Dispositivos sintéticos: uma bactéria que conta!

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Para quem não leu, antes de ler este post, vale a pena ler o post anterior do interruptor para entender alguns conceitos básicos. Um contador é um componente central para circuitos digitais e de computação que guarda (e às vezes mostra) o número de eventos ou processos que ocorreram.

Neste trabalho é descrita a construção de contadores sintéticos para bactérias. Após a construção de um dispositivo aparentemente simples, Friedland et al. (2009) sofisticam bastante a construção do regulador para garantir uma resposta (contagem) robusta.

O primeiro contador descrito pelo trabalho é o “contador riborregulado por uma cascada transcricional” (riboregulated transcriptional cascade counter). Ele conta pulsos de arabinose no meio de cultura utilizando como sinal uma proteína luminescente (GFP). São riborregulados porque o taRNA (controlado por um promotor sensível a arabinose) se liga a cr e impede a formação de um grampo (pareamento) entre RBS e cr. Dessa maneira,  permite o reconhecimento do RBS (sítio de ligação do ribossomo) pelo ribossomo e a tradução do gene (ver Figura abaixo). O interessante é que a transcrição do taRNA é regulada por um promotor sensível a arabinose. Assim, no primeiro pulso de arabinose, ocorre a transcrição de taRNA que permite a tradução da RNA polimerase T7. Após o primeiro pulso a arabinose e taRNA são degradados. No segundo pulso ocorre, da mesma maneira, a transcrição da RNA polimerase T3 através do promotor PT7 que é especificamente reconhecido pela RNA polimerase T7. No terceiro pulso, ocorre também através da mediação de taRNA e da polimerase T3, a transcrição de GFP. Dessa maneira, a bactéria responde aos 3 pulsos de arabinose com um sinal luminescente.

Porém foi verificado um vazamento de expressão de GFP nos pulsos intermediários, além disso, demonstrou-se que se o pulso de arabinose não é dado a uma intensidade e frequência corretas, o contador  não funciona direito. Isto provavelmente ocorre devido aos limites cinéticos intrínsecos envolvendo os tempos de transcrição e degradação de mRNA.

Por esse motivo, um segundo (e muito mais bacana) contador foi construído, chamado contador de cascada de DNA invertase (DNA invertase cascade counter). Que basicamente acoplou ao modelo anterior um controle de invertases na região promotora.

Uma invertase é uma enzima muito interessante, as enzimas Cre, por ex., reconhecem determinadas sequências de DNA que flanqueiam uma determinada região de DNA e invertem a orientação dessa região. Essa enzima é utilizada para ativar os promotores através da inversão de sua orientação (ver Figura abaixo). Com essa construção foi possível obter um controle muito maior da expressão de GFP, ocorrendo, após o terceiro pulso, uma expressão muito maior de GFP. Este contador agora é muito mais robusto em relação à variação de tempo entre os pulsos de arabinose, podendo contar pulsos realizados em intervalos de tempo de 2 a 12 horas. Este novo dispositivo, além de mostrar o sinal luminescente, grava a informação no DNA através das recombinações.

Os autores foram ainda mais longe, trocaram o promotor de sensibilidade a arabinose por promotores capazes de responder a diferentes sinais. Dessa maneira, o dispositivo pode ser programado para gravar e responder diferentes sinais na ordem desejada. Incrível!

Esse dispositivo genético pode ser programado para diferentes funções a fim de sincronizar diferentes sinais para uma determinada resposta. Dependendo dos sinais acoplados ao dispositivo, estes mecanimos podem ser utilizados para biosensores, biorremediação ou na medicina.

Friedland, A., Lu, T., Wang, X., Shi, D., Church, G., & Collins, J. (2009). Synthetic Gene Networks That Count Science, 324 (5931), 1199-1202 DOI: 10.1126/science.1172005

Congresso do Bioen sobre Bioenergia BBEST

Em agosto irá acontecer o 1st Brazilian BioEnergy Science and Technology  Conference que irá discutir diversos aspectos do desenvolvimento de biorrefinarias, como produção de enzimas, análise de ciclo de vida, engenharia metabólica e biologia sintética. Eu vou!

