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MULHERES ASSISTINDO UMA PALESTRA CIENTIFICA

Era uma noite fresca e agradável de junho no Rio de Janeiro. Dentro do anfiteatro, o sábio professor falava sobre os peixes da Amazônia num francês suave e macio. O salão estava cheio. Na primeira fila, a esposa do sábio cientista o olhava risonha, parecendo saborear o instante. Também na primeira fila saboreando o instante, mas de outra forma, estava um senhor louro, alto, de belos e tristes olhos verdes e com uma barba já bastante grisalha.

o biólogo franco-suiço Louis Agassiz

O sábio era o Ilustre Jean-Louis Agassiz (1807 – 1873) famoso biólogo e paleontólogo franco-suíço, radicado nos Estados Unidos. Sua esposa era Elizabeth Cary Agassiz (1822 – 1907), que acompanhava em sua viagem ao Brasil. O velho senhor de olhos verdes e barbas brancas era ninguém mais ninguém menos que o Imperador Pedro II.

MULHERES INTERESSADAS EM CIÊNCIA?
Elizabeth Cary Agassiz (1822 – 1907)

Aquela era a segunda palestra que Agassiz dava no Rio de Janeiro. Na primeira, havia duas semanas, havia sido quebrado um tabu: fora a primeira vez no Rio que mulheres foram convidadas a participar de uma reunião cientifica. Contudo, no salão, não haviam muitas mulheres, mas já era um começo.

Havia pouco, Agassiz havia perguntado ao Imperador porque as mulheres não participavam dos encontros científicos da corte.  O Imperador não entendeu direito a pergunta, e disse que elas não se interessavam “por estes assuntos”. No entanto Agassiz insistiu, e Dom Pedro assentiu em convidar também as mulheres.

Elas viriam com seus maridos, como era de costume nas festividades da corte. Haviam várias delas segundo o Dr Pacheco Jordão, “muito interessadas” em assuntos científicos. Um pouco incomodadas, segundo Elizabeth Agassiz, pois não sabiam como deveriam se trajar para aquela ocasião. Elas acabaram vindo em pequeno número na primeira palestra. Na segunda, o número já era um pouco maior.

A EXPEDIÇÃO THAYER AO BRASIL (1865-66)

Em suas palestras, Agassiz falou sobre os peixes da Amazônia, que ele viera estudar no âmbito da Expedição Thayer. Esta expedição, financiada em parte pelo milionário americano Nathanael Thayer e em arte pelo governo brasileiro, durou dois anos.  Teve com alvos principais o Rio de Janeiro e o entorno da Corte, e a Amazônia.

Na expedição Thayer vieram alguns cientistas ajudantes de Agassiz, que eram seus alunos nos Estados Unidos. Entre eles estava Charles Frederick Hartt (1840-1878), geólogo americano e futuro fundador do primeiro Serviço Geológico brasileiro, a Comissão Geológica do Império. Como auxiliar de Hartt viera também um jovem aprendiz, Orville Derby (1851 – 1915). Derby,  depois de completar seus estudos de geologia na Universidade de  Cornell, veio para o Brasil auxiliar Hartt em sua expedição. Esta expedição seria a primeira grande expedição geológica financiada somente pelo governo imperial. Entretanto, com a morte de Hartt em 1877 e o fim da Comissão Geológica, Derby ficou por aqui até o fim da vida. Foi um dos maiores geólogos brasileiros, com uma vasta obra em termos científicos e primeiro diretor do Serviço Geológico Brasileiro, já na República. Mas isso são outras histórias…

A Expedição Thayer era um presente de Natanael Thayer para seu amigo Agassiz. Agassiz foi um professor importante da Universidade de Harvard. Todavia, nos últimos anos, dedicara-se a construir o Museu de Zoologia daquela universidade. Era um cientista poderoso e popular.

AGASSIZ: CRIACIONSMO E GELO

No entanto, Agassiz estava desgostoso nos Estados Unidos. Lá, começava a ter alguns contratempos. Agassiz era o defensor de uma teoria criacionista e poligênica, que negava veementemente os indícios da nascente teoria da evolução de Darwin. Embora ainda poderoso e popular, ele começou a enfrentar resistências entre seus jovens alunos e alguns eminentes colegas, como o biólogo Asa Grey (1810 – 1888) e o geólogo James Hall (1808 – 1898), o criador da Teoria Geossinclinal.

Todavia, Louis Agassiz viera ao Brasil para recuperar sua saúde e sua paz de espirito e fazer pesquisas. Contudo, ainda muito jovem, fora o primeiro a determinar a existência de uma “era do gelo” na Europa e América do Norte. Seus dados e sua interpretação sobre as glaciações do que hoje chamamos de Pleistoceno foram muito importantes para o entendimento da história da Terra.

