Cada área do conhecimento possui seus jargões e influencia no modo em que as pessoas enxergam o mundo. Eu tenho contato com profissionais cientistas de várias áreas do conhecimento; desde aqueles engenheiros que se divertem indo em um congresso “só” sobre túneis, até aqueles que, apesar de trabalharem o tempo todo, acham que atividades como ministrar aulas “não é trabalho”. Longe de mim questionar qualquer um desses pontos de vista (que tenho como excêntricos) a verdade é que me divirto muito observando e convivendo com pessoas de pontos de vista tão diferentes do meu.
Pensando sobre isso imaginei que algumas (ou todas?) das observações que faço ao longo de um dia podem/devem ter muita influência da minha formação paleobiológica. Vamos aos exemplos!
Nas férias, ao caminhar na praia, percebo que a zona intermarés carrega e deposita sedimentos e corpos de organismos que viviam por ali, e também daqueles que viviam
mais longe (no mar mais profundo), mas que foram trazidos pelas correntes, neste caso, após a sua morte, e ali depositados. Esse conjunto de restos de organismos de diferentes ambientes misturados num mesmo local é bastante comum no registro fossilífero. É o que chamamos de “grau de autoctonia” do registro (o quanto ele representa organismos que viviam naquele ambiente, ou, ao contrário, o quão longe eles foram transportados de seu ambiente de vida original). No registro temos que observar os restos dos organismos para saber se são ou não autóctones. O que observamos? Se o organismo está inteiro ou fragmentado (o que pode indicar transporte), arredondado, se ele tem adaptações morfológicas para viver em determinado ambiente (forma da concha, por exemplo), entre outras feições. A mistura de organismos de diferentes ambientes numa praia atual pode parecer óbvia (como na foto, em que há mistura de conchas, galhos e medusas, cada uma de um ambiente específico), mas no registro isso não é tão fácil de se perceber. Pelo menos não tão imediato. Isso porque não temos mais o ambiente original, só evidências de qual era esse ambiente. Também não temos os organismos, mas sim fósseis deles. Não é de se estranhar, portanto, que uma das ferramentas mais usadas na paleontologia é o atualismo: observar o que ocorre hoje para compreender o passado, que é representado pelo registro fossilífero.
E no meio urbano? É possível ter um olhar paleontológico?
A icnologia (o estudo dos traços fósseis, ou seja, o estudo das marcas deixadas pela atividade de algum organismo) é relativamente constante nas minhas observações. Ao passear com cachorros numa praça que tenha areia, deixamos nossas pegadas, que são rapidamente apagadas ou deformadas pelo caminhar de outros (possibilitando a formação de um registro palimpsesto, caso aquilo ali fosse rapidamente recoberto); ou, ao observar patinhas de diversos animais que foram pintadas em frente a um restaurante vegano, adentrando o local, percebo que elas deveriam também estar saindo ali, se a ideia é de que os animais são bem-vindos e podem circular livremente…pra mim, vestígios de animais somente entrando um lugar podem significar que eles não saíram, pelo menos não pelo mesmo local de entrada.
Ou ainda, como explicado no último post da profa. Frésia, as queimadas geram fragmentos de plantas carbonizados que podem virar registro também… quem nunca olhou para aquela “sujeirinha” preta e pensou sobre sua importância para os paleontólogos do futuro? 🙂
E, claro, o exemplo clássico. Seja aonde for, praia, cidade, interior, ao olhar para o céu noturno estrelado não podemos deixar de pensar que observar as estrelas é olhar para o passado. E como Carl Sagan costumava dizer: “Nós somos, cada um de nós, um pequeno universo”. Mas aí já entramos em outra área do conhecimento, não?
A perspectiva paleontológica está por toda a parte!
Conheça mais sobre o trabalho de Sagan lendo este post.