Se a sua fé precisa de embasamento científico é porque está fazendo alguma coisa errada

tirinhas85

No post anterior, uma amiga me escreveu indignada com a falta de educação científica dos EUA, onde mais da metade das pessoas não acredita na evolução.

Uma vez, em uma palestra, fiz uma pergunta para o Marcelo Leite e Monica Teixeira, que são divulgadores de ciência famosos no Brasil: Como pode os EUA, que é o maior produtor de ciência no mundo, ter tantas pessoas que não acreditam em evolução?

O Marcelo Leite disse que o que acontece é que nos EUA têm muito espaço e recursos para todos os tipos de ideologias. E setores religiosos mais conservadores veem que a evolução não bate com o que eles acreditam. Não são todos os religiosos que pensam assim, mas principalmente os que acreditam exatamente no que está na bíblia, que acreditam na mulher vindo da costela de Adão, ou que Noé colocou TODOS os animais do mundo numa barca. Mas esses vão ter problemas sérios não só com a evolução mas com muito mais gente por aí. Por isso vamos deixar eles de lado.

Acontece que tem um pessoal que não é tão radical. E essas pessoas se dividem também. Tem os que acreditam que deus é uma entidade sobrenatural, ou seja, fora do mundo natural; e tem o pessoal que tenta ligar religião e ciência fazendo uma gambiarra, e isso é o tal do Design Inteligente. Os primeiros (deus é sobrenatural e por isso não vamos tentar explicar cientificamente) eu respeito, os outros (design inteligente: deus não fez a mulher da costela de Adão mas pôs o dedo em todas as mutações de DNA até o que viramos hoje) não tem o meu respeito porque tentam afirmar a sua fé com ciência, e quando fazem isso distorcem as duas: a fé e a ciência.

Se a sua fé precisa de embasamento científico é porque está fazendo alguma coisa errada. As duas podem conviver, mas não podem basear-se uma na outra.

Eu não vou indicar nenhum site sobre design inteligente, muito menos criacionistas, mas vou indicar um de um amigo de, quem eu sou fã, e que está escrevendo um blog chamado Darwin e Deus.

Ele sabe muito de ciência, evolução, história, é católico, e é da turma que coloca Deus no sobrenatural e tenta entender como conviver com isso.

Entre lá

 

Só de ver carne os homens se acalmam

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Grazi Massafera mostra carne e acalma a homarada – by @elciorcarvalho


Hum, então ver carne deixa a homarada mais tranqüila. O pesquisador da Universidade McGill (não confundir com McGRill), juntou 82 homens e fez o seguinte teste, segundo visto no site da Revista Galileu (dica do @elciorcarvalho):

No experimento, 82 homens foram convidados a autorizar vários níveis de punição em atores quando estes erravam suas falas. Ao mesmo tempo, diversas imagens eram mostradas aos homens, algumas neutras e outras de pedaços carne. Os resultados mostraram que, ao ver imagens de carne, os homens ficavam menos agressivos nas punições.

Isso explica mas ainda não entendi direito como foi feito o estudo. Os caras ficavam vendo um teste de atores com projeções no palco de imagens neutras (e sabe-se lá o que eles consideram neutro, detergente de louça talvez), e pedaços de bife? WTF!!! Imagina o que se passa na cabeça dos 82 caras que não sabiam de que se tratava exatamente o teste. Que loucura…
Provavelmente esses pesquisadores são psicólogos evolucionistas e usaram carne pra testar hipóteses sobre o nosso passado de caçadores-coletores. Típico desse pessoal.
Então mulherada, por um mundo mais calmo e harmônico, vamos mostras essas carnes aí! 😉

Um biólogo metido a crítico na Bienal de Arte e Tecnologia

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Fui na Bienal Internacional de Arte e Tecnologia – Emoção Art.ficial, no Itaú Cultural na av. Paulista.

Há tempos eu não ia a uma exposição, e as pessoas que me invejam por não morarem na capital cultural do Brasil estavam me enchendo o saco para aproveitar mais a cidade.

Para saber sobre a exposição entre no site, porque mesmo na exposição não havia nada de texto. Nem um folhetinho. Em cada obra havia uma telinha com um esquema que não explicava quase nada dela, nem a tecnologia nem a arte por trás da coisa toda.