O FRACASSO DE AGASSIZ NO BRASIL
uma das fotos tiradas por Agassiz no Brasil, para ilustrar suas teses racialistas. Entretanto, os negros e índios brasileiros foram mais complexos que as ideias do cientista, que não deu seguimento à pesquisa

Agora, no entanto,  Agassiz viera ao Brasil para provar que a sua teoria de uma grande glaciação se aplicava também à América do Sul. Da mesma forma, viera para provar outra teoria: que a miscigenação racial formava o que se chamava de raças degeneradas. Tanto um quanto outra não prosperaram: geólogos brasileiros, como o Barão de Capanema (1824 – 1908), ousaram afrontar o grande sábio e mostraram que os depósitos glaciais das serranias cariocas eram produtos de depósitos torrenciais recentes.

Todavia, a teoria racial de Agassiz jamais foi divulgada. Recentemente, uma mostra das “fotografias secretas” de Agassiz foi mostrada no Brasil. Nela, as inúmeras fotos de índios e negros nus, que serviriam para provar que as raças no Brasil estariam se degenerando. Entretanto, a realidade era outra, e mais complexa do que as teorias racistas de Agassiz pudessem imaginar.

EDUCAÇÃO FEMININA E MIMIMI

Contudo, naquela noite de junho,  as damas da corte estavam assistindo pela primeira vez a uma apresentação cientifica. Algo começou a mudar. Cerca de dez anos depois, ainda timidamente, a educação feminina já ousava ir além das prendas domésticas. Jornais discutiam a teoria da evolução para mulheres. Desta forma, uma destas fontes de divulgação foram as cartas do jornalista Rangel S. Paio no Vulgarizador, jornal sobre temas científicos que saiu no Rio entre 1870 a 1880.

Carlotta Maury no Laboratório de Paleontologia em Cornell (NY), data desconhecida (Arnold, 2014)

Ainda iria demorar para que as mulheres pudessem estudar numa faculdade e ter carreira acadêmica. Como, naquela época, fez a norte americana Carlota Joaquina Maury, que nós já discutimos aqui. Mimimi, dizem alguns hoje em dia quando as mulheres protestam por seu espaço na sociedade. Quem viveu estas experiencias sabe que nunca foi nem é fácil.

Uma breve espiadela naquela reunião cientifica no Rio de Janeiro Imperial expõe um grande abismo existente em nossa sociedade. E olhe que nem falamos dos escravos, que tanto impressionaram Louis e Elizabeth Agassiz em sua estadia no Rio de Janeiro.

Naquele mesmo ano de 1866 em que Louis e Elizabeth Agassiz estiveram no Rio, numa das travessas da cidade, uma mulher negra vendia comida na rua. Estava vestida de roupas africanas e colares de miçangas coloridas. Com um turbante branco na cabeça, fumava um cachimbo e olhava feliz para as crianças que brincavam ao seu redor. Aquela mulher anônima na noite carioca não poderia ser uma trisavó de Marielle Franco? Ou então, de uma cientista importante, como Sônia Guimarães  ou Anita Canavarro?

Viva o Povo Brasileiro!

DAS CINZAS E DOS FÓSSEIS


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No inverno aqui em Campinas, em geral seco, com bastante frequência ocorrem incêndios. Nessas ocasiões as casas, carros, etc. que estão perto ou que passam do lado do incêndio na estrada ficam cobertos daqueles fragmentos de plantas que vêm voando no vento, aqueles carvõezinhos. Pois esses fragmentos podem fossilizar e quiçá serem os únicos testemunhos da vegetação.

Uma das melhores evidências das mais antigas flores fósseis pertencem ao que restou de um incêndio da floresta, que no início do período Cretáceo (a uns 110 milhões de anos no passado, ou simplesmente Ma.) existia em Portugal.

De forma geral os fósseis vegetais produzidos por incêndios recebem o nome de carvões de queimada, ou charcoals em inglês. Eles são compostos por 60-90% de carbono e são conservados no registro fóssil por serem praticamente inertes. Neles há uma excelente preservação da morfologia e anatomia, muitas vezes até nível celular.

Este tipo de fossilização é tão antigo como o são as plantas na superfície do planeta, cujos registros mais antigos datam de uns 400 Ma. (Siluriano) ou um pouco mais… Isto indica que antes da vida povoar os continentes não existiam incêndios, talvez porque não houvesse nada para ser queimado. Contudo, evidências desses primeiros incêndios são encontradas em rochas de todos os continentes, o que indica que o processo de conquista do meio seco pela vida foi um evento que aconteceu por toda a superfície do planeta.

