Todos os posts de Carolina Zabini

Sobre Carolina Zabini

Bióloga formada pela UEPG. Professora Doutora em Ciências, área de concentração em Paleontologia pela UFRGS. Atua com paleontologia de invertebrados (BRACHIOPODA: LINGULIDA) Devonianos da Bacia do Paraná, com ênfase em tafonomia.

Por que os filmes encantam a gente?

Ainda não assisti ao novo filme (Jurassic World), e vocês? Mas, claro, já me falaram muito bem dele.

‘Life cannot be contained. Life breaks free,
life finds a way’

Neste post aqui foi comentado sobre  a (im)possibilidade de criarmos um dinossauro a partir de um genoma. Muitos vídeos na internet e muitos livros abordam o tema. Do ponto de vista paleontológico,  a preservação de material genético é impossível. A molécula de DNA é uma estrutura complexa e delicada, que se destrói rapidamente (já falamos aqui sobre o processo de fossilização). Não há como manter algo assim preservado numa rocha por milhões de anos. Então todo o início da série de filmes Jurassic Park e Jurassic World não é cientificamente viável.

Mas não é por isso que histórias de ficção baseadas em conceitos científicos não nos tocam. Conheço uma geração inteira de paleontólogos (vertebradólogos, ou seja, que estudam vertebrados, dentre eles, dinos), que surgiu com o encantamento ocasionado pelo(s) filme(s). No caso da paleontologia, trazer alguns conteúdos à tela foi excepcional.

Existem inúmeros posts e livros que podemos citar que debatem as etapas impossíveis que deveriam ser ultrapassadas para criar a situação representada nos filmes, mas, vamos aos pontos positivos?

Jurassic Park trouxe…

1- …talvez pela primeira vez, dinos retratados como animais, não como meros monstros malignos (apesar de eles gostarem de matar despropositadamente, mesmo nas séries Jurassic Park e seguintes);

2- …uma representação muito acurada destes animais vivos. Eles são imensos, desafiam a imaginação de qualquer um! de seus restos criamos as lendas de dragões, deuses, e outros mitos em quase todas as culturas humanas… vê-los em tamanho real, interagindo com pessoas, numa perspectiva extremamente realista é, simplesmente, sensacional.

Uma das  críticas mais comuns da exposição de bonecos de dinos que temos atualmente no instituto é o fato de não termos quase nenhum em tamanho real (com exceção do pterossauro que não faz parte da expo em si, e do banner com 3 dinos em tamanho real – mas não são bonecos, só fotos!);

3- …um pouco de ciência, no meio de muita ficção. Mas é isso que faz as pessoas se perguntarem:

  • tem gente que trabalha com dinossauros? sim, o paleontólogo, geólogo ou biólogo estão aí pra isso (dentre outras funções)…
  • será que é possível reconstruir um animal desses por um DNA preservado em âmbar? já vimos que não, mas…
  • e se tivessem mesmo como reproduzir um animal desses, o que poderia acontecer…? por mais que a história do filme traga muitas situações críticas, refletir sobre o assunto, por si só já é interessante;

Trazer as possibilidades à tona instiga as pessoas a saberem mais sobre a ciência; isso, por si só, é muito importante. A beleza da divulgação científica está em despertar o interesse. Plantar a semente.

4- …situações críticas (ambientais, ecológicas, biológicas) num mundo -relativamente- real, com pessoas normais. Não são super-heróis que lidam com os dinossauros. Em geral, os dinossauros não são monstros com poderes infalíveis, existe um certo compromisso com conceitos científicos modernos. Essa proximidade conosco instiga nossa imaginação e  desperta um efeito “wow”. É encantamento pelo grande, pelo desconhecido, pelo assutador.

Existem inúmeras maneiras de se divulgar ciência para o grande público. Investir milhões de dólares, em geral, não é algo disponível para quem tem esse objetivo e trabalha na universidade; mas uma série de filmes como Jurassic Park e Jurassic World traz a oportunidade de debate na paleontologia. Muitas coisas podem estar cientificamente erradas ali. Muitas outras têm fundamentos corretos. Quais? Como? Porquê?
Leiam, comentem, assistam, debatam!

É  assim que a ciência progride.

O problema não é o 13, é o 14! O mito do Carbono 14 na Paleontologia

Há quem diga que o treze é um número da sorte. E há também aqueles que não gostam das sextas-feiras 13… 

Mas como professora de paleontologia já há alguns anos eu tenho dificuldades com o 14. Na verdade, com o Carbono 14 (C14).

Em algum momento da vida de vocês, meus queridos alunos e/ou leitores, alguém lhes falou sobre ele. E eu não sei bem os motivos da mídia e de alguns livros de conteúdo básico sobre geociências enfocarem a datação por carbono 14 como sendo a resolução de todos os problemas na vida de um paleontólogo; mas, claro, essa técnica não é tudo isso.

A simplificação que normalmente vejo nos textos sobre o assunto passa uma ideia errada de como a datação de materiais fósseis realmente funciona.

Mas vamos começar do início…

Datação de quê? Idade do organismo ou há quanto tempo ele viveu/morreu?

Para obtermos a idade de algum material, necessitamos de alguma técnica que meça a quantidade de anos que aquele material tem, ou que nos indique uma idade aproximada do material em questão. Com isso eu quero dizer o seguinte: se um organismo viveu durante 30 anos, no período Triássico (250-200 M.a.), a idade que iremos obter com algum método de datação é a idade triássica. A idade do organismo (se era jovem, adulto ou idoso) também pode ser obtida, de forma aproximada, com nossos conhecimentos sobre o desenvolvimento ontogenético do grupo ao qual aquele organismos pertence; mas não é sobre isso que iremos tratar aqui, ok?

O que é necessário para datar?

O método Carbono 14 necessita de matéria orgânica para ser utilizado.

Os fósseis, como nós já falamos por aqui no blog, nada mais são que restos ou vestígios de vida pretérita transformados (em algum grau) em rocha (litificados). Existem, sim, casos onde há preservação de material orgânico original. Mas na maioria das vezes, esse material é perdido no processo de litificação. Então, na maioria das vezes, não há Carbono para ser datado nos fósseis.

Quais as premissas da técnica?

Toda técnica utilizada pelos cientistas segue algumas premissas e possui alguns limites.

Uma das premissas é que o material tenha Carbono, como falamos antes. Então, se quisermos saber a idade de uma rocha (que não tenha C), o método de C14 não pode ser aplicado.

Isótopos são elementos químicos (isto é, têm prótons, nêutrons e elétrons) que possuem número atômico igual (número de prótons) mas um número de massa diferente (média ponderada das massas dos isótopos, isto é prótons + nêutrons). No caso da Carbono, encontramos na natureza vários isótopos, e os mais comuns são C12, C13 e o famoso C14. A abundância natural desses isótopos é diferente, sendo o C12 o mais estável e mais comum dentre todos. Sendo o mais comum (e também por outros motivos) os organismos utilizam-se mais do C12. No entanto, o C14, apesar de raro, também é incorporado pelos organismos.

