido duas vezes. Durante sua convalescencia, aproveitou para publicar alguns de seus trabalhos mais importantes sobre Meteorologia.

A EXPEDIÇÃO WEGENER

Alfred Wegener só conseguiu retornar a Groenlândia em 1929, depois que Koch já tinha morrido. Veio para uma expedição de reconhecimento e organização da expedição seguinte, que ele mesmo lideraria. A expedição de 1930-31 foi uma das maiores expedições enviadas para o Ártico até então. Contava com forte apoio do governo alemão e, mesmo num

A expedição no Ártico: os trenós, os pôneis islandeses e os cães. E, claro, também os homens.

ambiente de forte crise econômica e política, teve um bom financiamento.

Desta vez, além dos trens com cachorros e dos pôneis islandeses, Wegener contaria ainda com trenos mecanizados. Uma grande infraestrutura foi armada em diversos locais. Uma das grandes descobertas da expedição de Wegener foi a espessura da calota de gelo da Groenlândia. Através de experimentos de sísmica terrestre, foi possível calcular uma espessura de até 1800 m de gelo em alguns locais.

Existe um filme, editado em 1936, que mostra momentos importantes da expedição Wegener. Ali estão representando a chegada, a montagem dos equipamentos, como os balões meteorológicos. Também estão filmadas as explosões de dinamite nas pesquisas de sísmica terrestre. Mas impressionante é que o filme mostra até mesmo a partida de Wegener e Villumsen para a última viagem de suas vidas.

ALFRED WEGENER E A DERIVA CONTINENTAL

Apesar de ser um bom meteorologista, o nome de Alfred Wegener é mais conhecido, hoje em dia, pelas suas contribuições para a teoria da Deriva continental. Wegener começou a se interessar pelo assunto em 1908, quando começou a ler sobre os trabalhos que correlacionavam a geologia e a paleontologia de diversas partes do globo. Em meio as suas viagens a Groenlândia, ele ainda apresentou um breve resumo de sua teoria em 1912.

A ideia de Wegener foi também sugerida praticamente na mesma época pelo geólogo

Capa da edição inglesa de “origem dos continentes e Oceanos”, a partir da ultima edição alemã de 1929

norte-americano Frank Taylor (1860 – 1938).  Durante alguns anos, a teoria foi chamada de Teoria de Taylor-Wegener.  No entanto, as duas eram bastante diferentes. E a de Wegener foi a que teve mais poder explicativo e permaneceu.

O  livro de Alfred Wegener,  “Die Entstehung der Kontinente und Ozeane“, publicado em 1915 e reeditado em 1922,  foi muito bem recebido. Publicado em inglês em 1922, com o título “The Origin of Continents and Oceans”,  teve sua última edição em alemão revista por Wegener em 1929.

PAPO RETO

A estrutura do livro de Alfred Wegener é bastante simples, com uma linguagem também simples e direta. A discussão sucinta era o produto de muito trabalho de leitura e reflexão. Quando foi preciso, fez um bom uso de metáforas, como quando comparou os continentes a icebergs flutuando no gelo. Em sua pesquisa, Wegener conseguiu enfeixar no livro os mais importantes trabalhos de geofísica, geologia, paleontologia de seu tempo.

Como já disse aqui a professora Frésia aqui no blog, as correlações paleontológicas foram algumas evidências decisivas para a aceitação da teoria. A flora de glossopteris existente no grande continente de Gondwana, já identificado pelo geólogo austríaco Eduard Suess (1831 – 1914), foram argumentos importantes nesta correlação.

Da mesma forma, Wegener empresta de Suess o conceito de sal (silício mais alumínio), que representaria a composição da crosta continental granítica. Essa seria a porção que estaria a deriva num oceano de basalto, o sima (camada de silício mais magnésio). Advertido pela confusão que o termo sal provoca nas linguás latinas, Wegener modifica o conceito para sial, como hoje o conhecemos.

