Mais homeopatia…
O Estadão de hoje traz duas páginas sobre homeopatia, uma tratando do avanço da crendice na rede pública de saúde e outra, das dificuldades dos homeopatas em produzir evidência científica a favor de suas práticas.
O segundo texto, embora correto do ponto de vsita jornalístico, não esconde uma inclinação pró-homeopatia. Afirmar, por exemplo, que os homepatas estão “desconstruindo” a célebre pá de cal que a Lancet lançou sobre a prática é tão isento quanto dizer que eles estão “inventando desculpas esfarrapadas”. Afirmar que os resultados são “questionados” seria muito mais preciso.
Mais uma vez, a grande mídia perde uma oportunidade de trazer às claras o acúmulo de falácias em que a homeopatia se baseia (p. ex., o absurdo princípio da diluição, ou o chutômetro puro envolvido nas chamadas “provas” das matérias-primas homeopáticas).
Dissonância cognitiva
Primeiro, vamos nos erguer em defesa do direito voltaireano de falar asneiras: deixem o pobre professor baiano que disse que seus conterrâneos têm inteligência inferior em paz. As comparações, que já vi pora í, com Hitler e quetais são descabidas. Hitler não “dizia” que havia pessoas inferiores: matava-as. Há aí um oceano de diferença.
Segundo, vamos usar esse lindo exemplo para relembrar o fato comezinho da dissonância cognitiva: a tendência da mente humana de tentar distorcer a realidade para não ser forçada a abandonar crenças. No caso, a crença que o professor Natalino Dantas protege parece ser a de que ele próprio é um bom professor e profissional competente de ensino. Para defendê-la, foi em busca da única explicação compatível.
Terceiro, será uma pena se a UFBA demitir Dantas por sua fala. A instituição deveria tê-lo demitido muito antes, mas por um motivo muito mais sólido: a incompetência no exercício da coordenação do curso de Medicina, evidenciada pelos resultados pífios de seus pupilos no exame federal.
Levantai-vos, famélicos da Terra…
Já critiquei as religiões, e o cristianismo em particular, por transformar a crença cega em virtude, mas não dá pra deixar de dizer, também, que foi o marxismo quem deu o passo seguinte no entronizamento do irracional, ao proclamar a supremacia da ideologia.
Foi mais ou menos assim: com o fracasso do projeto marxista de criar uma teoria científica da história — mais ou menos como, digamos, o Modelo Padrão é uma teoria científica das partículas elementares — decidiu-se decretar que uma interpretação objetiva da realidade é impossível.
Quem acredita estar olhando para o mundo a olho nu não passa de um coitado, segundo essa versão; um coitado que ignora o calidoscópio grudado na própria cara.
Só que, em vez de tratar essa constatação como advertência — um aviso para que se tome cuidado com preconceitos e distorções, com as pressões do grupo e subjetivismos, algo que poderia levar a uma (re)descoberta do método científico — o que os marxistas fizeram equivaleu a uma rendição epistemológica: Ok, tudo é ideologia, objetividade é impossível, então posso ver o mundo como eu quiser. Daí a se chegar à convicção de que existe uma ideologia dos mocinhos (esquerdista) e uma dos bandidos (de direita) foi um pulo.
Ou: frente a uma estrada esburacada, optou-se não por dirigir com cuidado, mas por escolher um buraco confortável e deixar-se cair nele.
(Quem acha que estou fazendo uma caricatura cruel do pensamento marxista, po favor, tente cursar uma carreira de humanidades na USP e depois me conte).
Claro, como todo relativismo radical, essa visão de que “tudo é ideologia” cai na velha armadilha da autonegação: se tudo é ideologia, então “tudo é ideologia” também não é verdade, pois não passa de uma ideologia, portanto…