Dispositivos sintéticos: interruptores de expressão gênica

Só agora tive tempo para fazer um post sobre a nossa segunda reunião do Clube Científico de Biologia Sintética da USP que, com certeza, vai render alguns posts.  Conversamos sobre uma das primeiras construções genéticas de biologia sintética visando a robustez no controle de expressão: a construção de um interruptor genético (toggle switch, flip flop,..). Robusto porque é capaz de funcionar corretamente a partir do modelo apesar de várias incertezas do sistema.

Mas para entender o dispositivo, vou comentar alguns conceitos básicos de biologia molecular: (i) promotores são regiões do DNA que antecedem os genes e são reconhecidas pela RNA polimerase e um fator sigma associado para facilitar a transcrição do gene, (ii) transcrição é processo de criação de um RNA complementar a sequência de DNA que posteriormente pode ser traduzido por um ribossomo a uma proteína, finalmente, (iii) um repressor é uma proteína de ligação de DNA que regula a expressão de genes, através da ligação a um operador, e bloqueia a ligação da RNA polimerase no promotor, impedindo a transcrição de genes.

Utilizando esses conceitos básicos de biologia molecular, Gardner e colaboradores (2000) construíram um interruptor para regular a transcrição de genes em E. coli. Chama-se um interruptor porque possuiu dois pontos de equilíbrio (acesso ou apagado, direita ou esquerda, expressão de X ou expressão de Y). Vou dar o exemplo de apenas uma das construções, em que o repressor 2 (repressor LacI) reprime o promotor 2 (Ptrc-2), e o repressor (repressor Tet) reprime o promotor 1 (PltetO-1).  A substância IPTG (Indutor 2) inibe o repressor 2 e aTC (Indutor 1) inibe o repressor 1 (ver Figura abaixo).

Dessa maneira, basicamente, temos dois pontos de equilíbrio: (i) com a presença de aTC, o repressor 2 é transcrito e ocorre a repressão do promotor 2, não havendo assim a transcrição do gene repórter (no caso uma proteína luminescente GFP); (ii) e na presença de IPTG em que ocorre a transcrição do promotor 2, e conseqüente transcrição de GFP e do repressor 1.

Dessa maneira, existem dois estágios: aceso (transcrição de GFP) e apagado (sem transcrição de GFP). Este sistema é robusto porque funciona de acordo com o modelo proposto:

Onde u é a concentração do repressor 1, v é a concentração do repressor 2, α1 é a taxa efetiva de transcrição do repressor 1, α2 é a taxa efetiva de transcrição do repressor 2, β é taxa de cooperatividade da repressão do promotor 2 e γ é taxa cooperatividade de repressão do promotor 1. A ação deste modelo corresponde a seguinte estrutura gráfica:

Este gráfico representa os dois pontos de equilíbrio do sistema, o estado 1 e o estado 2 (aceso e apagado, na presença de um dos indutores) e um outro ponto instável de equílibrio que mostra os dois repressores se regulando mutuamente. Seria mais fácil de entender se houvesse, de uma lado uma proteína luminescente verde e  do outro lado do dispositivo uma proteína luminescente amarela. Os estados de equilibro 1 e 2 representam verde ou amarelo, enquanto o ponto instável de equilíbrio representa a ausência de cor.

Este tipo de dispositivo pode ser utilizado na biotecnologia para regular vias metabólicas inteiras, ligando e desligando vias de acordo com um sinal externo; ou na medicina para acionar a resposta a um remédio por exemplo. Funcionam de uma maneira mais eficiente do que o controle via promotores específicos. No próximo post, vou comentar a utilização desse dispositivo para desenvolver uma bactéria que conta!

Construction of a genetic toggle switch in Escherichia coli. Gardner TS, Cantor CR and Collins JJ. Nature 403: 339-342 (2000).

