E se um dia a Pátria amada precisar da macacada…

Hoje é 7 de Setembro, então acho que cabe um pequeno parêntese cívico nesta esteira de blogagem científico-matemática. Em breve, de volta à programação normal.
O que eu gostaria de mencionar nesta data é algo que vem me preocupando muito já há um bocado de tempo — a crescente influência religiosa na vida pública. Para ficar num exemplo mais recente (e, até certo ponto, inócuo) cito a cerimônia grotesca em que Lula sancionou a Lei do Dia da Marcha pra Jesus.
Existem, claro, sinais ainda mais preocupantes, como a aprovação na Câmara do tratado com o Vaticano, ou até mesmo a interferências diretas do dogma religioso na execução de políticas públicas, como a lei aprovada no município de Jundiaí (SP) — e sancionada sob pressão direta e escrutínio do bispo católico local — proibindo a distribuição de um certo tipo de anticoncepcional pela rede de saúde pública.
Esse é um problema recorrente com religiões e foi o que me fez virar, depois de anos de ateísmo de foro íntimo, o que alguém poderia chamar de um ateu “estridente”, ou “militante”: a incapacidade estrutural que os credos têm de se manterem, educadamente, dentro de seus respectivos cercadinhos.
Se a sua religião diz que a mulher foi criada para parir um pivete por ano até a morte ou a menopausa, o que vier primeiro; que aceitar órgãos doados é canibalismo, que é melhor ficar paralítico a aceitar células-tronco; que pintar retratos de gente morta lá se vão séculos é blasfêmia, problema seu e de quem concorda com você. Mas tente impor isso a quem não concorda, e aí a coisa se complica.
Todo credo é a favor da tolerância, do diálogo e da liberdade quando está por baixo, mas ponha uma religião numa posição de proximidade com o poder — seja o papado na Europa medieval, o islã em boa parte do Oriente Médio hoje, o budismo no Tibete pré-China ou o bispo católico na sua cidade — e veja só o que acontece.
Nesse aspecto, religiões são muito parecidas com movimentos políticos extremistas, como o nazismo ou o comunismo. Para esse tipo de ideologia, a liberdade não é um valor fundamental, mas meramente tático. Ou: a verdadeira liberdade é a liberdade de concordar comigo; você só vai ser livre depois de se ajoelhar neste altar aqui.
Políticos, claro, são animais adaptáveis e já notaram que é fácil angariar votos como voluntário servindo cachorro-quente na quermesse de Santo Antônio (ou dando testemunho de fé na rádio pirata do pastor) e depois fazer o que quiser com o mandato, oincelando uma ou duas concessões piedosas entre emendas espúrias ao orçamento e pizzas em CPIs.
Não que eu creia que isso vá durar muito tempo — eleitores são criaturas pavlovianas, e tendem a ficar espertos depois de apanhar o bastante.
Mas a questão é, quanto tempo é “não muito tempo”? E até onde o apetite pelo voto fácil pode levar as “concessões piedosas”? Que tipo de dano poderá ser causado até que a tendência se reverta? O risco de uma teocratização do debate público nacional, na campanha de 2010, é real, imediato e inquietante.
Religião é algo que se aceita, lei é algo que se impõe. Como já disse alguém, afirmar que “X está na lei” equivale a dizer que “o governo pode, legitimamente, mandar homens armados atrás de você para coagi-lo a fazer X”.
Melhor não misturar as duas coisas, certo? Este é o meu voto de 7 de Setembro. Fecha parêntese.

Discussão - 5 comentários

  1. Reginaldo disse:

    Clap clap clap. O discurso é ótimo, mas entra por um ouvido e sai pelo outro na cabeça vazia(ou dissociativa) deles.
    Você já ouviu crédulos semi-influentes(AKA povão+blog) argumentando(reclamando) que os ateístas estão tentando impor a laicidade e banir A religião?

  2. Renato disse:

    Eu achava que a influência da religião na política vinha decaindo, mas lendo esses exemplos acima verifico que esse pessoal é mais resistente do que tiririca. rsrs...

  3. Joaquim Azevedo disse:

    Ótimo texto. Resume o que tem acontecido nos últimos e que tenho notado que as pessoas, aceitando ou não o que ocorre e geralmente não ateus, seguem.
    Falar sobre o acordo Vaticano-Brasil, pra eles é besteira pois acham que não podem fazer nada... triste isso.

  4. Parabéns pelo texto, é definitivamente um dos melhores que li sobre a presença religiosa nos lugares errados.
    Já está sendo recomendado para todos que conheço, considero leitura obrigatória.
    Abraços!

  5. Marcelo Lopes disse:

    Recomendo a todos a leitura do livro "A Cabeça do Brasileiro", de Alberto Carlos Almeida. Destrincha a influência da sociedade religiosa, patriarcal, racista, entre outros, no estágio atual do Brasil, além das perspectivas de evolução com as novas gerações e com a educação. Tudo com pesquisas realizadas. Muito bom para complementar esse assunto. E parabéns pelo post.

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