Primeiro a parte chata – ou de como um biólogo se mete a crítico crítico de arte

As primeiras obras me chatearam bastante (veja a lista de obras aqui). No começo só haviam obras “interativas”, como os Bion, uma obra bem bonita mas que de tecnológico só tem um sensor de proximidade que diminui a intensidade da luz de LED dentro dele. Bonitinho mas ordinário, ainda mais quando foi ver quem é o “cientista” no qual o artista Adam Brown se inspirou: um maluco chamado Wilhelm Reich que inventou uma “energia biológica primordial” chamada orgone. Era tão charlatão que morreu na cadeia preso por vender aparelhos que curavam de tudo com esta energia. Mais ou menos como o aparelho bio-quântico.

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Além desse haviam as Hysterical Machines, que se movem inesperadamente com a presença de humanos, mas de forma nada orgânica como propõe o artista; e Prosthetic Head que é a cabeça do artista em 3D usando um programa de inteligência artificial já bem antigo para responder perguntas do visitante. 

Essas três obras me chatearam porque esperava coisas mais inovadoras. Essa história de interatividade é muito anos 90 pro meu gosto.

O prêmio “desperdício de oportunidade” vai para Silence Barrage:
“Robôs movem-se verticalmente ao longo de várias colunas, deixando rastros que são, na verdade, a representação dos disparos de neurônios de roedores, cultivados num recipiente de vidro localizado a milhares de quilômetros de distância. Paralelamente, sensores ao largo da instalação capturam os movimentos do público, que, por sua vez, também fazem os robôs se deslocarem.”
Legal… mas como assim? Os disparos dos neurônios? Ahn?!

Pois é, nada é explicado. Nem no site da exposição. Tem os neurônios lá nos EUA, em uma placa, e sabe-deus-como captam algo que faz umas coisas na obra. E ainda a câmera que devia filmar a cultura de célula lá nos EUA estava fora do ar.
Assim, cientistas que trabalham com células (como eu) e publico em geral não se empolgam nem um pouco. Tanto esforço por nada.

Mas a coisa ficou boa. Muito boa!

A coisa começou a melhorar com o Caracolomobile. Primeiro pelo nome muito legal, segundo que isto sim é um tipo de tecnologia que esta mais na moda e mais na ponta da interação homem-máquina. A obra é um ser de movimento e sons que responde aos estímulos recebidos por eletrodos na cabeça de uma pessoa (lembrem do Nicolelis). Alguns sinais são bem fáceis de entender, como quando se morde o chiclete ele solta sempre o mesmo ruído. Mas algumas reações da máquina não são tão decifráveis. Começa assim a vontade de entender a que a máquina está respondendo, ou seja, a tentar conversar com ela (e com você mesmo, já que ela esta respondendo às suas ondas cerebrais).

O Ballet Digitallique é bem legal. Um scanner marca sua silueta parado com os braços abertos. O computador projeta e dá movimento àquela imagem estática. E coloca movimento exatamente onde deve ter, dobrando as juntas de braços, pernas e tronco. Como o computador sabe o que deve se mexer, ou como se move uma pessoa baseando-se só numa imagem estática 2D? Me fez pensar no cérebro, que com padrões simples faz verdadeiras criações e interpretações usando regras simples, que até um computadorzinho pode fazer.

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Mas o mais legal para o biólogo aqui foi o Robotarium SP e o Evolved Virtual Creatures.
O Robotarium é um zoológico de robôs, onde cada um tem um temperamento, ou uma programação, e interagem entre si. Um é calmo e evita entrar em contato com outros, outro é agressivo e avança nos outros; outro só gira sem parar, e assim vai. Todos eles juntos acabam funcionando como um modelo de interação ecológica, em que cada indivíduo tem um comportamento simples, mas como um todo passam a tem um comportamento complexo.

E o Evolved Virtual Machines mostra como mudanças aleatórias + regras simples + tempo, podem sim gerar criaturas complexas e que parecem ter sido desenhadas. Se você entender esta obra você entendeu a mais importante lição de EVOLUÇÃO!

Só ainda não consegui decifrar se aqui a arte inspira a tecnologia ou a tecnologia inspira a arte.

Altruísmo: faz bem pros outros, pra você e para seus genes!

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O Teleton está aí. E como o RNAm irá participar do evento no palco do SBT, porque não falar de um tema científico que tem a ver com o evento?