O C12 com 6 prótons e 6 neutrons. Fonte.

O C14 não é tão comum quanto o 12 basicamente por dois motivos: porque ele se forma na alta atmosfera pela ação de raios cósmicos e descargas elétricas em nitrogênios (eventos aleatórios), e porque o C14 é um isótopo instável de Carbono, isto é, ele se transforma em nitrogênio novamente, para alcançar sua estabilidade. Esse fenômeno é muito bem explicado no vídeo que coloquei nas referências deste texto.

No princípio do desenvolvimento da técnica de C14, uma premissa importante para o estudo era que a formação do C14, apesar de rara,  seria constante para os últimos séculos. Hoje sabe-se que houve variação e uma tabela já foi construída para adequação das análises.

O quadro abaixo mostra os diversos isótopos de Carbono e a duração de suas meias-vidas na natureza ( em segundos “s” ou minutos “m”. Fonte):

Simb % natural Massa Meia vida
9C 0 9,0310 0,127 s
10C 0 10,0169 19,3 s
11C 0 11,0114 20,3 m
12C 98,93 12,0000 Estável
13C 1,07 13,0034 Estável
14C 0 14,0032 5715 a
15C 0 15,0106 2,45 s
16C 0 16,0147 0,75 s
17C 0 17.0226 0,19 s

Como o C14 chega a fazer parte da matéria de um carnívoro?

As plantas, por meio de fotossíntese, utilizam os CO2 produzidos pelas descargas elétricas e impactos de raios cósmicos nos N; seguindo a cadeia alimentar, os animais que predam plantas, incorporam esse C instável, e por conseguinte, o C14 chega aos carnívoros que predam estes herbívoros.

Todo paleontólogo usa esta técnica?

Nem todo o paleontólogo sabe dizer a idade exata (em números absolutos) do material com que trabalha. Eu, por exemplo, nunca datei absolutamente nenhum fóssil com que já trabalhei. O C14 é usado para datar materiais de até 50 ou 60 mil anos. Eu trabalho com fósseis de 400 milhões de anos!

O limite do método se dá por um viés analítico. Como o C14 é muito raro em proporção na matéria a ser analisada, após 10 decaimentos suas porcentagens são tão pequenas que ele fica quase impossível de ser detectado. Após 10 decaimentos o material tem cerca de 50 mil anos, uma vez que a meia-vida do C14 tem 5.730 anos.

Como se conta o C14?

O primeiro a realizar a contagem de C14 foi o pesquisador Libby, utilizando um contador Geiger. Ao se desintegrar, um C14 emite uma partícula beta; essa partícula é detectada pelo referido equipamento. Ao colocarmos 1 grama de C atual (de algum ser vivo), temos 13,6 contagens por minuto. Sabendo disso, usamos da matemática para saber quanto 1g de alguma amostra fóssil pode indicar em termos de idade. Se a contagem for de 6,8, significa que uma meia vida já passou, isto é, o organismo em questão morreu há 5.730 anos. Outras técnicas mais recentes e precisas já foram desenvolvidas, utilizando, por exemplo, a contagem dos átomos em si e comparando-se suas proporções. Mais detalhes sobre isso podem ser lidos aqui.

É fato que a maioria das pessoas, quando questionada sobre datação, lembra do C14. Mas veja, para o estudo paleontológico de materiais mais antigos que 50 mil anos, a técnica não pode ser utilizada! Lembrando que o planeta tem 4,5 G.a., o C14 não é o principal método de datação em paleonto…! Outros métodos são muito mais comuns, como a datação relativa das camadas e também as datações absolutas de rochas ígneas + datação relativa das camadas de rochas sedimentares.

Como datar absolutamente uma camada?

Quando temos rochas ígneas, podemos usar métodos de datação como Rubídio-Estrôncio, Chumbo-Chumbo, Urânio-Chumbo, Potássio-Argônio, entre outros. Neste caso, esses elementos químicos instáveis foram formados  quando houve a geração dos minerais que compõem as rochas, por isso, assim que eles solidificam, seu decaimento inicia e a contagem do tempo através das suas meias-vidas pode ser obtida. Cada relação isótopo-pai/isótopo-filho tem uma longa série de intermediários que se formam e possibilitam a datação absoluta. 

E agora... você já sabe quais métodos mais usamos?
Por isso o C14 não é uma técnica utilizada em materiais mais antigos que 50 mil anos, e portanto, não é muito utilizado em Paleontologia. Observe, portanto, a imagem abaixo e me diga o que poderia ser melhorado nela?!

 

decaimento radioativo do C14
Ilustração que mostra o decaimento radioativo do C14… mas que induz as pessoas a achar que é possível datar um fóssil de dinossauro com C14. Fonte.

 

Referências

http://www.deboni.he.com.br/dic/quim1_006.htm

https://manualdaquimica.uol.com.br/quimica-geral/isotopos.htm

http://www.seara.ufc.br/donafifi/datacao/datacao5.htm

Um outro post nosso sobre o tempo geológico, pode ser lido aqui.

Abstrato e concreto: as duas caras de uma concreção

As concreções são aquelas bolas, bolinhas, etc. que estão presentes em muitos locais, associadas a camadas de rochas. Em geral elas são produto da cimentação diferencial de minerais como cálcio, sílica, ferro, pirita, etc. ao redor de um núcleo, por efeito de variações no meio circundante, que podem ser consequência de mudanças no pH, por exemplo. Caso do núcleo ao redor do qual acontece a deposição seja um resto orgânico, poderá ocorrer a preservação e, por conseguinte, a fossilização. Também podem ser formadas concreções nos rins ou cálculos renais, mas aí é bem mais doloroso que no caso das fossilíferas. Um tipo muito famoso de concreções são aquelas que contêm os fósseis de peixes da Formação Romualdo, do Cretáceo da bacia do Araripe. Nelas, o concreto são os fósseis e o abstrato, a interpretação de quando, como e por que. A maioria dessas concreções possui no seu interior osteíctes (peixes ósseos), em muitos casos com todo o corpo e até com músculos, como o coração, e a última refeição ainda a meio digerir dentro do estômago. No caso das concreções (ou ictiólitos) da Formação Romualdo, o mineral associado a elas é o carbonato de cálcio. Uma das explicações acerca da sua formação e abundância refere-se a episódios de mortandade em massa, como consequência de variações na salinidade, temperatura e oxigênio. Neste caso, muitos dos peixes teriam sido preservados devido à liberação de gases produzidos pela sua decomposição (principalmente metano), gerando mudanças do pH, o que que criou um micro ambiente ao redor deles, dentro de um lago hipersalino, propiciando a deposição do carbonato sobre os organismos, o que favoreceu a sua rápida preservação. A deposição do carbonato só parou na medida em que a emissão de metano cessou.