AS PONTES CONTINENTAIS

Através de argumentos que aliavam conhecimentos de geofísica, paleontologia e geologia, assim como dos paleoclimas, a teoria de Alfred Wegener colocou em xeque a teoria das pontes continentais. Essa teoria, já discutida aqui, postulava a existência de terrenos entre os continentes que poderiam ter existido no passado. Através das pontes continentais,segundo a teoria,  é que as faunas dos diversos continentes poderiam ter atravessado de um continente a outro.

Entre os defensores da teoria das pontes continentais  citado por Wegener estava Herman Von Ihering (1850 – 1930), biólogo alemão que veio para o Brasil, onde dirigiu o Museu Paulista de 1894 a 1916. Um estudo de sua vida e sua obra, pelas professoras Maria Margareth Lopes e Irina Podgony, pode ser encontrada aqui.

A AJUDA DO SOGRO

Vale a pena citar a importância de seu sogro Wladimir Koppen para a teoria da Deriva Continental. Koppen, nesta altura aposentado, deu uma importante contribuição para a teoria de seu genro.  O livro que publicaram em 1924 “Die Klimate der Geologischen

A capa de uma edição bilíngue moderna do clássico “Climas do Passado Geologico, de Koppen & Wegener; Veja-se aí o maduro climatólogo e o jovem meteorologista.

Vorzeit (Os climas do passado geológico)” foi decisivo para a discussão dos paleoclimas. Um resumo do livro de Koppen e Wegener está resumido no capitulo 7° da edição inglesa do “Origins of Continents and Oceans”.

Foi também Koppen quem incentivou o iugoslavo Milutin Milankovitch (1879-1958) a publicar a sua hoje famosa teoria dos ciclos solares, conhecidos como ciclos de Milankovitch. Com isso, pela primeira vez havia uma teoria simples e unificada que poderia explicar as glaciações do passado. Provavelmente, sem o apoio de Koppen, um cientista de fama mundial, Alfred Wegener não tivesse tido a atenção que teve.

Depois da morte de Wegener foi Koppen, já octogenário, quem cuidou da reedição dos livros e da revisão cientifica de sua obra. Ao morrer, aos 93 anos, Koppen havia recentemente concluído a que foi  a ultima revisão de “Climas do Passado Geológico“.

UMA TEORIA  REVOLUCIONÁRIA?

Alfred Wegener foi um destes cientistas que não cabem num rótulo. Sua contribuição para a teoria da Deriva Continental foi seminal. Sua contribuição à meteorologia e à exploração do Ártico também foram importantes. Sua capacidade de articular a experiência de campo e a pesquisa também foram notáveis.

A Deriva continental, refutada por tantos e em tantas ocasiões, retornou nos anos 1960 com a Tectônica de Placas. Apesar de ter muito pontos falhos, a teoria de Wegener teve

As Placas Tectônicas, como as conhecemos hoje

uma grande aceitação. Sua simplicidade e originalidade contam muito. A explicação unificadora, que juntava tantas disciplinas numa explicação única também foi muito importante. Mas o espirito analítico de Wegener, seu amplo conhecimento de temas de geofísica e climatologia (daí a paleoclimatologia) foram decisivos.

Alfred Wegener, com a tecnologia da sua época, jamais poderia ter provado a sua teoria. Os avanços da sismologia, da magnetometria e o desenvolvimento da geocronologia depois de sua morte foram decisivos para a comprovação de sua teoria. No entanto, as grandes perguntas de Alfred Wegener pautaram a pesquisa cientifica nestas áreas durante boa parte do século XX. As discussões contidas no “Origem dos Continentes e Oceanos” seriam as perguntas mais

Alfred Wegener fazendo graça

importantes para a comunidade geocientífica no seculo XX.

A morte de Wegener no gelo da Groenlândia foi o fim provável de um grande explorador e aventureiro.

Quase um século depois, seu exemplo de cientista de campo e notável teórico em campos tão diversos como a meteorologia e a geologia nos fazem lembrar de quanto o conhecimento só avança pelas bordas.

Pelas in(ter)disciplinas.

