Quando é melhor ser gorila

Jenny, uma fêmea,  o mais velho gorila em cativeiro, sofreu eutanásia aos 55 anos, depois que veterinários concluíram que um câncer em seu estômago — que a impedia de comer e beber — era incurável.
Se fosse Homo sapiens, teria de esperar semanas em agonia, passando fome, sede e dores excruciantes, só para manter meia-dúzia de bispos e seus puxa-sacos na política satisfeitos.
Quando chegar a minha hora, por favor, tratem-me como um gorila de zoológico.

Complexidade

Minha postagem de ontem terminou com uma afirmação sobre o fato de haver programas de computador de diferentes graus de complexidade — isso era uma isca para alguém me perguntar como se mede complexidade. Mas já que ninguém mordeu o anzol, mordo-o eu mesmo! 🙂
Em seu livro sobre computação quântica (assunto já muito bem tratado no Universo Físico), Programming the Universe, Seth Lloyd pondera que medidas de complexidade geralmente tentam capturar o ponto de equilíbrio entre duas características de um sistema: o quanto é difícil descrevê-lo ou o quanto é difícil construí-lo. 
Ele passa pelos conceitos de complexidade termodinâmica (quantos bits são necessários para descrever precisamente um sistema) e complexidade algorítmica (qual o comprimento do menor programa de computador capaz de gerar uma descrição do sistema), mas nota que essas formulações medem informação bruta, não esforço ou estrutura.
LLoyd considera mais útil o conceito de complexidade computacional — o número de operações lógicas (AND, NOT, OR, COPY) envolvidas na geração de um resultado — e, mais útil ainda, o de profundidade lógica, ou o número de operações lógicas do menor programa capaz de gerar esse mesmo resultado.
Mas o conceito favorito é o que ele chama de complexidade profundidade termodinâmica, ou negentropia : o número de bits relevantes para a construção de um sistema. “Relevantes”, no caso, são os bits que, se alterados, fariam do sistema uma outra coisa. Por exemplo, a posição exata de cada átomo de carbono em meu corpo não é relevante pra eu ser o que (e quem) sou, mas o padrão geral em que eles estão organizados e a posição das bases do DNA no núcleo de minhas células são, claro, fundamentais.
Ou: a posição exata de cada molécula de oxigênio nesta sala não é importante, mas a pressão, a composição e a temperatura do ar, são. 
Assim: um sistema que requer muita informação para ser reconhecido como aquilo que é (um ser humano, um elefante, um nave espacial) tem alta profundidade termodinâmica; já um sistema que, embora tenha muita informação (as moléculas de ar nesta sala, cada uma com sua composição química, posição e velocidade), poderia continuar sendo exatamente o que é (uma massa de ar preenchendo a sala), mesmo se boa parte dessa informação mudasse, é termodinamicamente “raso”.
Isso gera algumas questões interessantes sobre o grau de subjetividade –e de recursividade: em que nível o sistema está sendo analisado — que fica implícito no conceito de complexidade, mas essa é uma discussão ara outra hora…

Xique no úrtimo, ou o Teorema de Turing

Anuncio que esta postagem está sendo escrita dentro de um browser Google Chrome, que acabo de baixar. Logo, se der pau, a culpa não é minha… Aliás, eu costumava me perguntar por que diabos as empresas que produzem software não testam direito seus produtos antes de lançá-los ao público, expondo-se sempre ao ridículo de ter um “bug” embaraçoso revelado por um nerd qualquer a qualquer momento.
Costumava me perguntar isso até descobrir o Teorema de Turing, que prova que é impossível criar um procedimento infalível para descobrir se programas de computador vão ou não funcionar direito. Basicamente, um “debug” universal é tão viável quanto uma máquina de moto perpétuo. 
O motivo disso é que a idéia de um programa capaz de prever o funcionamento de outros programas leva a um paradoxo. Rapidamente: imagine que o SUPERDEBUG é um programa que aceita outros programas e inputs destinados a outros programas, e que responde “OK” se o outro programa, combinado com o input, for rodar direito, e “TRAVA” se a combinação for levar a um travamento ou a um loop infinito — por exemplo, com caso do famoso programa do Sr. Spock, “DETEMINE_O_DÍGITO_FINAL”, tendo como input “PI”.
Agora, imagine que eu crie um programa, o “ESTRAGA_PRAZER”, com a seguinte característica: ele aceita o SUPERDEBUG e um outro programa qualquer, W, como input, e trava se a solução do SUPERDEBUG para W for “OK”, e diz “OK” se a solução do SUPERDEBUG para W for “TRAVA”. 
Agora, o que acontece se eu botar o O “ESTRAGA _PRAZER” para rodar o “SUPERDEBUG” rodando, em vez de um programa genérico “W”,  o próprio “ESTRAGA-PRAZER” rodando o “SUPERDEBUG” ? Se o “SUPERDEBUG” disser “OK”, o “ESTRAGA_PRAZER” trava. Se o “SUPERDEBUG” disser “TRAVA”, o “ESTRAGA_PRAZER” funciona numa boa a diz “OK”.
Ops.
Temos uma contradição. Logo, um “SUPERDEBUG” universal é impossível, porque sempre haverá um programa “ESTRAGA_PRAZER” capaz de fazê-lo meter os pés pelas mãos.
Claro, programas relativamente simples, como PRINT “aeiou” são fáceis de checar no olhômetro, mas sistemas mais complexos são outra coisa. O único jeito de ter certeza do que um programa de computador, a partir de um certo grau de complexidade, realmente faz é pondo-o para rodar.
Isso tem, aliás, algumas implicações para o debate entre determinismo e livre arbítrio: note que computadores são máquinas determinísticas, operando de forma lógica com base em software que é um conjunto de instruções também lógicas. E, a despeito disso, não dá pra saber o que vão fazer até que façam.
 Quem precisa de metafísica, afinal?