Como faz bem fazer o bem, não é mesmo? Mas será? Isto é o que chamamos de altruismo, ou seja, fazer o bem sem querer nada em troca.
Mas será que o altruísmo é bom? A imensa maioria dirá que sim. Mas daí eu pergunto: bom pra quem? Para a sociedade, a bondade de uma pessoa que se doa para o bem maior é bom, afinal o “maior” é a própria sociedade. Agora e o pobre coitado que se doa, ganha o quê? Uns dirão boa reputação, satisfação pessoal ou mesmo o reino dos céus (aqui a gente já percebe que não se faz o bem a toa, sempre há algum motivo ou “recompensa”).

O maior mistério da evolução

O altruismo é um dos maiores mistérios da biologia. Um mistério evolutivo, mais especificamente.
Afinal a concorrência na sociedade e na natureza é acirrada. Não há perdão para erros nem desperdícios. O objetivo é adquirir recursos para se reproduzir e manter seus filhos e passar os genes para a frente. E se o mundo é assim, como é que uma aberração como a altruismo pode aparecer?

Oferecer mordida no Sonho-de-Valsa é vantajoso?

Ajudar os outros? Doar dinheiro? Emprestar o carro? Dar uma mordida do Sonho-de-Valsa e um gole do Yakult? Isso só diminui os recursos, o que no fim das contas diminuiria suas chances de se reproduzir. Diminuindo as chances de reproduzir, mesmo que muito pouco, em milhares de anos de cruzamentos, o comportamento altruísta seria extinto, não acha?

Este pensamento parece bem lógico, mas como explicar que ele ainda exista? Em evolução, quando uma característica é mantida ela está presente por alguns motivos: ou ela é vantajosa (um cérebro grande, por exemplo); ou ela é neutra, não ajuda nem atrapalha (dente do siso); ou ela traz uma pequena desvantajem e está em processo de sumir (como o apêndice que só serve para dar apendicite). – Atenção biólogos puristas: estes são exemplos ilustrativos. Desculpem se não são necessariamente corretos ou consensuais

Neste caso o altruismo, por ser bem caro para quem o pratica, só pode trazer vantagens muito importantes. O caso é que só vemos a vantagem para o grupo, não para o indivíduo. E um grupo não se reproduz, não passa os genes pra frente.
Daí surgiu a idéia da Seleção de Parentesco (Willian Hamilton), ou seja, a gente só faria o bem para nossos parentes. Afinal eles possuem nossos genes também, e para evolucionistas, quem manda na evolução é o gene.
A Seleção de parentesco parece ter resolvido grande parte das perguntas sobre altruísmo.

Não me mato por um irmão, mas por dois irmãos ou oito primos talvez.

Alguns pesquisadores (Wilson e Wilson) acham que o grupo mesmo pode ser um mandante na evolução. Se isso for verdade fica mais facil entender o altruismo. Afinal um grupo com muitos altruistas agindo pelo bem maior do grupo seria melhor que um grupo cheio de egoistas cada um pensando só no seu umbigo. Isso explicaria como surgiram os insetos sociais, como formigas e abelhas, onde de toda a colônia só um indivíduo se reproduz, e os outros tratam de cuidar e ajudar esta rainha, mesmo que elas mesmas não tenham como se reproduzir. As operárias de colméias e formigueiros seriam o mais puro e extremo exemplo de altruísmo. (A Seleção de Parentesco ainda vale aqui, afinal operarias e rainha são
irmãs, mas a questão é como este comportamento começou, quando ainda
formigueiros e colméias não existiam.)

Nosso corpo é um exemplo de sociedade altruista. Nossas células aceitam benevolentes os comandos centrais do organismo. Elas até mesmo se suicídam quando necessário. As que fogem deste controle podem gerar tumores.

Muita gente até acha que o ideal de sociedade humana seria se ela fosse como um formigueiro. Isso pode dar trela a um tipo de autoritarismo, onde não se tem muita liberdade individual e só se pensa no bem maior. Será que queremos pagar este preço? Mas este é outro assunto.

Mas afinal, qual a vantagem de ser altruísta? Talvez o altruísmo seja mantido nos humanos pela seleção sexual. Assim como chifres grandes e pesados ou rabos gigantes e chamativos foram selecionados pelas fêmeas por elas acharem eles bonitos, o altruísmo talvez atraia mulheres. Assim haveira uma vantagem reprodutiva em ser altruísta, compensando as desvantagens. Isto manteria os “genes altruístas” na população, tornando o grupo altruísta mais apto a sobreviver.