Revistas científicas de Biologia Sintética

Há alguns posts atrás eu reuni alguns laboratórios de biologia sintética espalhados pelo mundo. É muito bacana para saber quem é quem nesse mundo científico. Porém, para saber o que estas pessoas e outras pessoas andam pensando é preciso ler o que eles publicam. Por isso, desta vez eu reuni as principais revistas de Biologia Sintética.

Fica aí a dica: dar uma olhada nessas revistas todo mês para ver o que está acontecendo no mundo synbio!

Nature – Molecular Systems Biology

BMC Systems Biology

Springer – Systems and Synthetic Biology

Journal of Biological Engineering

PLoS – Computational Biology

Journal of the Royal Society – Focus on Systems Biology

 

Impressora 3D pode imprimir tecidos biológicos

Hoje em dia já se usam as impressoras 3D para a produção de moldes (scaffolds) para o cultivo de células, as chamadas bio-printers. Porém, é claro, os cientistas querem ir um pouco mais adiante. Vejam a matéria da BBC no Congresso AAAS sobre impressão 3D utilizando partes biológicas como matéria-prima para reconstrução de tecidos, orelhas e outras partes do corpo.

http://www.bbc.co.uk/news/science-environment-12507034

Bancos de dados, GenBank, homólogos e ortólogos.

Grupos de Pesquisas em Biologia Sintética

Uma lista de grupos de pesquisa que trabalham com Biologia Sintética. Vale a pena conferir e acompanhar o trabalho desse pessoal.

Synthetic Biology Labs

Harvard University – Silver Lab

Harvard University – Laboratory for Molecular Automata

CalTech – Center for Biological Circuit Design

CalTech – The Elowitz Lab

CalTech – Frances Arnold Research Group

CalTech – The Pierce Lab

CalTech – Asthagiri Group

University of Michigan – Del Vecchio Lab

University of Michigan – Ninfa Laboratory

University of Minnesota – Riedel Lab

University of Minnesota – Kaznessis Group

Duke University – Laboratory of Biological Networks

Synthetic Biology Engineering Research Center

Lawrence Berkeley National Laboratory – Synthetic Biology Department

UCSF/UCB Center for Engineering Cellular Control Systems

UC Berkeley – Lim Lab

Stanford University – The Kool Group

Stanford University – The Smolke Lab

UCSF – Kortemme Lab

UCSF – Voigt Lab

UCSF – Lim Lab

Virginia Bioinformatics Institute – Peccoud Research Group

Boston University – Gardner Laboratory

Princeton University – Weiss Lab

University of New Mexico – Molecular Computing Group

The University of Texas at Austin – Andrew Ellington

Mount Sinai Hospital – The Pawson Lab

Dresden University of Technology – Schwille Lab

Tokyo Tech – Kiga Lab

EMBL-Heidelberg – Luis Serrano Group

ETHZ – Synthetic Biology Workgroup

ETHZ – Bioprocess Laboratory – Sven Panke

University of Cambridge – Jim Ajioka

University of Cambridge – Jason Chin

The University of Edinburgh – Alistair Elfick

Imperial College London – Paul Freemont

University of Groningen – Centre for Synthetic Biology

Ecole Polytechnique – Alfonso Jaramillo

Università degli Studi di Roma Tre – Luisi Synthetic Biology Lab

System & Synthetic Biology Labs

Oak Ridge National Laboratory & University of Tennessee – Molecular-Scale Engineering and Nanoscale Technologies Research Group

UC Berkeley – Arkin Lab

UC Berkeley – Keasling Lab

UC Davis – Michael A. Savageau

Boston University – Applied Biodynamics Laboratory

CalTech – Richard M. Murray

UCSD – Systems Biodynamics Lab

The University of Texas – Center for Systems & Synthetic Biology

Waseda University – Laboratory for Molecular Cell Network

Keio University – Sakakibara Lab

Kyushu Institute of Technology – Kurata Lab

Spanish National Biotechnology Centre – Logic of Genomic Systems Lab

Universitat Pompeu Fabra – Complex Systems Lab – Ricard Solé

Centro de Investigación y de Estudios Avanzados del Instituto Politécnico Nacional – Systems And Synthetic Biology

