Arquivo diários:27 de junho de 2017

O QUE É UM FÓSSIL?

Você sabe o que é um fóssil?

Se nos perguntassem hoje o que significa a palavra fóssil, a resposta seria mais do que óbvia. Contudo, uma rápida olhadinha no Google e logo saberemos, por meio de diversos sites, que fósseis são restos ou vestígios de organismos vivos, que foram preservados no interior dos sedimentos e das rochas. Entretanto, os cinemas, filmes de aventura como “Jurassic Park” ou animações como “A Era do Gelo” sempre nos colocam em contato direto com essas fantásticas criaturas que viveram tempos atrás. Lojas de brinquedo nos oferecem fósseis para colorir, para montar, para pregar na parede. Existe inclusive uma rede de lojas com este nome, que vende “relógios e estilo de vida”. Assim, os fósseis estão em nossas mentes, em nossas casas e em nossas vidas tão naturalmente que nos fazem pensar que foi sempre assim.

Na verdade, se fosse perguntado aos sábios do passado, eles sequer iriam entender nossa pergunta. Contudo, não faria nenhum sentido para eles essa história de fóssil, de organismo extinto, nada disso. Por outro lado, nem mesmo o nome “fóssil” faria sentido. O que hoje chamamos de fóssil era chamado de “rochas com forma de animais”, “madeiras petrificadas”, ou qualquer outra coisa. Mesmo a palavra fóssil teria outro significado, significando coisa escavada, desenterrada. É essa a acepção do latim “fossile”. No século XVI, por exemplo, qualquer coisa desencavada da terra, como rochas e minerais, seriam “fósseis”.

O médico Georg Bauer (1494-1555), também conhecido pelo nome latinizado de Georgius Agrícola, era de fato um dos maiores especialistas de seu tempo em assuntos do reino mineral.  Agrícola viveu na rica província mineira da Saxônia, e escreveu vários livros sobre rochas minerais. Aliás, um estes livros, publicado em 1546, chamava-se justamente “De Nature Fossilium”, que poderíamos traduzir como “Da Natureza das Rochas e Minerais”. As coleções de materiais que ele denomina fósseis contém “pedras, terras, gemas, betume, âmbar”. As “rochas com forma de animais e de plantas”, como se dizia nesta época, eram somente mais um item destes materiais. Eram, entretanto, objeto de mera curiosidade.

Antes ainda, na Idade Média, vamos encontrar usos diversos para os fósseis. Algumas igrejas, como a Igreja de São Pedro em Linkeliholt, na Inglaterra, por exemplo, foi decorada com fósseis de equinoides (veja a figura abaixo).  Por outro lado, os fósseis tinham também uma função decorativa, devido ao seu formato regular e simétrico. Desta forma, desde o neolítico até tempos históricos, foram encontrados jazigos humanos de diversas idades, onde os fósseis estão junto com os cadáveres ali enterrados. Isto pode sugerir que foram usados como objetos rituais e mágicos ou talismãs.

Pórtico da igreja de São Pedro em Linkeliholt, Inglaterra, decorada com 25 fósseis de equinodermos; (ver aqui)

Tumba de mulher e criança da idade do Bronze em Dunstable Towns, Inglaterra, circundada por fósseis de equinoides. Desenho de Reginald Smith, 1894. ( Ver aqui)

 

 

 

Falando em usos religiosos dos fósseis, vale a pena comentar, entretanto, alguns exemplos. Primeiramente, podemos citar os amonitas, moluscos que viveram desde o Devoniano até o Cretáceo. Para começar, estes moluscos devem seu nome a seu formato elegantemente espiralado, assemelhando-se a chifres das cabras. Por causa desta semelhança, segundo Plínio o velho, o nome amonitas se deve à sua denominação como “os cornos de Amon”, o deus egípcio que tinha chifre de cabra. Na Índia, alguns fósseis de amonitas, como o Meekoceras varaha, encontrado no Triássico do Himalaia Central, é tido como um dos Chakras de Vishnu. Aliás, varaha, o nome da espécie, é um dos avatars de Vishnu na Mitologia do Hinduismo. Alias, Carolina Zabini também discutiu muito bem em outro post deste blog a origem dos dragões e a paleontologia (ver aqui).

O Chakra de Vishnu e o amonite como objeto religioso na Índia; ( ver aqui )

Como isso tudo mudou? Como chegamos até aqui? A moderna concepção de “fóssil” como restos de organismos é bastante recente, de meados do século XVIII. Por outro lado, esta mudança no conceito de fóssil e a compreensão dos fosseis como organismos e não como curiosidades ou talismãs está no discurso de fundação das ciências naturais modernas. Isso não é pouco.

Figurinhas carimbadas da História da Ciência tiveram um papel decisivo nesse debate, como Steno, Palissy, Cuvier e outros. Mas não só. Mesmo anônimos colecionadores e vendedores de fósseis tiveram um papel importante. Por exemplo,  a britânica Mary Anning (1799-1847), foi uma das mais respeitadas colecionadoras de fósseis do século XIX. Por outro lado, um humilde topógrafo inglês, William Smith (1769-1839), reconheceu a distribuição dos fosseis nas camadas ao longo dos canais construídos na Inglaterra no século XVIII para o transporte de carvão. Como resultado, criou as bases da estratigrafia moderna.

Em conclusão, Essas são algumas peças do debate sobre os fósseis que veremos por aqui. Os fósseis dizem muito também sobre nós, e não só os fósseis de hominídeos. De onde viemos? Para onde vamos? Esses pálidos restos escondidos nas pedras têm muito a nos contar, enquanto esperamos pelo próximo meteoro.

 

Para saber mais:

Chandrasekharam, D. (2007). Geo-mythology of India. Geological Society, London, Special Publications273(1), 29-37.

McNamara, K. J. (2007). Shepherds’ crowns, fairy loaves and thunderstones: the mythology of fossil echinoids in England. Geological Society, London, Special Publications273(1), 279-294.

Georg Agricola. (1955). De Natura Fossilium (Textbook of Mineralogy): Translated from the First Latin Ed. of 1546 by Mark Chance Bandy and Jean A. Bandy for the Mineralogical Society of America (No. 63). Geological Society of America, pc1955.