Para saber mais:

Alfred Wegener institut  https://www.awi.de/en.html

McCoy, Roger M. Ending in ice: the revolutionary idea and tragic expedition of Alfred Wegener. Oxford University Press, 2006.

Greene, Mott T. Alfred Wegener: Science, Exploration, and the Theory of Continental Drift. JHU Press, 2015.

NO FINAL DO ÚLTIMO SEGUNDO DO TEMPO GEOLÓGICO: O QUATERNÁRIO

O Quaternário é dividido em duas épocas: o Pleistoceno, que vai de 2 Ma até 10.000 anos antes do presente e o Holoceno, que chega até hoje. A tendência, que levou ao resfriamento geral do planeta iniciado no Mioceno, se intensificou durante o Pleistoceno. Assim, o clima foi caracterizado por intervalos glaciais com momentos mais amenos como o que atualmente vivemos. Segundo as evidências indicam (registros de mudanças na distribuição da vegetação, alterações no registro sedimentar observadas em testemunhos retirado do oceano Pacifico e Atlântico, etc.) esses ciclos podem se ter repetido de 10 a 20 vezes com uma periodicidade de 100.000 anos nos últimos 2 Ma. Durante os intervalos glaciais o clima a nível global foi frio e seco, com o desenvolvimento de extensas calotas de gelo que cobriram aproximadamente 30% da superfície do planeta, especialmente nos continentes do hemisfério norte, enquanto que nos continentes do hemisfério sul o clima foi muito mais frio, seco e com glaciares de montanha extensos nos Andes.

As mudanças climáticas estão associadas a vários fatores influenciados por deriva continental, orogêneses, alterações nas concentrações do CO2 da atmosfera, correntes oceânicas, etc. No caso da deriva continental uma das causas foi o isolamento do continente antártico, iniciado com o rompimento do Gondwana e que levou à instalação da corrente marinha fria subantártica no hemisfério sul, hoje conhecida como corrente de Humboldt, responsável por serem tão geladas as águas da costa do Chile e do Peru. As mudanças na deriva continental também influenciaram na formação dos extensos lençóis de gelo continentais, no isolamento do oceano ártico e na formação de mares congelados no hemisfério norte. As orogenias, como a dos Andes e particularmente da Ásia central, com o soerguimento dos planaltos dos Himalaias e Tibete produziram um acúmulo de áreas elevadas a partir do Mioceno. Por outro lado, a consequência da explosiva expansão das florestas dominadas por angiospermas acontecida durante o Paleogeno incrementou o sequestro de carbono nos continentes na forma de jazidas de carvão, o que levou a uma redução na concentração do principal gás do efeito estufa da atmosfera. Todas essas alterações repercutiram de forma considerável nos ecossistemas que passaram a ser muito dinâmicos, e a nossa espécie surgiu nesse contexto de mudanças climáticas drásticas e rápidas, claro considerando a enorme dimensão do tempo geológico.

Pois bem, no sudeste do Brasil, embora não se tenha notícias de calotas de gelo dessa época, o clima também oscilou, alternando períodos muito secos e mais frios do que o atual, com momentos mais cálidos e úmidos como os de hoje. Os registros de vida no estado de São Paulo são mais abundantes para o final do Pleistoceno, onde são encontrados, por exemplo, no Município de Iporanga, dentro das cavernas e abismos do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), ossadas relacionadas à megafauna. Os registros são bastante abundantes embora a maioria dos esqueletos se apresentem desarticulados e misturados. Nesses há ossos, entre outros, de tigres dente de sabre (Smilodon), preguiças gigantes (Eremotherium, Lestodon, Ahytherium, Nothotherium; Figura 1), parentes dos elefantes conhecidos como Stegomastodon, tatus gigantes ou Glyptodon, e perissodáctilos como o Toxodon (Figura 2, endêmicos de América do Sul, de tamanho semelhante a um rinoceronte). Uma vez que os conjuntos de ossos se encontram muito misturados, podem ter correspondido a várias comunidades diferentes, mas representam uma composição da megafauna característica da região intertropical e, sem lugar a dúvida, muito diferente da fauna atual da região. O mesmo podemos comentar acerca da vegetação que, pelo tamanho da megafauna e pelos registros conhecidos, principalmente correspondentes a polens, era uma vegetação mais aberta que a atual.