Trincheira para coleta de concreções na Formação Romualdo, as setas vermelhas indicam a localização das concreções no meio das camadas de rocha

Em diversas pedreiras de carbonatos da Formação Irati, aqui no estado de São Paulo, é possível encontrar, entre as camadas rochas calcárias, concreções de sílica cujas dimensões variam de centímetros a metros. Neste caso, as camadas de rocha correspondem à deposição de carbonato num ambiente de sedimentação marinho raso dentro um clima semi-árido. Assim, o silício que estava dissolvido nessas águas alcalinas (pH acima de 7) foi sendo depositado na forma de um gel em momentos de nível do mar mais baixo, ou de pH mais ácido devido à decomposição da matéria orgânica, que libera CO2. Podendo ser encontrados níveis mais ricos em concreções de sílica do que outros ou mesmo camadas completamente silicificadas. Algumas concreções crescem em formatos mais alongados, tocando concreções vizinhas, formando o que denominamos “bonecas de sílica”. No meio delas muitas vezes tem microfósseis, como pólens, fragmentos de carvão de queimadas, cianobactérias etc.

Outras concreções podem ser ferruginosas, ou seja, compostas por camadas sucessivas de ferro e associadas a locais com climas muito úmidos e quentes, característicos de regiões equatoriais, com a Amazônia. Outras concreções, mais familiares a nós, são os cálculos renais ou biliares, que tanto fazem sofrer aos seus donos para serem expulsos …enfim, o conteúdo e a composição são a cara concreta das concreções.

Agora, qual seria o lado abstrato das concreções? O lado abstrato está associado às interpretações que são realizadas sobre o conteúdo e os elementos que a formam as concreções, ou seja, interpretações sobre a idade dos fósseis envolvidos nas camadas, qual era o clima reinante na época da deposição, a causa da morte etc.

Concreções de osteites expostas no museu de Santana Ana do Cariri, CE

O mesmo acontece quando somente empilhamos e descrevemos camadas de rochas levando em consideração só a parte concreta, ou seja, apenas o que vemos na rocha, como minerais, fósseis etc., enquanto que outra visão, abstrata, diz respeito à interpretação do que a forma, ou seja, as inferências acerca do significado do seu conteúdo que pode variar conforme a ciência avança… e se refere a uma abstração… Assim, temos o tempo rocha ou litoestratigráfico, que é o lado concreto, e o cronoestratigráfico, que abarca concreto e abstrato… e por fim as unidades geocronológicas que são totalmente abstratas e que tratam das divisões do tempo geológico: (i) Éons (por exemplo Arqueano, Fanerozoico, etc.);

(ii) Eras (por exemplo Paleozoica, Mesozoica, etc.); (iii) Períodos (como Cambriano, Cretáceo, Quaternário, etc.) e (iv) dos seus limites, que estão relacionados a eventos geológicos/biológicos como extinções, orogenias, etc

 

**texto de autoria da Profa. Frésia

Os répteis do passado… todos dinossauros?

Quando se fala em dinossauro, ou melhor, em paleontologia, qual imagem vem a sua cabeça?

Veja se pensou em alguma destas associações/imagens:

Paleontologia e o Indiana Jones

O Paleontólogo Ross (do seriado Friends)

Baby (da família dinossauros)

Piteco e Horácio (da Turma da Mônica)

Godzilla

Jurassic Park e derivados

E se você tem menos de 30 anos...

Barney the purple dinosaur

Já falamos aqui que a paleontologia é a ciência que estuda a vida pretérita. E essa vida está registrada na forma de fósseis, certo? Então a paleontologia estuda os fósseis.

E os dinossauros?

Posso dizer que essas 3 palavras (paleontologia, fósseis e dinos) normalmente caminham juntas no imaginário popular.

Para a maioria das pessoas os dinossauros são bichos gigantes, “verdes” e com dentes afiados, que caminhavam, voavam e nadavam; isso tudo num passado muito, muito distante. Será isso mesmo?

Montei um questionário bem simples, para entender seu conhecimento sobre fósseis e dinos. Quer participar? Clique aqui antes de continuar a ler o texto.

Se você já respondeu as perguntas, deve ter percebido que:

  • Alguns termos como “fósseis”, “rochas”, “minerais”, e “dinossauros” podem causar certa confusão; vamos aos conceitos:
    • Minerais são compostos sólidos homogêneos e com uma composição química conhecida. Devem apresentar um arranjo ordenado de seus átomos.
    • Rochas são conjuntos de mineras e podem ter origem vulcânica, sedimentar ou metamórfica. As que apresentam fósseis são normalmente sedimentares.
    • Fósseis são restos ou vestígios de atividade de vida com mais de 11.000 anos. Normalmente preservados em rochas, mas também ocorrem no gelo, âmbar, cinzas vulcânicas…
    • E os dinos!

Talvez você tenha ficado em dúvida ao escolher algumas das imagens que representam dinos. Todos os organismos representados ali estão extintos. Mas isso não significa que todos fazem parte do grupo Dinosauria.

Não é porque se assemelham a répteis que são dinossauros (apesar do termo “Dinosauria” significar lagarto terrível).

Não é porque os bichos das imagens têm penas que não são dinos. No caso de apresentarem pelagem, tudo bem, aí não são dinos mesmo; são mamíferos.

Dinos viveram muito antes do gênero Homo surgir. No mínimo, 63 milhões de anos antes.

Bom, acho que já deu para perceber que nem tudo que é grande, “verde”, com dentes afiados e esteja representado no registro fóssil, é dinossauro.

O Rafael já falou um pouco sobre a organização do grupo Dinosauria em outro post. Basicamente a postura deles é que os faz um grupo distinto dos demais répteis que conviviam com eles.

Quais demais répteis existiam então, você pode estar se perguntando…? os voadores, como os pterossauros, os nadadores, como os ictiossauros, mosassauros, plesiossauros….(e nenhum deles faz parte do grupo Dinosauria). Apesar de terem convivido, predado, competido com eles por espaços, presas e muito mais. Então eles compartilharam o tempo e espaço juntos, mas isso não faz com que todos sejam pertencentes ao mesmo grupo. É só olhar para a diversidade de hoje para entender o que estou dizendo. Nem todos os animais que vivem hoje são mamíferos. Temos répteis, aves, anfíbios, peixes… vivendo ao mesmo tempo (coexistindo), no nosso planeta.

E para completar este post, é com satisfação que convido todos vocês a virem ao IG da UNICAMP para aprenderem um pouco mais sobre esse tema. Trouxemos do IG da USP uma exposição com pequenos bonecos de dinossauros e outros organismos, para explicar a todos um pouco do que estudamos na paleontologia e para compartilhar perguntas divertidas sobre esses animais tão peculiares.

