Lei Seca
A proibição draconiana do consumo de álcool antes de dirigir é o tipo de lei que, de tão severa, já nasce desmoralizada, e ainda gera o risco de jogar uma boa causa no descrédito, por conta do exagero e do ridículo.
Primeiro, porque num país onde quem quer dirige até sem carteira de motorista, sem documento do carro e comete barbaridades à vontade — exceto excesso de velocidade e passar sinal vermelho, porque aí tem radar automático — alguém realmente acredita que haverá fiscalização eficiente para impor a nova norma?
Claro que o motorista que se envolver em acidentes ou que praticar direção perigosa sob os efeitos do álcool deve ser punido de modo severo, com cadeia, até; claro que estar alcoolizado deve ser um agravante na pena imposta nesses casos. Até acho que lesão ou morte provocadas por condutor embriagado têm mesmo de ser tratadas como crime doloso.
Mas uma coisa é punir o dano efetivamente provocado; outra, ameaçar (em vão) punir a possibilidade do dano.
E aí chegamos ao meu segundo ponto: será que a correlação entre álcool e mortes no trânsito justifica a medida? Andei fazendo umas contas…
De acordo com dados do segundo semestre do ano passado, o Brasil acumulava 254 mil mortes no trânsito em oito anos, o que dá uma média de 32 mil mortes ao ano (supondo que morram cerca de 3 milhões de brasileiros a cada ano – 1/71 avos da população, proporção que tirei da atual expectativa de vida do brasileiro – o trânsito responde por 1% do total de mortes).
Já de acordo com o sindicato dos fabricantes de cerveja, o consumo basileiro anual é de 47 litros per capita. Sendo a população brasileira de cerca de 200 milhões, isso dá por volta de de 10 bilhões de litros.
Dividindo o número de mortes pelo de litros de cerveja consumidos, a razão é (valei-me, calculadora do Windows!) de 0,0000032 morte por litro. Ou, uma morte a cada 32o.000 litros de cerveja consumidos.
Falando assim, parece que não tem nada uma coisa a ver com a outra. Mas é claro que esse número não faz lá muito sentido: trata-se de uma média ampla demais. Mas, aí está: a lei também é ampla demais.
Olhando por outro ângulo: o Ministério da Saúde estima que 290 mil motoristas alcoolizados saiam às ruas todos os dias (alcoolizados mesmo, não gente que tomou meio chope duas horas atrás). Num ano, isso totaliza 100 milhões. A 32 mil mortes ao ano, é 0,00032 morte por bebum, ou um motorista embriagado para cada 3 mil mortes. Ou ainda, a chance de um bêbado ao volante acabar matando alguém é de 0,o3%.
Pode não parecer muito, mas é uma morte a cada 30.000 viagens de automóvel feitas por gente bêbada. Voltando ao número anterior de 290 mil bêbados ao volante a cada dia, isso são dez mortes diárias causadas por motoristas embriagados. Repito: Dez ao dia.
Ou ainda: supondo que três amigos saiam bêbados do happy hour todo dia e guiem para casa, 300 dias por ano (descontando férias e finais de semana), isso garante que, em 30 anos de carreira, um deles acabará tirando pelo menos uma vida.
Discussão - 1 comentário
Ora! O simples fato da legislação impedir que um motorista, em 30 anos de carreira, tire uma única vida, já não justifica a legislação?