Light Switches: Um Review

ResearchBlogging.orgJá tratamos nesse blog de um dispositivo simples, mas engenhoso, para a transdução de um sinal luminoso em uma resposta genética desejada, no caso um switch de luz vermelha. Mas podemos abranger o conceito de switch de luz para uma variada gama de mecanismos que a própria natureza esculpiu durante os milhares de anos que teve para se divertir sozinha antes que nós aprendêssemos a modificá-la.

Os mecanismos mais óbvios, que conhecemos bem antes de termos conhecimento da existência de uma célula, são os das plantas. Apesar de pensarmos nesses seres vivos como a fonte mais provável das ferramentas que precisamos para construir um light switch, a biologia sintética utilizou até agora principalmente os dispositivos fotossensíveis de microorganismos fototróficos e quimiotróficos, presentes em uma grande quantidade de bactérias.

As funções de muitos fotorreceptores ainda não são muito claras, mas alguns exemplos na natureza da atividade desses mecanismos vão desde a regulação da motilidade celular, formação de pigmentos, reparo de DNA, resposta ao stress , à até “comportamentos multicelulares”, como a formação de biofilmes e de corpos de frutificação, como por exemplo a Stigmantella aurantiaca.

Corpo de frutificação da Stigmantella aurantiaca.

Corpo de frutificação de Stigmantella aurantiaca. Retirado da publicação de van der Hornst et al, mencionada no final do post.

A grande maioria das proteínas fotossensíveis que a seleção natural pôde criar nesses milhões de anos, e que até agora conhecemos, pode ser classificada em seis famílias bem definidas, baseada na estrutura do cromóforo absorvedor de luz, que podem ser: as famosas rodopsinas, os aqui já conhecidos fitocromos, as xantopsinas, os criptocromos, as também famosas fotropinas e as proteínas de domínio BLUF (blue light sensing using flavin (FAD), domínio utilizador de flavina sensível à luz azul).

A natureza é sutil; ela parte de princípios básicos e com eles (utilizando um bocado de tempo) cria as mais variadas soluções para um mesmo problema. Com os fotorreceptores não é diferente. Uma procura de similaridade de sequências que codificam esses seis tipos de fotorreceptores no mecanismo de busca protein BLAST do NCBI revela uma grande quantidade de sequências similares nos genomas de diferentes espécies, indicando um vasto número de receptores ainda não caracterizados em diversos microorganismos. Um exemplo dessa busca pode ser visto da lista deste link: Chemotrophic organisms containing protein photoreceptor domains.

O princípio básico dos fotorreceptores é: uma estrutura molecular que contenha um ou mais domínios que captam a luz (input) e outro(s) que transforme(m) isso em um sinal intracelular (output). Os domínios de input ligam-se a cofatores ou cromóforos, resultando em uma molécula capaz de absorver luz UV ou visível. O domínio do output pode possuir uma atividade enzimática, proteína-ligante, ou DNA-ligante.  Vejamos alguns domínios de input e de output comumente encontrados in natura.

Domínios de Input Domínios de Output
AppA: Anti-repressor de pigmentos fotossintéticos. O AppA foi a primeira proteína com domínio BLUF caracterizada em Rhodobacter sphaeroides. Absorve na região dos 446 nm com o seu cromóforo FAD. Além de sensível à luz, está envolvida em reações redox.BLUF: Um domínio presente em várias proteínas fotoativas, sua estrutura é similar, mas com um mecanismo funcional totalmente diferente, ao domínio PAS.

LOV: Uma subclasse do domínio PAS, nomeado LOV devido ao tipo de sinal que esse domínio detecta: Luz-Oxigênio-Voltagem (light-oxygen-voltage). Esse tipo de domínio foi descoberto em fototropinas de plantas e mais recentemente em proteínas bacterianas. Um tipo de domínio bem “popular”.