A exposição “Dinossauros (?) no IG” fica aberta de 5 de abril até 30 de setembro, no IG, Instituto de Geociências, a UNICAMP. Para grupos ou pessoas que queiram visitas guiadas, é necessário agendamento. Os horários de funcionamento serão das 9h às 17h de segunda à sexta. Nos dias 7 e 8 de abril (sábado e domingo) estaremos recebendo o público também. Como esta exposição foi realizada em parceria como o Museu Exploratório de Ciências da UNICAMP, eles trarão atividades como oficinas de escavação de fósseis; e a Casa do Lago, ao lado do IG, trará atividades culturais concomitantes na manhã do dia 8.

A exposição foi pensada para todos. Queremos ver vocês aqui, adquirindo conhecimento científico no lugar onde ele é produzido!

Aproveito este espaço para agradecer!
- ao Prof. Luiz E. Anelli e seu amigo Alexandre Honório Dionisio dos Santos pelo empréstimo dos materiais que compõem essa exposição;
- a toda equipe do Museu Exploratório de Ciências da UNICAMP, sem a qual não teria conseguido organizar o evento;
- à empresa Tesla concursos de engenharia que patrocina o evento;
- ao Biólogo Rafael A. Ribeiro, meu orientando de Mestrado, por todo auxílio e paciência em todas as etapas deste projeto!
- a todos os amigos próximos...
:*

Mais informações sobre a exposição no facebook,

Ou na agenda de eventos da UNICAMP.

Telefone para agendamento da visita guiada:19 3521-1727.

 

Mulher, Paleontóloga. Entrevista com a Profa. Frésia

Primeiro post do ano e uma homenagem dupla!!  Dia 7 de março é o dia do paleontólogo e dia 8 é o dia da mulher. Nada melhor que conhecer melhor a carreira da Paleontóloga Dra. Frésia Soledad Ricardi Torres Branco, professora Livre-docente do Instituto de Geociências Unicamp.

A professora Fresia atua na UNICAMP desde 1998 e já formou cerca de 22 estudantes entre mestrado e doutorado. É chilena e fez mestrado e doutorado com paleobotânica, na USP. Mora no Brasil desde então…

Atualmente a professora está pesquisando na Universidade de Cardiff, País de Gales; então fizemos nossa entrevista via chat. Abaixo você confere nossa conversa.

Frésia: Qual a sua pergunta “número um”?

Carolina: Como foi que você decidiu ser paleontóloga?

Frésia: Eu escrevi um post acerca disso. Ele se chama “Meu primeiro fóssil, o pai de todos”; mas, resumidamente, foi meu pai que me deu de presente um nódulo do Cretáceo da Colômbia com um amonita dentro.

Carolina: ah sim, aquele sobre o amonita…

Frésia: Isso com o amonita, é um molde externo. Aí eu gostei e decidi ser paleontóloga. Isso foi quando eu tinha uns 16 anos. Tenho ele em casa até hoje. Trouxe da Venezuela para o Brasil. Aliás ele foi da Colômbia para Venezuela e depois para o Brasil.

Carolina: É um fóssil viajado!

 Frésia: Isso mesmo, viajou pelos Cretáceos da América do Sul!

Carolina: depois que ganhou ele, já sabia como se tornar paleontóloga? seus pais sabiam?

Frésia: Não tinha a menor ideia. Aí meu pai me falou que devia ser estudando geologia. Mas não tinha geologia não universidade de Merida, onde morávamos. Minha mãe ficou brava pois teria que ir embora para outra cidade para estudar; como ela não queria isso, me aconselhou a estudar geografia. Aí eu prestei para geografia.

Carolina: então você morou com eles na graduação?

Frésia: Claro. Nunca que eu iria morar longe de casa com 17 anos na Venezuela, e menos ainda em Caracas. Caracas eles tenham um pouco de medo, pois não era como o Chile.

Carolina: Entendi. E no seu curso de geografia, tinha sedimentologia e paleonto?

Frésia em sua infância

Frésia: Não tinha. Mas então quando eu estava no quarto ano abriu a geologia como graduação. Eu cursei paleo, sedimento, estrati, tectônica, geo histórica, campo 1 , e geo geral na geologia. Mas aí queria me formar … Pois já estava há 6 anos na graduação… E peguei umas greves grandes de professores também

Carolina: Ah certo. Tinha muitas mulheres cursando geografia ou geologia com você?

Frésia: Geografia tinha, mas geologia tenha umas 5 só. Quase todos eram homens. Foi aí que conheci o professor de paleo que me convidou a trabalhar com ele. O Dr Oscar Odrenan.

Carolina: Você sentiu algum tipo de preconceito por ser mulher ali?

Frésia: Não era legal. Fui muito paparicada. Enfim, não senti na graduação, não. O Dr. Odrenan era especialista em mamíferos da Argentina. Mas trabalha como geólogo de campo na Venezuela e dava aula de Paleo. Aí ele me deu a escolher o que eu preferia invertebrados, plantas etc…

Carolina: Ele que te incentivou para ficar na carreira acadêmica?

Frésia: Ele sim. E os meus pais, que eram professores universitários. Bom, aí eu escolhi as plantas porque podia ter ajuda dos meus amigos da Botânica. O Dr. Odrenan me passou um tema com uma flora do Mioceno.

Carolina: Seus pais eram botânicos, é isso mesmo?

Frésia: Isso eles eram botânicos e eu tinha muitos amigos lá da minha idade, entre os alunos dele. Então eu foi estudar botânica por uns 2 anos fiz vários cursos por lá.

Carolina: E depois, foi logo que decidiu vir pro Brasil?

Frésia: Não. Eu conheci um palinólogo holandês. Ele me convidou a ir para Amsterdam e fazer doutorado com ele com a minhas folhas fósseis do Mioceno. Mas não dava para eu ir fazer porque não tinha mestrado nem publicações. Ele me falou para eu fazer um mestrado e depois ir para Amsterdam com ele e saí procurando um mestrado para mim. Mas não deu certo, em curto prazo. Em seguida eu fui para um congresso de botânica Sul Americano em Havana. Lá eu vi uma palestra do Dr. Oscar Rosler, da USP. Gostei dele e da palestra e perguntei se ele poderia me orientar no mestrado. Ele topou. Ai o Dr. Odrenan me passou uns fósseis de plantas do Permiano. Então fui para o Brasil com 100 kg de fósseis do Permiano da Venezuela para fazer mestrado na USP.

Campo no Ceará, 2017.

Carolina: Nossa, como você trouxe isso para cá? de avião?