Livre para acreditar, para prever… para fraudar?

Uma cidade dos Estados Unidos decidiu revogar uma lei — que já não era imposta com muito zelo, de qualquer modo — proibindo pessoas de ganhar dinheiro prometendo “prever o futuro”. Basicamente, era uma lei contra charlatanismo esotérico e que atingia tarólogos, astrólogos e quetais.
O argumento a favor da derrubada da lei é que ela interfere na liberdade de crença e religião.
Diz a Associated Press:
“As pessoas têm o direito de acreditar nessas coisas e de prever o futuro, de dizer o que pensam e, até mesmo, de cobrar por isso”, disse Charles Haynes, descrito como “importante intelectual” do First Amendment Center. (“First Amendment” é o artigo da Constituição dos EUA que garante liberdade de expressão e de culto). “O governo não tem o poder de determinar se essas pessoas estão cometendo fraude”.
Trata-se, é preciso reconhecer, de uma questão delicada. Como James Randi já bem notou em seu livro investigativo sobre curandeiros evangélicos, The Faith Healers, as autoridades estão dispostas a tolerar qualquer coisa que não chegue a homicídio — e, às vezes, até isso — para não serem acusadas de perseguição religiosa.
Uma solução para o dilema talvez fosse a postura britânica, que numa reformade sua lei de defesa do consumidor estendeu explicitamente as normas de comércio justo aos prestadores de serviços, digamos, “místicos”. Basicamente, vender e não entregar é crime. Mesmo se o produto em questão for o amor do ex-namorado ou a previsão do resultado de uma entrevsita de emprego.
Críticos da lei britânica notaram que nem mesmo as igrejas estabelecidas serão capazes de atender às exigências da proteção ao consumidor, e concluíram que isso é uma prova de que a há algo essencialmente errado com a regulamentação.  De minha parte, concordo com a premissa, mas acho que a conclusão correta é a de que o “essencialmente errado” encontra-se em outro lugar.
No Brasil, a Universal já foi condenada a devolver dinheiro a fiéis em pelo menos duas ocasiões, uma por incapacidade mental e outra, por arrependimento.
Mas esse tipo de ação judicial é raro (nunca vi um católico pedindo doações de volta, por exemplo); existe um forte componente psicológico aí: como ocorre na maioria dos casos de conto do vigário , a vítima dificilmente está disposta a se submeter a uma a agressão à própria vaidade — assumir que foi enganada — para tentar reaver o dinheiro perdido. Parafraseando Ben Franklin, o único mentiroso maior que um charlatão é sua vítima.

A água é milagrosa, mas seguro morreu de velho

Cortesia da Agência Reuters, via Yahoo! News: o Vaticano advertiu os jornalistas que acompanharão o papa Bento XVI ao Santuário de Lourdes para que não levem amostras da “água santa” do pólo turístico francês na bagagem de mão, porque líquidos transportados dessa forma poderão ser confiscados por razões de segurança.
Já postei sobre Lourdes antes, mas nunca é demais lamentar que papas, como o atual e seu antecessor, insistam em legitimar uma fraude tão bem documentada (bom, pensando bem, pode até ser lamentável, mas não chega a ser surpreendente — veja-se como, até hoje, a igreja tergiversa sobre o Sudário de Turim).
De resto, a idéia de que terroristas poderiam usar garrafinhas de água milagrosa para transportar, digamos, ácido sulfúrico ou nitroglicerina faz sentido; e é bom ver que as autoridades não estão contando com a fé como escudo contra essas coisas.
Nem com o papa. Nem em Lourdes.

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