PAS: De “Per-Arnt-Sim”, três reguladores transcricionais que contêm esse tipo de domínio. Outro tipo de domínio bem “popular” no quesito receptor de luz. Muitas proteínas com domínio PAS são conhecidas por transmitir o seu sinal associando-se a cofatores.

Fitocromo: Receptor de luz vermelha e infravermelho encontrado em plantas e bactérias, ligando-se em uma cromóforo de bilina (Lembra do red light switch? A Ficocianobilina é um desses cromóforos).

PYP: De photoactive yellow protein (proteína fotoativa amarela). Um receptor de luz citoplasmático que usa ácido p-coumárico como seu cromóforo. Sua absorção máxima é em 446 nm.

Rodopsina: Proteína composta por um conjunto de sete hélices intermembrana (ver imagem na tabela abaixo), ligando-se a um cofator retinal em seu centro hidrofóbico, absorvendo em maior parte luz verde. Há uma grande quantidade de estudo sobre ela.

YtvA: Um bem caracterizado domínio fotoreceptor de luz azul em Bacillus subitilis. Possui um domínio LOV que se liga ao cromóforo monoflavina (FMN), o que resulta numa absorção máxima em torno de 449 nm.

EAL: Domínio com atividade enzimática diguanilato-fosfodiesterase (traduzindo: envolvido na hidrólise de di-GMP cíclico, um importante sinalizador intracelular). Chama-se EAL por causa de sua sequência conservada de resíduos, mas também conhecido como DUF2.GAF: Domínio com atividade de adenilato-ciclase, guanilato-ciclase, e fosfodiesterase. Liga-se à um cofator bilina em alguns fitocromos.GGDEF: Similar ao EAL, possui atividade de ciclase em diguanilatos (di-GMP). Também possui seu nome devido à sua sequência conservada, conhecido também por DUF1.

HisKA: Domínio fosfoaceptor e dimerizador de proteínas histidina-quinases, importantes proteínas na sinalização intracelular.

HTH: Domínio de ligação ao DNA de reguladores de transcrição bacterianos. Eles se ligam ao DNA via seu motivo (sequência específica de aminoácidos) helix-turn-helix (hélice-dobra-hélice).

STAS: O domínio STAS, cujo nome significa domínio transportador de sulfato e antagonista de fatores anti-sigma (traduzindo: promove a atividade do tal fator de transcrição sigma), é o domínio de output do bem caracterizado YtvA, mas também encontrado em outros fotoreceptores.

Sabendo como as coisas são naturalmente, é possível juntar diferentes peças desse zoológico de domínios proteicos e formar diferentes light switches. Vejamos por exemplo o red light switch: basta juntar um domínio input de fitocromo e um output de ligação ao DNA, no caso o GAL4. Para sintetizar um switch de luz azul, verde, amarelo, e etc, o princípio fundamental é o mesmo: basta montar um input e um output desejados. O resto é pura metodologia e testes. Alguns exemplos de construções naturais podem ser:

Combinações naturais de diferentes domínios Input e Output.

Imagem modificada retirada da referência deste post (van der Hornst et al.).
 

Como se pode ver, o domínio de input LOV parece ser o mais versátil, o que talvez explique a sua “popularidade” no mundo bacteriano dos domínios fotossensíveis. Encontra-se um LOV input ligado à vários tipos diferentes de outputs.

Uma coisa interessante a se levar em conta nessas construções naturais é o tempo de alternância entre os diferentes estados dos fotorreceptores, que como vimos no red light switch, se resume (na maioria dos casos) a um estado “ativo” quando exposto a luz e um “inativo” quando no escuro ou quando passado certo tempo de exposição. Quando o ciclo de mudança do estado ativo para o inativo é um pouco lento, ele é geralmente compatível com regulações na expressão gênica, enquanto graus rápidos de mudança são relacionados com uma regulação comportamental (que não envolve diretamente uma regulação gênica, como por exemplo o aumento da taxa de motilidade de uma bactéria quando exposta à luz). Um ciclo de mudança ainda mais rápido sugere funções bioenergéticas para o fotoreceptor. Isso é um parâmetro importante a se levar em conta no design de dispositivos sintéticos fotossensíveis.