Frésia: Ah sim, eram 2 malas, e 6 caixas de amostras. Mas quase não paguei excesso de bagagem porque era para fazer um estudo. Tudo foi registrado na alfandega, levou umas 2 horas…

Carolina: ah, então foi mais tranquilo do que eu pensei.

Frésia: Bom, aí tinha pensado ir para Holanda quando acabasse o meu mestrado. Mas no segundo ano do mestrado conheci o Fábio (atual esposo) e acabei ficando no Brasil. Enfim a gente casou, e o Fábio não quis ir a morar na Venezuela. Entçao fiquei pra fazer o doutorado na USP. Estudei a mina de Carvão de Figueira-PR.

Carolina: Foi um desafio vir pra cá? estudar no Brasil?

Frésia: Foi, quando eu vim para SP nunca antes tinha visto nenhuma fotografia da USP, e nem falava português. Foi uma aventura total.

Carolina: Mas chegou a pensar em voltar pra casa em algum momento? Desisitir?

Frésia: Meus pais tinham me enviado uma passagem de ida e volta de um mês, para o caso de eu não gostar. Eu não tinha que dar conta do recado. Mas se voltasse, iria voltar para casa e ficar na mesma, vendo a vida passar pela janela. Enfim, não foi muito fácil. Mas sobrevivi.

Carolina: Mas a paleo sempre foi sua paixão?

Frésia: Ah sim. Cada vez que olho um fóssil na lupa, sinto que estou fazendo o que mais gosto, e que não trocaria por nada.

Carolina: O que mais te fascina na sua carreira?

Frésia: Poder descobrir como era essa evidência, onde morava, como morava… deixar voa a imaginação com base nas evidências que você tem. Ir no campo e coletar as amostras. As possibilidades de conhecer coisas novas e pessoas diferentes.

Carolina: Tudo isso supera as dificuldades né?

Frésia: Claro. Já imaginou trabalhar a vida toda no mesmo lugar?

Carolina: Você diria que foram o amonita, seus pais e seu primeiro orientador que te inspiraram?

Frésia: Penso que sim, mas você tem que ter sua própria curiosidade, a sua inquietude interna por ir além. Se não todos os nossos alunos da paleo seriam paleontólogos. Seu olho tem que brilhar quando vê um fóssil novo.

Carolina: Certo! Quais são, em sua opinião, as maiores dificuldades de se trabalhar com paleontologia?

Frésia: Na verdade para mim a parte mais difícil começou depois que me tornei professora. Eu dava umas palestras como aula e depois em 2000 abriu o concurso que passei, para trabalhar por 12 h. Aí passou para 20 h. Mas eu era a que mais dava aula no IG.

Carolina: Era difícil porque eram muitas aulas?

Frésia: Não a parte mais complicada é que quando você é doutoranda você tem muitos amigos e os professores são amigos. Mas depois que você é doutor e tem emprego, já não é mais aluno; então se torna colega ou concorrente. Aí a coisa fica muito tensa. Pois as pessoas não sabem ter colegas. E aí começam a ficar estranhos. E mesmo pessoas que você gostava antes, passam a brigar com você. E você vai ficando sozinho se quiser ser livre e pensar como quiser e pesquisar como quiser e quando quiser. E não tem nada a ver com ser homem ou mulher. Mas a gente sobrevive e vai para frente. Depois tem seus colegas. Que fazem a coisa certa, no tema certo, no mundo certo. E você não. Porque não é tudo mundo que é igual, nem tem a mesma história, nem a mesma cabeça. Então a parte mais difícil é quando você se torna um profissional.

Carolina: e tem que mostrar que também é uma cabeça pensante, né? se impor, de alguma forma…

Frésia: Mas com o tempo e depois que chora por um pouco… cansa de tudo isso e vai em frente. E continua a fazer o que você mais gosta, olhar os fósseis né?

Carolina: e você já formou muitos alunos, não é mesmo?     isso não é gratificante?

Frésia: É muito legal mas demora um pouquinho. Depois flui mais fácil…e você vai aprendendo com eles também a respeitar os seus futuros colegas, pois um dia eles terminam e são doutores. Você não vai querer fazer igual que as pessoas que você acha que estão erradas. Penso que tem que somar e multiplicar. Nem sempre você vai ser a dona da verdade ou não vai ter dúvidas.

Carolina: Sim, acho que isso faz parte do nosso desenvolvimento como professoras também né?

Frésia: Como dizia meu pai, tem que dar um jeito e encontrar seu nicho ecológico. Ah claro, e o tempo passa e um dia fazem 15 anos que você é professor, 20 anos que defendeu o doutorado, e quase 30 que saiu da graduação ….tic tac para tudo…

Carolina: E pra finalizar… qual sua opinião sobre o presente e o futuro das pesquisas cientificas no Brasil?

Frésia: Bom é só que todos temos que fazer o nosso melhor para sair adiante. Tentar fazer o melhor com o que você tem e construir para um futuro. Mas sempre há uma saída ..temos que aprender com o registro fossilífero.

Carolina: aprender com os fósseis?

Frésia: Sim, veja o registro desde o Arqueano que tem extinção, variações climáticas, meteoros, etc etc e a vida sempre acha um caminho para seguir. Às vezes um grupinho de bichos …se salva e vai para frente. Claro se você tem o potencial para descobrir um. Ele não vem de graça no seu colo. Aliás nada vem.

Carolina: Entendi. “sempre há um caminho” mesmo.

Frésia: Não precisa ser super valente, é só dar um passinho.

Carolina: Agradeço muito você ter compartilhado conosco uma parte de sua história! Parabéns por todo o sucesso e feliz dia da paleontóloga!

Calendário fóssil; corais, e os tempos passados

Mais de 24 horas por dia? Calendário com menos de 365 dias? isso é coisa do futuro!

Final de ano na Unicamp sempre me faz pensar em um pedido especial ao Papai Noel. Um pouco mais de tempo, por favor… isto é, dias com mais de 24 horas. Um calendário diferente.

A situação por aqui é quase como no seriado “24h”. A saga pela disponibilização de notas, avaliações para correção, bancas de todos os níveis (IC, TCC, MSc. e PhD), relatórios, comissões e as previsões para as atividades do próximo semestre. A narrativa é tensa por que todos os envolvidos demandam sua atenção. Um passo em falso, um dia sem trabalho e… caos. Não podemos nos permitir ao erro.

Estamos tão acostumados com as 24 horas dos dias que mesmo o Spock e o capitão J. Kirk usam estes intervalos de tempo telúricos para situar o tempo envolvido nas suas missões. Aqui na Terra, cada volta completa do planeta ao redor do seu eixo produz os dias com suas 24 hs. Na Enterprise essa referência se perde.

se você pudesse voltar no tempo, qual data do calendário escolheria?
O relógio do filme “De volta para o futuro”

No entanto, se algum dia tivermos a oportunidade de voltar ao passado, vamos ter que tomar cuidado. Já ouvi físicos debatendo sobre todos os cálculos necessários para que a volta ao passado não seja um triste fim: aparecer em ponto qualquer do espaço, em que, um dia o planeta se encontrava, mas naquela data do passado, a posição era outra, naquele momento. Não basta ajustar a data, a posição de tudo que está envolvido também deverá ser calculada, não é?

