Matemática eleitoral

Morar numa cidade do interior oferece uma perspectiva curiosa sobre certas coisas. Exemplo: aqui na minha terra, fico com a nítida impressão de que só três criaturas em idade elegível não são candidatas a vereador — a saber, eu, minha mulher e meu gato (sim, meu gato é maior de 18).
Outro dado interessante é que aqui captamos o horário eleitoral de cidades vizinhas, e um padrão curioso aparece nos nomes com que boa parte dos candidatos se apresenta, independentemente do município de origem: “Fulano/a”+de/o/a+”Atividade Econômica”. Tipo, Chico da Padaria, Maria do Lanche, Zé da Madeira, Pedro da Farmácia (inventei esses nomes agora, mas não me surpreenderia se uma busca no site do TRE revelasse que essas apelações existem e estão na disputa).
O que torna as duas constatações interessantes (ou, ao menos, interessantes para este blog) é que elas são resultado matemático direto (ou, ao menos, uma solução óbvia em termos de teoria dos jogos) do sistema eleitoral proporcional, adotado na maioria das eleições legislativas brasileiras, a única exceção sendo o Senado Federal.
Numa eleição proporcional, primeiro o bolo partidário cresce, para só depois ser dividido entre os candidatos. Ou: os votos são atribuídos, primeiro, ao partido que, com base na votação total obtida, então conquista um certo número de cadeiras na Câmara. Só então as cadeiras conquistadas são atribuídas a candidatos individuais, com base na votação de cada um.
Em tese, se um partido lançasse um milhão de candidatos muito fracos, sendo que um deles consegue dois votos e todos os demais, apenas um cada, o cara com dois acaba eleito, graças ao milhão de votos que os demais trouxeram para a legenda.
Esse sistema é um incentivo para que os partidos lancem o maior número possível de candidatos, na certeza de que a maioria deles não vai ter mais que umas poucas dezena de votos (se tanto), porque os poucos votos de muita gente fazem o bolo do partido crescer e ajudam a emplacar os medalhões da legenda. 
Assim, a grande massa de “Zés Disso” e “Marias Daquilo” não passa de um rebanho de bois de piranha, que não está no jogo para ganhar, mas  para ajudar o partido a obter cadeiras suficientes para acomodar seus líderes na próxima legislatura. O Chico da Feira vende o Chevette 76 do sogro achando que vai investir na prória campanha, mas na verdade está apenas engordando a campanha de outrem (“outrem” é bonito!).
Os pseudônimos profissionais também são reveladores: mostram que os partidos recrutam seus trouxas (inocentes úteis?) entre pessoas que têm contato costumeiro com o público — feirantes, balconistas, professores, cabeleireios, garçons — possivelmente por causa de uma armadilha psicológica comum, o chamado erro de disponibilidade, no qual exemplos tirados da experiência pessoal são usados como base para generalizações: basicamente nesse caso, pessoas  que se sentem populares por conta da quantidade de público com que têm de lidar são levadas a crer que essa popularidade se estenderá ao campo político.
O sistema eleitoral mais citado como antídoto para os vícios do proporcional é o distrital, mas ele tmbém não é isento de problemas: por exemplo, seria possível dividir uma cidade em distritos de forma que, em cada distrito, sempre houvesse mais petistas que tucanos, ou vice-versa.
O matemático John Allen Paulos tem um artigo interessante sobre sistemas eleitorais em seu livro A Mathematician Reads the Newspaper.

Discussão - 5 comentários

  1. Junior disse:

    Bom dia. Muito bom o texto, explica o porquê de tantos candidatos por metro quadrado.
    Se estiver afim de parceria deixe um comentário lá no meu blog.
    Abraços

  2. Igor Santos disse:

    Não é bem assim.
    Um candidato precisa ter votos individuais suficientes para se eleger. Se tiver mais que isso, seus votos extra são somados aos votos do segundo mais votado do mesmo partido.

  3. cretinas disse:

    OI, Igor! Antes fosse... Uma resolução do TSE diz que até candidatos sem voto nenhum podem ter cadeiras no parlamento, desde que o partido tenha acumulado votos suficientes:
    RES 020945 DE 04 DE DEZEMBRO DE 2001 (PROCESSO ADMINISTRATIVO 018721)
    1. Na hipótese de uma coligação ou partido obter votos suficientes para assegurar pelo menos uma vaga e o seu único candidato (que possua ou não votos) não puder receber essa vaga em decorrência de morte ou renúncia, a vaga em questão deverá ser redistribuída a outros partidos ou coligações que tenham atingido quociente eleitoral.
    2. No caso de uma coligação ou partido obter uma quantidade de vagas maior que a quantidade de candidatos votados, as vagas em questão deverão ser atribuídas a candidatos sem votação do partido ou coligação.

  4. cretinas disse:

    Ou, direto do Código Eleitoral:
    t. 106. Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um se superior.
    · Lei no 9.504/97, art. 5o: nas eleições proporcionais, contam-se como votos válidos apenas os votos dados aos candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias.
    Art. 107. Determina-se para cada partido ou coligação o quociente partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração.
    Art. 108. Estarão eleitos tantos candidatos registrados por um partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.

  5. Igor Santos disse:

    Ui!
    Que bizarro!

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