No fundo, talvez grande parte da própria biologia  sintética se resume ao que discutimos aqui: mudança de informação com recombinação. Caímos então no ponto recursivo da biologia. À diferentes níveis e abordagens sempre teremos  a mesma simples metáfora dos blocos de montar: os blocos sempre são os mesmos, o que muda é a informação que colocamos neles ao fazermos diferentes estruturas com diferentes combinações das unidades. Quer um light switch específico que ainda não foi feito? Já está pronto, só basta combinar informação.

Em posts futuros mostraremos como combinar inputs e outputs para criar light switches de outras cores, novamente, com as construções feitas pelos de times de edições passadas do iGEM. Para maiores e melhores informações sobre fotorreceptores, vale consultar o ótimo review de Michael van der Hornst et al:

van der Horst MA, Key J, & Hellingwerf KJ (2007). Photosensing in chemotrophic, non-phototrophic bacteria: let there be light sensing too. Trends in microbiology, 15 (12), 554-62 PMID: 18024131

Switch de Luz Vermelha

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Os mecanismos de ativação da expressão gênica majoritariamente utilizados em biologia sintética hoje, que utilizam pulsos de algum tipo de metabólito para a indução de uma resposta gênica, possuem diversas desvantagens, indo desde uma cinética de ativação ineficiente a até possivelmente efeitos tóxicos dependendo do metabólito utilizado.

A indução de uma atividade gênica baseada em uma transmissão de
informação na velocidade de fóton é muito mais precisa, rápida e prática que qualquer outro metabólito que exista pelos simples fatos de que um fóton não precisa ser “dissolvido” no citosol, não precisa colidir com o seu alvo de alguma maneira particular para iniciar uma resposta enzimática, e talvez o mais importante: um fóton não causa efeitos pleiotrópicos (i.e. ativação de um gene não desejado) e não antecipados como um metabólito (Bem, isso se você tiver certeza de que não há mais nenhum receptor de luz além daquele que você vai usar na sua bactéria) Somado à isso, a luz é um indutor de resposta gênica barato, universalmente disponível, simples de usar, não-invasivo, atóxico, de alta inducibilidade e reversibilidade, e que pode ser facilmente utilizado em vários sistemas.

Provavelmente no futuro a grande maioria dos mecanismos indutores de máquinas geneticamente modificadas deverão ser induzidos por luz, ou quem sabe por quaisquer outros tipos de indutores de expressão com características equiparáveis.

Para se ter uma noção do funcionamento de um switch de luz, mais particularmente de luz vermelha, vamos dar uma olhada no mecanismo molecular por trás dessa idéia.

Mecanismo Molecular

O mecanismo molecular de ativação por luz provém, como era de se esperar, de proteínas vegetais encontradas no cloroplasto. Elas estão envolvidas no fotoperiodismo das plantas, germinação de sementes, e síntese de clorofila, além de outras coisas. Essas proteínas são os fitocromos.

Os fitocromos não possuem atividade sensível à luz por si só: é
necessário estar covalentemente ligado à um cromóforo, que nas plantas é a fitocromobilina (PφB), e em cianobactérias é a ficocianobilina (PCB), que é o mais usado devido à sua fácil purificação. Na ausência desses cromóforos não há mudanças conformacionais devido à luz nos fitocromos, é ele que capta a energia do fóton e traduz em uma mudança conformacional na proteína, culminando na mudança de sua funcionalidade.

O funcionamento deste biossensor sintético se dá através da construção de proteínas quiméricas a partir de receptores de luz e fatores de transcrição. Para receptores de luz vermelha (660 nm) há pelo menos dois tipos de mecanismos celulares construídos, que são os que vamos falar aqui, ambos utilizando uma idéia muito interessante: a fusão de partes de proteínas, as chamadas proteínas quimeras. Essa fusão vai além do aspecto estrutural e junta características funcionais de cada parte em uma proteína só. Não é demais!?