Saber a posição exata do planeta em relação ao sol, do sol na galáxia e da galáxia no universo são alguns dos pontos levantados pelos físicos. Mas, e o tempo? sim, vamos falar do tempo de novo. Mas esse é um questionamento novo…. na forma de calendários fósseis!

No Período Devoniano (419 à 358 M.a.) os corais rugosos (um tipo de coral que já não vive mais) viviam por mares rasos, límpidos e quentinhos. Eles eram felizes e cresciam depositando camadas finas de carbonato de cálcio no seu esqueleto. Todos os dias eram iguais, cada um, com uma camadinha a mais.

Essa é mais uma das histórias que os fósseis podem nos contar (veja outra aqui). Existem algumas espécies de organismos marinhos que produzem um pouco de sua “concha” todos os dias. Corais e alguns moluscos podem ser usados portanto, para este datação. Uma datação dos dias, meses e anos do passado, assim como do tempo em que cada organismo prosperou.

Coral rugosa e sua ornamentações que nos fornecem detalhes de um calendário do passado
Coral rugosa usada para datar os meses do ano no Devoniano.

Em corais funciona assim: as linhas mais finas representam crescimento diário. As bandas (conjuntos das linhas finas) representam meses e os anéis, estruturas mais largas, representam os anos. De acordo com os especialistas, em estações secas os corais crescem mais que nas estações chuvosas. Esse empilhamento de camadas também relaciona-se, portanto, com o ciclo lunar.

Assim, se você quiser saber quantos dias aquele organismo viveu, é relativamente fácil: depois de saber como observar seu esqueleto, é só dar a sorte de encontrar esses fósseis e voilà, nada mais simples que contar os dias de um calendário, neste caso, um calendário que já foi vivo. E para contar meses e anos? com vários exemplares temos uma medida média de quantos dias e meses, cada organismo guardou em seu calendário biológico.

E o que estes calendários dizem?

Com o estudos de fósseis de corais do Devoniano, conseguimos descobrir que, neste tempo (Devoniano, um dos períodos do Paleozoico) os anos eram compostos por cerca de 400 dias. Isso implica em algumas coisas importantes: os dias eram mais curtos, e o movimento de rotação terrestre era mais rápido.

Hoje temos anos com cerca de 365 dias… como o planeta desacelerou? Supõe-se que a Terra tem seu movimento de rotação desacelerado pelo movimento das marés (a velocidade diminui dois segundos a cada 100 mil anos!), além do afastamento da Lua (explicação física para o processo de desaceleração da rotação do planeta, ligada às leis de Newton). Portanto, além de ter dias mais curtos, a lua estava mais próxima de nós, no Devoniano e antes.

Uma lua mais próxima, seria maior. Os dias mais curtos… talvez fossem mais agitados? se pensarmos que eram os peixes os reis dos mares naquele tempo, junto com uma profusão de invertebrados, dentre eles trilobitas e afins, talvez sim, houvesse alguma agitação nos oceanos. Mas não podemos dizer o mesmo dos continentes. Além da vida vegetal e dos invertebrados terrestres, os primeiros tetrápodes deixaram seus primeiros registros por volta desse tempo. Eles estavam começando a sair da água para conquistar os continentes.

Fato que foi um mundo completamente diferente.

Se você pudesse voltar no tempo… o que gostaria de ver?

Veja aqui um texto sobre como contar os dias e anos de corais paleozoicos.

A quebra de paradigmas e a idade da Terra

Você sabia que o estabelecimento da Geologia como ciência surgiu com a constatação de que a idade da Terra é avançada, e de que muitos de seus processos naturais levam centenas de milhares de anos para ocorrer? Vou contar um pouco dessa fascinante história…

      “Sem vestígio de um começo, sem perspectiva de um fim” 
James Hutton

Esta frase é icônica do trabalho de James Hutton (1726-1797), um dos primeiros cientistas a pensar sobre a idade da Terra e o tempo envolvido nos processos geológicos, tais quais os reconhecemos hoje.

Hutton em campo, observando rochas com os perfis dos rostos de seus inimigos na ciência.

A concepção sobre uma Terra antiga, na Geologia, surgiu aos poucos. Até meados do século XVIII, a bíblia servia de guia para datas e eventos; por isso, acreditava-se que a Terra não teria que 6.000 anos de idade. A influência religiosa era grande no meio científico. Podemos lembrar que o próprio Darwin (1809-1882) demorou anos recolhendo evidências sobre a sua teoria evolutiva, também por conta de seu receio em revelar suas ideias; isso porque iam contra os valores religiosos na época.

Porquê, você se pergunta, a igreja tinha tal influência na ciência? Era um livro de relatos, muito antigo. Como explicar o mundo e a origem de tudo? Muitos cientistas passaram a usar ciência aliada aos relatos bíblicos, na tentativa de calcular a idade do planeta. Além disso, acredito que fosse imoral pensar que Deus tivesse criado um mundo que pudesse ter espécies de organismos imperfeitas. Espécies que se extinguissem. Qual seria a razão para um ser superior criasse algo que não sobrevivesse “pela eternidade”? Historicamente podemos entrar no debate de que a igreja controlava o poder na época e que o homem era, neste contexto, a principal espécie vivente, sendo que o planeta havia sido criado para ele, por um ser superior.

A quebra do dogma religioso e o reconhecimento de um tempo profundo para a idade da Terra se deu no séc. XIX. Nessa época, as ideias de Darwin e Lyell (que viveu entre 1797-1875 e era seguidor de Hutton) se alinharam para explicar os fenômenos observáveis na natureza orgânica e inorgânica (tanto na vida e sua evolução, quanto nos eventos geológicos).

É neste momento que se retira do homem o papel de espécie “mais desenvolvida”. Os princípios da evolução biológica, associados com a necessidade de uma Terra muito antiga, colocam o homem como mais uma espécie dentre centenas de milhares, quebrando assim, pelo menos em parte, a forte influência religiosa na ciência. Mark Twain relata essa quebra com uma analogia que considero fantástica, e traduzo de forma livre, a seguir:

“O homem está aqui há 32.000 anos. Que tenha levado 100.000 anos para preparar o mundo para sua chegada é uma prova irrefutável de que o mundo em si foi criado para isso. Suponho isso, não sei. Se a torre Eiffel representasse agora a idade da Terra, a camada de tinta de seu pináculo representaria a presença do homem na Terra; e todos iriam perceber que aquela casquinha de tinta representa a razão pela qual toda a torre foi construída. Eu concluo isso, não sei”.