Ainda é dificil saber todos os comos e porquês do altruísmo. Precisamos é saber que este assunto não precisa ser tratado apenas pela religião, filosofia ou psicologia. A biologia pode também estudar este tema, e descobriu que é uma estratégia evolutiva que funciona e já faz parte de nós humanos.

Mas o que vale é que fazer o bem faz bem sim. Portanto FAÇA! DOE! Participe do Teleton 2009 (veja como no fim do post).

Para mais:

A sociobiologia e a crítica dos antropólogos – Revista ComCiência – recomendo fortemente. Uma critica ao determinismo genético e ao antropocentrismo antropológico. Mas lembrem-se que a sociobiologia é apenas UMA das abordagens biológicas do comportamento humano

A evolução da bondade – SuperInteressante

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As doações para a campanha já podem ser feitas desde o dia 8 de Outubro, e seguirão até o dia 6 de Novembro. Veja como fazer para contribuir:

Por telefone, para doar:

R$ 5 ligue 0500 12345 05
R$ 10 ligue 0500 12345 10

Para doações a partir de R$ 30,00 as ligações devem ser feitas para 0800 775 2009

Quem doar R$ 60 pode escolher um dos “mascotes” da campanha, o Tonzinho OU a
Nina. Doações de R$100 ganham o Tonzinho E a Nina. Só prá lembrar: a promoção não é cumulativa.

logo-aacd.gifPara doar pela Internet, acesse o site da campanha clicando AQUI (esse endereço é válido durante o ano todo). Para conhecer mais sobre a AACD visite o site deles AQUI!

Gravidez, lordose e evolução… curvinhas que fazem a diferença.

Conselho para os homens: da próxima vez que virem uma mulher grávida se inclinando para aliviar o peso de sua barriga agradeçam, nós teríamos problemas BEM maiores para dar conta de uma gestação.

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Ahh, se a vida fosse fácil assim…

Você está no RNAm, e hoje falaremos sobre Física. Ou melhor, sobre o Prêmio IgNobel de Física!

ResearchBlogging.orgEm um artigo na revista Nature pesquisadores relataram que a coluna vertebral das mulheres evoluiu de modo a fornecer mais suporte do que a coluna vertebral masculina, provavelmente devido ao esforço-extra durante a gravidez.

Essa observação vale tanto para vocês, mocinhas faceiras, como para as fêmeas de Australopithecus que viviam há mais de 2 milhões de anos, como foi observado em dois fósseis nesse mesmo estudo.

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Australopithecus “normal” em a e grávida em b

Sem esse suporte adicional os músculos das costas precisariam fazer muito mais força para manter a postura ereta. Ao longo dos 9 meses de gestação, todo esse esforço poderia levar a fadiga muscular e eventuais lesões.

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Diferenças entre a mulher “normal” em c e grávida em d e e

Quando nossos ancestrais passaram a andar em duas pernas vários ajustes no esqueleto foram necessários. Nossas vértebras aumentaram em número e largura dando maior suporte a parte superior do corpo e a coluna tornou-se curva na porção inferior das costas de modo a manter os ombros para trás, movendo o centro de massa do corpo acima dos quadris.

Sabem aquela curvinha na base da coluna das mulheres que chama tanto a atenção masculina? Ela tem seus méritos na seleção da melhor postura para garantir uma gestação saudável.

90094449.jpgO peso extra da gravidez muda novamente o centro de massa do corpo para a frente (como acontece quando se anda em quatro pernas) fazendo com que uma mulher seja, em teoria, mais propensa a “cair” para a frente. Assim, os cientistas demonstraram que as mulheres grávidas trazem seu centro de massa de volta aos seus quadris inclinando-se para trás, aumentando a curvatura na base de sua espinha.

Ao medirem o centro de massa de 19 mulheres grávidas, eles descobriram que elas se inclinavam para trás até 28 graus além da curvatura normal da coluna, diminuindo o esforço de torção (ou torque) que o peso do bebê cria em volta do quadril em até oito vezes!

No entanto, essa maior inclinação pode produzir maior stress na espinha: as vértebras são mais propensas a atritar umas às outras, levando a dores nas costas ou mesmo fraturas.

