Livre para acreditar, para prever… para fraudar?
Uma cidade dos Estados Unidos decidiu revogar uma lei — que já não era imposta com muito zelo, de qualquer modo — proibindo pessoas de ganhar dinheiro prometendo “prever o futuro”. Basicamente, era uma lei contra charlatanismo esotérico e que atingia tarólogos, astrólogos e quetais.
O argumento a favor da derrubada da lei é que ela interfere na liberdade de crença e religião.
Diz a Associated Press:
“As pessoas têm o direito de acreditar nessas coisas e de prever o futuro, de dizer o que pensam e, até mesmo, de cobrar por isso”, disse Charles Haynes, descrito como “importante intelectual” do First Amendment Center. (“First Amendment” é o artigo da Constituição dos EUA que garante liberdade de expressão e de culto). “O governo não tem o poder de determinar se essas pessoas estão cometendo fraude”.
Trata-se, é preciso reconhecer, de uma questão delicada. Como James Randi já bem notou em seu livro investigativo sobre curandeiros evangélicos, The Faith Healers, as autoridades estão dispostas a tolerar qualquer coisa que não chegue a homicídio — e, às vezes, até isso — para não serem acusadas de perseguição religiosa.
Uma solução para o dilema talvez fosse a postura britânica, que numa reformade sua lei de defesa do consumidor estendeu explicitamente as normas de comércio justo aos prestadores de serviços, digamos, “místicos”. Basicamente, vender e não entregar é crime. Mesmo se o produto em questão for o amor do ex-namorado ou a previsão do resultado de uma entrevsita de emprego.
Críticos da lei britânica notaram que nem mesmo as igrejas estabelecidas serão capazes de atender às exigências da proteção ao consumidor, e concluíram que isso é uma prova de que a há algo essencialmente errado com a regulamentação. De minha parte, concordo com a premissa, mas acho que a conclusão correta é a de que o “essencialmente errado” encontra-se em outro lugar.
No Brasil, a Universal já foi condenada a devolver dinheiro a fiéis em pelo menos duas ocasiões, uma por incapacidade mental e outra, por arrependimento.
Mas esse tipo de ação judicial é raro (nunca vi um católico pedindo doações de volta, por exemplo); existe um forte componente psicológico aí: como ocorre na maioria dos casos de conto do vigário , a vítima dificilmente está disposta a se submeter a uma a agressão à própria vaidade — assumir que foi enganada — para tentar reaver o dinheiro perdido. Parafraseando Ben Franklin, o único mentiroso maior que um charlatão é sua vítima.
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