Outra metáfora sobre a vastidão do tempo e a presença do homem na Terra é a de John McPhee, também traduzida livremente a seguir:

“Considere a história da Terra como a antiga medida de jarda inglesa, a distância do nariz do rei até a ponta de seu dedo, com o braço estendido. Uma lixada na unha de seu dedo médio e toda a história humana é apagada”.

Podemos dizer que Hutton e Lyell, observando os fenômenos do dia-a-dia da natureza e também eventos catastróficos preservados em rochas, foram capazes de predizer o que seria confirmado alguns anos mais adiante. Afinal de contas o processo de datação radioativa, que é o que fornece a idade real das amostras de rochas, só veio a ser desenvolvido no início do séc. XX. Assim como Darwin, Hutton e Lyell coletaram uma série de informações para corroborar as suas ideias de que a Terra era muito mais antiga da que retratava a bíblia. Mas os números, aqueles “4,5 bilhões de anos” que ouvimos falar sobre a idade do nosso planeta (e que chamamos de idade absoluta), só veio à tona alguns anos depois.

De acordo com alguns filósofos da ciência, como Thomas Kuhn (1922-1996), a ciência caminha exatamente assim. São anos de trabalho na “ciência comum”, acumulando conhecimento, para que, de “uma hora para outra”, os paradigmas científicos sejam quebrados, e novas ideias passem a vigorar.

Retirar a espécie humana de seu pedestal não foi tarefa fácil. A ciência progride a passos lentos, delimitados por momentos de grande revolução; além disso, está sempre enroscada no emaranhado contexto social, econômico, religioso e emocional em que cada um dos cientistas (pessoas), se inserem.

 

 

Onde encontrar mais informações sobre Hutton e a concepção do tempo profundo:

Clique aqui para ser direcionado a uma matéria na página do Smithsonian Institute.

Relembre o nosso primeiro post sobre o tempo profundo
Livros utilizados para este post:
Decifrando a Terra
Time´s arrow, time´s cycle

 

Fósseis e fotografia… fale-me o que você sabe sobre

Fotografia e fósseis. Tem relação?

CLICK! e pronto, temos uma imagem digital gravada no celular. As resoluções variam de aparelho para aparelho (o tamanho do sensor faz muita diferença!); a maioria das pessoas nem pensa mais em imprimir as imagens para montar um álbum físico. Muitos jovens nunca tiveram que esperar para ter seu filme de 36 poses revelado. O mundo digital nos rodeia, não é? mas isso nem sempre foi assim…

Imaginem a revolução que foi, lá pelo final do séc. XVIII, quando a fotografia (o processo era chamado na época de daguerreotipia) foi inventada.

(PAUSA)

Vamos lá, pegue seu celular e abra seu álbum de fotos. Você fotografa o quê? Acredito que a maioria de nós fotografe momentos que consideramos importantes. Que desejamos que sejam guardados por mais tempo. Possivelmente para contarmos uma história, mesmo que seja só para nós mesmos.

(RETORNO)

O surgimento da fotografia não foi diferente. Seu uso e aplicação, na época, teve muita relação com a possibilidade de reproduzirmos a natureza que nos rodeia, de modo fiel. Em comentário sobre a obra de Talbot, primeiro fotógrafo a publicar um livro com fotografias, o artigo traz que …“a fotografia de Talbot nos possibilita legar às gerações futuras a luz do sol do passado” (Hacking, 2012).

A luz do sol do passado! Filosófico, não?

História, passado, (re)produção da natureza. Só eu pensei em fósseis?

É claro que, hoje, a fotografia possui muitas vertentes e nem sempre é exatamente, ou tem como este fim, o retrato da realidade (na arte, por exemplo, isso nem sempre é verdadeiro). Mas imaginem que quando ela foi criada as pessoas se viram maravilhadas com os seguintes fatos:

– ter coleções de museus guardadas em imagens, e que estas poderiam ser trocadas entre diferentes centros de pesquisa, com fins científicos e de divulgação;

– ter acesso a estas imagens sem o risco de estragar os exemplares originais de amostras de qualquer coisa que fosse, sendo um cientista ou não.

Isso é basicamente o que estamos vendo hoje com a revolução das impressoras 3D, não é? Possibilidades imensas de divulgação de acervos de fósseis ou artefatos humanos, por exemplo, antes restritos aos salões dos mais renomados museus, e aos olhos de poucos estudiosos. Hoje não basta mais ter duas dimensões. Agora precisamos ter 3 e sair imprimindo por aí (hehe…). Mas os objetivos são os mesmos!

Sim, fotografia e fósseis andam juntos desde o início dos tempos, ambos contando sua própria história, (re)produzindo a natureza e maravilhando a todos nós!

 

Referência

Hacking, J. Tudo sobre fotografia. Editora Sextante, Rio de Janeiro, 2012.

Você já viu um fóssil de verdade? (será que não?)

Você provavelmente já ouviu falar em amadorismo, especialmente quando se trata de esportes, certo? Segundo o dicionário, amadorismo é regime ou prática oposta ao profissionalismo; ou ainda: falta de técnica adequada à realização de um trabalho. Pois vou lhes contar que existem por aí paleontólogos amadores*… e tentar fazer de você, um deles!

Você já viu algum fóssil real**? Caso já tenha ido em algum museu de ciências ou história natural, é possível que tenha. Mas, e na sua casa? no caminho para o seu trabalho? (não vale contar que o seu chefe é um dinossauro, ok?) naquela loja que você sempre vai para tomar um café?… existem fósseis ali? já reparou nas rochas que adornam esses lugares? sim…elas podem conter fósseis!!

Mapa do Brasil com sítios fossilíferos. As bolinhas representam locais em que ocorrem fósseis. Fonte.

Bem, dependendo de onde você morar, fósseis podem aparecer no quintal da sua casa, na construção de um prédio, na abertura de uma rodovia… Apesar de o processo de fossilização ser uma exceção (já falamos sobre isso antes, lembra?), ainda sim, o tempo geológico é tão longo e a diversidade de vida pretérita, tão grande, que existe por aí um bom número de rochas que apresentam fósseis. Veja aqui uma pequena lista de locais com fósseis, pelo mundo.