Diferentes vistas do esqueleto de uma preguiça gigante, exemplar exposto no Museu de Ciências Naturais - PUC Minas, Belo Horizonte, MG.
Figura 1 – Diferentes vistas do esqueleto de uma preguiça gigante, exemplar exposto no Museu de Ciências Naturais – PUC Minas, Belo Horizonte, MG.

Da vegetação também temos registros a partir aproximadamente do final do Pleistoceno. Um dos mais extensos, inclusive para a América do Sul, foi encontrado ao perfurar a cratera deixada pelo impacto de um meteoro, fato acontecido possivelmente durante o Neogeno na região de Parelheiros, próxima à cidade de São Paulo. A cratera, conhecida como de Colônia, tem um diâmetro de 3,6 km e se calcula que esteja preenchida por cerca de 300 metros de sedimentos. Os testemunhos rasos estudados possuem uma extensão média de 8,5 m devido à dificuldade de se realizar a perfuração mais profunda e recuperar os sedimentos preservando o empilhamento original das camadas de forma manual. Para se obter um testemunho completo de todo o registro sedimentar presente na cratera seria necessário contar com uma estrutura de perfuração semelhante àquelas utilizadas para prospecção de petróleo, o que envolve um custo muito elevado. O estudo desses registros, principalmente utilizando estudos de conjuntos de microfósseis, como polens e esporos, mostraram a evolução da vegetação no local nos últimos 50.000 anos, que alternou de uma floresta com araucárias nos intervalos mais frios para a Mata Atlântica nos momentos de clima mais ameno como o de hoje, embora com diferentes espécies em cada um dos interglaciares identificados, sendo o último acontecido no Holoceno. Dessa forma, chegamos aos dias de hoje onde estão sendo incluídos dentro do registro sedimentar os restos de vida que virão nos próximos milhões de anos deverão tornar-se fósseis.

 

Mais próximo dos dias de hoje: como chegamos até aqui e quem ficou pelo caminho

Como os registros da Era Cenozoica, são bem mais novos, seus fósseis são abundantes e, em muitos casos, muito bem preservados. Antes de continuar vou fazer uma pausa para comentar que a Era Cenozoica é dividida em três períodos: Paleogeno, Neogeno e Quaternário. Estes períodos, por sua vez, são divididos em épocas, distribuídas da seguinte forma: Paleoceno, Eoceno e Oligoceno pertencem aos Paleogeno. O Neogeno, é formado pelo Mioceno e pelo Plioceno, e por último o Quaternário é dividido em Pleistoceno e Holoceno onde estamos há uns 10.000 anos.

Bacia de Taubaté, 1 e 2 são pólens de gimnospermas.
Figura 1- Bacia de Taubaté, 1 e 2 são pólens de gimnospermas.

Retomando o fio do registro fóssil no estado de São Paulo, como tinha adiantado no final do último texto, com a extinção em massa acontecida no final do Cretáceo e as mudanças na paleogeografia do nosso planeta, houve oportunidade para a renovação tanto da flora como da fauna ao redor do mundo. Estas mudanças foram influenciadas pela presença de regimes climáticos mais úmidos e quentes, que permitiram a distribuição de florestas, dominadas por angiospermas pelas regiões subtropicais (localizadas depois 23º de latitude norte e sul) e até no continente Antártico, que foi durante milhões de anos coberto por densas florestas até que, a partir do Mioceno, paulatinamente, o clima começou a mudar, ficando mais seco e frio, o que conduziria às grandes glaciações do Quaternário.