Um desses mecanismos, utilizando um híbrido entre fitocromo
(podendo ser A ou B) e o domínio quinase da proteína de E.Coli EnvZ. Essa quimera possui um mecanismo de inibição através da exposição à luz vermelha: quando o domínio quinase está fosforilado, há a expressão gênica (no caso, de lacZ, que induz a formação de um pigmento branco por ação da expressão de β-Galactosidase), já na presença de luz vermelha, o domínio torna-se desfosforilado e inibe a expressão (veja a imagem 1). Esse mecanismo molecular para a construção de um light switch foi o utilizado pelo time da universidade do Texas na competição de biologia sintética realizada no verão, no período de atividades independentes do MIT de 2004, o qual impulsionou a criação do iGEM.

O outro mecanismo molecular atua através de duas quimeras: uma
resultante da fusão entre o fitocromo (A ou B) e o domínio de ligação ao DNA (GBD) da proteína GAL4, e a outra um híbrido de PIF3 (phytochrome interaction factor 3) e o domínio de ativação de transcrição (GAD), também do fator de transcrição GAL4. Quando não exposto à luz ou exposto à luz infra-vermelha (far-red light, FR), o fitocromo na conformação Pr (forma inativa) somente fica ligado ao DNA através do domínio do domínio GBD, porém quando exposto à luz vermelha, a proteína quimérica do fitocromo ganha a conformação Pfr (forma ativa) que se liga à PIF3-GAD com alta afinidade, o que induz a transcrição do gene alvo (veja a imagem 2).

Outras proteínas podem ser usadas substituindo PIF3, como FHY1
(far-red elongated hypocotyl 1) ou FHL (FHY1 like), fundidas à GAD também (imagem 3).

O grande diferencial deste último mecanismo de switch é a rapidez
de resposta gênica e fácil modulação. A conversão das formas Pr para Pfr ocorrem em milissegundos, e a transcrição em segundos. A indução reversa é igualmente rápida, exigindo apenas uma dissociação entre a quimera com GBD e a com GAD. Isso permite alto sincronismo e uma indução da expressão uniformizada na população celular.

Agora imagine a aplicabilidade disso, por exemplo, em uma indústria que precise produzir um biomedicamento que necessite ser constituído de proporções de dois diferentes compostos. Ela teria que criar dois processos independentes de produção, dois biorreatores, uma unidade de mistura, teria que dosar as quantidades sendo misturadas e etc: iria ter que sustentar dois processos paralelos. Com um simples mecanismo molecular de light switch o
remédio ficaria muito mais barato e rápido de se produzir com apenas um apagar
e acender de lâmpadas. Os dois constituintes do medicamento poderiam ser produzidos no mesmo biorreator e em proporções que seguiriam apenas o tempo de exposição à determinada luz, no caso deste post, luz vermelha e infravermelha. Bacana não é? E isso é só um exemplo.

Para maiores e mais específicas informações, vale dar uma olhada
nos papers aqui embaixo (a referência 3 traz um modelo matemático bem legal ).

1) Levskaya A, Chevalier AA, Tabor JJ, Simpson ZB, Lavery LA, Levy M, Davidson EA, Scouras A, Ellington AD, Marcotte EM, & Voigt CA (2005). Synthetic biology: engineering Escherichia coli to see light. Nature, 438 (7067), 441-2 PMID: 16306980

2)Shimizu-Sato S, Huq U, Tepperman JM, Quail PH (2002). A light-switchtable gene promoter system Nature Biotechnology, 1041-1044 DOI:10.1038

3) Sorokina O, Kapus A, Terecskei K, Dixon LE, Kozma-Bognar L, Nagy F, & Millar AJ (2009). A switchable light-input, light-output system modelled and constructed in yeast. Journal of biological engineering, 3 PMID: 19761615