A prova de Deus

Parte da mídia — principalmente veículos declaradamente cristãos, mas destcando-se ainda a revista IstoÉ — está vendendo o trabalho do padre-cosmólogo Michael Keller como sendo a prova científica da existência de Deus. Keller ganhou o prêmio Templeton, dado a cientistas que façam uma “aproximação” entre ciência e religião.

No entanto, a “prova” de Keller, tal como vem sendo descrita, não passa de mais um exercício do bom e velho argumento do “Deus das lacunas”: se não sei o que é, é Deus. Essa manobra só faz trocar “ignorância” por uma palavra de quatro letras, o que é útil para tipógrafos e quase ninguém mais.

O curioso é que provar cientificamente a existência de deus não deveria ser difícil — se houvesse um Deus. Trata-se de formular uma hipótese, digamos, como “fusão nuclar é o que faz o sol arder”, só que dizendo “Deus é o que faz o universo existir”.

Claro, a hipótese fusão-sol já foi testada e largamente comprovada, até o ponto de terem sido encontrados os neutrinos que faltavam. Já a hipótese Deus-universo… bem… sabe como é…

Este, na verdade, é um dos grandes problemas filosóficos contemporâneos do teísmo, superando até a teodicéia (a conciliação entre a existênciade Deus e a presença de mal no mundo): a ocultação divina.

Resumindo: se Deus exsite, como é possível que haja gente que não acredita nele?

A resposta clássica, a da “liberdade de escolha”, não cola: qual o sentido de dizer, por exemplo, que “sou livre” para não acreditar em árvores, ou pássaros? Eles estão aí, afinal. São evidentes.

Por que Deus não é?

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Uma questão correlata é o papel da mídia “mainstream” (onde IstoÉ, supõe-se, está ou quer estar) na divulgação de asneiras como a suposta “prova” atribuída a Keller, ou terapias de vidas passadas.

Isso parece ser um reflexo do que chamo de isonomia preguiçosa: para se libertar do velho vício de engolir pataquadas católicas com linha, anzol e tudo, ao mesmo tempo em que submetia outros sistemas mitológicos a escrutínio racional, o jornalismo brasileiro decidiu suspender de vez o escrutínio racional em todas as áreas.

Fica mais justo assim. E dá menos trabalho.

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