E tem mais! Mesmo que você não more literalmente em cima dessas rochas, muitas construções são feitas (em geral, ornamentadas) com rochas fossilíferas! isso significa que a parede externa de uma loja, uma pia, ou mesmo a calçada de alguns locais podem ter fósseis. Vamos aos exemplos:

  • Se você for ao Shopping Eldorado ou ao Shopping Ibirapuera, ambos em São Paulo, por exemplo, poderá observar estromatólitos nos mármores do piso; estromatólitos são estruturas formadas pelas atividades de cianobactérias; as estruturas têm a forma de colunas laminadas facilmente observadas nas rochas desses shoppings; cada lâmina, em geral, representa um ciclo de vida de uma colônia. Essas rochas têm cerca de 2 bilhões de anos de idade, e foram retiradas de lavras localizadas em Minas Gerais. Veja aqui uma notícia sobre esse assunto.
Rastros fósseis do varvito de Itu. Fonte.
  • Em muitas calçadas de Itu (SP), ou de cidades próximas, como Campinas por exemplo, tem alguns de seus pavimentos construídos com rochas que apresentam marcas de ondas e traços fósseis! as marcas de onda são iguais às que podemos observar na parte mais rasa das praias de hoje… e esses traços são pegadas de antigos animais (invertebrados) que rastejavam pelo fundo de um lago gelado. Essas rochas têm cerca de 250 milhões de anos de idade, e provêm de afloramentos de Itu e região. Saiba mais aqui.

 

  • Nas calçadas de São Carlos, Araraquara (cidades de SP) e mesmo dentro do Zoológico de São Paulo, é possível observar rochas formadas por areia (arenitos) que apresentam pegadas de dinossauros, mamíferos e invertebrados (entre outros). Todas são retiradas de Araraquara e região e representam os vestígios de um grande deserto que cobriu parte do Brasil há 140 milhões de anos atrás. Será que você já não pisou em uma pegada fóssil?? Veja mais aqui.

Abra seus olhos e comece a observar. E se algum dia você encontrar um fóssil? Será que isso irá despertar em você uma vontade de conhecer que só vai crescendo com o tempo? Pois foi provavelmente dessa forma que muitos paleontólogos amadores iniciaram, na busca insaciável pelo conhecimento. Muitos desses paleontólogos amadores foram responsáveis por grandes descobertas! Mas isso já é uma história para um próximo post

*Existem algumas definições diferentes para “paleontólogo amador” mas me refiro aqui àquelas pessoas que coletam fósseis, por qualquer razão, mas que não subsistem da paleontologia.

**Aqui só gostaria de desabafar… Sempre que levo alguma réplica de fóssil para aulas práticas de paleontologia meus alunos mostram certam desprezo com a tal amostra. E eu sempre argumento que aquilo, em geral, é um molde do original, ou seja, não tem diferença alguma em relação ao fóssil encontrado; simplesmente não faz sentido não gostar de uma réplica.

Como é a vida profissional de um paleontólogo brasileiro?

Ou… os motivos pelos quais, às vezes, atrasamos os posts?

Não se trata apenas de esclarecer os motivos pelos quais, às vezes, não conseguimos postar nas terças, ou mesmo que uma semana ou outra o nosso blog não tenha nenhum post novo. A realidade do profissional paleontólogo brasileiro não é simples. E vou lhes explicar o porquê.

Em geral, ao se optar por ser paleontólogo no Brasil, se tem três opções:

  • Formação em nível superior em Geologia, Geografia ou Biologia (na realidade não existe uma limitação quanto a qual graduação foi cursada; eu mesma conheço médicos e engenheiros que são paleontólogos); aqui temos 4 ou cinco anos de estudo.
  • Cursar pós-graduação em Geologia, Geociências ou afins, em que a área de concentração seja Paleontologia. As universidades brasileiras de maior tradição nesta área, na pós, são a UFRGS e a UFRJ.

Depois de defendido o mestrado e/ou o doutorado (que, podem representar cerca de 6 anos de estudos após a graduação, dois anos para o Mestrado e até 4 para o Doutorado), o mercado de trabalho, sob o meu ponto de vista, se resume a:

  • Trabalhar em universidades particulares ou públicas (o profissional aqui normalmente assume o papel de professor e pesquisador);
  • Trabalhar em museus (nesta categoria eu incluí paleoartistas, pesquisadores, curadores);
  • Trabalhar em empresas públicas ou privadas (pesquisadores, consultores). Aqui temos empresas de consultoria, ou mesmo o DNPM, Petrobrás, CPRM, por exemplo.

A opção 1, provavelmente, é a que mais emprega os paleontólogos brasileiros. Infelizmente eu não tenho dados numéricos para mostrar a vocês, mas digo isso em função de que o número de museus, no país, não é tão grande quanto o de universidades e faculdades. Possuindo ao menos o curso de Biologia dentre as graduações, já existe a possibilidade de contratação de um paleontólogo, pois, de acordo com o CFBio, Geologia e Paleontologia são disciplinas obrigatórias do curso. Já órgãos públicos não abrem muitos concursos na área específica de paleontologia, e o número de vagas é, normalmente, bastante restrito. Consultorias em paleontologia são bastante recentes no país, e se sustentar trabalhando unicamente nesta área, me parece inviável atualmente.

Tendo experiência profissional em universidades particulares e públicas eu posso falar com um pouco mais de detalhe e propriedade sobre as atividades que se assume, quando nestes cargos. O tripé das universidades é formado pelo ensino, pesquisa e extensão, e são essas (algumas) das áreas que atuamos.

Ensino – Além de ser responsável por uma ou mais disciplinas ao longo dos semestres (na graduação e na pós-graduação), nós podemos orientar alunos em diversos níveis de ensino; pode ser iniciação científica em graduação, orientação de mestrado ou doutorado, supervisão de pós-doutorado, ou orientação de monitores que nos acompanham e auxiliam durante as disciplinas, na graduação.

Pesquisa – Sobre a pesquisa, em especial nas universidades públicas, é bem comum termos que assumir e desenvolver projetos de pesquisa com a colaboração de alunos e colegas (professores e pesquisadores), e também captar fundos para desenvolver o projeto e aprimorar as condições de trabalho nos laboratórios que usamos. Além disso temos que publicar os resultados das pesquisas na forma de capítulos de livros, resumos ou artigos científicos.

Extensão – Envolve a divulgação do que fazemos para a comunidade de fora da universidade; isso pode se dar na forma de cursos, exposições, livros ou mesmo como este blog.

Outras – Além disso, eventualmente (com a progressão da carreira docente) temos que assumir cargos administrativos como coordenação da graduação, chefe de laboratório, chefe de departamento, ou mesmo cargos que exigem vasta experiência e atuação no ensino superior, como a diretoria do instituto, ou mesmo a reitoria da universidade.

Em meio a tantas tarefas que se sobrepõem, é preciso continuar se atualizando, aprendendo e tentando melhorar. Fazemos isso lendo, discutindo com os colegas da área, publicando, participando de congressos e trabalhos de campo, entre outros meios.

Resumidamente, o nosso dia-a-dia é assim. Portanto, perdoem-nos se às vezes acabamos mudando o dia de publicação ou não publicamos o texto. As tarefas se multiplicam, em especial nos finais de semestres letivos!