Imperial College London – Institute of Systems and Synthetic Biology

RIKEN – Computational Systems Biology Research Group

Documentário SynBio

Um grupo de cientistas da Field Test Film Corps está desenvolvendo um documentário sobre synbio. O filme pretende abordar desde a ciência básica da biologia molecular até as pesquisas atuais, assim como questões éticas e definição da vida. Muito interessante, confira o andamento do projeto.

Do-it-yourself biologists (DIYbio) e a ciência cidadã

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Neste momento, em algum lugar dos Estados Unidos, da Inglaterra ou até da Índia, algum biólogo sintético amador está realizando um experimento na sua cozinha ou garagem. Nos últimos dois anos, entusiastas da biologia molecular têm se juntado para montar organizações de biologia sintética amadora, como o DIYbio (do-it-yourself biology), em que os membros se reúnem em pubs e barbecues para discutir os últimos experimentos realizados nas suas próprias garagens. Há quase seis meses tenho participado das discussões desse grupo, que apresentam conteúdo refinado e objetivo sobre o desenvolvimento de microscópios de 10 dólares, espectrofotômetros, centrífugas de furadeiras ou liquidificadores, construções de diferentes kits com E. coli modificada, chegando até a sequenciadores de DNA caseiros.

Inspirados pelos grandes avanços realizados em garagens pelos fundadores de atuais gigantes da informática, os também chamados biohackers pretendem revolucionar a ciência através de experimentos e idéias não-convencionais aplicados a biologia sintética.

Este movimento também se caracteriza pela chamada ciência cidadã (minha tradução de citizen science), em que os cidadãos ativamente participam no papel de desenvolver a ciência e as novas tecnologias. Além disso, a ciência cidadã estimula o apoio da população à ciência, o desenvolvimento do pensamento científico nas pessoas, além de introduzir novas idéias de diferentes disciplinas ao assunto. Utilizando a Internet como plataforma, um simples projeto de ciências pode envolver dezenas, centenas e milhares de pessoas de diversas formações no mundo dispostas a criar algo novo e interessante.

Porém, junto com o crescimento da ciência cidadã, tem também aumentado a preocupação do governo americano e do FBI a respeito do que os biohackers estão fazendo. Por incrível que pareça, agentes do FBI têm comparecido a reuniões do DIYbio para entender o que as pessoas estão fazendo e qual a possibilidade de utilização das ferramentas para o bioterrorismo. A comunidade DIYbio teme que o foco constante em possíveis atividades terroristas desvie a atenção dos tópicos importantes relacionados com biossegurança: como o descarte de bactérias geneticamente modificadas, normatização/legalização de laboratórios caseiros e equipamentos de segurança mais acessíveis e baratos.

Muitas vezes o que tem acontecido é que não existe nenhum tipo de norma ou lei que fale a respeito de laboratórios caseiros para a utilização de bactérias geneticamente modificadas.

Eu acho incrível o que está acontecendo neste momento. Não só está ocorrendo uma explosão de conhecimento e técnicas no mundo científico, mas também a população está cada vez mais interessada em fazer parte dessas descobertas e fazer da ciência um exercício cotidiano.

Ledford, H. (2010). Garage biotech: Life hackers Nature, 467 (7316), 650-652 DOI: 10.1038/467650a

Editorial, Nature (2010). Garage biology Nature, 467 (7316), 634-634 DOI: 10.1038/467634a

Workshop on Synthetic Biology and Robotics

Estou divulgando o Workshop on Synthetic Biology and Robotics da FAPESP no próximo dia 24, uma oportunidade imperdível para discutir alguns aspectos da Synbio. O programa está disponível no site da FAPESP e a inscrição é gratuita.