Os carvões de queimada ou charcoals, podem ser observados a olho nu ou no microscópio e a sua presença em grande quantidade está relacionada com os períodos do tempo geológicos com maior porcentagem de O2 na atmosfera que hoje em dia. como ocorreu durante os períodos Permiano (~298 a 252 Ma.) e Cretáceo (145 a 66 Ma.). Mas o que acontece para aumentar a concentração de O2 na atmosfera? Bom, se trata de momentos muito mais quentes que hoje e sem a presença de gelo nos polos. Assim, o nível relativo dos mares é mais alto, e como consequência os continentes possuem extensos mares interiores e rasos onde há uma enorme proliferação de recifes muito ricos em vida. Aqui no Brasil, durante o Cretáceo, o Nordeste era um enorme mar raso, após a separação entre a África e a América do Sul. Nesses mares interiores, por serem também quentes e com pouca circulação, ocorre a deposição maciça de carbonato de cálcio (CaCO2) e de matéria orgânica e, por conseguinte, o sequestro do C na crosta terrestre, elevando a concentração de O2 na atmosfera.

Fragmento de charcoal, visto em microscópio eletrônico de varredura. 1. Escala = 1mm; 2. Escala F= 500 µm.; 3. Escala = 50 µm; 4. 200 µm.

Voltando aos incêndios, com taxas de O2 elevadas, é muito mais fácil que a vegetação pegue fogo por ação de raios, vulcões, meteoros, etc. ou mesmo por combustão espontânea com mais oxigênio para oxidar a matéria orgânica pela queima. Os registros de incêndios, ou neste caso de paleoincêndios, são encontrados em rochas sedimentares ou, mais raramente, em rochas ígneas associadas a erupções vulcânicas. Os fragmentos de carvão de queimada são depositados tanto no continente como também nos mares, neste caso envolvendo o transporte dos fragmentos de charcoals pelo vento ou pela água, pois os carvões podem flutuar facilmente durante alguns dias até ficarem encharcados de água e afundar, possivelmente longe do local do incêndio e até mesmo no fundo do mar.

Estudos realizados em depósitos quaternários (2 Ma. até hoje) utilizam os registros dos paleoincêndios como evidências de mudanças climáticas e para caracterizar a presença de biomas com o Cerrado, que está intimamente associado com a presença do fogo. Nos estudos do Quaternário, a presença de charcoals é muitas vezes associada com climas mais secos que o atual ou até mesmo com a ação humana a partir dos últimos 10.000 anos. Outra grande vantagem nos estudos quaternários na utilização dos charcoals é a possibilidade de realizar, por meio deles, datações absolutas muito precisas utilizando o isótopo radiativo do carbono o C 14 o qual possui uma meia vida de 60.000 anos, bem como de estabelecer por meio do estudo de isótopos estáveis de C o tipo de vegetação que deu origem aos charcoals, indicando se tratava de uma vegetação mais aberta ou de uma floresta.

Assim, da próxima vez que passar perto de um incêndio ou encontrar uns carvões no campo, imagine as possibilidades que eles oferecem para um dia poder reconhecer ou reconstruir a paisagem atual.

 

 

Incêndio florestal, imagine a quantidade de charcoals sendo produzidos. http://www.meilogunotizie.net

NO FINAL DO ÚLTIMO SEGUNDO DO TEMPO GEOLÓGICO: O QUATERNÁRIO

O Quaternário é dividido em duas épocas: o Pleistoceno, que vai de 2 Ma até 10.000 anos antes do presente e o Holoceno, que chega até hoje. A tendência, que levou ao resfriamento geral do planeta iniciado no Mioceno, se intensificou durante o Pleistoceno. Assim, o clima foi caracterizado por intervalos glaciais com momentos mais amenos como o que atualmente vivemos. Segundo as evidências indicam (registros de mudanças na distribuição da vegetação, alterações no registro sedimentar observadas em testemunhos retirado do oceano Pacifico e Atlântico, etc.) esses ciclos podem se ter repetido de 10 a 20 vezes com uma periodicidade de 100.000 anos nos últimos 2 Ma. Durante os intervalos glaciais o clima a nível global foi frio e seco, com o desenvolvimento de extensas calotas de gelo que cobriram aproximadamente 30% da superfície do planeta, especialmente nos continentes do hemisfério norte, enquanto que nos continentes do hemisfério sul o clima foi muito mais frio, seco e com glaciares de montanha extensos nos Andes.