Os registros fósseis do Paleogeno e do início do Neogeno no estado apresentam florestas formadas por famílias de angiospermas (p.ex. leguminosas, gramíneas), de gimnospermas (Podocarpaceae) e samambaias, que existem ainda hoje, embora os gêneros e espécies possam ser diferentes dos atuais. As rochas sedimentares que contém os fósseis deste tempo foram depositadas dentro de um sistema de lagos distribuídas na margem atlântica que se estendia desde o sul do estado do Rio de Janeiro (Niterói) até o Paraná (Curitiba), e que hoje compreende, entre outras, as bacias de Taubaté (SP), Resende (RJ), Volta Redonda (RJ) e Itaboraí (RJ).

O conjunto e diversidade da vida preservada dentro da bacia de Taubaté (Oligoceno-Mioceno) é considerado como o mais rico desse tempo no Brasil. Os afloramentos onde os fósseis vêm sendo coletados desde mediados do século passado localizam-se, principalmente, nas pedreiras de argila da cidade de Taubaté. Na bacia são encontrados abundantes fósseis de folhas, sementes, polens (Figura 1), esporos, etc. A análise do conjunto dos vegetais preservados indica que no local estava presente uma mata subtropical úmida. Junto aos vegetais também encontramos registros de insetos, peixes (Figura 2), anfíbios, tartarugas, serpentes, jacarés, aves, mamíferos, além de evidências da sua atividade metabólica (icnofósseis) como excrementos, pegadas, galhas, etc. Os osteítes (peixes ósseos) são os vertebrados mais abundantes, contudo os mamíferos são de longe o grupo mais diversificado em espécies, entre os que deixaram registros fósseis. Dentre os mamíferos encontramos marsupiais identificados a partir de dentes e ossos das patas (tarsais), quirópteros (morcegos), além de dentes e mandíbulas de roedores.

Figura 2 - Osteite, Teleósteo muito abundante na Bacia de Taubaté. 1- Vista geral; 2, 3, 4, e 5 - microfotgorafias obtidas em Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV); 2- Costelas; 3- Pirita framboidal associada à preservação dos tecidos; 4 e 5- Escama.
Figura 2 – Osteite, Teleósteo muito abundante na Bacia de Taubaté. 1- Vista geral; 2, 3, 4, e 5 – microfotgorafias obtidas em Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV); 2- Costelas; 3- Pirita framboidal associada à preservação dos tecidos; 4 e 5- Escama.

Outros grupos de mamíferos que a partir deste momento se tornaram mais frequentes e que integraram a megafauna sul americana também foram coletados nas rochas sedimentares da bacia de Taubaté. Assim, por exemplo, encontramos os cingulata (tatus), com fósseis das suas características placas dérmicas que compõem a suas carapaças. Os Liptotermos formam parte desse grupo, embora hoje estejam extintos, e que reúnem um grupo de ungulados herbívoros que experimentaram uma extraordinária diversificação durante a Era Cenozoica. Além destes, temos também registros dos Astrapotheria, Nothoungulata e Pyrotheria, todos hoje extintos.

Por fim, os registros paulistas do Neogeno são representados por camadas sedimentares que contém conjuntos de microfósseis vegetais (polens) e que a partir deste momento (Mioceno) mostram evidências da deterioração climática relacionada ao início da glaciação no continente antártico. Esta tendência, que levará ao resfriamento geral do planeta, se manifesta nos conjuntos polínicos com o surgimento, diversificação e aumento da porcentagem de pólens de gimnospermas e algumas angiospermas (p.ex. Drimys).

No próximo capítulo, falarei acerca dos acontecimentos do Quaternário que merecem um texto à parte por causa da sua importância para a distribuição da vida como hoje a conhecemos.

 

FÓSSEIS MAIS PRÓXIMOS DE NÓS, OU SEJA, DO ESTADO DE SÃO PAULO

Capítulo 2: Quem eram os paulistas da Era Mesozoica?

Como já havia comentado na minha estreia neste Blog, a minha intenção é fazer um resumo para expor relatos acerca da diversidade fóssil do nosso entorno. Assim, vou primeiro fazer um resumo bem geral acerca dos milhões de anos de diversidade que ocorrem ao nosso redor, para depois ir detalhando essas ocorrências. Então estou retomando para fechar o intervalo de tempo entre 252 e 65 milhões de anos da vida no estado de São Paulo (Figura 1).