HomemXMulher.jpgOs autores também observaram que a coluna vertebral feminina possui várias características que ajudam a prevenir esse tipo de dano. Enquanto a curvatura inferior da coluna vertebral masculina é formada por 2 vértebras (L4 e L5 no desenho da esquerda), no caso das mulheres temos 3 vértebras (L3, L4 e L5 no desenho da direita), o que ajuda a distribuir a tensão em uma área maior.

Ainda, ocorrem articulações especializadas atrás do cordão espinhal 14% maiores em relação às vértebras masculinas, sugerindo adaptações para resistir a forças superiores. Essas articulações também estão orientadas num ângulo diferente, permitindo maior proteção para as vértebras.

Todos esses fatores fazem com que as mulheres sejam, sem dúvida, mais adaptadas para carregar um bebê. Essas mesmas diferenças encontradas entre machos e fêmeas de Australopithecus certamente foram muito importantes quando o modo de vida era baseado em rotinas de coleta, caça, e, eventualmente, fugindo para não virar comida de predadores maiores ou mais perigosos.

Imagine correr de um lobo, por exemplo, carregando um peso de até sete quilos que ainda te deixa desequilibrado?

É… a vida das mulheres nunca foi fácil. Faz você repensar todas as vezes em que sua mãe te disse “te carreguei por nove meses, seu ingrato!”…

Whitcome, K., Shapiro, L., & Lieberman, D. (2007). Fetal load and the evolution of lumbar lordosis in bipedal hominins Nature, 450 (7172), 1075-1078 DOI: 10.1038/nature06342

E a Biologia Molecular manda mais um cruzado de direita nos criacionistas…

Depois de alguns textos abordando assuntos variados como experimentação animal, e-mails falsos atacando a Monsanto, “assombrações” neurológicas, revistas científicas, como conseguir mais sexo, gripe suína e até ZUMBIS, resolvi começar a semana voltando à minha área de trabalho e falar um pouco sobre Biologia Molecular.

ResearchBlogging.orgA “complexidade irredutível”, um dos argumentos preferidos dos criacionistas para explicar “a vida como ela é” acaba de ter outro de seus exemplos desmantelado por um artigo publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Foi muito legal também ver que o autor principal desse estudo é Trevor Lithgow, que tive o prazer de conhecer numa conferência da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (a famosa e inflada SBBq) de 2007.

Antes de mais nada, o que é Complexidade Irredutível?
Componentes celulares intrincados são comumente citados como evidências do design inteligente. Os proponentes dessa idéia dizem que esses componentes complexos não podem poderiam ser fruto do processo evolutivo, por não poderem ser separados em partes menores e funcionais. O fato de serem complexos de modo irredutível é a base para se propor que eles tenham sido “desenhados” intencionalmente por uma entidade inteligente. Então tá, e eu sou o Batman.

O artigo da PNAS compara as mitocôndrias e suas parentes bacterianas, demonstrando que as partes necessárias para um maquinário celular particular já estavam presentes antes de qualquer mitocôndria existir. Foi simplesmente uma questão de tempo até que essas partes se combinassem de modo mais complexa.

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“Prazer, Mitocôndria”

Mitocôndrias são organelas celulares descendentes de bactérias que milhões de anos atrás foram “incorporadas” por células mais complexas. Isso foi proposto por Lynn Margulis, criadora da Teoria da Endossimbiose. Em pouco tempo essas bactérias incorporadas se tornaram personagens centrais para as funções celulares.

joces11616cvf.gifSó existe um porém: essas pré-mitocôndrias não poderiam ter sobrevivido em seu novo “lar” sem um maquinário protéico chamado TIM23 (um complexo enzimático da membrana interna da mitocôndria que pode ser visualizado em amarelo, na imagem ao lado) que realiza o transporte de proteínas para dentro das mitocôndrias. As bactérias ancestrais não possuem o complexo TIM23, o que sugere que tenham sido desenvolvidas já nas mitocôndrias, tempos depois.

Isso traz à tona uma pergunta do tipo “Quem veio primeiro, ovo ou galinha?”: como poderia o transporte de proteínas ter evoluído quando as proteínas eram necessárias para a sobrevivência, no primeiro caso?!

De acordo com a teoria evolucionista, no entanto, a complexidade celular É SIM redutível. É necessário somente que os componentes existentes sejam recondicionados, com mutações inevitáveis promovendo ingredientes extras à medida em que são necessários. Os flagelos, propulsores similares a cabelos usados por bactérias para locomoção, são outro exemplo. Seus componentes são encontrados por toda a célula realizando outras tarefas.

