‘Spâmide’ e Carlos Magno

“Spâmide” é um spam que propõe um esquema de pirâmide via spam. Recebi um desses ontem.
Para  quem é jovem demais par se lembrar da febre das pirâmides que assolou o Brasil no início dos anos 90, vamos lá: num esquema desses, uma pessoa recruta outras — digamos, seis — e cada uma delas lhe dá uma certa quantia em dinheiro. Essas seis, que formam o “segundo nível a pirâmide”, por sua vez, recrutam, cada uma, seis outras, que passam a compor o “terceiro nível”; esse terceiro nível entrega dinheiro às pessoas que estão nos níveis superiores (1 e 2) e recrutam um quarto nível, que repete a operação, pagando quem está acima e recrutando um quinto nível que passa grana para os níveis 1, 2, 3 e 4, e assim por diante. Um participante do esquema deixa de receber grana dos níveis inferiores — “sai da pirâmide” — quando houver um número pré-combinado de níveis abaixo de si: cinco, digamos, formando uma pirâmide de seis níveis.
É fácil ver como o esquema multiplica dinheiro: se a contribuição individual for de, digamos, R$ 10, uma pessoa ao sair da pirâmide terá contribuído com, no máximo, R$ 60, mas recebido 10×6^5 reais, ou R$ 77.760.
Também é fácil (mas talvez não tão fácil, dada a popularidade que esses esquemas atingem) ver que a coisa toda é insustentável: na décima-segunda rodada, o número de participantes necessário para manter a pirâmide em pé supera a população do planeta Terra.
O spâmide que recebi adapta a técnica ao mundo moderno dos e-mails, e é em si mesmo um objetivo antropológico interessante, já que funde três tipos  de aporrinhação em uma só: é, ao mesmo tempo, um esquema de pirâmide, um spam e uma carta-corrente. Basicamente, ele pede que o trouxa (no caso, eu) deposite dinheiro nas contas bancárias de seis pessoas; apague o nome da que está no topo e inclua o meu no pé; e passe o e-mail adiante para 250 pessoas.
É isso aí: 250. O e-mail explica que a taxa e sucesso esperada é de 3%, e que se eu enviar o e-mail para 250, sete irão seguir as instruções (3% de 250 é 7,5, mas deixa pra lá). Imagino da onde tiraram essa taxa, 3%. Talvez tenha sido cozinhada para chegar perto do total de 6 trouxas por nível, como na pirâmide clássica? Ou é a proporção de QIs limítrofes na população?
Mas, 250! Quantas rodadas esse jogo pode sustentar, antes que comece a haver sobreposição de spameados? Na terceira rodada já serão 15 milhões de pessoas. Na quinta, quase 1 trilhão — um número de seres humanos que só existirá se um dia colonizarmos a galáxia.
O que Carlos Magno tem a ver com isso? É que pirâmides permitem lançar um olhar curioso sobre o passado humano: cada um de nós, afinal, é o vértice de uma pirâmide onde estão nossos dois pais, quatro avós, oito bisavós… Não é preciso recura muito para notar que há um momento onde o número de ancestrais de uma só pessoa viva hoje supera a população total do mundo na mesma época em que esses supostos ancestrais deveriam estar em idade fértil.
A explicação para isso é, claro, descendência cruzada: todos nós somos descendentes de primos que se casaram com primos (e que portanto têm os mesmos avós) e coisas assim.
Um outro dado interessante é que, no passado, sucesso reprodutivo estava intimamente ligado a sucesso militar; e como sucesso militar geralmente levava a uma posição de riqueza e poder (como ser rei ou nobre), é extremamente provável que cada ser humano vivo hoje seja descendente  de algum grande conquistador medieval, como Carlos Magno ou Gêngis Khan.
Sangue real? Todo mundo tem.

Discussão - 1 comentário

  1. Patola disse:

    No livro "Adam's Curse" o Bryan Sykes faz uma narrativa apaixonante da descoberta da herança genética de Genghis Khan, se não leu ainda, leia. A proposta do livro é uma idéia bastante cretina ("o cromossomo Y humano está sofrendo degeneração e isso significa que em 125 mil anos a espécie humana perderá seus machos"), mas esse é só o último capítulo, os outros são ótimos. 🙂

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