Fósseis de SP
Fósseis da Formação Botucatu e do Grupo Bauru. 1 e 2 pegada de dinossauro carnívoro (Teropode) nas dunas da Fm Botucatu. 3 dente de Teropode; 4 Molusco bivalve; 5, 6 e 7 Fósseis de jacarés; 3 a 7 fósseis do Grupo Bauru.

Na Era Mesozoica, durante os períodos Triássico (252 a 201 milhões de anos) e Jurássico (201 a 145 milhões de anos), uma grande porção do estado estava coberta por um deserto formado por grandes dunas de areia e onde os registros fósseis são escassos. Contudo, já no final do Jurássico e no Cretáceo, essa condição se reverteu e extensos depósitos ricos em fósseis revelam uma variada fauna (p.ex. Araraquara, Monte Alto, Marília) com invertebrados moluscos, artrópodes, etc, além de peixes, raros anuros (sapos), cágados (tartarugas de água doce) e arcossauros (dinossauros, crocodilos e afins) e bem poucos vegetais (São Carlos). Todos esses animais habitaram à beira de um dos maiores desertos que existiram e cujas rochas hoje em dia formam um dos grandes reservatórios subterrâneos de água doce do planeta, o Aquífero Guarani. Nas dunas da Formação Botucatu, em Araraquara existe um verdadeiro paraíso de rastros e pegadas fósseis ou, como são conhecidos esse tipo de preservação na paleontologia, de icnofósseis (do grego icnos = marcas). Entre os icnofósseis já foram identificadas trilhas de invertebrados semelhantes a escorpiões. Dos vertebrados, a diversidade de pegadas indica que por lá transitavam dinossauros carnívoros ou Teropodes, herbívoros (Sauropodes) e também mamíferos, que andavam, possivelmente, pulando como os atuais cangurus, mas que foram bem menores. Com relação às evidências mais palpáveis de vertebrados (entre eles os dinossauros) nas rochas do Grupo Bauru, localizadas a seguir no tempo geológico e espacialmente na metade ocidental do estado, há uma grande quantidade de esqueletos preservados, como peixes pulmonados que teriam habitado rios ou lagoas pouco profundas e que durante os intervalos de seca mergulhavam na lama e ficavam enterrados até o retorno das chuvas. De anfíbios, ou seja, sapos que, embora com poucos fósseis provenientes da região de Marília, atestam para a presença de locais mais úmidos, embora o clima regional fosse predominantemente seco.
Com relação aos quelônios, ou neste caso os cágados, existem bastantes registros e ao todo foram descritas até agora quatro espécies. Entre as lagartixas, ou squamata, embora sejam fósseis raros, existem alguns descritos a partir dessas rochas. Agora, com relação aos jacarés, tanto aquáticos como terrestres, esses são os vertebrados mais diversificados e comuns do Grupo Bauru, e relacionados com eles foram encontrados até abundantes ninhos cheios de ovos.
Já de dinossauros sauropodes, frequentemente são desenterrados ossos de titanossaurideos de “pequeno” e “médio” porte (entre 8 e 20 metros). Ossos de dinossauros carnívoros, ou teropodes, são menos abundantes, embora seus dentes associados outros ossos sejam bem mais frequentes.
Outro evento, embora não da vida, mais relacionado com as mudanças na configuração dos continentes que aconteceu durante a Era Mesozoica, entre o final do Jurássico e o início do Cretáceo, foi a separação entre a África e a América do Sul e, por consequência, a abertura do oceano Atlântico do Sul. No estado esse evento foi o que depositou os extensos derrames de basalto, que deram origem à chamada “terra roxa” no interior do estado. Essa mudança na configuração dos continentes vai produzir também alterações nas biotas terrestres e, claro, no clima que vai se tornar mais úmido e paulatinamente mais frio no decorrer dos próximos 64 milhões de anos. Também o nosso planeta vai pouco a pouco adquirindo uma geografia similar àquela dos dias de hoje. Para a Era Cenozoica, o registro fóssil é bastante abundante tanto em fauna (p.ex. Taubaté) como em flora, e mostra o isolamento da América do Sul após a fragmentação do Gondwana. Por fim, para o Quaternário o registro é muito rico em florestas (p.ex. Taubaté) e mamíferos (p.ex. Iporanga) até o Holoceno. Mas desses registros comentarei mais no próximo texto.
Por fim, constatamos que o registro fóssil paulista abarca muitos dos principais eventos da vida, e seu estudo permite reconstruir a evolução biológica e geológica do planeta.