O design inteligente já utilizou flagelos como evidência de sua teoria, assumindo que o mesmo seria uma estrutura irredutível, o que foi posto por terra de acordo com fatos científicos, como pode ser lido nesse artigo da revista New Scientist. Esse estudo utilizando mitocôndrias faz o mesmo em relação ao transporte de proteínas.

“Essa análise de transporte de proteínas nos fornece uma marca para a evolução de maquinários celulares em geral,” escreve a equipe liderada por Trevor Lithgow. “A complexidade dessas máquinas não é irredutível.”

Quando analisaram os genomas de proteobactérias, a família que deu origem aos ancestrais das mitocôndrias, a equipe de Lithgow encontrou duas das partes protéicas utilizadas pelas mitocôndrias para fazer o complexo TIM23.

As partes estão na membrana celular bacteriana, localizadas de modo ideal para o eventual papel de transporte protéico feito pelo complexo TIM23. Apenas outra parte, uma molécula chamada LivH, poderia fazer um maquinário de transporte protéico rudimentar – e (surpresa!) essa molécula é comumente encontrada em proteobactérias.

O processo pelo qual partes são acumuladas até que estejam preparas para se juntarem num complexo é chamado pré-adaptação. É uma forma de “evolução neutra”, na qual a construção das partes não fornece nenhuma vantagem ou desvantagem imediata. A evolução neutra encontra-se fora das descrições de Darwin. Mas quando as partes são juntas, mutações e a seleção natural podem se encarregar do restante do processo, resultando, em último caso, no agora complexo TIM23.

“Não era possível, até hoje, traçar qualquer uma dessas proteínas até seu ancestral bacteriano,” diz o biologista celular Michael Gray, um dos pesquisadores que originalmente descreveu as origens das mitocôndrias. “Essas três proteínas não possuíam exatamente a mesma função nas proteobactérias, mas com uma simples mutação puderam se transformar numa máquina de transporte de proteínas simples, que pode dar início a tudo.”

“Você olha para maquinários celulares e diz, porque a Biologia faria algo assim?! É muito bizarro,” ele diz. “Mas quando você pensa sobre o assunto à luz dos processos de evolução neutra, em que essas máquinas emergem antes que sejam necessárias, elas fazem sentido.”

É, minha gente, tem coisa mais bonita que a Biologia?

intelligentdesign.jpg

Prá finalizar, minha opinião sobre design inteligente…

Texto adaptado de “More ‘Evidence’ of Intelligent Design Shot Down by Science”, escrito por Brandon Klein e publicado na Wired Science.

Imagens: Journal of Cell Science, Blog The atheist, polyamorous, geek

Clements, A., Bursac, D., Gatsos, X., Perry, A., Civciristov, S., Celik, N., Likic, V., Poggio, S., Jacobs-Wagner, C., Strugnell, R., & Lithgow, T. (2009). The reducible complexity of a mitochondrial molecular machine Proceedings of the National Academy of Sciences DOI: 10.1073/pnas.0908264106

Usain Bolt, o corredor QUASE perfeito

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Imagem e texto adaptados do artigo “Taller, heavier: the speedy evolution of the fastest people on the planet” do The Sydney Morning Herald

