Arquivo da tag: charcoals

DAS CINZAS E DOS FÓSSEIS


http://orsm.com.br

No inverno aqui em Campinas, em geral seco, com bastante frequĂȘncia ocorrem incĂȘndios. Nessas ocasiĂ”es as casas, carros, etc. que estĂŁo perto ou que passam do lado do incĂȘndio na estrada ficam cobertos daqueles fragmentos de plantas que vĂȘm voando no vento, aqueles carvĂ”ezinhos. Pois esses fragmentos podem fossilizar e quiçå serem os Ășnicos testemunhos da vegetação.

Uma das melhores evidĂȘncias das mais antigas flores fĂłsseis pertencem ao que restou de um incĂȘndio da floresta, que no inĂ­cio do perĂ­odo CretĂĄceo (a uns 110 milhĂ”es de anos no passado, ou simplesmente Ma.) existia em Portugal.

De forma geral os fĂłsseis vegetais produzidos por incĂȘndios recebem o nome de carvĂ”es de queimada, ou charcoals em inglĂȘs. Eles sĂŁo compostos por 60-90% de carbono e sĂŁo conservados no registro fĂłssil por serem praticamente inertes. Neles hĂĄ uma excelente preservação da morfologia e anatomia, muitas vezes atĂ© nĂ­vel celular.

Este tipo de fossilização Ă© tĂŁo antigo como o sĂŁo as plantas na superfĂ­cie do planeta, cujos registros mais antigos datam de uns 400 Ma. (Siluriano) ou um pouco mais… Isto indica que antes da vida povoar os continentes nĂŁo existiam incĂȘndios, talvez porque nĂŁo houvesse nada para ser queimado. Contudo, evidĂȘncias desses primeiros incĂȘndios sĂŁo encontradas em rochas de todos os continentes, o que indica que o processo de conquista do meio seco pela vida foi um evento que aconteceu por toda a superfĂ­cie do planeta.

Os carvĂ”es de queimada ou charcoals, podem ser observados a olho nu ou no microscĂłpio e a sua presença em grande quantidade estĂĄ relacionada com os perĂ­odos do tempo geolĂłgicos com maior porcentagem de O2 na atmosfera que hoje em dia. como ocorreu durante os perĂ­odos Permiano (~298 a 252 Ma.) e CretĂĄceo (145 a 66 Ma.). Mas o que acontece para aumentar a concentração de O2 na atmosfera? Bom, se trata de momentos muito mais quentes que hoje e sem a presença de gelo nos polos. Assim, o nĂ­vel relativo dos mares Ă© mais alto, e como consequĂȘncia os continentes possuem extensos mares interiores e rasos onde hĂĄ uma enorme proliferação de recifes muito ricos em vida. Aqui no Brasil, durante o CretĂĄceo, o Nordeste era um enorme mar raso, apĂłs a separação entre a África e a AmĂ©rica do Sul. Nesses mares interiores, por serem tambĂ©m quentes e com pouca circulação, ocorre a deposição maciça de carbonato de cĂĄlcio (CaCO2) e de matĂ©ria orgĂąnica e, por conseguinte, o sequestro do C na crosta terrestre, elevando a concentração de O2 na atmosfera.

Fragmento de charcoal, visto em microscópio eletrÎnico de varredura. 1. Escala = 1mm; 2. Escala F= 500 ”m.; 3. Escala = 50 ”m; 4. 200 ”m.

Voltando aos incĂȘndios, com taxas de O2 elevadas, Ă© muito mais fĂĄcil que a vegetação pegue fogo por ação de raios, vulcĂ”es, meteoros, etc. ou mesmo por combustĂŁo espontĂąnea com mais oxigĂȘnio para oxidar a matĂ©ria orgĂąnica pela queima. Os registros de incĂȘndios, ou neste caso de paleoincĂȘndios, sĂŁo encontrados em rochas sedimentares ou, mais raramente, em rochas Ă­gneas associadas a erupçÔes vulcĂąnicas. Os fragmentos de carvĂŁo de queimada sĂŁo depositados tanto no continente como tambĂ©m nos mares, neste caso envolvendo o transporte dos fragmentos de charcoals pelo vento ou pela ĂĄgua, pois os carvĂ”es podem flutuar facilmente durante alguns dias atĂ© ficarem encharcados de ĂĄgua e afundar, possivelmente longe do local do incĂȘndio e atĂ© mesmo no fundo do mar.

Estudos realizados em depĂłsitos quaternĂĄrios (2 Ma. atĂ© hoje) utilizam os registros dos paleoincĂȘndios como evidĂȘncias de mudanças climĂĄticas e para caracterizar a presença de biomas com o Cerrado, que estĂĄ intimamente associado com a presença do fogo. Nos estudos do QuaternĂĄrio, a presença de charcoals Ă© muitas vezes associada com climas mais secos que o atual ou atĂ© mesmo com a ação humana a partir dos Ășltimos 10.000 anos. Outra grande vantagem nos estudos quaternĂĄrios na utilização dos charcoals Ă© a possibilidade de realizar, por meio deles, dataçÔes absolutas muito precisas utilizando o isĂłtopo radiativo do carbono o C 14 o qual possui uma meia vida de 60.000 anos, bem como de estabelecer por meio do estudo de isĂłtopos estĂĄveis de C o tipo de vegetação que deu origem aos charcoals, indicando se tratava de uma vegetação mais aberta ou de uma floresta.

Assim, da prĂłxima vez que passar perto de um incĂȘndio ou encontrar uns carvĂ”es no campo, imagine as possibilidades que eles oferecem para um dia poder reconhecer ou reconstruir a paisagem atual.

 

 

IncĂȘndio florestal, imagine a quantidade de charcoals sendo produzidos. http://www.meilogunotizie.net