Fósseis mais próximos de nós, ou seja, do estado de São Paulo: de 1.700 M.a. até 250 M.a.

A minha intenção é realizar um relato sobre a variedade fóssil do nosso entorno. Assim, vou primeiro fazer um resumo bem geral acerca dos milhões de anos de biodiversidade que ocorrem ao nosso redor para depois ir detalhando essas ocorrências. Então lá vou eu…

Os registros fósseis de vida no nosso planeta datam de aproximadamente 3500 milhões de anos (M.a.**) atrás, ou da forma resumida 3,5 giga anos (G.a.*). Desde então os organismos deixaram registro da sua evolução e interação com o meio físico, dito abiótico. Essas evidências fósseis, conhecidas como registro fossilífero, são mais abundantes do que se pode imaginar.

No Estado de São Paulo, o registro fossilífero se inicia com evidências de um dos ecossistemas, mas antigos, os estromatólitos (ver post da Flávia) de Itapeva, que representam comunidades de procariontes (seres vivos formados por uma única célula que não possui núcleo) que se desenvolveram sob uma atmosfera com baixa concentração do oxigênio, ou redutora, e que habitavam o mar que cobria o estado por volta de 1.700 e 850 Ma.

Muitos milhões de anos depois encontramos fósseis da Era Paleozoica, na qual aconteceu a explosão em diversidade dos seres com mais de uma célula, devido ao incremento do oxigênio na atmosfera, e a geografia era muito diferente da atual, assim como o clima.

Figura 1. Folhas associadas às florestas riparias do início do Permiano no Município de Tietê.
Figura 1. Folhas associadas às florestas riparias do início do Permiano no Município de Tietê.

A Era Paleozoica é dividida em seis períodos dos quais temos fósseis nos dois últimos, que são conhecidos como Carbonífero e Permiano. Contudo, nosso planeta era ainda muito diferente do atual. Começando pela distribuição dos continentes que eram concentrados em dois grandes blocos: um ao norte, denominado de Laurasia; e outro ao sul, o Gondwana. Neste último se encontrava a América do Sul unida à África, junto com a Austrália, a Nova Zelândia, a Antártica, a Índia e Madagascar. Os registros fósseis do Carbonífero e do Permiano que temos no estado podem ser também encontrados em outras localidades do Gondwana e estão relacionados a um extenso período glacial e às mudanças climáticas derivadas do aquecimento posterior.

Figura 2. Lenho de gimnosperma, final do Permiano no Município de Conchas.
Figura 2. Lenho de gimnosperma, final do Permiano no Município de Conchas.

O registro fóssil do Carbonífero é caracterizado por abundantes fósseis pertencentes a vários tipos de vegetação que moravam sob um clima terrivelmente frio (p.ex. Salto, Campinas, Monte Mor), enquanto que o do Permiano, pelo registro de uma variada vegetação (figuras 1 e 2) conhecida como Flora de Glossopteris (p.ex. Taguaí, Piracicaba, Saltinho). Com relação à fauna, também podemos conhecer dos moluscos, artrópodes e vertebrados (p.ex. Rio Claro, Saltinho) que habitavam o mar que na época banhava as praias do estado. Por enquanto, vou deixar por aqui. No próximo texto vem os últimos 250 M.a. e mais fósseis.

* Giga ano, ou bilhões de anos

** Milhões de anos atrás

Texto produzido por Frésia R.S. Branco