Usain Bolt, o homem mais rápido do mundo. Será ele a máquina perfeita de corrida? Parece que ainda não.
Pesquisadores vêm observando o desenvolvimento dos atletas de corrida durante toda a história das competições. Suas medidas, como peso, altura e tamanho de membros, são dados que estão sendo analisados, e pela comparação dos atletas e suas marcas estão-se tirando conclusões interessantes.
Os corredores de velocidade estão cada vez mais altos e pesados. É fato que a população em geral vem crescendo. Cresceu 5cm em média desde 1900. Mas os corredores campeões cresceram 16,2cm neste mesmo tempo. Logo parece haver uma vantagem em ser alto nesta modalidade.
Mesmo nesta foto acima parece que podemos perceber algo diferente. Parece que todos os outros corredores já estão com os corpos esticados, enquanto Bolt parece ainda estar com uma sobra para se impulsionar ainda mais. Aí está: mais alto para aproveitar este impulso, e mais pesado, com mais força para se propelir. Assim ele economiza passos e ganha tempo.
O corredor perfeito
O professor de Ciência do Exercício, da University of South Australia considera Bolt um primor morfológico para correr. “Ele é perfeitamente projetado para passos longos e movimentos rápidos”, disse o dr. Norton. “A parte de baixo da sua perna com relação à de cima é bem longa. O comprimento da perna toda em relação ao corpo todo também é longa”.
Se Bolt tivesse potência compatível ao comprimento da sua perna “ele teria ido abaixo dos nove segundos”. E um homem de 2,13 metros de altura ainda vai correr abaixo dos nove algum dia.
Mas como achar ou “produzir” um campeão destes? Se já se sabe a altura, peso e comprimento de membros ideais, o que impede a produção destes atletas se utilizando técnicas de biotecnologia.
Evolução do mais rápido
Bem, a biotecnologia não está tão avançada neste sentido. Peso e altura são características complexas, que não dependem só de um ou poucos genes.
Mas de certo modo já existe uma seleção natural dessas características, já que muitos atletas acabam se casando entre si e se reproduzindo, o que pode levar a uma incidência maior das características dos atletas nos seus filhos. Mas isto nos leva a outra questão: filho de peixe, peixinho é?
Não necessariamente. Também há o caso do metabolismo ideal. Afinal, corredores rápidos se beneficiam de células que também são rápidas em gerar energia, ao contrario de maratonistas que se beneficiam mais por células lentas. E esta decisão se as células serão rápidas ou lentas acontece na fase de feto do desenvolvimento do indivíduo. Assim o ambiente, desde o feto, até o afinco nos treinos, é fundamental. Não depende só da genética.
Afinal, eu sou alto, poderia até ter as proporções ideais para ser uma máquina de corrida em velocidade. Mas sempre gostei mais de corridas de longa distância. E fora isso, adquiri uma tendência imensa de preferir assistir TV a correr, principalmente depois dos 17 anos. Assim não há genética que salve.
Mas Salve Usain Bolt! (Que na minha opinião ainda segurou bastante neste mundial só pra causar nos outros. Afinal, pra ser um atleta de elite hoje em dia não adianta ter proporções perfeitas, tem que ter muita cabeça também.)
Atualização (18/08/09): A leitora Tatiana mandou um link muito interessante do The Guardian que me lembrou de uma informação interessantíssima: a qual velocidade ele chegou? 44,72km/h entre os 60 e 80 ms!!! Existem áreas em que ele poderia ser multado por excesso de velocidade!!!
Ele deu 40 a 41 passos nos 100ms, enquanto seus concorrentes precisaram de 45 a 48
E realmente o aumento no record é muito maior do que vem sendo atingido nos outros anos desde o começo da marcação eletrônica de tempo. E alguns estatísticos haviam previsto esta marca de Bolt, seguindo as tendências, só para 2030! Claro, afinal o último record é de 1929.
Aguardemos agora o seu prometido 9.4s!
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Nós evoluímos na cozinha

macaco cozinha.jpgQual foi o truque inventado por nossos ancestrais a 1,8 milhões de anos que permitiu um dos maiores saltos na nossa evolução? Teria sido a faca ou a roda?

O primatólogo e antropólogo Richard Wranghan (talvez fosse melhor dizer um primatólogo especializado em antropologia, afinal humanos estão incluídos entre os primatas), acha que foi o ato de cozinhar alimentos que impulsionou tanto a nossa evolução neste momento.
“A forma de nossos corpos e o tamanho de nosso cérebro são produtos de uma dieta muito rica, que só pôde ser adquirida através do cozimento dos alimentos”, diz o primatólogo que lançou recentemente o livro “Catching Fire: How Cooking Made Us Human,” que trata justamente da importância do ato de cozinhar na nossa evolução.

O pesquisador baseia esta importância do cozimento ao observar chimpanzés selvagens na natureza, que segundo ele têm uma disponibilidade de alimentos parecida com a que nossos ancestrais tinham a 1,8 milhões, pouco antes do surgimento do Homo habilis, nosso primeiro ancestral Homo, ou seja, hominídeo (nenhuma relação com a opção sexual do espécime, por favor).

Menu bom pra macaco

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Os pobres dos chimpanzés ficariam em êxtase se vissem um varejão cheio de frutas e verduras como os nossos hoje em dia. Na maioria das vezes o que ele encontram são frutos secos e de péssimo gosto, que eles precisam mastigar por horas. Alias é assim que nossos primos gastam a maior parte do tempo, procurando e mascando comida extremamente fibrosa.