As mudanças climáticas estão associadas a vários fatores influenciados por deriva continental, orogêneses, alterações nas concentrações do CO2 da atmosfera, correntes oceânicas, etc. No caso da deriva continental uma das causas foi o isolamento do continente antártico, iniciado com o rompimento do Gondwana e que levou à instalação da corrente marinha fria subantártica no hemisfério sul, hoje conhecida como corrente de Humboldt, responsável por serem tão geladas as águas da costa do Chile e do Peru. As mudanças na deriva continental também influenciaram na formação dos extensos lençóis de gelo continentais, no isolamento do oceano ártico e na formação de mares congelados no hemisfério norte. As orogenias, como a dos Andes e particularmente da Ásia central, com o soerguimento dos planaltos dos Himalaias e Tibete produziram um acúmulo de áreas elevadas a partir do Mioceno. Por outro lado, a consequência da explosiva expansão das florestas dominadas por angiospermas acontecida durante o Paleogeno incrementou o sequestro de carbono nos continentes na forma de jazidas de carvão, o que levou a uma redução na concentração do principal gás do efeito estufa da atmosfera. Todas essas alterações repercutiram de forma considerável nos ecossistemas que passaram a ser muito dinâmicos, e a nossa espécie surgiu nesse contexto de mudanças climáticas drásticas e rápidas, claro considerando a enorme dimensão do tempo geológico.

Pois bem, no sudeste do Brasil, embora não se tenha notícias de calotas de gelo dessa época, o clima também oscilou, alternando períodos muito secos e mais frios do que o atual, com momentos mais cálidos e úmidos como os de hoje. Os registros de vida no estado de São Paulo são mais abundantes para o final do Pleistoceno, onde são encontrados, por exemplo, no Município de Iporanga, dentro das cavernas e abismos do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), ossadas relacionadas à megafauna. Os registros são bastante abundantes embora a maioria dos esqueletos se apresentem desarticulados e misturados. Nesses há ossos, entre outros, de tigres dente de sabre (Smilodon), preguiças gigantes (Eremotherium, Lestodon, Ahytherium, Nothotherium; Figura 1), parentes dos elefantes conhecidos como Stegomastodon, tatus gigantes ou Glyptodon, e perissodáctilos como o Toxodon (Figura 2, endêmicos de América do Sul, de tamanho semelhante a um rinoceronte). Uma vez que os conjuntos de ossos se encontram muito misturados, podem ter correspondido a várias comunidades diferentes, mas representam uma composição da megafauna característica da região intertropical e, sem lugar a dúvida, muito diferente da fauna atual da região. O mesmo podemos comentar acerca da vegetação que, pelo tamanho da megafauna e pelos registros conhecidos, principalmente correspondentes a polens, era uma vegetação mais aberta que a atual.

Diferentes vistas do esqueleto de uma preguiça gigante, exemplar exposto no Museu de Ciências Naturais - PUC Minas, Belo Horizonte, MG.
Figura 1 – Diferentes vistas do esqueleto de uma preguiça gigante, exemplar exposto no Museu de Ciências Naturais – PUC Minas, Belo Horizonte, MG.

Da vegetação também temos registros a partir aproximadamente do final do Pleistoceno. Um dos mais extensos, inclusive para a América do Sul, foi encontrado ao perfurar a cratera deixada pelo impacto de um meteoro, fato acontecido possivelmente durante o Neogeno na região de Parelheiros, próxima à cidade de São Paulo. A cratera, conhecida como de Colônia, tem um diâmetro de 3,6 km e se calcula que esteja preenchida por cerca de 300 metros de sedimentos. Os testemunhos rasos estudados possuem uma extensão média de 8,5 m devido à dificuldade de se realizar a perfuração mais profunda e recuperar os sedimentos preservando o empilhamento original das camadas de forma manual. Para se obter um testemunho completo de todo o registro sedimentar presente na cratera seria necessário contar com uma estrutura de perfuração semelhante àquelas utilizadas para prospecção de petróleo, o que envolve um custo muito elevado. O estudo desses registros, principalmente utilizando estudos de conjuntos de microfósseis, como polens e esporos, mostraram a evolução da vegetação no local nos últimos 50.000 anos, que alternou de uma floresta com araucárias nos intervalos mais frios para a Mata Atlântica nos momentos de clima mais ameno como o de hoje, embora com diferentes espécies em cada um dos interglaciares identificados, sendo o último acontecido no Holoceno. Dessa forma, chegamos aos dias de hoje onde estão sendo incluídos dentro do registro sedimentar os restos de vida que virão nos próximos milhões de anos deverão tornar-se fósseis.