Curas alternativas

Em uma postagem anterior sobre homeopatia, eu havia prometido aprofundar um pouco a questão de por que processos “terapêuticos” inúteis muitas vezes parecem surtir efeito. Bom, chegou a hora de cumprir a promessa.

Na base do engano está, além do efeito placebo (discutido na mesma postagem linkada acima), uma falácia lógica conhecida — para quem quiser usar o latim a fim de fazer amigos e influenciar pessoas — como “post hoc, ergo proter hoc”, ou, “depois daquilo, logo por causa daquilo”. Tipo, 100% das pessoas que morrem atropeladas beberam um copo de água, pelo menos, nas 24 horas anteriores ao atropelamento. Logo…

Quando se trata de saúde, a falácia surge ao atribuir-se a cura (ou alívio de sintomas) ao tratamento, sem verificar outras explicações possíveis ou analisar evidências em contrário. Um caso clássico é o do médico americano Benjamin Rush, um dos Pais da Pátria dos EUA, que no século XVIII tentou tratar uma epidemia de febre amarela com purgantes à base de mercúrio.

Esse remédio era, claro, um veneno (embora não se soubesse disso na época), mas o fato de que algumas pessoas conseguiam sobreviver à febre — e ao envenenamento — convenceu o Dr. Rush de que seu tratamento era eficaz. A verdade, no entanto, é de que as pessoas “curadas” por ele provavelmente teriam sarado mais cedo sem seu remédio, e muitos dos pacientes que ele perdeu talvez tivessem sobrevivido, se fosem poupados do purgante.

Em linhas gerais, quando uma pessoa sara ou melhora depois de receber tratamento, essa melhora pode ter sido provocada por:

  1. Uma causa externa não-relacionada ao tratamento (repouso, mudança de dieta, etc.)
  2. Uma causa interna não- relacionada ao tratamento (reação espontânea das defesas do organismo, auto-limitação do agente causador)
  3. Efeito placebo
  4. O tratamento pode ter funcionado

Para afirmar que o tratamento realmente funcionou, é preciso eliminar logicamente todas as demais alternativas. Os protocolos científicos da Medicina foram criados exatamente para fazer isso — e não para enriquecer a indústria farmacêutica alopática ou para impor um “imperialismo metodológico etnocêntrico”, como querem muitos dos defensores das práticas ditas “alternativas” ou “complementares”.

Outra lição a tirar do caso do Dr. Rush é o sistema de dois pesos e duas medidas usado quando se discutem práticas médicas alternativas: basicamente, se o paciente sara, é porque o tratamento funciona; se não, é porque o tratamento começou tarde demais, ou não foi radical o suficiente (para ficar no mesmo exemplo, além do purgente, o Dr. Rush recomendava sangrias). Se houver algum tipo de “energia” ou “milagre” na jogada, pode-se, ainda, acusar o paciente de falta de fé…

Mas isso — culpar a “espiritualidade” da vítima pela doença — será assunto para outra postagem.

“E se sua mãe tivesse feito aborto?”

Como o argumento escroto é um parente próximo da idéia cretina, resolvi abrir espaço para um dos truques retóricos mais sujos de todos os tempos, que geralmente surge na boca dos adversários da legalização do aborto (ou, melhor dizendo, do direito da mulher de interromper a gravidez) quando a conversa começa a esquentar.

Por ser grosseira, a questão que dá título a essa postagem tende a transformar o debate em uma troca de impropérios, mas não precisaria ser assim. Vamos analisar friamente a questão:

“E se sua mãe tivesse feito aborto?”

Bom, se ela tivesse feito eu não estaria aqui e esta conversa não estaria acontecendo, o que torna o exercício todo meio fútil. Então talvez o melhor fosse reformular a questão da seguinte forma:

“E se sua mãe tivesse desejado fazer um aborto?”

O que, na boca de um padre condescendente ou de um debatedor histriônico, sugere que cada pessoa viva, hoje, deveria se sentir profundamente grata pelo fato de a interrupção da gravidez ser considerada ilegal e, em muitos círculos, imoral.

Mas, espere aí. Se isso fosse verdade, então nossos nascimentos teriam ocorrido não por amor, mas por medo da polícia, do inferno ou de ambos. Ser grato pelo complexo legal-cultural que instila esse medo, em detrimento da liberdade da mulher – de nossas mães! -, tem nome: egoísmo descarado.