E esse primatólogo sabe o que um chimpanzé come, afinal ele passou 40 anos estudando os bichos e até mesmo tentou por um tempo comer o mesmo que eles, para avaliar se seria possível manter um humano moderno com uma dieta de chimpanzé. Resultado: fome, muita fome. Até chegou a comer restos crus de macacos caçados por chimpanzés.

O interessante é que de duas espécies de macacos comidos pelo pesquisador e pelos chimpanzés, o pesquisador preferiu a carne de um determinado macaco por ser mais doce. E esse também é o predileto dos chimpanzés. Percebemos assim que nossos paladares têm algo em comum.

Mas e as fogueiras?

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Essa estória é muito interessante, mas tem um probleminha. Se o cozimento foi tão importante, onde estão as fogueiras? A mais velha data de apenas 800mil anos.
Quanto a isto Wranghan não desanima. Segundo ele, realmente não há registro de fogueiras com 1,8 milhões de anos, mas as evidências biológicas são claras. Nossos dentes e nosso trato digestivo ficaram menores nessa época, e a única coisa que pode explicar este fato é a melhora na dieta. E que outro jeito de melhorá-la senão pelo cozimento?

E tem mais, segundo Wranghan, o próprio ato de se reunir perto do fogo nos diferenciou dos outros primatas. Afinal isto estreitou os laços sociais, forçando-nos a viver próximos ao fogo, agüentando os vizinhos chatos sendo mais tolerantes, e tudo que esta convivência forçada pôde trazer. Somos seres muito mais sociais que chimpanzés, por exemplo, talvez graças ao fogo e seus benefícios.

Bem, esta é uma idéia plausível, mas ainda não há dados suficientes para dizer quem realmente veio primeiro (paradoxo Tostines), se o cozimento nos deu energia para manter um cérebro grande, ou se um cérebro grande permitiu inventar o cozimento.

Cozinheiros forjando nossa evolução

Mas o futuro de nossa espécie esta nas suas mãos, cozinheiros de mão cheia. Afinal temos um problema sério hoje em dia de excesso de peso, obesos subnutridos e outros problemas relacionados ao nosso apetite voraz por calorias, vestígio dos tempos préhistóricos em que não havia essa fartura de alimento que há hoje.

Aliás quando vemos a dieta do Homo sapiens préhistórico, não é por coincidência que ela bate exatamente com a dieta ideal recomendada pela Organização Mundial de Saúde. Nosso corpo ainda está adaptado ao nosso ambiente ancestral.

Pensar na nossa alimentação levando em conta a nossa evolução, pode nos manter saudáveis ou nos forçar a mudar.

Ao leitor deixo uma informação final interessante. Para quem é requintado, de gosto apurado e que gosta de pratos finos, saiba que o maior salto evolutivo na história da cozinha foi o simples cozimento na fogueira, mais conhecido como churrasco. E pior, sem nenhum salzinho.


Leia entrevista com Richard Wranghan no The New York Times

RNAm Expresso vol. 1

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Bancada Verde: substituindo reagentes de laboratório por outros menos agressivos – The Scientists
The New Journalism: considerações sobre as mudanças no jornalismo científico – NeuroLogica Blog
A Ciência é melhor que a pseudociência: excelente texto do Carl Sagan sobre as “vantagens” da Ciência – via Twitter pelo @kenmori (do 100Nexos) e @UNAbr (União Nacional dos Ateus)
Livro desmitifica o câncer, discute tratamentos e chances de cura (leia capítulo): já que há muitos leitores do blog que se interessam bastante pelo assunto (vide a briga de foice que virou o tópico sobre o bicarbonato, que até o dia de hoje tem 280 comentários), fica aqui a dica de um livro com conteúdo acessível a todos – FolhaOnline
National Geografic para crianças! Só em inglês… – National Geografic, via @clauchow
Testing Evolution’s Role in Finding a MateNYTimes
Concurso de vídeos científicos da revista The Scientist – Muito legais
Autoajuda ‘não beneficia pessoas com baixa autoestima’: antes de sair reproduzindo “O Segredo” e afins, tenha certeza do seu estado espírito, ou as coisas podem não sair como planejado… – BBC Brasil
Link tosco do dia:
Harmonize seu carro de acordo com seu signo: nunca mais compro carros sem consultar o horóscopo – Yahoo! Autos, via @flavioney