“Risco de morte”

Durante séculos, escritores e falantes da língua portuguesa, dos clássicos aos mundanos, usaram a bela expressão “risco de vida” para se referir a situações que põem a vida em – isso mesmo – risco. De uma hora para outra, algum jornalista decidiu que o que é bom para José de Alencar não presta para as redações modernas, e inventou o hediondo “risco de morte” (mais feio que isso, só “estadunidense”…).

O argumento é de que “risco de vida” dá a impressão de que o fulano de quem se fala está em “risco de viver”. Bom, só tem essa impressão quem nunca ouviu ou leu o português em toda a vida, e é totalmente alheio às tradições da língua.

Alguém poderia redargüir que a tradição, nesse caso, desafia a lógica, e a lógica é mais importante.

Mas esse é um argumento que tem uma base falsa — de que a língua deve ser perfeitamente, explicitamente, lógica em cada uma de suas expressões e estruturas. Trata-se de uma falácia óbvia. Se fosse levada a sério, morreriam todas as figuras de linguagem.

De resto, os defensores dessa logicidade total deveriam, por coerência, parar de usar expressões como “não tinha ninguém” ou “ninguém fez nada”. Mais dia menos dia, então, veremos algo assim no noticiário político: “O pronunciamento do presidentre do Senado foi ouvido por ninguém no plenário”.

Astrologia

Deixando de lado as objeções astronômicas clássicas à astrologia — que o zodíaco é composto por 13 constelações, não 12; que a precessão dos equinócios faz com que o movimento aparente do Sol pela esfera celeste não coincida mais com as datas astrológicas; e um monte de outras, todas igualmente válidas e igualmente sólidas — o importante é dizer, da forma mais clara e objetiva possível, que astrologia não funciona. Simples assim. Trata-se de um fato científico, tão sólido quanto o da Terra girar em torno do Sol ou as plantas fazerem fotossíntese.

Como todos os demais fatos científicos, este foi confirmado, checado e re-checado em uma série de estudos.

A tabela acima mostra o resultado combinado de 54 estudos, envolvendo um total de 742 astrólogos, nos quais os astrólogos tentaram associar mapas astrais a seus devidos donos. O resultado não foi melhor do que teria sido se eles simplesmente tirassem cara-ou-coroa na hora de fazer a ligação entre carta e pessoa.

A tabela abaixo é ainda pior: ela mostra a proporção em que mais de 500 astrólogos, envolvidos em 28 estudos, concordaram na interpretação de mapas astrais — mais ou menos como seria mostrar um mesmo raio-X a vários médicos diferentes e ver se todos chegam ao mesmo diagnóstico.

Resultado? De novo, o mesmo se os astrólogos tivessem decidido concordar ou discordar jogando uma moeda para o alto. Era de se esperar que os praticantes de uma forma de “sabedoria milenar” conseguissem, pelo menos, chegar a um acordo, depois de tanto tempo!

Ah, sim: a fonte das tabelas é este artigo científico, que pode ser encontrado neste website.

O fato, no entanto, é que a astrologia parece funcionar para muita gente. O fenômeno, no entanto, é meramente psicológico: a astrologia tem uma linguagem peculiar, que é extremamente vaga mas consegue parecer direta e específica. Eu mesmo tive uma boa dose disso na minha adolescência, quando acreditei nesse negócio — ei, ninguém nasce sabendo, certo? — e um mapa astral, feito com um horário de nascimento errado, disse que meu ascendente era gêmeos.

Li a descrição e ela pareceu correta, adequada, reveladora. Tempos depois, descobri que meu ascendente era touro e, adivinhe só?, a descrição (outra descrição) também se mostrou correta, adequada, reveladora…

Este é o chamado “Efeito Forer”, ou “Efeito Barnum”. Por exemplo, frases do tipo “você é uma pessoa ponderada, mas é perigoso provocá-la além do seu limite” ou “Você trabalha duro mas tende a se acomodar um pouco em certas situações, e por isso tem um potencial ainda inexplorado” ou ainda “sua vida amorosa teve momentos de tensão no último ano” parecem conter informação individualizada e, até, valiosa — mas, na verdade, aplicam-se a praticamente qualquer um.

Somando-se a isso há o fato de que astrólogos que prestam consultas pessoalmente muitas vezes são pessoas de grande sensibilidade — inteligentes, capazes de avaliar os medos e angústias de quem as consulta com uma boa chance de sucesso — e, portanto, aptas a oferecer bons conselhos e razoável apoio psicológico. Mas, se fazem isso, não é por causa da astrologia, mas a despeito dela: não fazem nada que um bom amigo ou um ouvinte atento e interessado não poderia fazer, e certamente oferecem muito menos que um psicólogo profissional.

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